quinta-feira, 24 de abril de 2008

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte III)

CONTISTAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Braga Montenegro afirma que “o conto cearense só adquiriu substância e qualidade artísticas após ou simultaneamente à guerra, com novos nomes e novas intenções estéticas”.

No início do século XX apenas dois nomes merecem destaque: Gustavo Barroso e Herman Lima. No entanto, Assis Brasil, no Dicionário Prático, não menciona os nomes deles, embora não tenha esquecido outros nomes importantes da literatura cearense: Aluízio Medeiros, Antônio Girão Barroso, Araripe Júnior, Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Caio Porfírio Carneiro, Domingos Olímpio, Eduardo Campos, Francisco Carvalho, Franklin Távora, Holdemar Menezes, Jáder de Carvalho, João Clímaco Bezerra, José Albano, José Alcides Pinto, José de Alencar, Juarez Barroso, Manuel de Oliveira Paiva, Moacir C. Lopes e Rachel de Queiroz. Deixou também de fora nomes singulares, como os de alguns naturalistas.

Gustavo (Dodt) Barroso nasceu em Fortaleza, no dia 29 de dezembro de 1888. Filho de Antônio Filino Barroso e Ana Dodt Barroso. Fez o curso preparatório no Liceu Cearense e o de ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito do Ceará e na do Rio de Janeiro. Versou os mais variados assuntos e temas – História, Biografia, Arqueologia, Museologia, Economia e Finanças, Folclore, Lexicografia, Literatura histórica, didática e infantil, Política, Memórias, Viagens, Teatro. De sua vasta obra, destacam-se os contos e novelas de Praias e Várzeas, Casa de Maribondos, Mula Sem Cabeça, Alma Sertaneja, Mapirunga, A Ronda dos Séculos, Pergaminhos, Livro dos Milagres, O Bracelete de Safiras, Mulheres de Paris e Cinza do Tempo, e os romances Tição do Inferno, O Santo do Brejo, Mississipe e A Senhora de Pangim. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e diretor do Museu Histórico Nacional. Realizou inúmeras traduções. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 3 de dezembro de 1959.

Braga Montenegro vê nele o ponto culminante da prosa de ficção curta no Ceará nos primeiros anos do século XX. Sânzio informa que “se trata de um dos maiores vultos do conto realista e regionalista do Ceará”. E acrescenta à lista de suas coleções de histórias O Livro dos Enforcados (1939), sobre o qual diz o seguinte: “tão esquecido de quantos enumeram os contos de Gustavo Barroso, e que, não obstante seja baseado em acontecimentos históricos, retirados da crônica criminal do Ceará, reúne algumas narrativas do mais autêntico sabor ficcional”. Numa análise de várias páginas do ensaio citado linhas atrás, assegura o crítico: “Não é difícil perceber a segurança com que Gustavo Barroso trabalha o conto, não o alongando excessivamente, e demorando-se em descrições apenas o estritamente necessário à pintura do ambiente e à preparação do clímax da fabulação”.

Em A Literatura no Brasil, volume 6, pág. 53, Herman Lima enfatiza: “Gustavo Barroso é o grande nome do conto cearense, isolado no panorama das letras de sua província literária, até o recente advento de Eduardo Campos e Moreira Campos, duas vocações integrais de contistas modernos. Durante muitos anos, nossa mais bela produção de gênero (sic) estava realmente enfeixada nos livros de Gustavo Barroso, Praias e Várzeas (1915), Mula-sem-cabeça (1922), Alma Sertaneja (1924), de ásperos cenários sertanejos e praianos, dum encanto imperecível, como é o caso de ‘Velas brancas’, ‘Pescadores’, ‘Luíza do seleiro’ e Mapirunga (1924), ao lado de outras coletâneas de âmbito universal, como O Bracelete de Safiras (s/d), Ronda dos Séculos (1920), Pergaminhos (1922), Livro dos Milagres (1924), Cinza do Tempo (s/d) e Mulheres de Paris (1933)”.

Dolor Barreira, ao se referir a Praias e Várzeas, anotou: “Todos os contos, que li duma assentada, tal a leveza das suas páginas, são escritos em forma correta e elegante, fora dos exageros da gramática, mas obediente sempre aos cânones da boa linguagem”.

