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sexta-feira, 12 de abril de 2024

Panorama da literatura indígena brasileira (entrevista com Julie Dorrico)

Entrevista realizada em 1 de julho de 2019, por Literatura RS
Texto e edição: Vitor Diel

Literatura indígena brasileira contemporânea, literatura de autoria indígena ou literatura nativa. As distintas designações referendam o mesmo tema: a produção escrita de autores representantes dos povos originários do Brasil. 

Este é o recorte ao qual a doutoranda em Teoria da Literatura no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, Julie Dorrico, se dedica. Descendente do povo Macuxi, de Roraima, a pesquisadora fala com exclusividade ao Literatura RS sobre a rica história da produção literária de autoria indígena, seu (ainda tímido, conforme a entrevistada) reconhecimento pela Academia Brasileira e a situação da produção literária indígena em 2019 — declarado pela UNICEF como o ano internacional das línguas dos povos indígenas.

Fale-nos sobre o panorama atual da literatura de autoria indígena brasileira.

A literatura indígena brasileira contemporânea é um movimento literário que nasce para a sociedade envolvente na década de 1990. Esse movimento caracteriza-se no cenário nacional por sua autoria: a autoria coletiva e a autoria individual. Antes de tudo, convém enfatizar que até a década de 1990, era raríssimo encontrar obras publicadas que carregassem na capa ou na ficha catalográfica o nome de um indivíduo indígena. E mais raro ainda ele ser conhecido no país como autor ou mesmo escritor. Em 1980, já existia esse desejo de autoria pelos indivíduos indígenas; com isso, vemos algumas obras serem publicadas, como “Antes o mundo não existia”, de Firmiano Arantes Lana e Luiz Gomes Lana, do povo Desana. Ainda em 1975, Eliane Potiguara escrevia o poema “Identidade Indígena”.

Todavia, só na década de 1990 que a produção indígena torna-se mais pungente, caracterizando um movimento literário desde os indígenas: primeiro nas aldeias, com a autoria coletiva, a partir da educação escolar indígena, direito assegurado na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210, graças à luta e organização de lideranças indígenas brasileiras. A autoria coletiva é uma produção realizada pelos alunos e professores indígenas que produzem materiais didático-pedagógicos que destinam-se ao ensino da sua comunidade, o ensino da sua língua materna em escrita alfabética e o ensino da língua portuguesa, bem como narrativas e outros saberes.

Segundo, com a autoria individual, com a publicação da obra “Todas as vezes que dissemos adeus”, de Kaká Werá, em 1994, e “Histórias de índio”, de Daniel Munduruku, em 1996, que demarcava o território simbólico das artes no Brasil. Kaká Werá e Daniel Munduruku são os pioneiros e, ouso dizer, idealizadores desse projeto literário que busca diminuir a distância e o desconhecimento da sociedade envolvente para com os povos originários. Hoje, a partir de um levantamento bibliográfico realizado por Daniel Munduruku, Aline Franca e Thúlio Dias Gomes, intitulado Bibliografia das Publicações Indígenas do Brasil, é possível conhecer autores indígenas de diferentes etnias e suas publicações. Nesse trabalho, que está disponível online, é possível encontrar, na categoria da autoria individual, 44 escritores no total, sendo desse total, 11 mulheres. Sabemos que um autor, o René Khitãulu, da etnia Nambikwara, já é falecido, então seriam 43 vivos. Nesse levantamento, podemos conhecer ainda a lista de antologias, teses e dissertações, todas de autores indígenas.

Quantos povos indígenas nós temos no Brasil e quantos idiomas são conhecidos?

Segundo o Instituto Socioambiental, há no país 255 povos indígenas e 150 línguas diferentes. Mas é difícil precisar, em termos quantitativos, porque há grupos que atualmente estão em processo de retomada, isto é, passando a se autodeclarar indígenas, uma vez que tiveram suas identidade negadas e assassinadas, como os grupos existentes no Nordeste. Mais difícil ainda saber quais idiomas são mais conhecidos, porque em cada região há números diversos de povos com suas línguas maternas que na maioria das vezes ficam restritas aos próprios falantes daquela etnia.

Como você avalia a receptividade da Academia Brasileira à literatura indígena?

Considerando sua emergência na década de 1990, a procura maior das editoras na década de 2000, depois da publicação da Lei 11.645 de 2008 que torna obrigatório o ensino das culturas indígenas e afro-brasileiras em todo o currículo escolar, ainda acho tímida a recepção desse segmento. O contraponto está na atuação dos próprios escritores que promovem concursos literários, como o Curumim, que premia professores da educação básica que trabalha com literatura indígena na sala de aula, e o Tamoio, que busca novos escritores indígenas para somar ao movimento. Ambos, Curumim e Tamoio, são realizados desde o ano de 2004 sob direção de Daniel Munduruku, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Você defende que para compreendermos a literatura indígena é fundamental partirmos de uma perspectiva correlacionada com expressões estéticas de natureza oral ou visual. Por quê?

Eu defendo que para compreendermos a literatura indígena temos de reconhecer que a estrutura do pensamento ameríndio é diferente do ocidental. Ou seja, é preciso reconhecer que os povos indígenas se orientam a partir do princípio de homem integrado à natureza, e o sujeito do ocidente segue a lógica binária e dual de homem versus a natureza. O primeiro caso ajuda-nos a perceber por que na expressão literária o sujeito tem uma relação sagrada com a natureza. É nesse espaço da floresta que os seres humanos e não-humanos habitam e conduzem os modos de vida tradicionais desses povos. Assim, obras como “Coisas de índio”, de 1996, de Daniel Munduruku, vai nos mostrar de modo didático como são as vidas nas comunidades; “Nós somos só filhos”, de 2011, de Sulamy Katy, como o próprio título sugere, nos leva a assumir que não somos donos da natureza, mas que somos seus filhos, só filhos. A própria noção de que os povos indígenas são os “verdadeiros donos da floresta” é totalmente equivocada justamente porque eles não têm essa relação de posse com a natureza, mas de filhos dela, portanto, seria mais correto dizer que eles são os “guardiões da floresta”, e isso eles são.

