quarta-feira, 30 de abril de 2008

Risoleta Pinto Pedro (Escritora Portuguesa)

Foram-lhe atribuídos dois prêmios de poesia e no drama escreveu O Deserto, o Mar e o Tempo, peça representada pelo TE-ATO de Leiria; a convite deste mesmo grupo, escreveu Um Olhar Azul, também representada por esse mesmo grupo.

Em 2001, no Solar dos Zagalos em Almada, realizou-se um concerto com música do compositor Paulo Brandão para vozes, celesta, clarinete baixo e tímpanos, com poemas seus sobre o 25 de Abril, também por convite. No mesmo ano, um seu libreto, para a cantata Conquistador, sobre D. Afonso Henriques, com música do compositor Jorge Salgueiro, teve, durante os meses de Maio e Junho, espetáculos em Lisboa, Fátima e Coliseu do Porto. Em Maio, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, realizou-se um espetáculo de bailado, Viagens de Luar, com base em poema de sua autoria, Sensualua. Participou ainda no Júri do prêmio de poesia José Régio, da Câmara Municipal de Celorico da Beira, onde também apresentou uma comunicação sobre a poesia de Mário Máximo. Em 2002, a participação no 3º número da revista temática de poesia Saudade, de Amarante. Estreou, também, um espetáculo de bailado pela AMALGAMA – Companhia de Dança de Mafra, a partir de texto seu (A LUZ E O DESEJO), encomendado por essa companhia.

Participação, com o poema “Conquista-me”, num projeto de Canções Eróticas Portuguesas de vários autores, com música de Jorge Salgueiro, interpretado pelo grupo Negros de Luz.

Assinou uma crônica semanal, Quarta-Crescente, transmitida às quartas-feiras na rubrica O Sentido das Palavras, do Programa “Despertar dos Músicos”, da RDP – Antena 2, entre Janeiro e Setembro de 2003. Escreveu quinzenalmente crônicas para os jornais Cidade de Tomar e Despertar do Zêzere, mantendo-se a colaboração com este último. A partir de Outubro de 2003, iniciou a colaboração regular com a revista O Professor, da Editorial Caminho, que mantém. Registra também participações ocasionais na revista História com crítica de teatro e literatura. Estreou em Outubro de 2003, no Convento de São Paulo, na Serra D’Ossa, o espetáculo Mutações, com base em textos seus, pela Amalgama – Companhia de Dança de Mafra. Espetáculos ainda em Novembro, no Convento de Mafra.

Uma ópera infantil em dois atos com libreto seu e música de Jorge Salgueiro, O Achamento do Brasil, com espetáculos realizados em Abril de 2004 no Fórum Lisboa, e Maio do mesmo ano em Fátima, Barreiro, Sintra e Teatro Rivoli do Porto. Foi publicada na altura uma Banda Desenhada com texto extraído do libreto de sua autoria. Ainda para este compositor escreveu o musical Kate e o Skate (uma encomenda do Coro Infantil de Setúbal) que será apresentado ainda este ano, em Julho.

Tem participado com textos seus em catálogos de pintura e escultura dos artistas plásticos Alcariota e Fernando Sarmento e apresentou vários livros de poesia, nomeadamente de Ana Viana, Daniel Domingos Dias, Mário Máximo, Ana Cristina Peres, Manuel Amaral, Orfeu B., Maria Virgínia Monteiro e Isabel Millet.

Também escreveu para a fotografia de Renato Monteiro, cujo livro sobre a Arte da Xávega apresentou. Estreado a 1 de Outubro no Convento de S. Paulo o espetáculo multicultural Venite in Silentio (dança, representação, música, artes plásticas) para o qual contribuiu com a criação de uma narrativa que acompanhou a criação do mesmo e vice-versa. A estreia coincidiu com o lançamento do livro de sua autoria com o mesmo título: Venite in Silentio . Este espetáculo tem realizações previstas para este verão, na Quinta da Regaleira, em Sintra, e em Mafra. Escreveu poemas e textos para os espetáculos e catálogos de À Flor do Caos e De Olisipo a Lisboa, produzidos pela Escola Secundária Artística António Arroio, assim como para o projeto “Espaço Habitado”, uma colaboração desta escola com o CCB, no mês de Maio de 2005, numa performance onde colabora com textos e voz off. Na Escola Secundária Artística António Arroio estreou em Junho de 2005 uma peça de teatro para marionetes de sua autoria Adeus, inspirada em poema de Eugénio de Andrade.

Também a cantata O Conquistador foi reposta no passado mês de Maio em Lisboa (Coliseu dos Recreios), Sintra (Centro Cultural Olga Cadaval) e Fátima (Pavilhão Paulo VI). Tem sido convidada pela Associação Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, a convite das quais, como oradora, fez conferências e participou em colóquios sobre estas duas personalidades. Pela Fundação Cultural Sintra foi convidada para a Quinta da Regaleira, como escritora, no dia Mundial da Poesia de 2005, a fim de ler poemas seus. Foi igualmente convidada, recentemente, a realizar na SPA, um colóquio sobre a sua experiência no âmbito da escrita para música (canção, libreto, musical e cantata), o que fez conjuntamente com o compositor Jorge Salgueiro. Em Julho de 2005 estreou, em Setúbal, no teatro Luísa Toddi, o musical Kate e o Skate, com libreto de sua autoria e música de Jorge Salgueiro. Uma encomenda do Coro infantil de Setúbal.

É cronista regular (“Quarta-Crescente”) de uma página da editora Unicepe, no Porto, de O Despertar do Zêzere e de O Progresso de Gondomar Mantém o seu próprio blog, com o seguinte endereço: http://risocordetejo.blogspot.com/

Publicou os seguintes livros:
- A Criança Suspensa, Prêmio Ferreira de Castro, de ficção narrativa, da Câmara de Sintra, edição da Câmara Municipal de Sintra, Dezembro de 1996
- O Corpo e a Tela, Hugin Editores, Lisboa, Julho de 1997
- O Aniversário, Prêmio Revelação APE/IPBL 1994, Ficção, Difel – Difusão Editorial, Lisboa, Maio de 1998
- A Compreensão da Lua, Hugin Editores, Lisboa, Abril de 1999
- O Arquiteto, Hugin Editores, Lisboa, Março de 2002 - Venite In Silentio, Unicepe, Porto, Setembro de 2004
- Contos de Azul e Terra, romance, em co-autoria com Raquel Gonçalves, Hugin, Lisboa, Novembro de 2004

Participou ainda nas seguintes publicações:
- “O Teatro é como as Cerejas”, in Uma questão de Tempo, de Jaime Salazar Sampaio, Hugin Editores, Lisboa, Setembro de 1999
- “Um Pai Natal de Sonho”, in Contos Eróticos de Natal, Hugin Editores, Lisboa, Dezembro de 2000
- “O Pintor sem Rosto”, in O Homem em Trânsito, Histórias de Intimidade e de Mistério, col. Minimezas, Indícios de Oiro – Edições Ld.ª, Lisboa, Dezembro de 2002.
- “O Homem da Minha Vida...”, in MARGENS outros de nós, Padrões Culturais Editora, Col. Paixões Mundanas nº 13, Lisboa, Novembro 2004
- O Achamento do Brasil, uma Ópera em Banda Desenhada, (libreto), Foco Musical- Educação e Cultura Lda, Lisboa, 2004
- “Conquista-me” in Dez Anos de Inquietação, CD dos Negros de Luz, concebido e produzido por Jorge Salgueiro, compositor e diretor do mesmo. Ed. Tradisom, 2005

Fonte:
http://triplov.com/letras/risoleta_pedro/index.htm

Risoleta Pinto Pedro (O Caderno)

(Este texto/reflexão deriva de uma comunicação/aula/conversa/conferência para alunos de uma escola de medicina holística no passado ano letivo)

Com o caderno cada
Aluno aprende

Enquanto
Recebe
Na medida
Ótima. Oculta.

Do dicionário: na entrada: “Caderno”, a etimologia aparece como remontando ao latim “quaternus”, que significa “de quatro em quatro”. Quádruplos, constante de quatro elementos, porque eram as partes em que se dobrava um “folio” (folhas de impressão com quatro páginas impressas).

O que faz todo o sentido. O quatro é o número da estabilidade e da matéria. O caderno é a matéria na qual nós podemos construir/observar o nosso mapa/processo/estrada. É ele, bem enquadrado no solo, que vai permitir-nos voar. Sem esse solo, poderemos elevar-nos ao sol, mas em breve estaremos no solo. Bem estatelados. Não quadrados, mas esborrachados.

Na música, o compasso quatro por quatro é de uma grande regularidade e equilíbrio. Curiosamente, ou não, também se representa por um “C”.

Enfim, podemos ficar por aqui no que toca a especulações, embora fosse possível continuar assim durante umas horas…

Qual é afinal, a idéia, com esta conversa?

- Não vou dizer como se deve fazer um caderno

- Não vou dizer como se faz um caderno

- Pensei não dizer, tão pouco, como não se faz, porque isso seria dizer como eu faço; mas depois, pensando melhor, decidi fazê-lo, porque pelo menos sempre se fica a saber como é que não se faz, o que é útil, porque pode sempre aparecer quem queira fazer assim, o que também é bastante legítimo… Mas fica adiado mais para a frente…

- O que não vou certamente dizer é como é que acho que se deveria fazer. Primeiro porque não acho nada, segundo porque não sei, terceiro porque não devo.

PORQUE:

- Não está no meu feitio dizer às pessoas como devem fazer as coisas

- Ainda que estivesse no meu feitio, não sei dizer como se deve fazer uma coisa destas

- Ainda que fosse possível dizer uma coisa destas, não o faria, porque o caderno representa acima de tudo uma emocionante DESCOBERTA PESSOAL

O QUE POSSO DIZER:

- Como já fiz…

- Como fui fazendo…

- Como venho fazendo…

- Como gostaria de conseguir fazer…

- Como fazem algumas pessoas que conheço…

Um caderno é como o ADN, como a voz, como as impressões digitais: não existem dois iguais. Se houver, ou um deles está a mentir, ou talvez estejam os dois.

Então, a idéia, é o caderno ser o mais parecido possível com aquele/aquela que eu sou, com a verdade deste meu momento. Mas isso vai mudando, e assim, o caderno irá, certamente registrar uma sucessão de verdades, ele irá ser diferente ao longo do tempo. Se assim não for, é mentira.

DIÁRIO DA LUZ E DA PELE

Foi um caderno que os meus alunos fizeram.

Pensei falar sobre isto porque talvez abra horizontes relativamente ao caderno.

Texto- próprio ou alheio

Escolha da cor que vai acompanhar este processo (uma cor em todos os cambiantes, modulações e tons possíveis) - O tema, que apenas excepcional e justificadamente poderia ser alterado durante o processo

Forma, matéria objetos, texturas, fotografia, desenho, colagem, pedaços de coisas, da natureza, ou não (dar exemplos: pacotes de açúcar, flores, sementes, incensos, fechos eclair, etc.), sempre na cor escolhida.

- O nome pode ser importante; neste caso ele foi dado por mim e era imutável, porque os ajudava a orientarem-se, era a sua bússola.

- Mas dar um nome ao caderno pode ser uma forma de tomar consciência do processo. Seria interessante que houvesse espaço para ir rebatizando o caderno. No final, uma análise dos vários nomes que o caderno foi tendo, pode ser um indicador interessante de muita coisa e pode ensinar muito.

- Em que consistia este caderno:

Alunos de uma escola de ensino artístico (artes plásticas) na disciplina de Português.

