sexta-feira, 16 de julho de 2010

Antonio Cândido (O Escritor e o Público) - Parte II


Quando consideramos a literatura no Brasil, vemos que a sua orientação dependeu em parte dos públicos disponíveis nas várias fases, a começar pelos catecúmenos, estímulo dos autos de Anchieta, a eles ajustados e sobre eles atuando como lição de vida e concepção do mundo. Vemos em seguida que durante cerca de dois séculos, pouco mais ou menos, os públicos normais da literatura foram aqui os auditórios — de igreja, academia, comemoração. O escritor não existia enquanto papel social definido; vicejava como atividade marginal de outras, mais requeridas pela sociedade pouco diferenciada: sacerdote, jurista, administrador. Querendo fugir daí e afirmar-se, só encontrava os círculos populares de cantigas e anedotas, a que se dirigiu o grande irregular sem ressonância nem influência, que foi Gregório de Matos na sua fase brasileira.

A cerimônia religiosa, a comemoração pública foram ocasião para se formarem os públicos mais duradouros em nossa literatura colonial, dominada pelo sermão e pelo recitativo. As fugazes Academias constituem caso sugestivo, representando, do ponto de vista em que nos colocamos, esforço de criação artificial de um público por parte dos próprios escritores (escritores parciais, como vimos), que eram ao mesmo tempo grupo criador, transmissor e receptor; grupo multifuncional de ressonância limitada e dúbia caracterização, onde a literatura acabava por abafar a si mesma, esterilizando-se por falta de um ponto de apoio.

É preciso chegarmos ao fim do século XVIII e à fase que precede a Independência para podermos avaliar como se esboçam os elementos característicos do público e da posição social do escritor, definindo-se os valores de comunicação entre ambos. Como não se pretende aqui uma descrição completa, apenas estes elementos serão destacados, tentando-se avaliar qual foi a sua influência e persistência na evolução posterior.

Destaquemos desse contexto a função de Silva Alvarenga, provavelmente o primeiro escritor brasileiro que procurou harmonizar a criação com a militância intelectual, graças ao senso quase didático do seu papel. Em torno dele formou-se um grupo, o da Sociedade Literária, que se prolongou pelos dos alunos por ele formados como Mestre de Retórica e Poética, entre os quais alguns próceres da Independência. Assim, não apenas difundiu certa concepção da tarefa do homem de letras como agente positivo na vida civil, mas animou um movimento que teve continuidade, suscitando pequenos públicos fechados que se ampliariam, pela ação cívica e intelectual, até as reivindicações da autonomia política e, inseparável dela, da autonomia literária.

Digamos pois que, a exemplo do melodioso Alcino Palmireno, o escritor começou a adquirir consciência de si mesmo, no Brasil, como cidadão, homem da polis, a quem incumbe difundir as luzes e trabalhar pela pátria. Assim tocamos no principal elemento com que se integram aqui, a princípio, a sua consciência grupai e o seu conceito social: o nativismo, logo tornado em nacionalismo, manifestado nos escritos e em toda a sorte de associações político-culturais que reuniram sábios, poetas, oradores e, ao contrário das velhas Academias, os encaminharam para a ação sobre a sociedade, abrindo-se para o exterior por meio da paixão libertária, mesmo quando fechadas sobre si mesmas pelo esoterismo maçônico. Esta literatura militante chegou ao grande público como sermão, artigo, panfleto, ode cívica; e o grande público aprendeu a esperar dos intelectuais palavras de ordem ou incentivo, com referência aos problemas da jovem nação que surgia.

Esta união da literatura à política permitiu o primeiro contacto vivo do escritor com os leitores e auditores potenciais; e nada exprime melhor a ardente fé nas luzes do que os cursos organizados na prisão pelos revolucionários de 1817, em proveito dos que esperavam a condenação, talvez a morte, e onde Muniz Tavares ensinava lógica; frei Caneca, português; Basílio Torreão, geografia e história; Antônio Carlos, inglês… Futuros revoltosos de 1824, como Tristão de Alencar Araripe, aí se aperfeiçoaram e ganharam novas razões para lutar.