A natureza oral das comunidades tradicionais traduz-se em suas literaturas. Se a literatura brasileira tem por tradição um cânone que inaugura-se nas Cartas do período colonial, passando pelo Barroco, Romantismo, Realismo, Modernismo, Concretismo até as expressões mais contemporâneas, deve-se levar em conta que a tradição da literatura indígena reside na ancestralidade que vive na oralidade. Então, a literatura indígena nasce para a sociedade nacional quando os sujeitos indígenas adquirem a escrita alfabética e a publicação e passam a contar as suas histórias, mas para as sociedades tradicionais, como diz Kaká, a literatura sempre existiu, sendo anterior à escrita e ao impresso. A edição e a publicação significa, dessa forma, uma ferramenta para expressar-se, dialogar sobre pertencimento étnico e sobrevivência.

A Constituição de 1988 assegura a construção de uma política educacional para os povos indígenas com método específico. Como estão essas garantias em 2019?

A educação escolar indígena está presente em muitas aldeias do país. Todas elas funcionando com projetos específicos e diferenciados assegurados na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210. Esse direito assegurado é resultado de lutas de lideranças indígenas, que também receberam o apoio da sociedade envolvente.

Em 2019, vemos um endurecimento do discurso nacional em relação aos povos indígenas. É natural estarmos todos apreensivos, por isso mesmo (é importante) o trabalho de artistas indígenas e intelectuais que trabalham para fortalecer a consciência dos povos indígenas e da sociedade nacional sobre a importância da terra, do direito à vida e às artes em geral, que foram tirados historicamente dos povos originários. Essa luta simbólica passa pela luta política, uma vez que a pauta central das causas indígenas situa-se no direito ao território. Sabemos que todas as políticas só podem ser efetivadas a partir do estabelecimento de um território — quero dizer que educação e saúde só serão possíveis para os povos originários se seus territórios forem respeitados e possibilitados.

Quais obras você recomendaria para apresentar essa literatura para quem ainda a desconhece?

Começo por recomendar alguns autores, como Daniel Munduruku, que possui uma variada produção, desde ensaio, memória, à literatura infanto-juvenil. Muitos autores indígenas escrevem para o público infantil e juvenil, e por isso mesmo às vezes são confundidos e de modo bastante equivocado tratados como quem produz uma literatura inferior. Kaká Werá diz que a estratégia de destinar o livro indígena a esse público está em reconhecer que ele é mais livre de preconceitos que os mais velhos. E eu ainda arrisco dizer que a sociedade brasileira ainda é criança quando se trata de cultura indígena. Não conhece seus povos dentro de seus estados, não sabe falar uma língua indígena, ao passo que o inglês é quase regra. Também indicaria mulheres indígenas: Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Sulamy Katy, de quem falei brevemente, Lia Minapoty e Maria Kerexu, que escreve com Olívio Jekupe. O próprio Olívio Jekupe, Yaguarê Yamã, Cristino Wapichana, que, como Daniel Munduruku, é vencedor do prêmio Jabuti, Ely Macuxi, Tiago Hakiy e muitos outros mais.

Livros recomendados por Julie Dorrico:
– “A mulher que virou Urutau”, de Olívio Jukupe e Maria Derexu.
– “Coisas de índio”, de Daniel Munduruku.
– “Coração na aldeia, pés no mundo”, de Auritha Tabajara.
– “Ipaty, o Curumin da selva”, de Ely Macuxi.
– “Nós somos só filhos”, de Sulamy Haty.
– “O lugar do saber”, de Márcia Wayna Kambeba.
– “O sonho de Borum”, de Edson Krenak. 
– “Puratig, o remo sagrado”, de Yaguaré Yamã.
– “Tardes de Agosto Manhãs de Setembro Noites de Outubro”, de Jaider Esbell.

sábado, 6 de abril de 2024

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 3

20 - Eximir-se de enxertar no verso consonâncias ou palavras inúteis, com o fim exclusivo de ajudar a métrica. É a chamada cunha ou cavilha:

“Teu coração – um rubi –
teu coração de menina...” (Osório Duque Estrada)

“Por ti, meu pobre irmão – extinta palma –
chora minha arte pelos olhos da alma”. ( Luís Carlos)

Que seja o nosso amor – sidério mito! –
o límpido turíbulo das dores”. ( Cruz e Sousa )

21 - Os versos “agudos” não têm a suavidade dos versos graves. É quase sempre monótona, e até insuportável, uma composição poética, notadamente um soneto, que só tenha versos agudos. Quanto aos versos “esdrúxulos”, devem ser empregados com moderação. Mas, os agudos e os esdrúxulos têm meios de conseguir efeitos propícios quando combinados com os versos graves.

22 - Não consentir que sejam agudos os versos ímpares dos quartetos, principalmente quando são graves ou esdrúxulos os versos pares.

23 – Nos decassílabos, preferir as estrofes “heterorrítmicas”, ou seja, intercalar, habilmente, versos com a 6ª sílaba tônica (decassílabo “heróico” ) e versos com a 4ª e 8ª sílabas tônicas (decassílabo “sáfico” ). Essa maneira de agir impede a monotonia.

24 – O verso alexandrino, entretanto, por ser o dodecassílabo clássico, o verdadeiro, o legítimo, não deve abdicar de sua origem, composto de dois versos de seis sílabas (hemistíquios).

25 - O poeta, ao expressar os seus sentimentos, não pode esquecer-se de que, no uso adequado das letras consoantes e vogais, principalmente destas, reside um dos segredos de seu êxito de artista do verso. Deve jogar com 3 ou 4, e até com 5 vogais, em cada verso. Não repetir, se possível, no mesmo verso, as vogais das pausas métricas. Os melhores versos são aqueles em que existe maiores variedades de vogais, como:

“Rugindo estoura o mar em brumas serras”.
“Nize formosa como as garças pura” .

26 - É imprescindível que as expressões estejam coerentes com as ideias, de modo que umas e outras tenham correlações exatas, caminhando par a par, até atingirem o alvo pretendido, que é, inclusive, o sonhado “fecho de ouro”. “Cada palavra é uma ilha, de forma que o poema todo seria um arquipélago mantido coeso pelo fecho de ouro pretendido, como se este fosse a água que circula por entre as ilhas, ligando-as em vez de separá-las”. (Massaud Moisés)

27 – Sobre “forma” e “imaginação”, diz Júlio Dantas:
“Em geral, os poetas ingênuos, confiando nos acasos da inspiração e da rima, começam a escrever os seus versos antes de os ter pensado. Nas composições soltas não tem isso maior importância; no soneto, porém, é preciso aproveitar bem os 14 versos de que se dispõe, dizendo “tudo” o que se tem de dizer, mas “só” o que é indispensável dizer-se. Portanto, tem que se pensar bem no soneto antes de principiar a escrevê-lo. São impossíveis as divagações e a multiplicidade de motivos dentro do soneto clássico. Temos que limitar-nos a uma só idéia, a um só motivo”.