- O que se pretendia:

Basicamente, o mesmo que em relação a todos nós: que os alunos tomassem consciência do seu crescimento. Crescer, cresce-se sempre, mas às vezes não se dá por isso e portanto cresce-se menos. Se crescer com um irmão gêmeo, que neste caso é o caderno, sabemos do nosso crescimento através do nosso irmão. Que é a imagem. O caderno é um espelho. E eu posso intervir em mim através do caderno, intervindo nele, porque o espelho funciona nos dois sentidos.

- Para que servia o nome, que também era um tema:

Para não se perderem, para terem um fio condutor

Todos têm um fio condutor, podem é não saber disso, mas se formos ver bem, não anda muito distante da luz e da pele. Se calhar, a pele é o nosso caminho para a luz. Caminhamos sobre a pele com o olhar, com as mãos, com as agulhas, com o olfato, com a pele, com a nossa pele. A luz que procuramos é a que está dentro do corpo e num local secreto que o corpo ilumina. Mas temos de passar pela pele, enterrar, aprofundar, mergulhar nos poros, e penetrando no interior do corpo, retificá-lo, trazer à luz a preciosa pedra unitária.

Quando falo em luz não me refiro àquela luz artificial dos catecismos antigos, mas à luz que realmente ilumina o interior do corpo, a luz de profundidade, a visão do bem estar, da saúde, da compreensão do eu como um ser único, íntegro, indivíduo (in-dividuo), que significa o que não está dividido, porque “in” é um prefixo de negação.

A doença é quando o corpo se encontra fragmentado dentro de si e em relação ao todo, ao mundo, aos outros. No fundo, é isso que se pretende: pelo mapa da pele mas penetrando para lá da pele, mergulhar e percorrer os misteriosos corredores internos.

OUTROS CADERNOS

O CADERNO DOS SONHOS:

O lugar dele é sempre à cabeceira, Às vezes debaixo da almofada, às vezes ao lado da almofada, deve ter uma capa resistente para resistir ao corpo dos sonhos. É inseparável da caneta, que nunca deve afastar-se. Um caderno à cabeceira sem uma caneta (já me aconteceu) não serve para nada.

No caderno dos sonhos tanto posso escrever como desenhar, porque há sonhos que são desenháveis, que só podem mesmo ser desenhados…

Mas há O CADERNO DAS ESCRITAS, que deve colar-se ao meu corpo, porque posso escrever a meio da noite à saída de um sonho, na casa de banho, a fazer o jantar, a estender a roupa, a ver um filme, a andar na rua….

Daria jeito ao nosso caderno ter um corpo que lhe permitisse habitar vários meios: da banheira à cama passando pela rua, pelo autocarro ou pelo… cinema.

O fator presença, proximidade, intimidade, é muito importante. Não me serve de nada ter o caderno em casa se estou na rua, ou no carro se estou no teatro, ou na escola se estou a ver uma exposição.

Tenho também O CADERNO DA MEMÓRIA, onde colo coisas: bilhetes de espetáculos, postais que me enviam, moedas encontradas na rua, fotografias que me oferecem, espécies vegetais, cartões de visita, pequenos catálogos de exposições, e um sem número de coisas. (Este aprendi-o com um amigo)

O CADERNO DAS VIAGENS, onde escrevo percursos, sítios, desenho coisas que vi, frases que retive, frases que criei, pessoas que conheci, idéias que surgiram. Nesse caderno preparo as viagens, vivo as viagens e recrio as viagens. (Este aprendi-o com… talvez com Deus)

Um caderno pode ser utilizado como um diário, com a regularidade do sol, mas pode ser quase um horário, se o usarem com a mesma freqüência com que eu o faço. E não tenham receio se emudecerem um dia. O caderno, se é quadrado, pelo menos na origem, não tem de ser rígido. Pode ser a quadratura do círculo, e ser flexível, móvel, girar.

É claro que eu posso ser caótica, totalmente indisciplinada e anarquista, porque eu apenas tenho que o mostrar a mim mesma, que foi quem docemente me ordenou que o fizesse.

Quanto ao que se deve lá pôr, eu diria: tudo!

Mesmo que pensem que não sabem desenhar, não devem ter pudor em desenhar, se isso fizer sentido para vós, se o impulso do desenho saltar para a vossa mão

Eu não sou um bom exemplo, porque não tenho um caderno, tenho vários, um em cada sítio: cozinha, quarto, mochila, pasta, ao pé do PC, carro, etc. Nem sei quantos tenho. Se eu tivesse de fazer um caderno por me mandarem fazer, ou teria de grafar os cadernos todos, arquivá-los num dossiê, ou arrancar-lhes as folhas e dar-lhes uma organização. Realmente eu não sou um bom exemplo. Tenho o caderno dos sonhos, o caderno dos exercícios, o caderno de qualquer coisa que ando a escrever (que pode ser romance, cantata, musical, poemas, crônicas, este texto que estou aqui a transmitir-vos hoje, foi escrito assim, aos bocados…), o caderno dos alunos, o caderno das reuniões, o caderno das coisas que ando a estudar, o caderno dos desenhos, o caderno onde colo coisas, e acho que não acaba aqui… Se vocês forem assim pessoas dispersas terão de arranjar um truque para parecer que têm um caderno. Na verdade vocês têm um caderno, e mais outro, e mais outro…

Para as reuniões muito chatas (desde que não estejamos nós a dirigir), à falta de caderno, é sempre possível fazer poemas à margem das notas oficiais. Fiz imensos poemas numas reuniões assim… depois recortei os poemas e colei num caderno… que já não sei por onde anda.

E também podem dobrar em quatro os vossos fólios, à maneira da palavra latina “quaternum”, e fazerem, e até ritualizarem, o momento de criação do vosso caderno. Para quem isso for importante. Não há nada que seja proibido se for para ampliar e crescer.

Alguns cadernos que referi são cadernos parciais: de sonhos, de escrita, mesmo o dos meus alunos, com escrita e objetos e fotografia, mas o caderno é potencialmente, não obrigatoriamente, mas potencialmente, mais amplo, porque como terapeutas holísticos de nós mesmos ( e por extensão, do mundo) que todos deveríamos ser, nada poderá ficar de fora, e, de acordo com as características de cada um, que, naturalmente, dará diferente peso às várias possibilidades, aí poderemos incluir sonhos, reflexões, intuições, citações, revelações, esquemas, grelhas, questionários, listas, argumentações, entrevistas, reportagens, notícias, crônicas, críticas, apontamentos, descobertas, interrogações, dúvidas, possibilidades, bílis, cartas de amor…

Sob as formas de texto, traço, desenho, fotografia, objeto, colagem, corte, rasgão, cheiro, sabor, beijo e até… som (por que não poderá uma gravação num suporte qualquer fazer parte de um caderno assim? Ou um suporte multimídia?)

Enfim… acho que comecei a falar do quadrado e terminei a falar do infinito, porque o “problema” ou o encanto (depende do ponto de vista) do quatro é que pode sempre transformar-se num oito deitado, o sinal do infinito. Cabe-nos a vós decidir se queremos um caderno atado com uma corrente a uma secretária, ou um caderno a voar por aí e nós agarrados a ele a sobrevoarmos o mundo, ao estilo Super-Homem, Mary Poppins, anjo ou folha de árvore em outonal dia de vento e da desarrumação que precede a ordem, o compasso quaternário…

Fontes:
http://triplov.com/letras/risoleta_pedro/Caderno/index.htm
http://
http://www.milliu.com.br/ (imagem)

Rachel Jardim (A viagem de trem)

Conhecera, afinal, Florença e achava que a vida já lhe tinha dado bastante. Conhecera-a madura, depois de ter sonhado com ela toda sua juventude. Chorara no Ponte Vecchio, como se reencontrasse a mocidade, as estranhas visões que a povoavam.

Desde menina a ponte a fascinava, com suas casas entranhadas, mais rua do que ponte. Algo absolutamente insólito, ocupando um espaço e um tempo desarrazoados.

Deixou-se penetrar pelo encantamento da cidade, vagando por ela, sem rumo, durante dias.

Sem esgotá-la, tinha partido e agora, enquanto o trem andava, começou a degluti-la.

Jantou só, no carro-restaurante, e voltou para a cabine. Não desejava dormir e teve curiosidade de ver a paisagem noturna pela janela do trem. Nenhum passageiro parecia estar acordado, apenas um silêncio feito de sons abafados.

O barulho do trem nos trilhos era um ruído bom, familiar, que lhe devolvia a infância, as longas viagens de noturno rumo à fazenda.

"Estou me sentindo estranhamente jovem", pensou. Olhava pela vidraça fechada a paisagem banhada de luar.

A solidão reinante fazia bem, deixava o mundo à sua mercê, podia envolvê-lo na palma da mão.

Uma voz. Olhou espantada. Uma voz ao seu lado. Um homem a olhava e falava. Ia retirar-se e fechar a porta da cabine, quando alguma coisa a fez mudar de idéia. O homem pedia-lhe que ficasse e a voz combinava com a noite, o trem, o resto de Florença.


Ser jovem — ser jovem uma vez mais numa noite, numa cidade estranha. Depois, partir sem deixar rastro. Esgotar a vida, a cidade, o tempo, num só dia. Não desejava mais, ou melhor, só desejava isso. Qualquer acréscimo e tudo estaria perdido.

Cogumelos e cerejas no restaurante. Brilhantes e redondos. Tenros, devorados em plena juventude. a vinho, velho, conservava a mocidade, tinha também o poder de inebriar.

A cidade era feita de tempo, tempo guardado, tempo preservado.

Amava sim, de um amor sem tempo, sem limite, sem fim e sem começo.

Ele se chamava Alfredo e queria detê-la. Procurava saber tudo, seu nome, sua cidade, o que fazia, se era casada, se tinha filhos. Ela não dizia nada. Ele fora casado e agora se dizia, livre. Tinha o senso do limite. Queria-a para si num tempo e num espaço certos. Guardada, conservada. Que sabia ele?

Ela se sentia livre e aspirava até o último sorvo essa liberdade, duramente conquistada. Desistira das coisas concretas, uma posição definida, um lugar no espaço. Seu espaço era feito de muitos espaços; seu tempo, de muitos tempos. Queria conhecer um dia que não pudesse ser contado em dias. Que lhe daria ele? a tempo aprisionado, a dor das coisas que se perdem de momento a momento. Ela não queria mais ganhar nem perder. O amor seria agora assim, feito de instantes - instantes sem tempo. Já perdera e ganhara seu espaço e seu tempo. Sentia-se livre para viver sem medo de perder.

A sensação de juventude vinha cada vez mais forte, e ele participava dela. Estava lhe dando de presente o tempo reconquistado, o tempo de juventude, aquele que ninguém conta.


Ainda no trem, quis detê-la e lhe pedia que ficasse, que deixasse alguma coisa de palpável, um endereço, uma pista para encontrá-la um dia em algum lugar.

Resistiu.

Acenou pela janela e sentou na poltrona.

O coração batia violentamente.

Teve vontade de parar o trem, precipitar-se pela porta, voltar.

O trem, grande devorador, já transformara em tempo o espaço percorrido.

Estava livre e só na manhã de verão.
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Sobre a Autora:
Rachel Jardim, romancista e memorialista, nasceu em Juiz de Fora (MG) em 19 de setembro de 1926. Formou em Direito pela PUC-RJ. Ingressou no funcionalismo público. Fez estágios em museus de Nova York e, de volta ao Brasil, dirigiu o Patrimônio Cultural e Artístico do Rio de Janeiro. Tem colaborado na imprensa (Jornal do Brasil-RJ, Suplemento Literário do Minas Gerais, Correio do Povo - RS).
Obras publicadas:

Os anos 40: a ficção e o real de uma época, romance, 1973; Cheiros e ruídos, contos, 1975; Vazio pleno, romance, 1976; O conto da mulher brasileira, antologia, 1978; Mulheres & mulheres, antologia, 1978; Inventário das cinzas, romance, 1980; Muito prazer, antologia, 1981; A cristaleira invisível", contos, 1982; O prazer é todo meu, antologia, 1984; Crônicas mineiras, antologia, 1984; O penhoar chinês, romance, 1985; Minas de Liberdade, memórias, 1992.
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Fonte
Contos de escritoras brasileiras. SP: Editora Martins Fontes, 2003.
http://www.releituras.com/

Marina Colasanti (Como é mesmo o nome?)

