segunda-feira, 19 de julho de 2010

Antonio Cândido (O Escritor e o Público) - Parte Final



As considerações anteriores procuram apontar algumas condições da produção da literatura no Brasil, quase até os nossos dias, do ponto de vista das relações do escritor com o público e dos valores de comunicação.

Na primeira metade do século XX houve alterações importantes no panorama traçado, principalmente a ampliação relativa dos públicos, o desenvolvimento da indústria editorial, o aumento das possibilidades de remuneração específica. Em consequência, houve certa desoficialização da literatura, que havia atingido nos dois primeiros decênios extremos verdadeiramente lamentáveis de dependência ideológica, tornando-se praticamente complemento da vida mundana e de banais padrões acadêmicos. A partir de 1922 o escritor desafogou; e embora arriscando a posição tradicionalmente definida de "ornamento da sociedade" e as consequentes retribuições, pôde definir um papel mais liberto, mesmo não se afastando na maioria dos casos do esquema traçado anteriormente — de participação na vida e aspiração nacionais. A diferenciação dos públicos, alguns dos quais melhor aparelhados para a vida literária, permitiu maiores aventuras intelectuais e a produção de obras marcadas por visível inconformismo, como se viu nas de alguns modernistas e pós-modernistas. Convém mencionar que as elites mais refinadas do segundo quartel do século XX não coincidiram sempre, felizmente, a partir de então, com as elites administrativas e mundanas, permitindo assim às letras ressonância mais viva.

Se considerarmos o panorama atual, talvez notemos duas tendências principais no que se refere à posição social do escritor. (O "atual" deste escrito é o ano de 1955, quando foi publicado) De um lado, a profissionalização acentua as características tradicionais ligadas à participação na vida social e à acessibilidade da forma; de outro, porventura como reação, a diferenciação de elites exigentes acentua as qualidades até aqui recessivas de refinamento, e o escritor procura sublinhar as suas virtudes de ser excepcional. Há, portanto, uma dissociação do panorama anterior, que lhe dá maior riqueza e, afinal, um contraponto mais vivo. Ao contrário do que se tinha verificado até então, quase sem exceções (pois a supervisão dos grupos dominantes incorporava e amainava imediatamente as inovações e os inovadores), assistiu-se entre nós ao esboço de uma vanguarda literária mais ou menos dinâmica.

É preciso agora mencionar, como circunstância sugestiva, a continuidade da "tradição de auditório", que tende a mantê-la nos caminhos tradicionais da facilidade e da comunicabilidade imediata, de literatura que tem muitas características de produção falada para ser ouvida. Daí a voga da oratória, da melodia verbal, da imagem colorida. Em nossos dias, quando as mudanças assinaladas indicavam um possível enriquecimento da leitura e da escrita feita para ser lida, — como é a de Machado de Assis, — outras mudanças no campo tecnológico e político vieram trazer elementos contrários a isto. O rádio, por exemplo, reinstalou a literatura oral, e a melhoria eventual dos programas pode alargar perspectivas neste sentido. A ascensão das massas trabalhadoras propiciou, de outro lado, não apenas maior envergadura coletiva à oratória, mas um sentimento de missão social nos romancistas, poetas e ensaístas, que não raro escrevem como quem fala para convencer ou comover.
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Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

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