28 – Diz ainda Júlio Dantas:
“ A maior dificuldade dos sonetos está nas rimas iguais dos quartetos. É preciso que essas rimas sejam muito bem combinadas, muito bem escolhidas para que não se sinta o esforço do poeta e os versos corram límpidos, naturais, fluentes, sem transposição, sem divagação, cingindo sempre de perto a linha vertebral do assunto. É, em geral, no 2º quarteto que os poetas inexperientes fraquejam por que não se lembram, ao rimar o 1º, que têm de procurar rimas iguais para o 2º. Então, resolvem-nas como podem, tateando, perdendo terreno lançando mão das rimas forçadas, afastando-se da idéia diretriz. O 2º quarteto é a pedra de toque dos sonetistas. convém pensar sempre nele , ao escrever o primeiro”.

29 - Lembrando sempre que nas terminações proparoxítonas e paroxítonas, as sílabas após a sílaba tônica são “mortas”: esdrú(xulo) – cá(lido) - memorá(vel) – ama(da) – passa(do) – Que a métrica estabelece dez sílabas em cada verso ( menos as sílabas “mortas”) e a tonicidade deve recair na 6ª e na 10ª sílaba final (sem contar as sílabas “mortas”).

EXEMPLO PRÁTICO

O AMOR NÃO É AMADO

Es/se/ nos/so a/mor/ des/mi/o/la(do) (9 síl.-últ. morta)
que as/su/me o/ con/tro/le/ do/ vi/ver (10 síl.)
é o a/mor/ mas/ não/ é/ a/ma(do) (8 síl. últ. morta)
é/ ú/ni/co/, mais/ meu/ que/ de/ vo/cê (10 síl- tonic. na 6ª e 10ª síl – rima em er)

Cres/ceu/ em/ mim/ so/zi/nho/ , de/sas/tra(do) (10 síl – tonic. 6ª e 10ª - últ. morta – ok)
crei/o/ que/ tam/bém/ em/ ti/ há/ de/ cres/cer (11 síl.)
pa/ra/ tor/nar-/se/ mes/mo/ en/con/tra(do) (10 síl – ton. 6ª e 10ª síl – últ. morta –ok)
den/tro/ do/ pei/to/ meu/, do/ teu/ que/rer (10 síl- tonic. 6ª e 10ª - ok)

Ca/so/ não cres/ça/, fi/co/ de/so/la(do) (10 síl-tonic. 6ª e 10ª - últ.morta – ok)
per/co o/ con/tro/le e/, de/so/ri/en/ta(do), – (10 síl-últ.morta- ton. 6ª e 10ª -ok)
lu/to/ por/ e/le só/ pra/ so/bre/vi/ver (11 sílabas)

Se e/le fo/ge/, não/ sen/do/ mais/ a/cha(do),(10 síl. ton. 6ª e 10ª- últ. morta-ok)
o/ meu/ so/zi/nho/ fi/ca ar/ra/za(do) – (9 sílabas – últ. morta)
não/ sen/do a/ma/do é/ a/mor/ sem/ ser (9 sílabas)

PODERIA SER DESTA FORMA

Nosso amor sem juízo, esmiola(do),
que assoberba o controle do viver,
é  amor sem amor, sem ser ama(do),
é único, só meu, a me envolver.

Cresceu em mim sozinho, desastra(do),
e um dia, creio, em ti há de crescer
para tornar-se o mesmo que é encontra(do)
dentro do peito meu, do teu querer.

caso não cresça, fico desola(do),
perco o controle e, desorienta(do),
por ele luto , pra sobreviver.

Se ele foge, não sendo mais acha(do),
o meu, sozinho, fica amofina(do),
não sendo amado, é como amor sem ser.

Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 2

PARA ESCREVER UM SONETO

1 - Escrever com naturalidade, evitando palavras rebuscadas ou de difícil pronunciação. Compor os versos com palavras justas, apropriadas, que proporcionem um efeito agradável na armação das estrofes. Os versos têm de ser ou parecer fluentes, nunca deixando revelar as dificuldades de sua construção.

2 - Pureza de ritmo, ou seja, sonoridade e cadência. O ritmo é o talismã da poesia.

3 - Servindo-se de palavras comuns, arquitetar arranjos artísticos, fugindo às figuras e símbolos repisados e enfadonhos.

4 - As boas imagens podem ser antigas, mas os versos devem ser modernos, embora com a forma clássica, no caso do soneto. Imagens singelas, vitais, incisivas, harmoniosas, expressivas e, tanto quanto possível, inéditas.

5 – Os versos devem conter: criação, dinamismo, engenho artístico, ideias e expressões – dignos da poesia pura. A linguagem pode vestir a poesia de riquezas maravilhosas.

6 - É importante a disposição das palavras nos versos. Deve ser preferida, sempre, a ordem direta. Com as palavras em ordem inversa, fica prejudicado o efeito estético do verso. Além disso, pode, esse método, dar a impressão de falta de recursos do poeta – em que pese tratar-se de um uso bastante empregado pelos parnasianos.

7 - Esquivar-se da adjetivação excessiva. É preciso adjetivar com toda a propriedade e moderação.

8 – Usar, inteligentemente, os verbos, com os quais pode-se dar imprevisto e esplêndido meneio às imagens, tornando-as inesquecíveis.

9 - Afastar as dissonâncias ou quaisquer tipos de sons menos agradáveis: versos duros, versos sibilantes, cacofonia, monofonia; enfim, quaisquer vícios contra a pureza musical do verso.

10 – Livrar-se dos versos frouxos, que se arrastam sem energia: hiato; acentos rítmicos fracos; falta de acentos rítmicos secundários; acento forte antes ou depois de acento rítmico.

11 - Arredar as licenças poéticas. Não precisamos entrar em detalhes a respeito desses defeitos, que o próprio uso diário da língua ensina a evitar ou, pelo menos, contornar.

12 - O poeta tem, necessariamente, de conhecer a própria língua, para se poupar, inclusive do emprego de expressões forçadas que enfeiem seus poemas. Não só conhecê-la teoricamente, mas ler os clássicos, adquirir um bom vocabulário.