Levou o manequim de madeira à festa porque não tinha companhia e não queria ir sozinho.

Gravata bordeaux, seda. Camisa pregueada, cambraia. Terno riscado, lã. Tudo do bom. Suas melhores roupas na madeira bem talhada, bem lixada, bem pintada, melhor corpo. Só as meias um pouco grossas, o que porém se denunciaria apenas se o manequim cruzasse as pernas. Para o nariz firmemente obstruído, um lenço no bolsinho.

No relógio de ouro do pulso torneado, a festa já tinha começado há algum tempo.

Sorridentes, os donos da casa se declararam encantados por ter ele trazido um amigo.

— Os amigos dos nossos amigos são nossos amigos — disseram saboreando a generosidade da sua atitude. E o apresentaram a outros convidados, amigos e amigos de nossos amigos. Todos exibiram os dentes em amável sorriso.

Recebeu o copo de uísque, sua senha. E foi colocado no canto esquerdo da sala, entre a porta e a cômoda inglesa, onde mais se harmonizaria com a decoração.

A meia hilaridade pintada com tinta esmalte e reforçada com verniz náutico exortava outras hilaridades a se manterem constantes, embora nenhuma alcançasse idêntico brilho. Abriam-se os transitórios vizinhos em amenidades que o compreensivo calar-se do outro logo transformava em confidências. Enfim alguém que sabia ouvir. Relatos sibilavam por entre gengivas à mostra e se perdiam em quase espuma na comissura dos lábios. Cabeças aproximavam-se, cúmplices. Apertavam-se as pálpebras no dardejado do olhar. O ruge, o seio, o ventre, a veia expandida palpitavam. O gelo no uísque fazia-se água.

A própria dona da casa ocupou-se dele na refrega de gentilezas. Trocou-lhe o copo ainda cheio e suado por outro de puras pedras e âmbar. Atirou-se à conversa sem preocupações de tema, cuidando apenas de mantê-lo entretido. Do que logo se arrependeu, naufragando na ironia do sorriso que lhe era oferecido de perfil. A necessidade de assunto mais profundo levou-a à única notícia lida nos últimos meses. E nela avançou estimulada pelo silêncio do outro, logo úmida de felicidade frente a alguém que finalmente não a interrompia. No mais frondoso do relato o marido, entre convivas, a exigiu com um sinal. Afastou-se prometendo voltar.

O brilho de uma calvície abandonou o centro da sala e coruscou a seu lado, derramando-lhe sobre o ombro confissões impudicas, relato de farta atividade extraconjugal. Sem obter comentários, sequer um aceno, o senhor louvou intimamente a discrição, achando-a, porém, algo excessiva entre homens. Homens menos excessivos aguardavam em outros cantos da sala a repetição de suas histórias.

Não acendeu o cigarro de uma dama e esta ofendeu-se, já não havia cavalheiros como antigamente. Não acendeu o cigarro de outra dama e esta encantou-se, sabia bem o que se esconde atrás de certo cavalheirismo de antigamente. Os cinzeiros acolheram os cigarros sem uso.

Um cavalheiro sentiu-se agredido pelo seu desprezo. Um outro pela sua superioridade. Um doutor enalteceu-lhe a modéstia. Um senhor acusou-lhe a empáfia. E o jovem que o segurou pelo braço surpreendeu-se com sua rígida força viril.

Nenhum suor na testa. Nenhum tremor na mão. Sequer uma ponta de tédio. Imperturbável, o manequim de madeira varava a festa em que os outros aos poucos se descompunham.

Já não eram como tinham chegado. As mechas escapavam, amoleciam os colarinhos, secreções escorriam nas peles pegajosas. Só os sorrisos se mantinham, agora descorados.

No relógio torneado do pulso rijo a festa estava em tempo de acabar.

As mulheres recolhiam as bolsas com discrição. Os amigos, os amigos dos amigos, os novos amigos dos velhos amigos deslizavam porta afora.

Mais tarde, a dona da casa, tirando a maquilagem na paz final do banheiro, dedos no pote de creme, comentava a festa com o marido.

— Gostei — concluiu alastrando preto e vermelho no rosto em nova máscara —, gostei mesmo daquele convidado, aquele atencioso, de terno riscado, aquele, como é mesmo o nome?
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Sobre a Autora:
Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em amor; Contos de amor rasgados; Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
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Fonte:
COLASANTI, Marina. O leopardo é um animal delicado. RJ: Editora Rocco, 1998.
Disponível em http://www.releituras.com/

terça-feira, 29 de abril de 2008

Marina Colasanti (Eu sei, mas não devia)

Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Fonte:
COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. RJ: Editora Rocco, 1996.
http://www.releituras.com

domingo, 27 de abril de 2008

Poesias Soltas ao Vento

Gruta da Poesia
Alba Albarello (É tempo de vencer)

Tens vergonha
de chorar,
sofrer
dar um sorriso.
Frágil?
Mas quem não é...
Ser como um cristal!
Que pode estilhaçar.
Pense...
Enquanto não quebrar
Brilhe...
Lute!
Mergulhe?
Para se molhar!
Todos procuram
Carinho e afeição.
Sabem...ou
Estão buscando
Vagueiam..a paz
Descendo aos corações.


Gislaine Canales (Liberdade)

Me sinto livre, porque sou amada,
pertenço aos céus e corro como os ventos,
vou flutuando na noite enluarada,
nas doces asas dos meus sentimentos!

Faço da liberdade, a minha estrada,
e dou amor em todos os momentos,
transformando em meu tudo, um quase nada,
e em nada, todos os meus sofrimentos!

No azul do mar, a imagem refletida,
a imagem do meu próprio coração,
num renascer eterno de emoção!

Livre e feliz, eu sigo pela vida,
com mil estrelas a brilhar, converso,
plantando os sonhos meus pelo Universo!

Lígia Antunes Leivas (Os beijos que não esqueci)

Dentro de mim vive o consolo da saudade sentida.

Saudade de teu beijo ardente
de nossos beijos loucos
que nos cansaram o corpo
nos fizeram tolos
na certeza pouca
de que o nunca mais
um dia chegaria.

Ah! teus beijos!.
Adrenalina pura!
Lânguidos
insanos
feitos de romance
de bem, de mal, de tudo;
de sonhos de paixão
de toques de ousadia
do fogo da emoção
do ardor da euforia.

Dentro de mim resta o consolo de sentir saudade.

Vem!
Volta!
Esgota-me com teu beijo!
Renova-me com teu beijo!
Me faz viver de novo
em meio a nossos beijos
desejos tão sentidos!

Deus se faz...

Luiz Eduardo Caminha (Contrastes)

A cor azul turquesa
Faz o contraponto,
Com a palidez
Da linha do horizonte.

Acima de mim, o céu,
Vestido de azul claro,
Espera o manto dourado,
Dos raios vindos do Leste.

A última estrela da manhã
Vê, aos poucos, brilho apagado,
O nascer de um novo dia.

No meio do oceano,
Como uma casca de noz,
Flutuando na lagoa,
Eu sinto o Universo gigante.

Na madrugada de instantes atrás
Relâmpagos e trovoadas,
Faziam da chuva, tormenta
Contrastes da aurora iluminada.

Tantas forças que se opõem!
De noite o vendaval,
De dia, a serena paz.

Não há como negar:
Deus existe! E SE FAZ!!!

Maria Nascimento Santos Carvalho (Excesso de amor)

Amo o sol, amo a lua, o firmamento,
amo os montes, as serras, e arrebóis,
amo a terra, a beleza, o pensamento ...
Eu amo loucamente os rouxinóis.

Amo prados, colinas e amo os ventos,
e tudo desta vida passageira,
eu aprendi a amar os sofrimentos
e até mesmo a vizinha faladeira ...

Amo as flores, as aves, as florestas,
amo praias, jardins, e os coqueirais,
eu amo a solidão, bem como as festas,
também amo o frescor dos matagais.

Amo a sombra, o silêncio e a harmonia,
amo tudo o que traz felicidade,
o sereno, o ciúme, a cortesia,
amo a cor, amo o amor, e amo a saudade !

Amo o frio da noite enluarada,
amo os rios, o espelho e a amplidão,
amo a vida, sem mesmo ser amada,
porque amo ouvir a voz do coração ...

Eu amo o bem - estar da Humanidade,
seguindo o que me ensina a Lei Cristã...
Amo plantar, feliz, na mocidade
uma esperança a mais para o amanhã !

Amo a noite, amo o dia, a madrugada,
a chuva que dá viço a flor do agreste,
o sublime cantar da passarada,
e a vida sossegada do Nordeste...

Amo a fonte, os desertos, os rochedos,
amo a areia e amo a espuma do oceano,
o clarão, amo a réstia, amo os degredos,
e amo as quatro estações de cada ano ...

Amo o sonho, o talento, amo a pintura,
a igreja com seu sino a repicar ...
Amo o riso depois da desventura
e amo o barulho ouvido à beira - mar ...

Amo o som, a ternura, amo a nobreza,
e o pranto quando fruto de emoção,
amo todo o esplendor da Natureza,
eu amo tudo, enfim, sem distinção...

Amo as nuvens com arte e com mesuras,
quando formam no espaço um longo véu ...
e as estrelas fazendo travessuras,
mudando de lugar, mesmo no céu ...

Eu amo os vegetais, toda a folhagem,
a garra da cigarra cantadeira,
as notas musicais, amo a friagem
e o calor insistente da lareira...

Eu amo o despertar da simpatia,
a velhice e também a juventude,
um semblante que vibra de alegria,
a força de vontade, amo a virtude !

Amo o lirismo, a paz, amo a cultura,
amo o trabalho, a luz e a inteligência,
amo as benesses da literatura,
amo a sabedoria da Ciência ...

Eu amo o campo santo, a nostalgia,
E o lazer no descanso após a lida,
e fervorosamente amo poesia ...
e amando o Ser Humano ... Eu amo a Vida !

Eu amo este Universo imenso e bom
com todo o amor que Deus me concedeu,
pois nem toda Mulher possui o dom
de Amar, com tanto excesso, assim com eu ...


Marisa Cajado (Sou a Música)

No contexto do universo
Sou voz em tom expresso
Do som da divindade
Toco os acordes da alma
Que estimula e acalma
O cerne da humanidade

Onde o concerto Divino,
Profundo e Cristalino,
Exprime-se naturalmente,
Alcançando árvores ninhos
As vozes dos passarinhos
No som do eternamente.

Estou na voz do vento,
Suave ou em tormento,
Acompanhando a vida
Desde o princípio da Terra,
Nas lutas que ela encerra,
A dar-lhe paz e guarida.

Inspirei o guerreiro iludido
Também o homem vencido
Porque, a minha missão
É de acordar a grandeza
Que dormita na fraqueza
Dos pobres de coração.

Em tantos hinos de glórias,
Exaltei muitas vitórias,
Nas ilusões que traduzem.
Até, o homem encontrar
O vórtice angular
Representado nas cruzes.

Então, em elevação
A alma sem divisão,
Retornará ao seu lar.
Sou a música que embala
Enquanto à sua alma fala:
Amigo, Viver é amar!