Ao nativismo e às associações é preciso acrescentar a presença dos religiosos, frades e padres, preeminentes nos dois casos, que vieram trazer o prestígio de uma instituição básica da Monarquia, a Igreja, pondo-a ao serviço das novas idéias e conferindo respeitabilidade à atividade intelectual ilustrada. Um sacerdote, Sousa Caldas, escreveu no último decênio do século XVIII um dos mais vigorosos libelos nativistas e ilustrados, o poema d'As AVES; e as cinco restantes dentre as suas perdidas CARTAS defendem a liberdade de pensamento em face do poder civil e religioso, com um modernismo e um vigor que permitem considerar o extravio das outras como das maiores perdas para a nossa literatura e a evolução do nosso pensamento.

De tudo se conclui que no primeiro quartel do século XIX esboçaram-se no Brasil condições para definir tanto o público quanto o papel social do escritor em conexão estreita com o nacionalismo.

Decorre que os escritores, conscientes pela primeira vez da sua realidade como grupo graças ao papel desempenhado no processo da Independência e ao reconhecimento da sua liderança no setor espiritual, vão procurar, como tarefa patriótica, definir conscientemente uma literatura mais ajustada às aspirações da jovem pátria, favorecendo entre criador e público relações vivas e adequadas à nova fase.

A posição do escritor e a receptividade do público serão decisivamente influenciadas pelo fato da literatura brasileira ser então encarada como algo a criar-se voluntariamente para exprimir a sensibilidade nacional, manifestando-se como ato de brasilidade. Os jovens românticos da Niterói são em primeiro lugar patriotas que desejam complementar a Independência no plano estético; e como os moldes românticos previam tanto o sentimento de segregação quanto o de missão — que o compensa — o escritor pôde apresentar-se ao leitor como militante inspirado da idéia nacional.

Vemos, então, que nativismo e civismo foram grandes pretextos, funcionando como justificativa da atividade criadora; como critério de dignidade do escritor; como recurso para atrair o leitor e, finalmente, como valores a transmitir. Se as edições dos livros eram parcas, e lentamente esgotadas, a revista, o jornal, a tribuna, o recitativo, a cópia volante, conduziam as suas idéias ao público de homens livres, dispostos a vibrar na grande emoção do tempo.

Tão importante é esta circunstância para a criação e difusão da literatura, que outras tendências literárias buscavam nela razão de ser, como foi o caso das que se designam pelo nome genérico de sentimentalismo. Assim, a melancolia, a nostalgia, o amor da terra foram tidos como próprios do brasileiro; foram considerados nacionais a seu modo, de valor quase cívico, e frequentemente inseparáveis do patriotismo.

Verifica-se, pois, que escritor e público definiram-se aqui em torno de duas características decisivas para a configuração geral da literatura: Retórica e nativismo, fundidos no movimento romântico depois de um desenvolvimento anterior. A ação dos pregadores, dos conferencistas de academia, dos glosadores de mote, dos oradores nas comemorações, dos recitadores de toda hora correspondia a uma sociedade de iletrados, analfabetos ou pouco afeitos à leitura ("(…) as peças oratórias eram escritas para ser recitadas, mas eram-no com verdadeiro entusiasmo. O povo, que nada lia, era ávido por ouvir os oradores mais famosos (…) Não havia divertimentos públicos, como hoje; o teatro era nulo; as festas de igreja eram concorridíssimas." (Sílvio Romero, História da literatura brasileira, 2a ed., vol. I, Garnier, Rio de Janeiro, 1902-1903, p. 270). Deste modo, formou-se, dispensando o intermédio da página impressa, um público de auditores, muito maior do que se dependesse dela e favorecendo, ou mesmo requerendo, no escritor, certas características de facilidade e ênfase, certo ritmo oratório que passou a timbre de boa literatura e prejudicou entre nós a formação dum estilo realmente escrito para ser lido. A grande maioria dos nossos escritores, em prosa e verso, fala de pena em punho e prefigura um leitor que ouve o som da sua voz brotar a cada passo por entre as linhas.

