domingo, 17 de fevereiro de 2008

Os Livros Têm Asas (Lelia Maria Romero)

O Alandaluz foi referência de conhecimento na Idade Média e este saber ainda sopra. Embora os reinos europeus fossem desunidos e fechados em si mesmos, o pólen cultural correu ventos para além dos Pireneus, séculos adiante. Uma rede de saber pontuada por bibliotecas, escolas de tradução e pesquisa, hospitais, centros de estudos islâmicos e sufis, fomentaram um sistema educacional, uma tradição pensante e um olhar curioso sobre o mundo. A herança grega e abássida se tornou fonte de conhecimento singular, alimentou a Europa e serviu de base para mudanças radicais, no ocidente, no final do século XV. Entre tantas transformações, as Américas entraram na história oficial a partir das grandes navegações, que se tornaram viáveis devido aos investimentos da burguesia empreendedora. Árabes, judeus e ciganos foram expulsos da Espanha, mas a cultura alandaluza participou do processo, inerente à erudição que impulsionou a expansão artística, científica e mercantilista européia.

Para a sabedoria islâmica, o conhecimento da natureza é uma forma de elevação a Deus. No Alandaluz, um amplo espectro de interesses partiu da física rumo à harmonia musical. Contam que a música era reconhecida como parte da teoria matemática. Os árabes também desenvolveram a álgebra, a trigonometria, os logaritmos, seno, cosseno e tangente; e a botânica, zoologia, astronomia, geografia, história, e especialmente, medicina e filosofia. Esse culto ao conhecimento abriu caminho para a ciência moderna e ficou conhecido como a Idade de Ouro do Islã, se contrapondo ao atraso da Europa medieval.

Os filósofos e médicos gregos foram traduzidos para o árabe e mais tarde para o latim. Os árabes, antes do Alandaluz, já se interessavam pelas traduções. A expansão do islã aproximou caravanas e exércitos árabes da cultura mediterrânea, persa e indiana. Abássidas e omíadas cultivavam o apreço às traduções, e o único sobrevivente omíada levou da Síria para a península Ibérica, essa herança na bagagem: a relevância da tradução para se situar no mundo e fazer-se conhecido; ampliar o horizonte e se inteirar do que o outro tem a dizer. Aí se incluíam interesses do saber e da conquista. “Os livros têm asas”, disse Averróis, o pólen do conhecimento não tem fronteiras, é irreversível, fertiliza corações e mentes, alimenta um sonho, projetos de vida e de guerra, inclusive os do inimigo.

Fonte:
http://www.icarabe.org/

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