Tchello d'Barros (A flor da pele)

O Amor-perfeito veio
Nascer na tela do artista
E nasceu em nossos olhos
Amor à primeira-vista

As Avencas hoje dançam
Ao vento que vem soprar
Essa brisa diz-me algo
Vem teu nome sussurrar

As Azaléias formosas
Fazem sombra pro besouro
E sem sombra de dúvida
Nosso amor é um tesouro

As Acácias abraçadas
Tão juntinhas neste ramo
Olho dentro dos teus olhos
Então digo que te amo

As Adálias tão formosas
Parecem obras de arte
E bate forte o meu peito
Simplesmente por amar-te

Os Antúrios corações
Lá no jardim à crescer
Bate-bate e faz tum-tum
Cada vez que vou te ver

Os Agapantos ao vento
Como azuis olhos de Venus
Com afagos e carícias
Assim nós nos amaremos

As Begônias são a causa
De um jardim tão colorido

Sem teu amor minha vida
Não teria algum sentido

As Bromélias são encanto
Magia de belos matizes
Essa paixão é o feitiço
Que nos faz sorrir felizes

As Camélias tem um ar
De quem vibra de paixão
Escrevo hoje teu nome
No livro do coração

Oh Crisântemos divinos
São as flores de um adeus
Jamais morre esta chama
Que me une aos olhos teus

Os Cravos estavam tristes
Pois o sol havia se posto
Vi nas nuvens deste céu
O desenho do teu rosto

A Flor-de-Liz e suas cores
São matizes da beleza
Mantemos em nosso peito
A chama do amor acesa

Os Gerânios nos jardins
Ornamentam a cidade
Assim é o nosso amor
Jardim de felicidade

A Gérbera apaixonada
Na primavera nascia
Em mim nasceu o amor
Que renasce à cada dia

Os Girassóis apaixonados
Sorriam ao astro-rei
Te amarei eternamente
Jamais te esquecerei

Os Hibyscus perfumavam
O vento do entardecer
Meu coração será teu
Cada vez que ele bater

As Hortências tão sublimes
De fragrância tão pura
Mais sublime é nosso amor
Puro afeto e ternura

Os Ipês na primavera
Vestem traje amarelo
Teu amor vestiu meu mundo
De um sonho doce e belo

O Jasmin enamorado
Floresceu até que enfim
O romance de nós dois
Tem começo e não tem fim

Os Lírios perto do mar
Inesquecível paisagem
Assim é o teu semblante
Em sonho vi tua imagem

Nos Lisiantus do jardim
Pisca-pisca um vagalume
O teu amor me completa
Como a flor e seu perfume

As Margaridas não mentem
Respondem à quem quiser
Perguntei de nosso amor
Terminou em bem-me-quer

A Miosótis tão singela
Sempre me enterneceu
Estarei junto de ti
Sempre sempre ao lado teu

As Orquídeas com seu néctar
Onde pousa o beija-flôr
Nesses lábios pousam beijos
Também a palavra amor

As Petúnias se destacam
No céu de azul profundo
Te quero muito meu amor
Mais que tudo neste mundo

As Prímulas elegantes
Como asas de querubim
No céu brilha o arco-íris
Como este amor sem fim

A Rosa disse ter visto
Borboletas no jardim
E falou do teu amor
A melhor parte de mim

As Tulipas são tão raras
Tão difíceis de encontrar
Encontrei o meu amor
E meu destino é te amar

As Violetas violácias
Ou da mesma cor do céu
Não acaba este beijo
Com doce sabor de mel

Fonte:

Colaboração de Iara Melo
Gruta da Poesia - Nº 07 da 2ª série – Abril de 2008
http://www.caestamosnos.org/Revista_A_Gruta_da_Poesia/08.html

Academia de Letras, Artes e Ciências de Abreu e Lima (Cerimônia Solene)

A Academia de Letras, Artes e Ciências de Abreu e Lima realizará Cerimônia Solene de nstalação Acadêmica, Posse do Presidente acadêmico Marcos de Andrade Filho e de seu Conselho Dirigente e Recepção dos novos acadêmicos:
Elisabeth Salgado (poetisa);
José Pimentel (dramaturgo, ator, diretor e produtor teatral);
Alcides Tedesco (educador e cientista da Educação).
24 de maio de 2008 (sábado, na Câmara Municipal de Abreu e Lima

sábado, 26 de abril de 2008

Entrevista com Douglas Maria Lara

Biografia de Douglas Lara em 8 de fevereiro
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Vânia Moreira Diniz do Jornal Ecos entrevista o divulgador e editor Douglas Lara

Jornal'Ecos: Douglas: Você nasceu em Sorocaba, uma grande cidade paulista, a origem de sua família é de Sorocaba mesmo?

Douglas: Vânia, que bom conversar contigo. Sim, nasci em Sorocaba em 24 de janeiro de 1938 que aproximadamente 70 anos atrás era uma cidade média do interior do estado de São Paulo, ficando a 90 quilômetros da capital.

Penso que não existia melhor lugar para nascer. A vida em Sorocaba era de pessoas ordeiras e do bem, amigas e nasci do casamento de minha mãe Victoria (com seis irmãos) e Ramon Lara Rodrigues (que também tinha seis irmãos). Meus pais foram morar com meus avós maternos Elias Salum e Henriqueta Dias Salum numa casa enorme com muita gente no centro de Sorocaba).

Todos trabalhavam e vivíamos alegras e muito felizes.
Conheci e convivi durante muitos anos com minha avó Henriqueta que quando casei-me e tive meu primeiro filho, o Douglas Junior foi morar conosco em São Paulo, cidade que mudei-me em 1958 para fazer vestibular na faculdade de economia na USP.
Meus avós paternos foram imigrantes espanhóis que trouxeram 6 filhos primeiro para a Argentina onde nasceu em Buenos Aires e posteriormente decidiram imigrar para o Brasil na época com 7 filhos.

Jornal'Ecos: Como transcorreu sua infância? Tem alguma recordação de algum fato que o marcou com ênfase?

Douglas: Minha infância foi muito alegre e divertida no meio de muitos tios e primos.
Meu único irmão, o Dorival nasceu quando eu já tinha 7 anos de idade o que fez com que meus pais tivessem dois filhos únicos, dos mesmos pais.
Morava com minha vó e bisavó.
Como era comum na época, aos treze anos fui trabalhar com meus tios que tinham uma pequena manufatura de sapatos ... meu primeiro salário foi um dicionário de português.
Ai você pode ver que meus tios tinham sensibilidade e perceberam que teria que estudar muito a língua pátria.
Quando criança tudo era permitido, exceto não estudar.
E Sorocaba, chamada terra das escolas e das indústrias oferecia para todos seus moradores trabalho e estudo.
Vânia, agora irei contar um pouco de minhas peraltices.
Na minha infância, saia muito com meus tios que tinham 14 anos ou mais portanto moleques.
Uma das coisas que mais gostávamos de fazer era nadar no rio Sorocaba, que ficava bem próximo de onde morávamos.
Quem conhece Sorocaba sabe que o rio passa no centro da cidade ...

Jornal'Ecos: Douglas, explique um pouco mais isso e como seus pais controlavam estas peraltices de menino?

Douglas: Vânia, meu pai tinha um método infalível que era o de verificar minhas orelhas ao chegar do trabalho ... muito simples amiga ... as orelhas de quem vai nadar ficam brilhantes. Só que tinha como advogados de defesa, minha mãe, avó e bisavó, tios e tias que moravam sob o mesmo teto para defender o pequeno sobrinho, filho, neto e bisneto.
Recordo bem e agora conto para meu neto que eu era uma menino traquino que costumava perturbar os jogadores e torcedores nos jogos de várzea.
Recordo-me como se fosse hoje uma passagem no qual um jogador saiu do campo e veio para meu lado para me bater ... e iria bater se não fossem meus tios que pediram para ele deixar o 'moleque' em paz, ele é apenas uma criança ... rindo

Jornal'Ecos: Que faziam seus pais?

Douglas: Meu pai, Ramon Lara Rodrigues, era carpinteiro da Estrada de Ferro Sorocabana e minha mãe, Victória Salum Lara era tecelã na fabrica de tecidos Votorantim onde permaneceu durante uns quinze anos quando passou apenas a fazer os deveres domésticos e posteriormente cuidar de uma loja de calçados que eles tinham no centro de Sorocaba na rua Barão do Rio Branco.

Jornal'Ecos: Parece-me que você exerceu cargos em que liderava as ciências exatas, já naquela época se interessava pela literatura?

Douglas: Cursei contabilidade após terminar o ginásio, na OSE - Organização Sorocabana de Ensino vindo a concluir em 1957 e a literatura que conhecia estava relacionada com os estudos que era forçado para passar de ano.
Em 1957, um pouco depois da instalação da faculdade de medicina em Sorocaba decidi com apoio de meus pais preparar-me para o vestibular na USP. Ai tive a oportunidade de conhecer a literatura suficiente para o exame, tendo conhecido a escrita de Erico Veríssimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos e outros autores que eram presença constante nas re;ações de livros que tínhamos que estudar para o exame de português.
Ao entrar na faculdade tive que ir trabalhar pois meus pais não tinham condições de manter um filho adulto, dentro dos padrões brasileiros apenas estudando.
E meu trabalho foi direcionado para trabalhos onde a contabilidade a a matemática financeira eram mais importante.

Jornal'Ecos: Gostava de ler e tem algum autor que leu com mais persistência?

Douglas: Tomei gosto pela leitura e principalmente pelos autores citados e outros importados que faziam sucesso na época, como Dale Carnegie ... do como vencer na vida e como fazer amigos que hoje são chamados de auto ajuda.
Comecei a ser influenciado pelas mocinhas colegas de escola e aprendi um pouco de poesia e literatura mais para não 'fazer feio' no meio dos jovens da época.

Jornal'Ecos: Quando começou a navegar já escrevia alguns textos e os divulgava?

Douglas: Colocava apensa alguns pensamentos e citações, mesmo sem base arriscava.
Durante muitos anos usei um 'lema', toda decisão é uma solução intermediária.
Isto tem muita verdade hoje no episódio da disputa do gás com a Bolívia, os dirigentes dos vários paises envolvidos não sustentam em pé o que falaram quando estavam sentados, desculpe Vânia ocupar seu espaço para um pequeno desabafo.

Jornal'Ecos: Qual foi a primeira antologia organizada por você e de que forma aconteceu?

Douglas: Onze Autores da Web, atendendo solicitação de uma amiga de Jacareí na base de vamos escrever um livro juntos.
Deveria serem dez, porém a idéia foi um sucesso entre os internautas que terminamos em onze.
Dos onze apenas o Adhemar Molon permaneceu em todas antologias que organizei e sempre falo em tom jocoso que ele escreve mais rápido que podemos ler. E, ele não deixou de comparecer em nenhum dos lançamentos. É o que chamamos de 'amigãó de todas as horas'.

Jornal'Ecos: Como realmente você faz para conciliar as notícias o trabalho de divulgação e a organização das antologias?

Douglas: Tenho muito tempo, tenho todos os dias e apenas uma ou duas antologias por ano.
A antologia fixa é sempre lançada na ultima quinta feira de julho de cada ano.

Jornal'Ecos: Poderia falar algo sobre os anseios dos escritores que se reúnem nas coletâneas?

Douglas: As antologias são as tribunas onde cada um escreve o que quer sem censura de tema ou de assunto. É como uma conversa entre amigos onde cada um perpetua no papel o que pensa e como escreve e expõe suas idéias e ideais.

Jornal'Ecos: E esse interessante trabalho tem realizado suas expectativas?

Douglas: Acredito ter conseguido atender as expectativas dos autores e poetas que participam da coletâneas o que é nosso objetivo e para isso conto com o suporte e respaldo seu e do Mylton Ottoni.

Jornal'Ecos: Atualmente qual o trabalho no qual está se empenhando?

Douglas: No Roda Mundo 2006, na segunda edição da semana do escritor e na antologia dos escritores do Jornalecos todos já com data marcada de lançamento.
Diariamente edito um jornal eletrônico 'Acontece em Sorocaba, no qual tento trazer noticias de interesse para amigos internautas.