13 – As sílabas métricas, ou seja, os elementos sonoros do verso, não coincidem , muitas vezes, com as sílabas gramaticais. Por isso, é importante ter o maior cuidado ao fazer a elisão de dois vocábulos, bem como a fusão de vogais dentro da mesma palavra.

14 - Abandonar as rimas de sons muito comuns. Também as rimas extravagantes, o oposto das triviais. Não se deve esquecer que as rimas difíceis sacrificam a emoção e, por isso, devem ser usadas com parcimônia.

15 - Evitar, ao máximo, as rimas que, tradicionalmente acasaladas, “se oferecem” , de maneira quase fatal, privando o leitor ou o ouvinte daquela surpresa que tanto agrada na poesia. Evitar, por exemplo: olhos/abrolhos/escolhos; noivo/goivo; noite/açoite ; tédio/remédio; etc.

16 – Utilizar o “enjambement”* com sobriedade, atenção e habilidade, pois a falta de talento na aplicação desse recurso pode redundar em fracasso.

* Enjambement =Passagem, para o verso seguinte, de uma ou de várias palavras que completam o sentido do precedente.

17 - A insistência da mesma vogal (homofonia) é desagradável num verso, excetuando-se os casos em que a empregamos para certos efeitos procurados, principalmente para o de harmonia imitativa (sugestão musical àquilo que o verso exprime);

“Tíbios flautins finíssimos gritavam:
e, as curvas harpas de ouro acompanhando,
crótalos* claros de metal cantavam”. (Olavo Bilac)

* Crótalos =Antigo instrumento musical dos gregos e romanos, semelhante às castanholas.

18 - As consoantes insistentes também podem traduzir efeitos necessários e até apreciáveis:

“ Rápido o raio rútilo retalha” . (Raimundo Correia)
“ Basta a brava e brutal e bárbara beleza” . (Martins Fontes)

“ Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas...” ( Cruz e Sousa)

19 - Se os versos devem ser eufônicos, o mesmo se deve exigir das rimas. As rimas próximas, que se alternam, que se entrelaçam, têm de oferecer contraste ou oposição de som. Do contrário, acarretam monotonia. Exemplo de rimas de sons parecidos (homofonia)

“ Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? que sentido
têm o que dizem quando estão contigo?” (Olavo Bilac)

“Ao crebro* som do lúgubre instrumento
com tardo pé caminha o delinquente;
um Deus consolador, um Deus clemente
lhe inspira, lhe vigora o sofrimento”. (Bocage)

* Crebro = (Poética) Repetido, frequente.
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continua…

Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 1


1 – Fixação da forma do soneto : ABBA ABBA CDC DCD

Os quartetos, normalmente, podem ser armados com: 
ABBA  ABBA 
ABAB – ABAB 
ABBA – BAAB 
ABAB – BABA

Quanto aos tercetos, que se movimentam com relativa liberdade, comportam muitas variações, como : 
CDC – DCD 
CCD – EED 
CDE – CDE 
CCD – EDE 
CDE – DCE 
CCD – DEE 
CDD – DCC 
CDE – EDC 
CDE – DEC 
CDD – CEE 
CDC – EDE

“ E passarão os anos e os anos; irão modas, virão modas; e esse ser criado, tão simples e tão complexo, tão sábio e tão pueril ( nada mais, em suma, que dois quartetos e dois tercetos ), seguirá tendo uma eterna voz para o homem, sempre igual, mas sempre nova, mais sempre distinta” . (Dámaso Alonso)

“ Para muitos, o soneto é inibidor, mas eu acho que é a prova de fogo do poeta. Para mim, ele é um momento de amor, com seus dois quartetos, dois tercetos e a chave de ouro, que é o grande êxtase” . (Massaud Moisés)

“ Não considero o soneto o espartilho da poesia. Fernando Pessoa, um dos maiores poetas modernos, usa o soneto”. (Otto Lara Resende).

“ Apolo inventou o soneto para tormento dos poetas “ . (Boileau)

“ Pela concisão impressiva, entrecho conceituoso, narração dramática em poucas linhas e facilidade de incrustação mnemônica, é o soneto que decreta e sanciona a celebridade de um artista”. (Agripino Grieco )

" O soneto está em todas as literaturas e, desde o século XIII, resiste a todas as revoluções. Não há, a rigor, grande poeta que não tenha sonetado – Dante, Petrarca, Shakespeare. Nas letras portuguesas, as duas mais altas vozes são de exímios sonetistas – Camões e Fernando Pessoa. O soneto é, a bem dizer, a carta de identidade de um poeta” . (Otto Lara Rezende)

Menotti del Picchia

SONETO AO SONETO

Soneto, mal de ti falem perversos,
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta, dentro de ti, a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.

Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti, que és dor, temor, gloria e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça,
de um povo que viveu fazendo versos.

Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu

a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...
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Júlio Dantas

SONETO

Amo o soneto porque é molde antigo
para dizer as coisas sempre novas;
porque depois de não sei quantas provas
um pudor virginal guarda consigo.

O soneto é mais puro do que as trovas.
Sim, Bem-Amada, eu nele apenas digo
tudo o que é nobre em mim, tudo o que aprovas
e é meu prêmio na vida, e meu castigo.

É fino e breve, e tem segredos de arte;
uma pureza, enfim, tão cintilante
que, quando um dia desejei cantar-te,

Os teus encantos rútilos, diversos,
pus em soneto; e desde aquele instante
só sei rimar-te com quatorze versos.

2 - Fazem-se sonetos com qualquer número de sílabas, até mesmo, por extravagância, de uma sílaba apenas (monossílabo). Entretanto, o decassílabo, na poesia clássica portuguesa, é o verso mais apropriado para o soneto. Em geral, os autores dessa composição preferem o decassílabo ou o alexandrino. São os versos que mais se prestam para esse tipo de poesia. Entre os demais, os mais comuns são os de sete sílabas (heptassílabos).

3 – O soneto deve manter fiel e severa obediência à sua disciplina estrutural: duas rimas nos quartetos; a pausa, logo após; duas ou três rimas nos tercetos; o ritmo perfeito; música, beleza e harmonia nos versos, sem qualquer laivo de insipidez; e a chamada chave de ouro (décimo-quarto verso) que não seja um exagero, a ponto de parecer antecipadamente arquitetado.