Esta tendência recebeu incremento do nacionalismo, propenso a assumir o tom verbal e mesmo verboso, que desperta a emoção. Formado sob a sua égide, o escritor brasileiro guardou sempre algo daquela vocação patriótico-sentimental, com que justificou a princípio a sua posição na sociedade do país autonomista, e logo depois independente; o público, do seu lado, sempre tendeu a exigi-la como critério de aceitação e reconhecimento do escritor. Ainda hoje, a cor local, a exibição afetiva, o pitoresco descritivo e a eloquência são requisitos mais ou menos prementes, mostrando que o homem de letras foi aceito como cidadão, disposto a falar aos grupos; e como amante da terra, pronto a celebrá-la com arroubo, para edificação de quantos, mesmo sem o ler, estavam dispostos a ouvi-lo. Condições todas, como se vê, favorecendo o desenvolvimento, a penetração coletiva de uma literatura sem leitores, como foi e é em parte a nossa.

Sob este ponto de vista, exemplo interessante é o Indianismo, que constitui elaboração ideológica do grupo intelectual em resposta a solicitações do momento histórico e, desenvolvendo-se na direção referida, satisfez às expectativas gerais do público disponível; mas graças ao seu dinamismo como sistema simbólico, atuou ativamente sobre ele, criando o seu público próprio. Não se pode aceitar a opinião de Capistrano de Abreu, para quem ele possui raízes populares, dando forma a certas tendências que, no seio do povo, opunham ao português, o índio, em sentido nativista. A sua raiz é erudita. Mergulha imediatamente no exemplo de Chateaubriand, com uma vitalidade compreensível pela influência mediata de Basílio da Gama e Santa Rita Durão — eles próprios desenvolvendo uma linha de aproveitamento ideológico do índio como protótipo da virtude natural, que remonta aos humanistas do século XVI. Os românticos fundiram a tradição humanista na expressão patriótica e forneceram deste modo à sociedade do novo Brasil um temário nacionalista e sentimental, adequado às suas necessidades de auto-valorização. De tal forma que ele transbordou imediatamente dos livros e operou independentemente deles — na canção, no discurso, na citação, na anedota, nas artes plásticas, na onomástica, propiciando a formação de um público incalculável e constituindo possivelmente o maior complexo de influência literária junto ao público, que já houve entre nós.

Mencionemos agora outra consequência importante da literatura se haver incorporado ao civismo da Independência e ter-se ajustado a públicos mais amplos do que os habilitados para a leitura compreensiva: a sua aceitação pelas instituições governamentais, com a decorrente dependência em relação às ideologias dominantes. Neste sentido, avultam três fatores: o frequente amparo oficial de D. Pedro II, o Instituto Histórico e as Faculdades de Direito (Olinda-Recife e São Paulo). A sua função consistiu, de um lado, em acolher a atividade literária como função digna; de outro, a podar as suas demasias, pela padronização imposta ao comportamento do escritor, na medida em que era funcionário, pensionado, agraciado, apoiado de qualquer modo. Houve, neste sentido, um mecenato por meio da prebenda e do favor imperial, que vinculavam as letras ( os literatos à administração e à política, e que se legitima na medida em que o Estado reconhecia, desta forma (confirmando-o junto ao público), o papel cívico e construtivo que o escritor atribuía a si próprio como justificativa da sua atividade.

À medida, porém, que o século correu, foi-se vendo outro aspecto desta realidade, que a completa e é em parte devida às próprias Faculdades jurídicas: a reação ante essa ordem excessiva por parte do boêmio e do estudante, que muitas vezes eram o escritor antes da idade burocrática. Este elemento renovador e dinamizador acabou por ser parcialmente racionalizado pelas ideologias dominantes, esboçando-se nos costumes certa simpatia complacente pelo jovem irregular, que antes de ser homem grave quebrava um pouco a monotonia do nosso Império encartolado, mas nem por isso perdia o benefício do seu apoio futuro. Conta-se que Guimarães Passos, moço e miserável, sem ter o que almoçar, planejou com um companheiro de boêmia roubar a carne servida às feras que o Imperador mantinha na Quinta da Boa Vista. Tentando retirá-la de uma jaula, foi afugentado pelos rugidos do animal e veio, em carreira desabalada, parar nas janelas da biblioteca. O bibliotecário, com senso de humor, interessou-se pelo caso, e o talentoso gatuno acabou nomeado arquivista do Palácio…