Jornal'Ecos: Algum sonho a realizar?

Douglas: Nada em particular, apenas saúde para continuar ajudando quem me procura e desejo de ser procurado bastante para ser útil dentro de minhas possibilidades.
Estou realizando um sonho em poder ser entrevistado por escritora experiente e podendo contar algumas coisas que parecem causos misturado com a verdade.

Jornal'Ecos: Douglas agradeço ter aceito meu convite e o espaço é todo seu. Quer deixar algum recado aos seus leitores e àqueles que lhe procuram para a divulgação de seus textos literários? Parabéns pelo seu brilhante e belo trabalho.

Douglas: Sou uma pessoa feliz e realizada e considero estar nesta vida para ajudar.
Obrigado e votos de felicidades a todos escritores e editores do Jornalecos e principalmente você, Vânia querida que me acompanha durante alguns anos.

Fonte:
Entrevista realizada por Vânia Moreira Diniz do Jornal'Ecos da Literatura Lusófona
10 de Maio de 2006 - Edição N°40
http://www.jornalecos.net/entrevistalara.htm

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Maria Lindgren

Nome: Maria José Lindgren Alves

- Mestrado em Educação – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ - 1999
Especialização em Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua Inglesa – Universidade Federal do Rio de janeiro – UFRJ – 1991
- Licenciatura em Letras : Português – Inglês – Universidade Federal Fluminense – UFF, 1976.
- Revisora e avaliadora de textos pedagógicos do INEP/MEC, de 1999 a 2003.
- Escritora literária: livro publicado: UMA ROLHA NA LÁGRIMA(coletânea de contos e crônicas), 2004.
-Contos publicados na antologia Uruguaia Cuentogotas: Encontro Inusitado, em português e Alta Fidelidad, em espanhol, Editora Bianchi Pilar, Movimento Cultural ABRACE, Montevideo, 2006

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/

Maria Lindgren (Se eu fosse um livro...)

“Los libros son como las dentaduras postizas: se guardan en un bolsillo hasta que sea el momento de masticar”.

Escarafunchei a cabeça o mais que pude, para ver se me saía um livro antigo ou novo, que eu pudesse chamar de meu predileto, aquele com o qual ficaria preenchida. E por que isto assim, de repente? Por duas razões interligadas: é tema de concurso do site espanhol Escuela de Escritores, que um dia pretendo enfrentar em concursos, e a curiosidade que o próprio tema me despertou.

Se me pedissem para escolher uma flor, certamente seria rápido: uma rosa bem vermelha, uma vez que as arianas, dizem, gostam de fogo: se fosse uma planta, uma árvore secular imorredoura e altiva; uma música, Cry me a River, com Julie London ou As Quatro Estações, de Vivaldi; se uma comida, meu bacalhau de Natal; uma sobremesa, uma daquelas japonesas com sorvete e banana caramelada... Enfim, para quase tudo, a resposta não daria tempo de piscar, mas um livro...

Nos bons tempos de avidez de leitura de livros de papel, não apenas eu, mas todos os que compartilhavam minha juventude bem intelectualizada saberiam dizer sem titubear o nome do último livro que havíam saboreado que, apesar disso, não sei se seria o predileto.

Certamente, o romance estaria entre os russos ou os latino-americanos, estes últimos, muito em voga; um ou outro brasileiro bem sofisticado; um ou dois ingleses ...). O livro de poesia, para ser curtida em silêncio ou a plena voz, oscilaria entre os luso-brasileiros, sem dúvida, os ingleses, sobretudo Shakespeare” life is a tale, told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing”( a vida é um conto narrado por um idiota, cheio de som e fúria, sem nenhum significado ) que, recitado em momento de baixa na vida, quase me custou um dedo numa janela de guilhotina velha.

Os amigos mais avançados ou snobs acabavam de descobrir o norte-americano J. A. Salinger (O apanhador no campo de centeio), mencionavam Clarice Lispector, ainda receosos, preferiam Rimbaud, entre os franceses, e falavam de Rilke, para embasbacar a platéia.

Se perguntasse à minha prima, naquela época, qual poesia mais lhe falava à alma, ela diria o Eu, de Augusto de Campos, encetando uma declamação direto: “...apedreja esta mão vil que te afaga e escarra nesta boca que te beija.

Enfim, a lista de literatura era longa e resultava sempre em discussão acalorada, com aquiescências e repulsas definitivas. Ninguém ousaria dizer não li nada esta semana. Cruz, credo! Só maluco passaria uma semana inteira sem ler um livro. Não seria fácil para ninguém dizer o título de seu livro predileto, tal a vertigem pelos livros.

Ler era compulsão aceita pelos melhores psis da época. Só fazia bem. Não se ficava em casa sem o lazer da leitura, não se saía à rua, sem um livro debaixo do baixo, nem que fosse para ir ao cinema, à praia ou em visita de muito bate-papo. O livro era mais importante na indumentária do que o resto da roupa. Usava-se até a expressão cultura axilar, em menosprezo aos que só o carregavam. Não tinha substituto no velho rádio e na TV insipiente, nem no computador inexistente quase.

Com a frase se eu fosse um livro na cabeça, abro o jornal El País e procuro a seção de Cultura. Fala-se de livros, porque dia 23/04 é Dia do Livro. Ressalta-se Barcelona, Festa de Sant Jordi, de confraternização de escritores e leitores, em meio a rosas vermelhas e livros, tudo em abundância. Percorro as fotos com inveja, confesso. Que vontade de correr para lá e partilhar da paella, em almoço feito para esse público tão especial.

Penso no contraste enorme com minha cidade no Dia do Livro, quase vazia de todo, por causa de feriadão, as livrarias fechadas ou abertas para ninguém, a não ser para um cafezinho.

Passeio pelo meu escritório de casa com bateladas de livros que ainda não li. Como nos diz Juan Cruz, no mesmo El País, no artigo El libro y la dentadura postiza, que recomendo: “Los libros son como las dentaduras postizas: se guardan en un bolsillo hasta que sea el momento de masticar”. Pior que hoje em dia, quase não há dentadura solta.

Fico mais triste ainda. Que idéia descobrir jeito para escrever logo em tempos de anorexia de livro! Olho para o computador, lembro-me dos escritores que publicam sem parar na Internet, sento na cadeira que gira e me mói, e renasço: ainda há esperança.

PS. Se eu fosse um livro, seria uma antologia poética internacional escolhida a dedo ou bolada por mim. Com certeza.

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/maria_lindgren/cronica_se_eu_fosse_um_livro.htm
Colaboração de Douglas Lara in http://www.sorocaba.com.br/acontece

Bisa Maith (Maria Thereza Moreira Pereira)

Desde criança ela gostava de escrever e almejava tornar-se um dia uma grande escritora. Queria muito estudar, freqüentar uma escola mas isto lhe foi negado. Não foi além de Grupo Escolar, como se chamava então a escola primária, fato que, no entanto, não a impediu de sonhar, pois, os sonhos não estão condicionados a regras de gramática, ortografia, lingüística ou seja lá o que for.

O seu anseio, porém, se lhe afigurava impossível. Os escritores lhe pareciam tão distantes e inatingíveis quanto os consagrados artistas e desportistas com que sonham a maioria dos adolescentes.

Seguiu o caminho da maioria, trabalho, casamento, filhos ... e o seu sonho ficou guardado no coração. Nunca se desfez dele.

Satisfazia-se escrevendo alguma coisa que mandava para os jornais sempre que havia uma oportunidade.

Setenta e muitos anos, aposentada, filhos casados, viúva, só então tinha todo o tempo do mundo e o direito de fazer loucuras, como editar um livro, mil exemplares dos quais muito poucos foram vendidos, alguns doados e a maior parte lotou o seu armário.

Ela era inexperiente. Não conhecia nada do ramo e não procurou ajuda profissional. Deu seu livro para ser editado numa editora qualquer e o livro saiu com muitas falhas.

Ela ficou aborrecida, mas nem tanto. Orgulha-se dele como uma mãe que ama o seu filho mesmo que ele não seja o mais belo bebê deste mundo.

Graças a uma reportagem no Cruzeiro do Sul, ficou conhecida, seu blog (bisavo.blogger.com.br) teve muito acesso, foi convidada a participar do Roda Mundo 2005 e seus contos foram publicados em Cabo Verde, na África.

E vieram os convites para eventos literários. Tudo que ela desejou sua vida toda, mas, já então, sem condição de locomover-se, não pode aceitar.

Agora, consciente de estar trilhando o fim de sua estrada terrena, está vivendo talvez a mais gratificante etapa de sua vida, vendo seu trabalho ser reconhecido, conquistando novos amigos e procurando semear a sua volta sementes de alegria, de paz, de otimismo e de felicidade.

Fonte:
http://www.sorocult.com/el/colunistas/bisavo.htm

Bisa Maith (Sogra e Sogra)

Armando e Carol resolveram casar-se. Já eram namorados há algum tempo, mas ainda não conheciam as famílias. Agora estava na hora da aproximação e os dois estavam preocupados.

Armando dizia:

- A minha mãe é muito legal. Você vai gostar dela e ela de você, tenho certeza!”“.

Carol também afirmava:

Mamãe está ansiosa para conhecê-lo. Você vai ver que boazinha que ela é. Chegou o dia marcado para Carol fazer a primeira visita para a futura sogra e ela estava nervosa sem saber como se comportar para melhor impressioná-la.

Que vestir? Será que podia ir de calças compridas ou seria melhor um vestido? E o sapato? Não queria usar salto muito alto para não ficar mais alta do que o Mando, mas, salto baixo, também, não fazia nenhuma vista Tênis, nem pensar! Se fosse de calças até que podia, mas, não sei. . . É tão esporte!

E como se comportar na casa dele?

Se falasse muito alto, Ela a acharia vulgar, mas se cochichasse poderia parecer tímida. Tinha que medir muito bem (quantos decibéis?) para parecer uma pessoa fina, equilibrada, bem educada, etc.

Se mostrasse muito carinhosa com o Mando, podia parecer assanhada, mas se se mantivesse muito distante ela a acharia muito fria.

Se comesse muito, pareceria gulosa, mas, se comesse muito pouco, ela podia pensar que ela não gostou da sua comida.

Como é difícil encontrar o ponto de equilíbrio!

(A única coisa que não lhe ocorreu foi ser autêntica. Mostrar-se tal qual era na realidade para que ela já ficasse sabendo como era a mulher que estava levando embora o seu filho.).

E os possíveis acidentes? Já pensou se virasse a xícara de café, derrubasse alguma coisa no chão ou tropeçasse no tapete?

Quando se defrontaram, mediram-se por um instante de alto a baixo. Carol não pode deixar de comparar a mãe do Mando com a sua, (ela era bem mais sofisticada e isso a preocupou um pouco.) e a sogra pensou:

“Que menina feiosa”! Pernas finas, nariz chato e sardas no pescoço! ´´, mas falou, sorrindo:

- Olá, querida, o Armandinho não exagerou quando disse que você era linda!

Surpresa, Carol não lembrou de nada inteligente para dizer e balbuciou tolamente:

- ... ...gada...

- Meu nome é muito feio (Hermengarda!) cochicha-lhe no ouvido, mas quero que você, como todo mundo, me chame pelo apelido, Meg, e, por favor, nada de dona nem de senhora.

- Eu sou Carolina, mas todos me chamam de Carol.

- Eu já sabia, o Armandinho me disse.

O Armandinho procurou desanuviar o ambiente contando mil casos, mas a Carol não achava graça em nada. Queria sumir dali. Nunca pensou que fosse tão difícil relacionar-se com uma sogra em potencial.

Finalmente foram para a mesa e ela obrigou-se a se servir de tudo e comer um pouco.