“Nos dois quartetos, trata-se de fazer nascer e crescer a expectativa; no primeiro terceto, de ligar a expectativa à marcha para a solução, que se sente aproximar; no último terceto, de dar à expectativa desfecho que, ao mesmo tempo, dê prazer ao espírito e lhe proporcione satisfação pela lógica e surpresa pelo imprevisto”. (Augusto Dorchain)

“...a cada uma das quatro estâncias do soneto deve corresponder uma divisão sensível, do pensamento, e tanto melhor se ela se manifestar igualmente de dois em dois versos do quarteto”. (Francisco Freire)

“Como toda arte, assim também é a arte do Soneto. As regras são para o verdadeiro artista pontos de partida. O ponto de chegada chama-se obra-prima”. (Agostinho de Campos)

4 – A chave de ouro encerra a essência do pensamento geral da composição. “O soneto deve abrir-se com chave de prata e fechar-se com chave de ouro”. A chave de ouro deve ser um toque sutil no acabamento do soneto. Faz parte de sua unidade, de seu conjunto, e destina-se a impressionar pela beleza da imagem.

Quem lê um soneto que o satisfaça plenamente, está apreciando, como um todo, a sua parte técnica e, ao mesmo tempo, a sua grande porção de beleza espiritual. Está recebendo uma mensagem completa, onde a forma e a imaginação se juntam como um coro de hinos celestiais transpondo-lhe os ouvidos e dirigindo-se diretamente ao coração.
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continua…

Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

terça-feira, 19 de março de 2024

Literatura Chinesa

Conjunto de obras literárias escritas e publicadas ao longo da história da China.

Existem duas tradições na literatura da china: a literária e a popular ou coloquial. A última remonta a mais de mil anos antes da era cristã e permanece até nossos dias. No princípio consistia em poesia mais tarde em teatro e romance, e depois foi incorporando obras históricas, relatos populares e contos. Os intelectuais da classe oficial que ditavam os gostos literários, não a creditavam digna de estudos por a considerarem inferior, sendo que, até o século XX, este tipo de literatura não obteve o reconhecimento da classe intelectual. Seu estilo brilhante e refinado marca os princípios da tradição literária ortodoxa, que começou há 2.000 anos.

ÉPOCA CLÁSSICA
A época clássica é correspondente a da literatura grega e romana. As etapas de formação tiveram lugar do século VI ao IV a.C. nos períodos da dinastia Chou (c. 1027-256 a.C.). Desta época são as obras de Confúcio, Mencio, Laozi (Lao-tsé), Zhuangzi e outros grandes filósofos chineses. Culminou com a recopilação dos chamados cinco clássicos, ou clássicos confucianos, além de outros tratados filosóficos

A obra poética mais importante do período clássico foi o Shijing (Livro das odes ou Clássico da poesia), antologia de poemas compostos em sua maioria entre séculos X e VII a.C. A lenda diz que foi o próprio Confúcio quem selecionou e editou os 305 poemas que formam a obra. Trata-se de poemas simples e realistas da vida camponesa e cortesã.

O estilo aristocrático ou cortesão alcança sua máxima expressão com os poemas de Chu, estado feudal ao sul da China central que foi a terra de Qu Yuan, primeiro grande poeta chinês.

Durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) as tendências realista e romântica: deram lugar à escolas poéticas. Os versos de Chu foram o começo de um novo gênero literário, o fu, o poema em prosa. Mais tarde, a poesia se enriqueceu com canções populares reunidas por Yüeh-fu, no século II a.C.

Os primeiros trabalhos em prosa formam, junto com o Shijing, os cinco clássicos. São o I Ching (Anais do Chin), livro de adivinhações; o Shujing (Livro dos documentos), um conjunto de antigos documentos de Estado; o Liji (Memória sobre os ritos), coleção de códigos governamentais e rituais, e o Chunqiu (Anis da primavera), a história do estado de Lu desde 722 até 481 a.C. Do século VI até o III a.C. foram escritas as primeiras grandes obras da filosofia chinesa, como os Analectos de Confúcio, aforismos recompilados por seus discípulos; os eloquentes debates de Mencio, discípulo de Confúcio; o Doodejing (Clássico da forma e sua virtude), atribuído a Lao Tsé, fundador do taoísmo, e os ensaios de Zhuangzi, o outro grande filósofo taoísta. Também são importantes os ensaios de Mozi, Xunzi e Han Fei Zi. Sima Qian escreveu o Shiji (Memórias históricas), história da China até a dinastia Han. Os discípulos de Confúcio criaram, as bases da tradição literária da prosa chinesa, adotando uma linguagem literária própria, diferente da linguagem falada.

ÉPOCA MEDIEVAL
Do século III ao século VII d.C., a China estava dividida em estados rivais, porém com a difusão do budismo vindo da Índia e a invenção de um tipo de imprensa viveu um dos períodos mais brilhantes da história de sua literatura.

Durante os períodos de agitação política, poetas encontraram refúgio e consolo no campo. Alguns eram ermitãos e criaram uma escola de poesia a que chamaram Campo e jardim. Outros escreveram os melhores poemas populares chineses, como os de amor atribuídos a poetisa Tzu-yeh. O melhor poeta destes séculos turbulentos foi Tao Qian, também conhecido por Tao Yuanming, que cantava as alegrias da natureza e da vida solitária.

A melhor poesia chinesa foi escrita durante a dinastia Tang (617-907), da qual se conservam mais de 49.000 poemas escritos por 2.200 poetas. Os três poetas mais famosos foram Wang Wei, filósofo e pintor; Li Po, líder taoísta da escola romântica, e seu amigo e rival Tu Fu, meticuloso em seus esforços para conseguir um realismo preciosista, cuja obra influenciou o poeta Po Chu-i, que utilizava a poesia como um meio para a crítica e a sátira.

Durante a dinastia Song (960-1279), Su Tung-po foi o melhor poeta chinês de tsu (estilo poético que fixa o número de versos e seu comprimento segundo o tom e o ritmo). A poetisa chinesa Li Qingzhao alcançou grande popularidade por seus versos tsu sobre sua viuvez. Han Yu, mestre da prosa Tang, exigia a volta da escrita direta e simples do estilo clássico.

A tradição literária prolongou-se na dinastia Song com Ouyang Xiu, mais conhecido por suas maravilhosas descrições de paisagem. Os engenhosos ensaios de Su Xun são os melhores do estilo clássico.