Otacílio Colares, no ensaio “Gustavo Barroso e o Regionalismo”, introdução à edição de 1979, da Livraria José Olympio Editora, de Praias e Várzeas e Alma Sertaneja, num só volume, reabre a questão: estes escritos são contos ou apenas estórias populares adaptadas? “Num como noutro destes livros daquela prosa que diríamos ser ainda alencarina, pela musicalidade, mas, já em parte, pessoal, pelo cunho de realismo regional, quase – diríamos – tendente ao documental, num como noutro, o leitor preocupado com definições rígidas esbarra com o dilema: são contos o que está em ambos os volumes reunidos, ou apenas o são no que a palavra conto significa invenção e a palavra raconto é entendida como repetição (podendo ser modificada) de velhas narrativas.”

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Herman (de Castro) Lima, nascido em Fortaleza no dia 11 de maio de 1897 e falecido em 1981, era filho de Antônio da Silva Lima e de Julieta Demarteau de Castro Lima. Formou-se em Medicina após estrear em livro com Tigipió (1924). Seguiu-se A Mãe-da-Água (1928).

Depois de Gustavo Barroso, o nome mais importante da história curta cearense no início do século XX é o de Herman Lima, que se teria iniciado na elaboração desse tipo de prosa “por influência” da ficção do primeiro, na opinião de Sânzio de Azevedo, que o chama de “mestre incontestável, na teoria e na prática, autor que seria de contos e livros sobre a técnica do conto”. Noticia Sânzio que a partir da terceira edição (1932) o primeiro livro sofreu alterações: teve incluídos o inédito “O Arrieiro” e três peças do segundo livro (“Os Caboclos”, “As Mulheres” e “A Mãe-dágua”). Na mesma nota, no final do livro, Herman Lima esclarece que não pretende “reeditar esse último, por ser um livro sem homogeneidade, composto de contos e crônicas”. O contista publicou também o romance Garimpos e obras de pesquisa, Rui e a Caricatura e História da Caricatura no Brasil, tido como sua principal obra e com a qual se tornou o maior conhecedor do assunto no país. Tornou-se, ainda, um dos grandes teóricos da história curta e escreveu Variações Sobre o Conto, com que mereceu os melhores elogios.

No mesmo ano de sua publicação, Tigipió recebeu prêmio da Academia Brasileira de Letras, apesar de impresso na Bahia e às expensas do autor. Quase todos os críticos brasileiros de então teceram grandes loas a Tigipió. Humberto de Campos escreveu: “O Sr. Herman Lima não é, entretanto, apenas um admirável fixador das coisas do sertão de que é filho. As suas qualidades de marinhista são, igualmente, consideráveis”. Carlos Drummond de Andrade também se rendeu aos encantos dos livros de Herman: “Há em Tigipió, como em Garimpos, uma identificação com a terra, uma visão amorosa e fiel de paisagens e seres, um sentido dramático das situações que tornam admiráveis muitos de seus contos e cenas do romance”. A composição de Herman estudada por F. S. Nascimento, em livro citado linhas atrás, intitula-se “O Arrieiro” e, curiosamente, teve como primeiro título “O Camarada”, traduzido para o francês como “Le Muletier”, em 1935. Na lição de Nascimento, “aliando o senso de observação ao jogo impressionista das cores tropicais, Herman Lima se firmaria como um extraordinário paisagista, retratando com absoluta fidelidade as praias e os sertões do Ceará.”

Sânzio ensina: “narrativas como ‘Tigipió’, ‘Alma Bárbara’, ‘Os Sertanejos’, ‘O Arrieiro’, ‘Ventura Alheia’ e outros garantem a Herman Lima lugar do maior destaque no panorama do conto cearense, ele que na verdade já figura no panorama do conto brasileiro”. Em “Relendo Herman Lima”, de Dez Ensaios, o citado estudioso assegura: “Alguns contos de Tigipió são páginas soberbas, dignas de qualquer antologia do gênero: seja no clima fantástico de ‘’Sereias”, no anedótico de “As Guabirabas”, ou no trágico de “Alma Bárbara”; em todas as narrativas sentimos o pulso do verdadeiro ficcionista”.