E, então já, podia despedir-se.

- Volte sempre! Esta casa agora é sua!

-....gada... Ufa!

Na semana seguinte foi a vez do Armando conhecer a mãe da Carol.

Esta visita foi bem mais tranqüila. O Armando estava muito à vontade e a Berta, mãe da Carol recebeu-o carinhosamente, sem exageros.

Ofereceu, logo após os cumprimentos, uma latinha de cerveja que ele aceitou e trouxe uma bandeja enorme, de plástico, abarrotada de salgadinhos feitos por ela mesma (deliciosos).

A Carol ficou meio preocupada. Será que ele ia achar sua mãe muito brega?

Mas ele comeu à vontade, aceitou a segunda cerveja, e, quando ela ofereceu uma fatia de bolo, disse francamente que não gostava de bolo, mas que aceitava mais uma latinha.

- Meu Deus! Será que a Mamãe vai achar que ele bebe demais?

Berta era uma mulher simples, não se incomodava com etiquetas, mas, detestava beberrões e Carol sabia disso, é claro.

Carol estava com medo de que ele comparasse a sofisticação da mãe dele com a simplicidade da dela, mas ele nem reparou nisso. Aliás, já havia dito a Carol que a amava mesmo sem conhecê-la, pelo simples fato dela ser sua mãe e que a única queixa que tinha dela era o limite que ela punha no namoro dos dois. . .

Mas, faltava a terceira e mais complicada etapa. O confronto das duas futuras sogras.

Dentre os problemáticos relacionamentos familiares, é, sem dúvida, o das sogras o mais problemático de todos. Não por culpa delas, coitadas! (não conheço uma só que não diga: “eu não dou palpite, respeito às decisões de minha nora (ou genro)”. ““ A mãe dele (a) é um amor! Somos grandes amigas! ´´).

Berta e Meg se encontram num Restaurante. Um jantar para toda a família para oficializar o noivado, combinar o casamento.

As duas examinam-se, por um momento, cumprimentam-se e trocam frases polidas que não têm nada a ver com o que estão pensando.

Numa coisa as duas estavam de pleno acordo: o casamento de seus filhos tinha que ser um acontecimento para ser lembrado por muitas décadas. Uma festa de arromba, nem que para isso tivessem que empenhar tudo que tinham ainda ficar devendo.

O problema era o conceito que cada uma delas tinha de uma grande festa.

Berta sugeriu que a festa fosse na fazenda (uma grande fazenda de sua propriedade). Uma festa para o civil, outra para o religioso e depois que os noivos se fossem, uma terceira festa para o enterro dos ossos. Podiam convidar a cidade inteira que espaço não faltaria, muito menos comida e bebida.

Meg achou um absurdo. “Só faltou sugerir que os convidados fossem vestidos a caráter e dançassem uma quadrilha no terreiro ao som de violas e sanfonas”, pensou, mas disse:

- Eu acho que a festa num clube da cidade seria mais chic, mais apropriado. Pouca gente, um bom bufet, um decorador experiente, boa música, isto, naturalmente, depois da cerimônia na Catedral com toda a pompa a que temos direito. .

Os próximos meses foram cheios de trabalhos, apreensões e desencontros.

Meg e Berta, embora se declarassem amicíssimas e fossem vistas juntas por toda parte no afã dos preparativos para A Festa, desentendiam-se o tempo todo.

Meg, não satisfeita em escolher o seu próprio vestido, queria escolher também o da Berta, pois não ficava bem as Mães apresentarem-se muito diferentes e a Berta queria usar o que gostava, independente do que a Meg ia vestir.

Berta queria sempre fazer pesquisa de preços e, muitas vezes, optava pelo mais barato achando que tanto fazia, mas a Meg não admitia que se falasse em economia quando se tratava da grande festa do filhinho querido, e achava que a outra era mesquinha.

Quando os noivos começaram a montar sua casa, as duas se alvoroçaram a ajudá-los, cada uma querendo que suas idéias prevalecessem, é claro.

Os garotos começaram a perder a paciência. Carol pediu a mãe

- Não deixe a Meg mexer no nosso quarto. O Mando e eu queremos arrumar do nosso jeito, pelo menos o nosso quarto.

- Como é que eu vou fazer isso? Antes de eu começar a pensar ela já tinha providenciado tudo do seu gosto, até o cortinado da cama (será que ainda se usa isso?).

O Armando reclamou para a Carol:

- Sua mãe cismou de arrumar o meu escritório e agora eu não acho mais nada lá dentro.

- Mãe, por favor, não mexa nas coisas do Mando que ele não gosta.

- Vocês são mal agradecidos! A Meg e eu temos tido um trabalhão danado para que vocês tenham tudo do bom e do melhor. Se deixássemos por sua conta queria ver se saia casamento.

- Claro que saia. A gente casava em surdina, ia morar embaixo de uma ponta, e seríamos muito felizes!

- Deixe de falar bobagem e vá escolher o jogo de malas para a lua de mel.

- Ah! Mãe! Venha comigo. Eu não entendo nada de malas. . .

- É assim que é independente? Que podia casar em surdina e morar embaixo da ponte?

- Ah! Mãe! Isso é só modo de dizer. . .

Mas, de uma forma ou de outra o casamento realizou-se e as duas sogras continuaram se debicando amistosamente.

Berta gosta muito do Armando:

- Ele é um santo! A Carol tem um vidão. Não trabalha fora, tem empregada para todo o serviço da casa. Compra tudo o que quer e ele nunca a contraria em nada.

E, olhe, não pense que ele é rico. Faz sacrifícios, mas dá a ela tudo o que ela quer!

A Meg, porém, não vê as coisas pelo mesmo prisma:

- Coitado do Armandinho! A Carol é uma inútil! Não faz nada em casa. Gasta o que não tem e obriga-o a sacrifícios para satisfazer-lhe os caprichos.

Bem, Sogras à parte, Carol e Armando foram felizes para sempre. Afinal de contas, isto é o que importa, não é verdade?

Fonte:
http://www.sorocult.com/el/colunistas/bisavo.htm

Lançamento da 1a. Coletânea do Sorocultinho

O Sorocult é um site voltado ao incentivo e divulgação da Cultura e Literatura de Sorocaba e Região. No decorrer dos seus quase 3 anos de existência, já publicou 2 coletâneas literárias feitas em sistema de cooperativa entre alguns dos muitos escritores colunistas que escrevem no Espaço Literário do Sorocult.

E há quase um ano fundou o “CLIC Art & Letras - Centro Literário Cultural de Sorocaba e Região”, para agregar e divulgar os escritores e as coletâneas, através das “Maratonas Literárias Sorocult” criadas e organizadas pela equipe do Sorocult.

A fórmula deu muito certo e o grupo de escritores é amigo, ativo, alegre e criativo. Juntos, lutam pela literatura que amam e praticam. E no decorrer deste tempo, várias crianças e jovens foram ingressando no site como colunistas, o que levou à criação de um espaço infantil dentro dele: o Sorocultinho, que depois ganhou uma companheira : sua “irmã” Sorocultinha.

Ambos são os personagens infantis “vivos” que se transformaram num belo livrinho que agora está sendo lançado pelo Sorocult, intitulado ”1ª Coletânea do Sorocultinho”, patrocinado inteiramente pelo próprio Grupo Sorocult para ser doado para crianças carentes e escrito por 15 escritores do espaço Sorocultinho dentro do site Sorocult.

O livrinho traz textos interessantes e criativos em forma de fábulas, crônicas, poesias e trovas que focam a questão atual do Meio Ambiente e foi inteiramente ilustrado para ser colorido pela criança leitora. Traz ainda histórias traduzidas para o inglês, um capítulo com teoria literária para que a criança possa aprender alguns conceitos específicos sobre Literatura e algumas atividades lúdicas educativas.

Até onde se sabe, é a primeira coletânea infantil organizada com escritores de Sorocaba e Região e voltada inteiramente para crianças com caráter educativo principalmente. Nela escrevem escritores dos “8 aos 80”, provando mais uma vez que a idade das pessoas está longe de ser impedimento para que coisas boas sejam oferecidas para nossa sociedade.

Os lindos livrinhos serão doados para várias crianças carentes de várias entidades assistenciais de Sorocaba e várias bibliotecas e crianças de várias escolas de Sorocaba e região. Os lançamentos ocorrerão durante todo o mês de abril, um mês considerado marcante no mundo da literatura nacional e internacional, mês de Monteiro Lobato, nosso maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Para os lançamentos foi preparada a “Maratona Literária Infantil Sorocult” que pretende, no ato da doação do livrinho, oferecer algumas atividades literárias para as crianças, focando o tema Meio Ambiente e Literatura. E ainda oferecer espaço na Net para que mais crianças possam mostrar sua arte literária nos espaços infantis dedicados a ela no site Sorocult.

O livrinho traz textos interessantes e criativos em forma de fábulas, crônicas, poesias e trovas que focam a questão atual do Meio Ambiente.

Co-autores da “1ª Coletânea do Sorocultinho” :
Amadeu de Carvalho Junior (Pilar do Sul)
Ana Paula de Cássia (Sorocaba)
Carmen Silveira de Abreu (Sorocaba)
Débora Válio Corrêa Fidêncio (Pilar do Sul)
Dorothy Jansson Moretti (Sorocaba)
Gabriela Maldonado Sewaybricker (Sorocaba)
Jairo Valio (Sorocaba)
Josefa Maria Portela (Sorocaba)
Larissa Evelyn de Oliveira (Sorocaba)
Márcia Maldonado Sewaybricker (Sorocaba)
Maria Thereza Moreira Pereira (Sorocaba)
Mariana Domitila Padovani Martins (Sorocaba)
Neusa Padovani Martins (Sorocaba)
Nícolas Estevan Padovani Martins (Sorocaba)
Therezinha Aparecida Válio Corrêa (Pilar do Sul)

A coletânea contou ainda com:
Lucas Diego Cesari Rizzo pelas traduções para o inglês de algumas histórias.
Dorothy Jansson Moretti pelas revisões destas traduções.
Mariana Domitila Padovani Martins por todas as belas ilustrações do livrinho.
Nicolas Estevan Padovani Martins pela criação da capa do livrinho.
Ottoni Editora pela preparação do livrinho.
There Valio e Jairo Valio pela imensa colaboração para que algumas escolas pudessem receber a doação dos livrinhos.
“Associação Cultural Pintura Solidária” pela indicação de instituições que poderiam ser beneficiadas com a doação dos livrinhos.

O primeiro lançamento aconteceu no dia 18 de abril de 2008 – 6ª feira na Oficina Integração do Menor Céu Azul (Sorocaba) que assiste crianças de várias idades e suas famílias. Todas as crianças já alfabetizadas receberam um livrinho de presente.

Bastante interessadas, as crianças participaram de todas as atividades de forma atenciosa e alegre e receberam a função de colorir os desenhos que ilustram as historinhas e de executarem com a professora, as atividades educativas que se encontram no final do livrinho. O Sorocult presenteou-as também com mudas de pitangueira com a finalidade de desenvolver nelas maior responsabilidade para com as coisas da natureza, amando e cuidando das plantas.

Fonte:
http://www.sorocult.com/

Richard Wagner (O Anel do Nibelungo: Parte 2: A Valquíria)

A Valquíria é uma ópera de Richard Wagner, a segunda parte de quatro que compõem a tetralogia O Anel do Nibelungo. Sua estréia ocorreu no Teatro Nacional em Munique em 26 de junho de 1870, antes mesmo do término da ciclo do Anel. Para esta obra, Wagner inspirou-se na lenda nórdica da Saga de Volsunga. A parte mais popularizada é a passagem musical da Cavalgada das Valquírias, que abre a primeira cena do terceiro ato.