O teatro propriamente dito não se desenvolveu até o final do período medieval. Na época Tang, os atores já ocupavam um lugar importante entre os artistas populares e se agrupavam em companhias profissionais, que atuavam em teatros construídos para receber milhares de pessoas.

ÉPOCA MODERNA
A época moderna começa no século XIII e chega até nossos dias.

No século XIV, a narrativa popular chinesa foi cada vez mais importante. Dois dos primeiros romances desta época, Sanguozhi Yanyi (Histórias romanceadas dos reinos) e Shuihuzhuan (À beira d'água), podem ser considerados a épica em prosa do povo chinês. Cao Xueqin escreveu o romance realista Hongloumeng (Sonho do quarto vermelha).

No século XVII, apareceram numerosas coleções de breves histórias. A mais popular é Jinguqiguan (Contos maravilhosos do passado e do presente), composto de 40 histórias.

No século XX, influenciados pela literatura ocidental, os escritores chineses, guiados por Hu Shi, começaram uma revolução literária conhecida como o renascimento chinês. Intencionavam utilizar a linguagem coloquial com fins literários. Com ensaios e histórias mordazes atacavam a sociedade tradicional, e escritores como Lu Xun (pseudônimo de Zhou Shuren) ajudaram ao avanço da revolução socialista.

Durante os anos da Revolução Cultural (1966-1978) os artistas e escritores se adaptaram as necessidades do povo e a influência burguesa ocidental foi atacada duramente. Desde então tem se permitido uma maior liberdade de expressão, tolerando-se o renovado interesse pelas ideias e as formas ocidentais.

Fontes:

segunda-feira, 18 de março de 2024

Nelly Novaes Coelho (Literatura de Cordel)

A literatura de cordel - poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças -, tal como é cultivada no Brasil até hoje (vésperas do Terceiro Milénio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas volantes (ou folhas soltas) que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel ou barbante, para facilitar suas exposição aos interessados. Nessas folhas volantes, de impressão rudimentar, registavam-se fatos históricos, poesia, cenas de teatro (como o de Gil Vicente), anedotas ou novelas tradicionais, como A Imperatriz Porcina, Princesa Magalona ou Carlos Magno, textos que eram memorizados e cantados pelos cegos que os vendiam. Essas folhas volantes lusitanas, por sua vez, tiveram origem no grande caudal da Literatura Oral, tal como se arraigou na Península Ibérica, onde se formou o velho Romanceiro peninsular.

Desta fonte primeva, saíram inicialmente os pliegos (folhas) volantes que circularam na Espanha desde fins do séc. XVI e, destes, as folhas volantes portuguesas. Ambas as formas tiveram, como antecessora, a "littérature de colportage", pequenos libretos surgidos na França no início do séc. XVI, com popularização da imprensa. Eram folhetos impressos em papel de baixa qualidade, em cor cinza ou azul (daí o nome genérico de “Biblioteca Azul”). Seus textos eram velhos romances, cantigas, vidas edificantes, fatos históricos ... recolhidos da tradição oral e bastante simplificados em sua redação.

Difundidos por toda a Europa, essa forma popular de literatura, chamada “de cordel”, foi transladada para o continente americano pela ação de seus descobridores espanhóis e portugueses, à medida em que se instalavam nas terras por eles conquistadas.

Nas naus colonizadoras, com os lavradores, os artífíces, a gente do povo, veio naturalmente a tradição do Romanceiro, que se fixaria no Nordeste do Brasil, como literatura de cordel.” (Câmara Cascudo, 1973).

Nos países hispano-americano, essa literatura de cordel se difundiu com outros nomes: corridos (México, Venezuela, Nicarágua, Cuba ...) e hojas ou pliegos sueltos (Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Peru ...). Textos esses em que predominava a forma poética.

Enquanto não se difundiu a tipografia, foi essa a forma que a poesia popular encontrou para se divulgar. Se na Idade Média, os jograis populares ou palacianos, cantados nas festas e animando o povo, constituíam a comunicação dessa poesia, com a transformação do tempo, tais formas também foram se transformando.” (Manuel Diégues Júnior)

Foi no Nordeste do Brasil (da Bahia ao Pará) que essa literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de comunicação, tornando-se uma das características diferenciadoras dos costumes dessa imensa região em relação às demais regiões brasileiras.

Pela interpretação do grande pesquisador que foi Câmara Cascudo, sabemos que, “No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento das manifestações messiãnicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios económico e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores, como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. 

(...) Se eram raras as obras impressas, vindas de Portugal ou dos centros mais adiantados do próprio Brasil, havia à mão os folhetos contando as velhas novelas populares, ás vezes, histórias de santos também. Não foi difícil à literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se o meio de comunicação, o elemento propagador dos fatos ocorridos, servindo como que de jornal ao pôr a família ao corrente do que se passava: façanhas de cangaceiro, casos de rapto de moças, crimes, prejuízos da seca, efeitos das cheias, tanta coisa mais. Afinal de contas, no Brasil, o mesmo quadro era traçado por Bernardim Ribeiro ou Garrett, para Portugal.” (Manuel Diégues Júnior).

Devido à diversidade de assuntos ou temas cantados pela literatura de cordel, em todos os países ela tem sido classificada segundo seus “ciclos temáticos”. Tais classificações diferem bastante entre si, segundo os critérios usados pelos folcloristas. Em geral essas classificações abrangem duas grandes áreas-matrizes: a da Tradição (passado) e a das Circunstâncias (presente). Na Europa, existem importantes classificações, mas nenhuma definitiva. No Brasil, destacam-se as de Ariano Suassuna, Cavalcante Proença, Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Manuel Diégues Jr., Orígenes Lessa e Roberto Câmara Benjamin. cada qual com sua contribuição, sem esgotar o problema.

Uma das classificações mais simples e abrangentes é a de Manuel Diégues Jr., que cataloga o imenso acervo popular ou folclórico em três ciclos temáticos:

I. Temas tradicionais:

a.) romances e novelas;
b.) contos maravilhosos;
c.) estórias de animais;
d.) anti-heróis/peripécias/diabruras;
e.) tradição religiosa.