A anedota simboliza admiravelmente a atitude paternal do Governo, numa sociedade em que o escritor esperava acomodar-se nas carreiras paralelas e respeitáveis, que lhe permitiriam viver com aprovação pública, redimindo ou compensando a originalidade e a rebeldia. Por isso mesmo, talvez tenha sido uma felicidade a morte de tantos escritores de talento antes da servidão burocrática.

Não estranha, pois, que se tenha desenvolvido na nossa literatura oitocentista um certo conformismo de forma e fundo, apesar das exceções já referidas. Ele se liga ao caráter, não raro assumido pelo escritor, de apêndice da vida social, pronto para submeter sua criação a uma tonalidade média, enquadrando a expressão nas bitolas de gosto. Muitos dos nossos maiores escritores — inclusive Gonçalves Dias e Machado de Assis — foram homens ajustados à superestrutura administrativa. A condição de escritor funcionou muitas vezes como justificativa de prebenda ou de sinecura; e para o público, como reconhecimento do direito a ambas, — num Estado patrimonialista como era o nosso. Ainda depois da Revolução de 1930, certa reforma severa no então recente Ministério da Educação, obrigando os inspetores de ensino a desempenhar efetivamente os cargos, esbarrou em três eminentes escritores e os deixou à margem da exigência, reconhecendo desta forma o direito secular do homem de letras, cuja atividade específica justificava o desleixo das que lhe eram dadas por acréscimo. O Estado e os grupos dirigentes não funcionavam, porém, apenas como patronos, mas como sucedâneo do público; público vicariante, poderíamos dizer. Com efeito, na ausência de públicos amplos e conscientes, o apoio ou pelo menos o reconhecimento oficial valeram por estímulo, apreciação e retribuição da obra, colocando-se ante o autor como ponto de referência.

Note-se, também, que prosseguiu por todo o século XIX, e até o início do século XX, a tradição de auditório (ou que melhor nome tenha), graças não apenas à grande voga do discurso em todos os setores da nossa vida, mas, ainda, ao recitativo e à musicalização dos poemas. Foram estas as maneiras principais de veicular a poesia — tanto a dos poetas oficiais, como Magalhães ou Porto Alegre, quanto a dos irregulares como Laurindo Rabelo ou Aureliano Lessa. Se as edições eram escassas, a serenata, o sarau e a reunião multiplicavam a circulação do verso, recitado ou cantado. Desta maneira, românticos e pós-românticos penetraram melhor na sociedade, graças a públicos receptivos de auditores. E não esqueçamos que, para o homem médio e do povo, em nosso século a encarnação suprema da inteligência e da literatura foi um orador, Rui Barbosa, que quase ninguém lê fora de algumas páginas de antologia.

Como traço importante, devido ao desenvolvimento social do Segundo Reinado, mencionemos o papel das revistas e jornais familiares, que habituaram os autores a escrever para um público de mulheres, ou para os serões onde se lia em voz alta. Daí um amaneiramento bastante acentuado que pegou em muito estilo; um tom de crônica, de fácil humorismo, de pieguice, que está em Macedo, Alencar e até Machado de Assis. Poucas literaturas terão sofrido, tanto quanto a nossa, em seus melhores níveis, esta influencia caseira e dengosa, que leva o escritor a prefigurar um público feminino e a ele se ajustar.

Se for válida esta análise esquemática, devemos concluir que as condições que presidiram, no Brasil, à definição tanto do público quanto do escritor deviam ter favorecido entre ambos uma comunicação fácil e ampla. Mas ficou também visto que o escritor não pôde contar, da parte do público, com uma remuneração que este não era capaz de fornecer, obrigando o Estado a interpor-se entre ambos, como fonte de outras formas de retribuição.