(Primeira parte postada em 24 de fevereiro)

Sinopse

Ato I - Cena I

A obra é iniciada com personagens cujas identidades são desconhecidas (uma técnica já usada pelo autor em outras óperas fora da tetralogia do Anel, como Lohengrin). Durante uma grande tempestade, Siegmund procura abrigo na residência do guerreiro Hunding. O local é uma habitação rude, e há uma grande árvore no centro da sala. O dono da casa não se encontra no local, mas, exaurido e caindo próximo a uma lareira, Siegmund é recepcionado por Sieglinde, esposa infeliz de Hunding. Ele a conta que estava escapando de seus inimigos e que agora está ferido. Após beber um pouco de hidromel oferecido pela mulher, já se direciona para a saída alegando estar amaldiçoado pelo infortúnio. Ele acrescenta que sempre leva a desgraça onde quer que vá. Entretanto, ela o convida a permanecer, justificando que ele não pode trazer infortúnio em um lar onde a má sorte já reside, em referência a sua infelicidade.

Ato I - Cena II

Ao retornar, Hunding relutantemente oferece hospitalidade ao visitante. Marcando a transição para a segunda cena, a entrada desse novo personagem é caracterizada por compassos curtos que demonstram seu caráter sombrio. Hunding surpreende-se com tamanha semelhança ente sua esposa e o forasteiro. Ele começa a conversar com o hóspede, perguntando seu nome, até então desconhecido. Siegmund responde que não pode chamar-se Pacífico nem Jubiloso, mas sim Doloroso.

Sieglinde, cada vez mais fascinada pelo sujeito desconhecido, pede para que ele conte sua história enquanto os homens comem. Siegmund então descreve um dia estar voltando para casa com seu pai após caçarem juntos, encontrando sua casa incendiada, sua mãe morta e sua irmã gêmea desaparecida, raptada pelo povo Neindinge (invejoso). Ambos passam a viver na floresta, lutando contra inimigos que por vezes apareciam. Hunding então o interrompe por um momento, dizendo que já havia ouvido falar sobre rumores dessa corajosa dupla que vivia na floresta. Siegmund continua sua história, e como o povo Neindinge os perseguiu de forma que ele perdesse contato com seu pai. Nessa hora a orquestra executa o tema da Valhala, uma referência a origem do pai de Siegmund, ainda desconhecida. Agora sozinho, ele deixa a floresta e torna-se um desafortunado.

Após comentário seco de Hunding, Sieglinde pergunta ao hóspede como perdeu suas armas. Ele explica que certo dia encontra uma garota sendo forçada a se casar e discute com os parentes da moça, matando seus irmãos. Entretanto, por vingança suas armas foram quebradas e a moça morta pelo restante dos familiares. Desarmado e ferido, ele então escapou do local, chegando eventualmente à residência de Hunding. Quando Siegmund termina, Hunding revela que é um de seus capturadores (assume-se que é um dos membros da família que quer vingança). Ele garante uma noite de hospedagem ao estranho, mas o desafia para um duelo na manhã seguinte. Hunding então deixa a sala com Sieglinde, ignorando o desconforto de sua esposa. Antes de deixar o recinto, ela indica um ponto específico da árvore em sua sala ao visitante, que não entende o significado.

Ato I - Cena III

Iniciando outra cena, anoitece. Sozinho, Siegmund lamenta sua desgraça, citando a promessa de seu pai de que ele encontraria uma espada quando precisasse (lembrar que suas armas estavam quebradas pela batalha anterior, ele não tinha no momento outras disponíveis para duelar). Ele se sente desprotegido no local, apesar da presença da mulher adorável que acabara de conhecer. Começa então a invocar Volsa pela espada diversas vezes, um nome cujo significado é entendido posteriormente. Com o apagamento da lareira, ele percebe um clarão na árvore antes indicada por Sieglinde, e questiona o que seria aquilo.

Sieglinde retorna, explicando ter drogado a bebida de seu marido com uma erva narcótica para que repousasse profundamente. Ela diz querer lhe mostrar uma arma, e começa revelando que havia sido forçada a casar-se com Hunding após ter sido raptada. Durante a festa de casamento, um velho homem com um dos olhos cobertos apareceu e encravou uma espada no tronco de uma árvore localizada no centro da sala de sua casa, que nem Hunding nem seus comparsas conseguiam retiram. (Posteriormente descobre-se que o velho homem era Wotan, seu pai.) Ela toma conhecimento sobre o tal velho e a que a espada se destina, e expressa seu anseio pelo herói que poderia obter a espada para si e salvá-la de sua condição atual. Após ouvir a história, Siegmund expressa seu amor pela mulher, sendo correspondido por ela, que por sua vez tenta entender de onde já o reconhece. Deduzindo que o forasteiro era seu herói, quando ele cita o nome de seu pai, Volsa, ela declara que ele é Siegmund, e que a espada era destinada especialmente para ele. A porta se abre sozinha, assustando os dois.

Siegmund então facilmente obtém a espada para si, e ela declara que é Sieglinde, sua irmã gêmea. Ele então nomeia a espada Nothung. O ato encerra-se com Siegmund chamado Sieglinde por noiva e irmã, acariciando-a, e os dois partem do local.

Ato II - Cena I

Wotan está nas rochas de uma montanha com Brünnhild, uma de suas filhas valquírias. Ambos animados, ele a instrui a proteger Siegmund de um eminente ataque de Hunding (que após acordar do longo repouso proporcionado pelas drogas, estaria furioso pela ausência de sua esposa). Ela acata o pedido exclamando o brado típico das valquírias, e então percebe que Fricka está chegando rapidamente em um carro movido a carneiros. Fricka é esposa de Wotan e guardiã dos casamentos. A valquíria deixa o local. Ao chegar, claramente transtornada, Fricka exige a punição de Siegmund e Sieglinde por adultério e incesto. Ela sabe que Wotan era pai do casal; apesar de deus, ele também é conhecido como o homem mortal Volsa. Em seu contrato de casamento, Wotan prometeu ajudá-la em todos os momentos, ele deveria cumprir mais esse tratado. Ele protesta, alegando que precisava de um herói livre (não governado por ele, o governante dos deuses) para executar seus planos [Em relação ao problema do anel forjado por Alberich após o roubo do "Ouro do Reno" das ninfas, e que agora estava sob poder do gigante Fafner, como apresentado na primeira parte da tetralogia. Para mais informações, ler a sinopse da Parte 1: O Ouro do Reno, postado em 24 de fevereiro]. Também alega que não vê problema na união dos dois, que foi motivada por amor. Mas Fricka replica, alegando que Siegmund não passa de um fantoche dele e não um herói livre, e censura a relação incestuosa do casal, inaceitável segunda ela, e a desonra da quebra do casamento entre Hunding e Sieglinde. Sem saída, tendo que cumprir seu contrato com a esposa, Wotan promete a ela cumprir sua última exigência: retirar a magia da espada de Siegmund de forma que ele perca o duelo, e que a valquíria não o ajude nessa batalha. Brünnhild chega e Fricka parte, não antes de dizer à moça que seu pai tem algo a dizer.

Ato II - Cena II

Fricka se retira, deixando Brünnhild com um Wotan desamparado, bem diferente de quando haviam se encontrado pela última vez. Após pedido, Wotan a explica seus problemas, primeiramente hesitante ao abrir-se com a filha, o que poderia fazer com que perdesse sua figura autoritária. Ele começa desde seus impulsos que o fizeram mal uso dos tratados que legisla e a participação de Loge, o "O Ouro do Reno" e o anão Alberich, a mensagem transmitida por Erda já prevendo desastre eminente; Brünnhild inclusive é sua filha com Erda. Ela e suas oito irmãs cresceram como as valquírias, damas da guerra que levam as almas dos heróis mortos para formar na Valhala um exército contra Alberich. Era uma tentativa de Wotan de reverter os fatos que estavam se sucedendo desde que ele havia sido amaldiçoado pelo anel. Neste momento, ela o interrompe momentaneamente para dizer-lhe que o exército está em boas condições, mas é avisada por Wotan que o problema ainda não era esse, havia mais a ser explicado. Ele continua, dizendo que o exército seria derrotado se Alberich tivesse posse do Anel, que no momento estava sob posse do gigante Fafner. Usando o elmo mágico Tarnhelm, o gigante havia se transformado em um dragão, circulando pela floresta com o tesouro de Nibelungo. Wotan não poderia obter o Anel de Fafner através da força, pois era governante e a posse do anel estava com o gigante sob contrato, não havia nada a fazer por conta própria. Ele precisava de um herói livre para derrotar Fafner em seu lugar, uma pessoas isenta de sua influência. A valquíria chega a citar Siegmund. Entretanto, como apontado por Fricka, Wotan só consegue criar servos para si, meros fantoches como Siegmund não eram pessoas livres de fato.

Severamente, Wotan ordena Brünnhild a obedecer Fricka e assegurar a morte de Siegmund, filho de Wotan e meio-irmão da valquíria. Ela hesita, questionando as ordens contraditórias de seu pai, mas por fim acata o pedido. Ele sai, deixando-a sozinha para preparar-se para o duelo que viria a seguir.

Ato II - Cena III

Após fugir da residência de Hunding, o casal Siegmund e Sieglinde chega à passagem da montanha, onde Sieglinde desaba exausta e sentindo-se culpada, indigna do amor de Siegmund. Ele a conforta, dizendo que se vingará de Hunding. Ela alega começar a ouvir a perseguição de seu marido, e delira, já antevendo o duelo.

Ato II - Cena IV

Brünnhild chega de uma gruta e se aproxima de Siegmund, contando-o sobre sua morte eminente. Ela diz que sua função é se apresentar àqueles prestes a morrer, levando-os à Valhala. Os dois conversam sobre a vida que Siegmund teria nesse novo lugar, e por fim ele recusa segui-la quando descobre que Sieglinde não poderia o acompanhar. Ela lhe diz que não resta outra alternativa, mas ele replica que não haveria como morrer tendo a espada mágica de seu pai em punho. A valquíria o esclarece que a mesma pessoa que o havia concedido a espada retirara seu poder. Siegmund revolta-se com a traição que ocorrera, clamando preferir ir ao inferno que acompanhar Brünnhild à Valhala.

Transtornado, o guerreiro já ameaça matar sua esposa sendo impedido pela valquíria. Impressionada por sua coragem e comovida pela situação, Brünnhild reconsidera e concorda em proteger Siegmund, desrespeitando as ordens de seu pai. Com seus votos de bênção, ela deixa o local.

Ato II - Cena V

Enquanto Siegmund contempla sua noiva repousando, Hunding chega anunciado por sua trompa, os dois discutem e Hunding ataca seu oponente. Abençoado pela imortal Brünnhild, Siegmund reage e toma vantagem no duelo, mas Wotan aparece e estilhaça Nothung (a espada de Siegmund) com sua lança. Desarmado, Siegmund é morto por Hunding. Brünnhild reune Sieglinde e os pedaços da espada, e foge em seu cavalo. Wotan observa muito triste seu filho morto. Em sua fúria, mata Hunding com somente um gesto, e parte em perseguição a sua filha, que havia desrespeitado sua ordem, deixando a cena ao som de um trovão.

Ato III - Cena I

Em uma passagem musical conhecida como a Cavalgada das Valquírias (conhecida amplamente por sua utilização em outros meios), as valquírias Gerhilde, Ortlinde, Helmwige, Schwertleite, Waltraute, Siegrune, Grimgerde e Rossweisse se reúnem em uma montanha, cada uma com seu cavalo e levando um herói morto. Elas se espantam quando Brünnhild chega trazendo consigo uma mulher viva. Ela pede ajuda a suas irmãs, explicando a perseguição de Wotan, mas elas não ousam desafiar seu pai. Insiste, pedindo um cavalo, mas elas estão irredutíveis. Brünnhild então decide esperar Wotan enquanto Sieglinde foge. Antes de se retirar, Brünnhild revela que Sieglinde está grávida de Siegmund, e chamada o garoto ainda não nascido Siegfried. Sieglinde agradece e parte para a floresta. Ouve-se a voz enfurecida de Wotan, e as valquírias rodeiam Brünnhild a fim de protegê-la de seu pai.

