segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

José Feldman (Conto: O Sábio)

Todo mundo admirava Epaminondas. Era um homem misterioso e ao mesmo tempo alguém que nos recebia sempre de braços abertos. Um sorriso nos lábios e um suco gelado de maçã.
Ele chegou por aqui na nossa cidade há uns 15 anos. Era uma pessoa fechada, mas quando começava a falar, com uma voz macia e relaxante, todos o escutavam. Parecia que tinha rodado o mundo inteiro, visto de tudo, e conhecido um pouco de tudo. Carregava em si uma enorme mala de sabedoria.
Às vezes, a gente sentava no alpendre de sua casinha modesta, de madeira, e ficávamos fumando cachimbo e jogando conversa fora. Para cada coisa que falávamos, o Epaminondas tinha uma resposta, um conselho, uma história para contar. Muitos de nós conversávamos com ele, e alguns diziam que se sentiam incomodados, porque parecia que o olhar dele atravessava nossa alma e olhava muito além do horizonte.
A minha amiga Priscila dizia que gostava de conversar com ele, mas quando ele a olhava, parecia que a via além de suas roupas. Às vezes se sentia nua na sua frente. Chegou até a imaginar que talvez ele fosse um tarado que tinha fugido de algum lugar.
César, meu vizinho ia sempre procura-lo, dizendo que estava passando por uma espécie de crise existencial, ou algo parecido, e o Epaminondas contava histórias da Índia, dos árabes, dos vikings, histórias engraçadas e, com isto, sentia ganhar nova vida e sentir-se disposto a enfrentar tudo o que viesse.
As raras vezes que saía, levava consigo seu cachorro, um pastor alemão, que apesar da aparência de bravo, era amigo de todos.
Ficávamos admirados com o seu conhecimento, com as suas viagens. Será que havia algum lugar na face da terra onde não tivesse passado? Será que havia algum livro que não houvesse lido? E seu olhar, seu olhar pairava em algum lugar, além de nossa compreensão. Como se algum anjo estivesse a fazer sinais para ele.
Quinze anos se passaram, e seu nome às vezes aparecia no jornal como o homem de maior visão que surgiu na cidade. Chegaram até a compará-lo a Budha, Julio Verne, Confúcio... Tinha gente que vinha de outras cidades para visitá-lo, e ele sempre tinha uma nova história para contar, um sorriso nos lábios, uma nova energia a oferecer a quem o viesse ver.
Já tinha 74 anos. Estava contando uma história, acho que era um conto das Mil e Uma Noites. Começava a ficar cansado quando falava. Estávamos eu, o César, a Priscila, a Tânia, o Teodorico, o prof. Eduardo, e mais uns três ou quatro que não recordo os nomes. O seu cachorro Mercuryo, deitado a seu lado como sempre. Em seu colo, Sidharta, seu gato angorá, branquinho como nove. Uma hora ele deu uma pausa e olhou para nós, sentimos como se estivesse enxergando dentro de nós, nossa alma. Deu um sorriso, fechou seus olhos por uns segundos, cansado. Aguardamos ansiosamente. Com a mesma tranqüilidade que falava conosco, nunca mais acordou.
Ele dizia que adorava ficar sentado em umas pedras, próximo a uma macieira, na beira do rio. E, lá ele foi enterrado. Mercuryo foi enterrado ao seu lado. Morrera menos de 1 hora depois dele.
Foi uma coisa bonita de se ver. Eu nunca vi tanta gente em um enterro. Acho que tinha mais gente no enterro, do que moradores na cidade. Os moradores da cidade, das cidades vizinhas prestaram suas últimas homenagens a ele. Até uma irmã dele que morava longe estava lá.
Reunimos-nos na casa onde ele morava, onde mostramos à sua irmã, contando a pessoa maravilhosa que o Epaminondas era. Como nos recebia, contava histórias de todos os lugares que viajou, via a todos nós, com sua humildade, sua calma.
A irmã emocionada nos ouvia, mas achou que estávamos gozando dela. Procuramos desfazer o mal entendido e saber a razão de sua incredualidade sobre o que contávamos. Ela disse simplesmente que não podia ser aquele Epaminondas que enterramos, apesar de que os pertences que havia na casa eram dele, pois o irmão dela era cego, e como eram pobres não tinham condição de sair para viajar. E, como ele não enxergava nada, só ouvia rádio e televisão, dia e noite, durante toda a sua vida...

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