Daí uma situação peculiar no tocante às relações entre o escritor e o grande público — que agora vamos encarar como conjunto eventual de leitores. É que no Brasil, embora exista tradicionalmente uma literatura muito acessível, na grande maioria, verifica-se ausência de comunicação entre o escritor e a massa. O paradoxo é apenas aparente, podendo talvez explicar-se por meio do critério seguido no presente estudo.

Com efeito, o escritor se habituou a produzir para públicos simpáticos, mas restritos, e a contar com a aprovação dos grupos dirigentes, igualmente reduzidos. Ora, esta circunstância, ligada à esmagadora maioria de iletrados que ainda hoje caracteriza o país, nunca lhe permitiu diálogo efetivo com a massa, ou com um público de leitores suficientemente vasto para substituir o apoio e o estímulo de pequenas elites. Ao mesmo tempo, a pobreza cultural destas nunca permitiu a formação de uma literatura complexa, de qualidade rara, salvo as devidas exceções. Elite literária, no Brasil, significou até bem pouco tempo, não refinamento de gosto, mas apenas capacidade de interessar-se pelas letras.

Correspondendo aos públicos disponíveis de leitores, — pequenos e singelos — a nossa literatura foi geralmente acessível como poucas, pois até o Modernismo não houve aqui escritor realmente difícil, a não ser a dificuldade fácil do rebuscamento verbal que, justamente porque se deixa vencer logo, tanto agrada aos falsos requintados. De onde se vê que o afastamento entre o escritor e a massa veio da falta de públicos quantitativamente apreciáveis, não da qualidade pouco acessível das obras.

Daí o êxito (dentro das limitações apontadas) de tanto escritor de talento, apesar de muita demagogia romântica em contrário. Nenhum exemplo mais significativo que o de Euclides da Cunha, difícil, afrontando os poderes, fustigando o Exército — e no entanto aceito triunfalmente pelo Exército, pelos poderes, pelos leitores.

Mas, ainda aqui, devemos voltar ao chavão inicial que nos vem guiando, e lembrar que a constituição do patriotismo como pretexto, e a consequente adoção pelo escritor do papel didático de quem contribui para a coletividade, devem ter favorecido a legibilidade das obras. Tornar-se legível pelo conformismo aos padrões correntes; exprimir os anseios de todos; dar testemunho sobre o país; exprimir ou reproduzir a sua realidade, — é tendência que verificamos em Magalhães, Alencar, Domingos Olímpio, Bilac, Mário de Andrade, Jorge Amado. Mesmo quando o grande público permanece indiferente, e ele só conta com os pequenos grupos, o escritor brasileiro permanece fácil na maioria dos casos. Como aconteceu na Rússia e na América Espanhola (isto é, nações visando à ocidentalização rápida), ele sempre reivindicou entre nós tarefas mais largas do que as comumente atribuídas à sua função específica.

Estas considerações mostram por que quase não há no Brasil literatura verdadeiramente requintada no sentido favorável da palavra, inacessível aos públicos disponíveis. A literatura considerada de elite na tradição ocidental, sendo hermética em relação ao leitor de cultura mediana, exprime quase sempre a autoconsciência extrema de um grupo, reagindo à opinião cristalizada da maioria, que se tornou pesada e sufocadora. Entre nós, nunca tendo havido consolidação da opinião literária, o grupo literário nunca se especializou a ponto de diferenciar-se demasiadamente do teor comum de vida e de opinião. Quase sempre produziu literatura como a produziriam leigos inteligentes, pois quase sempre a sua atividade se elaborou à margem de outras, com as quais a sociedade o retribuía. Papel social reconhecido ao escritor, mas pouca remuneração para o seu exercício específico; público receptivo, mas restrito e pouco refinado. Consequência: literatura acessível mas pouco difundida; consciência grupai do artista, mas pouco refinamento artesanal.

Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

Um comentário:

josé roberto balestra disse...

Maravilhado com os ensinamentos do mestre Antonio Cândido, estou seguindo e guardando as publicações aqui do blog. abs