Ato III - Cena II

Wotan chega enfurecido, exigindo que as outras valquírias entreguem Brünnhild. Apesar delas tentarem acalmá-lo, ele se enfurece ainda mais com a atitude fraternal "mortal" das moças, indignas de sua condição de valquírias. Por fim, Brünnhild se apresenta, e Wotan a julga: ela tem seu status de valquíria retirado, tornando-se uma mortal (um grande castigo a uma valquíria), e entrará em sono mágico na montanha até que um homem a salve, tornando-se seu esposo. As outras valquírias rogam piedade, mas após Wotan exigir que elas se retirem ameaçando estender a punição às outras elas fogem do local.

Ato III - Cena III

Brünnhild suplica piedade a Wotan, ela que era sua filha favorita. Ela explica a coragem de Siegmund e sua decisão de protegê-lo, conhecendo os reais desejos de Wotan e não os impostos por Fricka. Entretanto, Wotan mantém a decisão. Já conformada com o fato de tornar-se uma mortal, ela ainda não aceita estar a mercê de um homem qualquer, sem valor. Chega a citar Siegfried. Wotan reafirma a decisão, enfatizando que qualquer um que a acordar do sono profundo a terá como esposa. Ela insiste, pedindo que somente um bravo herói digno consiga acordá-la do sono. Apesar de resistência inicial, seu pai acaba acatando o pedido emocionado com a situação, definindo que o perímetro da montanha esteja coberto por fogo mágico, de forma que somente os bravos heróis dignos do amor da ex-valquíria a consigam encontrar. Através do leitmotiv, ambos percebem que esta pessoa será o ainda não nascido Siegfried. Para realizar o pedido, Wotan deita Brünnhild em uma rocha e a beija, iniciando o sono mágico. Ele invoca Loge para iniciar o círculo de fogo que a protegerá, sendo prontamente atendido. Ele então parte, citando "(...) quem teme a ponta de minha lança não passará pelo fogo"; isto é, somente pessoas livres poderão passar pelo fogo, quem não for regido pelo governante dos deuses [A lança de Wotan é o símbolo do seu poder como legislador dos deuses.].

Papéis

Entre os personagens mortais, o papel de Siegmund é interpretado por um tenor, o de Sieglinde por uma soprano e o de Hunding por um baixo. Entre os deuses, Wotan é baixo-barítono e sua esposa Fricka mezzo-soprano. Entre as valquírias, filhas de Wotan, Brünnhild, Gerhilde, Ortlinde e Helmwige são sopranos, Schwertleite é contralto, Waltraute, Siegrune, Grimgerde e Rossweisse são mezzo-sopranos.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://seraqueosanjostemsexo.blogspot.com/ (imagem)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Raul Pompéia (O Ateneu)

Trecho da Obra "O Ateneu", de 1988.
Biografia do autor postada em 11 de abril de 2008.

I
"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta."

Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regímen do amor doméstico; diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo - a paisagem é a mesma de cada lado, beirando a estrada da vida.

Eu tinha onze anos.
[...]
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o Império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à sustância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. E engordavam as letras, à força, daquele pão. Um benemérito. Não admira que em dias de gala, íntima ou nacional, festas do colégio ou recepções da coroa, o largo peito do grande educador desaparecesse sob constelações de pedraria, opulentando a nobreza de todos os honoríficos berloques.

Nas ocasiões de aparato é que se podia tomar o pulso ao homem. Não só as condecorações gritavam-lhe do peito como uma couraça de grilos: Ateneu! Ateneu! Aristarco todo era um anúncio. Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei - o autocrata excelso dos silabários; a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia para levar adiante, de empurrão, o progresso do ensino público; o olhar fulgurante, sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz as almas circunstantes - era a educação da inteligência; o queixo, severamente escanhoado, de orelha a orelha, lembrava a lisura das consciências limpas - era a educação moral. A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia dele: aqui está um grande homem... não vêem os côvados de Golias?! Retorça-se sobre tudo isto um par de bigodes, volutas maciças de fios alvos, torneadas a capricho, cobrindo os lábios, fecho de prata sobre o silêncio de ouro, que tão belamente impunha como o retraimento fecundo do seu espírito, - teremos esboçado, moralmente, materialmente, o perfil do ilustre diretor. Em suma, um personagem que, ao primeiro exame, produzia-nos a impressão de um enfermo, desta enfermidade atroz e estranha: a obsessão da própria estátua.

Como tardasse a estátua, Aristarco interinamente satisfazia-se com a afluência dos estudantes ricos para o seu instituto. De fato, os educandos do Ateneu significavam a fina flor da mocidade brasileira.

A irradiação da reclame alongava de tal modo os tentáculos através do país, que não havia família de dinheiro, enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul, que não reputasse um compromisso de honra com a posteridade doméstica mandar dentre seus jovens, um, dois, três representantes abeberar-se à fonte espiritual do Ateneu.

Fiados nesta seleção apuradora, que é comum o erro sensato de julgar melhores famílias as mais ricas, sucedia que muitos, indiferentes mesmo e sorrindo do estardalhaço da fama, lá mandavam os filhos. Assim entrei eu.

A primeira vez que vi o estabelecimento, foi por uma festa de encerramento de trabalhos.

Transformara-se em anfiteatro uma das grandes salas da frente do edifício, exatamente a que servia de capela; paredes estucadas de suntuosos relevos, e o teto aprofundado em largo medalhão, de magistral pintura, onde uma aberta de céu azul despenhava aos cachos deliciosos anjinhos, ostentando atrevimentos róseos de carne, agitando os minúsculos pés e as mãozinhas, desatando fitas de gaze no ar. Desarmado o oratório, construíram-se bancadas circulares, que encobriam o luxo das paredes. Os alunos ocupavam a arquibancada. Como a maior concorrência preferia sempre a exibição dos exercícios ginásticos, solenizada dias depois do encerramento das aulas, a acomodação deixada aos circunstantes era pouco espaçosa; e o público, pais e correspondentes em geral, porém mais numeroso do que se esperava, tinha que transbordar da sala da festa para a imediata. Desta antessala, trepado a uma cadeira, eu espiava. Meu pai ministrava-me informações. Diante da arquibancada, ostentava-se uma mesa de grosso pano verde e borlas de ouro. Lá estava o diretor, o ministro do Império, a comissão dos prêmios. Eu via e ouvia. Houve uma alocução comovente de Aristarco, houve discursos de alunos e mestres; houve cantos, poesias declamadas em diversas línguas. O espetáculo comunicava-me certo prazer respeitoso. O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico, fazia-o incivilmente desaparecer na brutalidade de um contraste escandaloso. Em grande tenue dos dias graves, sentava-se elevado no seu orgulho como em um trono. A bela farda negra dos alunos, de botões dourados, infundia-me a consideração tímida de um militarismo brilhante, aparelhado para as campanhas da ciência e do bem. A letra dos cantos, em coro dos falsetes indisciplinados da puberdade, os discursos, visados pelo diretor, pançudos de sisudez, na boca irreverente da primeira idade, como um Cendrillon mal feito da burguesia conservadora, recitados em monotonia de realejo e gestos rodantes de manivela, ou exagerados, de voz cava e caretas de tragédia fora de tempo, eu recebia tudo convictamente, como o texto da bíblia do dever; e as banalidades profundamente lançadas como as sábias máximas do ensino redentor. Parecia-me estar vendo a legião dos amigos do estudo, mestres à frente, na investida heróica do obscurantismo, agarrando pelos cabelos, derribando, calcando aos pés a Ignorância e o Vício, misérrimos trambolhos, consternados e esperneantes.

Um discurso principalmente impressionou-me. À direita da comissão dos prêmios, ficava a tribuna dos oradores. Galgou-a firme, tesinho, o Venâncio, professor do colégio, a quarenta mil réis por matéria, mas importante, sabendo falar grosso o timbre de independência, mestiço de bronze, pequenino e tenaz, que havia de varar carreira mais tarde. O discurso foi o confronto chapa dos torneios medievais com o moderno certâmen das armas da inteligência, depois, uma preleção pedagógica, tacheada de flores de retórica a martelo; e a apologia da vida de colégio, seguindo-se a exaltação do Mestre em geral e a exaltação, em particular, de Aristarco e do Ateneu. "O mestre, perorou Venâncio, é o prolongamento do amor paterno, é o complemento da ternura das mães, o guia zeloso dos primeiros passos, na senda escabrosa que vai às conquistas do saber e da moralidade. Experimentado no labutar quotidiano da sagrada profissão, o seu auxílio ampara-nos como a Providência na terra; escolta-nos assíduo como um anjo de guarda; a sua lição prudente esclarece-nos a jornada inteira do futuro. Devemos ao pai a existência do corpo; o mestre cria-nos o espírito (sorite de sensação), e o espírito é a força que impele, o impulso que triunfa, o triunfo que nobilita, o enobrecimento que glorifica, e a glória é o ideal da vida, o louro do guerreiro, o carvalho do artista, a palma do crente! A família é o amor no lar, o estado é a segurança civil; o mestre, com o amor forte que ensina e corrige, prepara-nos para a segurança íntima inapreciável da vontade. Acima de Aristarco - Deus! Deus tão-somente; abaixo de Deus - Aristarco."

Um último gesto espaçoso, como um jamegão no vácuo, arrematou o rapto de eloqüência.
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À noite houve baile nos três salões inferiores do lance principal do edifício e iluminação no jardim.

Na ocasião em que me ia embora, estavam acendendo luzes variadas de bengala diante da casa. O Ateneu, quarenta janelas, resplendentes do gás interior, dava-se ares de encantamento com a iluminação de fora. Erigia-se na escurodão da noite, como imensa muralha de coral flamante, como um cenário animado de safira com horripilantes errantes de sombra, como um castelo fantasma batido de luar verde emprestado à selva intensa dos romances cavalheirescos, desapertando um momento da legenda morta para uma entrevista de espectros e recordações. Um jato de luz elétrica, derivado de foco invisível, feria a inscrição dourada em arco sobre as janelas centrais no alto do prédio. A uma delas, à sacada, Aristarco mostrava-se. Na expressão olímpica do semblante transpirava a beatitude de um gozo superior. Gozava a sensação prévia, no banho luminoso da imortalidade a que se julgava consagrado. Devia ser assim: - luz benigna e fria, sobre bustos eternos, o ambiente glorioso do Pantheon. A contemplação da posteridade em baixo.

Aristarco tinha momentos destes, sinceros. O anúncio confundia-se com ele, suprimia-o, substituía-o, e ele gozava como um cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho. Naquele momento, não era simplesmente alma do seu instituto, era a própria feição palpável, a síntese grosseira do título, o rosto, a testada, o prestígio material do seu colégio, idêntico com as letras que luziam em auréola sobre a cabeça. As letras, de ouro, ele, imortal: única diferença.

Guardei, na imaginação infantil, a gravura desta apoteose com o atordoamento ofuscado, mais ou menos de um sujeito partindo à meia-noite de qualquer teatro, onde, em mágica beata, Deus Padre pessoalmente se houvesse prestado a concorrer para a grandeza do último quadro. Conheci-o solene na primeira festa, jovial na segunda, conheci-o mais tarde em mil situações, de mil modos; mas o retrato que me ficou para sempre do meu grande diretor, foi aquele - o belo bigode branco, o queixo barbeado, o olhar perdido nas trevas, fotografia estática, na ventura de um raio elétrico.
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Fonte
http://www.academia.org.br