Entre os exemplos mais famosos desse ciclo, estão: Proezas de Carlos Magno, Histórias dos Doze Pares de França, Cavaleiro Oliveiros, Cavaleiro Roldão, Roberto Diabo, Helena de Tróia, Histórias da Imperatriz Porcina, Donzela Teodora ... e outros de origem bíblica: José do Egito, Sansão e Dalila, Judas e histórias da Virgem Maria, Jesus, São Pedro, São Paulo ... No Catálogo da Casa Rui Barbosa, constam também contos maravilhosos: Ali Babá e os 40 Ladrões, Proezas de Malazartes, O Barba Azul, A Branca de Neve, A Bela Adormecida, O Ladrão de Bagdá e outros.

II. Fatos circunstanciais ou acontecidos:

a.) de natureza física (enchentes, cheias, secas, terremotos, etc.);
b.) de repercussão social (festas, desportes, novelas astronautas, etc.);
c.) cidade e vida urbana;
d.) crítica e sátira;
e.) elemento humano (figuras atuais ou atualizadas, como Getúlio Vargas, ciclo do fanatismo e misticismo, ciclo do cangaceirismo, tipos étnicos ou regionais, etc.

III. Cantorias e pelejas: 

Poemas que nascem oralmente, no calor dos “desafios” entre dois ou mais cantadores. Em geral, tais pelejas ou cantorias se perdem, pois ninguém se preocupa em registrá-las por escrito. Mas algumas, devido à memória prodigiosa dos cantadores (e agora com os recursos eletrônicos) acabam escritas em folhetos de cordel e se tornam famosas, inclusive, devido ao complexo virtuosismo da estrutura poética que, por vezes, apresentam. É principalmente nestes casos que a literatura de cordel deixa de ser anônima (como é natural na literatura popular), pois sempre leva os nomes dos cantadores responsáveis.

Segundo os pesquisadores, o Brasil é o maior produtor de literatura de cordel, no mundo ocidental: em cem anos publicou cerca de 20.000 folhetos, embora em pequenas tiragens (entre 100 e 200 exemplares cada). (Joseph M. Luyten).

Há cantadores e cordelistas famosos (Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Cuíca de Santo Amaro, pseud. de José Gomes, Rodolfo Coelho Cavalcante Raimundo Santa Helena; Francklin Machado; Paulo Nunes Batista, entre outros) que, além de cantarem e imprimirem os textos tradicionais, inventam cantorias com temas gerados pelas circunstâncias de seu tempo, pelo dia-a-dia do povo, e que servem de informação, deleite do ouvinte ou leitor, ou denúncia dos mal feitos em prejuízo de alguém. 

A maioria dos cordéis é ilustrada pela técnica da xilografia (gravação em madeira, depois estampada à tinta no papel, e que tem evoluído muito, em sutilezas técnicas). Arte regional (no início minimizada como rudimentar), hoje constitui, juntamente com as “cerâmicas de Mestre Vitalino”, uma das expressões mais características da arte popular brasileira.

Com o correr dos tempos e o progresso urbano que, embora devagar, atingiu o Nordeste brasileiro, muitos costumes antigos desapareceram, mas a literatura de cordel resistente, mantém-se viva até hoje, concorrendo com o rádio, o cinema e a televisão, para o entretenimento do povo nas praças, ruas, feiras, mercados ou em qualquer lugar em que haja um cantador e sua viola ... Só que, cada vez com mais evidência, o interesse pelos cordéis antigos vem decrescendo em favor dos novos cordéis que falam dos heróis - muito mais, anti-heróis - dos dias de hoje, e mais denunciando ou zombando do que inventando acontecimentos do novo Brasil e suas circunstâncias.

BIBLIOGRAFIA: 
Horacio Jorge Beco, Cancioneiro Tradicional Argentino, Buenos Aires, 1960; 
Sol. Biderman, Messianismo e Escatologia na Literatura de Cordel, São Paulo, 1970; 
Théophilo Braga, O Povo Português nos seus costumes, crenças e tradições, 2 vols., Lisboa, 1885; 
Luís Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, Rio de Janeiro, 1962; 
Mark J. Curran, A Sátira e a Crítica Social na Literatura de Cordel, Recife, 1960; 
Diccionario de la literatura hispanoamericana, 8 vols. Washington, 1958; 
Manuel Diègues Jr., “Literatura de Cordel”, in Revista do Livro, Rio de Janeiro, nº. 30, pp. 51-57 jul/set. 1969; 
Manuel Diègues Jr., “A Literatura de Cordel no Nordeste”, in Literatura Popular em verso, 2 vols., Rio de Janeiro, 1973; 
Manuel Diègues Jr., Literatura Popular em Verso-Catálogo, Rio de Janeiro, 1961; 
Manuel Diègues Jr., Literatura Popular em Verso-Antologia, Rio de Janeiro, 1964; 
Armando de Mária y Campos, La Revolución Mexiacana á través de los corridos, México, 1962; 
António José Saraiva, História da Cultura em Portugal, 2 vols., Lisboa, 1955; 
Marc. Soriano, “Littérature de Colportage”, in Guide de littérature pour la jeunesse, Paris, 1975.
http://www.sectec.rj.gov.br/redeescola/especialistas/portugues/tema04/por-tm04.html
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P.S.: Revisão realizada por José Feldman. A grafia original do artigo era em português de Portugal.

Fonte:
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/L/literatura_cordel.htm. Acesso em 29.12.2007.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Dicas de Escrita (Como Escrever um Bom Final para uma História) – 2

(Coescrito por Christopher Taylor, PhD)

USANDO AÇÕES E IMAGENS

1 – Use ações para mostrar (e não contar) o que é importante. 

Todo mundo sabe que histórias repletas de ação chamam a atenção de gente de todas as idades, sejam elas escritas ou visuais. Você pode usar essa estratégia para passar a importância do enredo ao público.

Por exemplo: se a história terminar com a heroína salvando a vila do dragão, inclua uma cena em que um guerreiro dá a ela uma espada lendária. Dá para mostrar o quanto isso é importante até sem qualquer
diálogo. 

2 – Desenvolva o final com descrições e imagens sensoriais. 

Os detalhes sensoriais criam conexões emocionais entre o leitor (ou espectador) e a história — e os grandes enredos são cheios dessas imagens. No entanto, deixe-as mais para a parte final para pegar o público de surpresa. 

Por exemplo: "Toninho sabia que havia derrotado o monstro, cujo corpo sem vida caía no abismo à sua frente. Ainda assim, ele esperou e observou cada centímetro da criatura desaparecer, com uma expressão de calma e leveza no rosto. Só depois foi que o garoto voltou a si e foi embora".

3 – Crie metáforas para os personagens e seus objetivos. 