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Ao analisar os anos de 1909 e 1910, Dolor Barreira assim se manifesta: “O conto, de sua parte, adormecera desde os buliçosos e entusiásticos tempos da Padaria Espiritual e do Centro Literário, com José Carvalho, Eduardo Sabóia, Artur Teófilo, Viana de Carvalho, Soares Bulcão, Aníbal Teófilo, Pedro Moniz, Frota Pessoa, Marcolino Fagundes, Joaquim Fabrício e outros”.

Sânzio lembra, ainda, os nomes de Francisco Matos, José Luís de Castro, Domingos Bonifácio e Melo Sidney. Seus nomes não foram mencionados nas obras do historiador Raimundo Girão que serviram de fonte para a elaboração de algumas biografias neste estudo. Ao último se refere Dolor, na página 396 de sua História: “Ainda em 1909 dá-nos a conhecer Melo Sidney O meu irmão Mário (conto)”. E também ao penúltimo, assim: “Mas não só no verso se sobressaiu Domingos Bonifácio. Sobressaiu-se também na história curta, “que foi de preferência o campo que explorou com raro brilho e delicadeza, deixando alguns de incontestável valor artístico”. Escreveu, com efeito, vários contos de Natal, alguns dos quais foram publicados, figurando entre eles: – “O Raca de Kalmaka” – e – “Natal feliz” –. Pouco antes de sua morte, ideou e reduziu a escrito um conto a que deu o título de – No pavilhão dos Lázaros. Alguém que o leu afirma que o colorido forte da expressão, a precisão da narrativa dos fatos, as cenas bem delineadas e urdidas, o enredo emocionante e comovente, dão a impressão de se estar lendo um desses contos fantásticos de Hoffmann ou Edgar Poe, e acrescenta que sem favor esse conto ficará na história das nossas letras como uma das mais expressivas e vigorosas páginas em que a dor humana tenha sido, nos seus aspectos mais horrorosos, um motivo de arte. Destaca-se, entretanto, entre todos os seus contos – “A Boneca Bojuda” –, trabalho de fino lavor, em que se conjugam, inegavelmente, imaginação, estilo e sentimento. Só esse trabalho – diz-se – se outros não tivera escrito, lhe asseguraria lugar de relevo nas letras cearenses, entre os prosadores de renome”.

Outros nomes lembrados por Dolor Barreira são os de Pontes Vieira, Atahualpa Barbosa Lima e Ocelo Sobreira. Em 1912, na revista O Árcade, órgão da sociedade literária Arcádia dos Quinze, fundada em 1910, o primeiro publicou “O filho das selvas” e “Coração de filho”; o segundo, “A sad narration” e “O cochilo”; e o terceiro, “Coriscos” e “Felicidade conjugal”. Ainda em 1912 aparecem peças ficcionais de outros escritores na revista Fênix, como de Genuíno de Castro, Gustavo Frota Braga, Gil Amora, Daniel Lopes, Pancrácio Júnior, Estevam Mosca, Clovis Monteiro e Edigar de Alencar. Na exposição de Barreira, “a nota joco-espirituosa preponderava sempre na prosa de Genuíno de Castro”. Em 1916 se editou Mel e Pimenta, de Ernesto Paula Sena.

Antônio Furtado (Quixeramobim, 1893) editou, no Rio de Janeiro, em 1931, o volume Idéia Fixa. Sânzio lhe dá destaque “pela sua qualidade literária”. Composto de cinco histórias, o livro tem “visível influência de Eça de Queiroz”, segundo Barreira. Teve incluído na revista Fênix, em 1912, o conto ou fantasia “Tuberculosa”.

Na revista Panóplia, surgida em 1913, também se publicaram obras de ficção menor, como “O ébrio”, de Alf. Castro; “Fé de Tachi”, de Bezerra Filho; “Os pobres”, de Antônio Furtado; “O tropeiro da serra”, de João da Maia; e “O milagre de Santa Briolanja”, de Gustavo Barroso. Na apreciação de Dolor, “Neste conto, Alf. Castro patenteia-nos apreciáveis qualidades de conteur: – talento descritivo, que faz com que as coisas e aspectos que ele descreve se movimentem e como que vivam aos nossos olhos; senso de realidade, servido pelo qual consegue apanhar as circunstâncias ambientes, nos seus mínimos pormenores, com clareza e precisão”. Em relação ao conto de Bezerra Filho vislumbrou o historiador “o poder de objetividade de seu autor, a que um estilo forte e florido presta inestimável ajuda”.