Dê dicas e deixas para o próprio leitor juntar as peças e interpretar a história. O público sempre prefere enredos que não sejam muito didáticos. Por outro lado, não escreva nada confuso a ponto de deixar as pessoas perplexas, ainda que inclua figuras de linguagem para não ser tão óbvio. Encontre um
ponto de equilíbrio. 

Por exemplo: "Enquanto Sarah se despedia e acelerava a motocicleta, João sentia a companheira se tornar uma lembrança — que se afastava com um barulho ensurdecedor rua abaixo, até se tornar um mero ponto de luz; um resquício daquilo que ele gostara tanto de conhecer".

4 – Pense em imagens vívidas. 

Assim como as ações e descrições sensoriais, as imagens ajudam muito a contar histórias mais impactantes. 

Pense nas imagens mentais que você quer "pregar" na cabeça do leitor — algo que capture a essência do enredo — e deixe-as para o finalzinho.

5 – Explore um tema específico a fundo. 

Você pode abordar vários temas, ainda mais se o texto for longo, como um livro ou uma novela. No entanto, também é legal se concentrar em um tema específico com imagens e ações de personagens para dar uma estrutura única ao enredo, sobretudo com histórias que têm final aberto.

6 – Repita certos momentos. 

Assim como dá para destacar um tema específico, você pode pensar em uma ação, um evento ou um momento emocional da história que tenha mais peso e "ecoá-lo" ao longo do enredo (repetindo o momento, relembrando-o etc.).

7 – Volte ao início. 

Assim como nos passos anteriores, você pode retomar o início da história para dar a ela um impacto maior no final. Essa é a chamada "narrativa moldura" e vem muito a calhar na construção do enredo.

Por exemplo: se a história começa com uma pessoa olhando para um último pedaço de bolo, mas se recusando a comê-lo, termine-a com essa mesma pessoa olhando para o confeito (mesmo que seja outro bolo).

Caso tenha superado um quadro de anorexia, ela pode comer o doce para simbolizar a conquista.

SEGUINDO UMA ORDEM LÓGICA

1 – Revise os eventos da história e a ligação entre eles. 

Lembre-se de que nem toda ação tem a mesma importância ou ligação com as demais. Use várias delas para explorar temas e mensagens diferentes no enredo e nos personagens — desde que sejam relevantes para o final. Entretanto, entenda ainda que até os protagonistas fracassam de vez em quando.

Por exemplo: em A Odisseia, de Homero, Odisseu tenta inúmeras vezes voltar para casa, mas quase sempre fracassa devido aos obstáculos do caminho. Cada fracasso deixa a história mais interessante, mas o que ele descobre de si mesmo no final é o mais importante de tudo (já que toda a sua penúria tem um significado maior).

2 – Reflita sobre o que acontece depois de cada cena. 

Às vezes, os autores ficam tão envoltos com a história que estão escrevendo que acabam se esquecendo de que até os mundos de fantasia precisam seguir certas regras lógicas, como as leis da física. É por isso que você tem que pensar em um final que seja condizente com determinada situação.

O final tem que ser condizente com o que aconteceu antes.

3 – Reflita por que os eventos acontecem em determinada ordem. 

Releia a sequência de eventos ou ações da história e, depois, reflita se determinadas ações são ou não realistas de acordo com o fluxo do enredo.

Por exemplo: se o personagem encontrar uma passagem secreta para um mundo de fantasia enquanto procura seu cachorro, retome a história do cãozinho no final. Deixe o protagonista explorar o mundo que encontrou, mas não se esqueça do que o levou a encontrar a tal passagem.

4 – Pense em variações e surpresas para o enredo. 

Ninguém gosta de histórias formuladas demais e que não trazem nada de novo. Pense no que aconteceria se os personagens fizessem determinada coisa ou vivessem um evento x — e inclua surpresas. Veja se você incluiu esses itens ao longo de todo o enredo.

Por exemplo: o leitor pode ficar entediado se o personagem só acordar, ir à escola, voltar para casa e se deitar para dormir. Pense em algo novo e surpreendente que possa acontecer, como ele encontrar uma caixa misteriosa na porta de casa com o seu nome.

5 – Reflita sobre aonde a história leva o leitor. 

Pense no que você já criou em termos de eventos, provas ou detalhes do enredo. Depois, pense também no que está faltando, nos problemas que ainda não resolveu e nas dúvidas que restam. O final pode incitar o público a refletir sobre algo e, na maioria das vezes, provoca mais perguntas do que ele tinha antes.

Por exemplo: quais são os novos conflitos que os heróis têm que enfrentar depois de derrotar o monstro? Por quanto tempo o mundo deles vai ficar em paz?

6 – Distancie-se do texto por um tempo. 

 Independentemente da natureza do enredo (ficcional ou não), releia-o da perspectiva do leitor e pense no que tem e no que não teria lógica. Enquanto escritor, pode ser que você ache que determinado evento faz todo sentido, mas que o leitor não tenha a mesma impressão. Por isso, é bom ter certa distância do texto para pensar nele de forma mais crítica.

DICAS

– Esquematize a história antes de começar a escrevê-la. Use esse recurso para mapear todo o processo sem se perder no caminho. Essa estratégia é a única forma de ver toda a estrutura do enredo de uma vez e, assim, pode ajudar você a pensar no final.

– Peça para uma pessoa de sua confiança ler a história e dar uma opinião sobre o seu trabalho.

– Preste atenção às regras do gênero que você está escrevendo. Por exemplo: um texto de ficção tem certas características que contos de terror não têm, assim como roteiros de stand-up comedy trazem elementos diferentes de revistas de viagens.

– Revise o texto até mandar parar! Depois de decidir qual é o fim da história, releia-a várias vezes para encontrar e corrigir os pontos em que o leitor possa ficar confuso.

REFERÊNCIAS
1. http://www.literarydevices.com/conflict/
2. https://www.wwnorton.com/college/english/write/fieldguide/writing_guides.asp#
BLUE03
3. http://writingcenter.unc.edu/handouts/conclusions/
4. http://writingcommons.org/process/organize/paper-structure/397-how-to-write-acompelling-conclusion
5. http://time.com/3584611/write-better-tips-from-harvard/
6. http://www.nwp.org/cs/public/print/resource/142
7. http://www.creative-writing-now.com/story-endings.html

Fonte: https://pt.wikihow.com/Escrever-um-Bom-Final-para-uma-História