Carlyle Martins (Fortaleza, 1899-1986), poeta e crítico literário, com vasta obra publicada, reuniu, já em 1960, no livro Alma Rude seus contos regionais.

Cruz Filho (Canindé, 1894-1974), poeta dos maiores, teria deixado inéditos dois volumes de narrativas. Suas Histórias de Trancoso se publicaram em 1971. Na opinião de Raimundo Girão, um “exímio contista”.

Santino Gomes de Matos (1908-1975), autor de Flagrantes ao Sol do Norte (1929).

Sabóia Ribeiro (Jaguaribe, 1898), contista, romancista, poeta e ensaísta, imprimiu em 1933 o livro Rincões dos Frutos de Ouro, premiado pela Academia Brasileira de Letras, e Contos do Cacau, em 1966, além de romances, ensaios e conjuntos de poemas. “Um escritor seguro de sua técnica, com perfeito domínio da palavra e da frase”, na opinião de Braga Montenegro.

José Potyguara ou Potiguara (Sobral, 1903), romancista, cronista e contista, autor de Sapupema (contos amazônicos), de 1943, e dois romances.

Martins Capistrano (Canindé, 1905) apresentou aos leitores alguns livros, um deles Turbilhão, de contos.

R. Magalhães Júnior (Ubajara, 1907-1981), mudou-se, ainda jovem, para o Rio de Janeiro, onde se dedicou ao jornalismo. Poeta, biógrafo, contista, é autor de Impróprio para Menores (1934) e Fuga e Outros Contos (1936), ambos de narrativas curtas.

Maria Stela Barros Nascimento (Mulungu, 1923) teve “Celine” premiado em primeiro lugar em concurso promovido pelo jornal O Povo. Editou o romance Mulungu (1973).

Carlos de Vasconcelos (Carlos Carneiro Leão de Vasconcelos) está biografado no Dicionário da Literatura Cearense, de Raimundo Girão, e estudado por Otacílio Colares em Lembrados e Esquecidos – III, no longo estudo “Carlos de Vasconcelos, ficcionista do exótico e criador de palavras”. Nasceu em Granja (11.10.1881) e faleceu no Rio de Janeiro (31.1.1923). A Rua Carlos Vasconcelos, em Fortaleza, é uma homenagem ao escritor. Estreou em 1912, com Cartas da América, publicou romances e um livro de histórias, Torturas do Desejo (episódios trágicos), em 1922, pela Livraria Castilho, do Rio de Janeiro, com 309 páginas. Segundo Otacílio, “escritor bizarro, estranho, para uns, preciosístico, para outros; na verdade, atrevido na inventiva como no uso da língua portuguesa, em que todos os malabarismos sintáticos se permitiam, bem assim o recuo ao passado, pelo uso do quase já arcaico, quando não a contorção de uma palavra em outra”. Viriato Correia, ao se referir ao livro de contos e a Os Deserdados, que é de 1921, afirma: “São páginas formidáveis, escritas num estilo às vezes arrevesado, mas páginas que se não esquecem, agitadas por uma imaginação inundante e potente” (transcrito do ensaio de Otacílio Colares).

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Destaque especial deve ser dado a Rachel de Queiroz, nome nacional desde o livro de estréia, o romance O Quinze (1930). Não participou do Clã, embora seja contemporânea da maioria dos membros daquele grupo. Como consta de todos os dicionários, enciclopédias e estudos de Literatura Brasileira, Rachel de Queiroz (às vezes grafado Raquel de Queirós) é principalmente romancista, cronista e teatróloga.

Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, no dia 17 de novembro de 1910, filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendendo, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar (sua bisavó materna, "dona Miliquinha", era prima de José de Alencar). Em 1917 mudou-se para o Rio de Janeiro e a seguir para Belém do Pará, retornando à capital cearense em 1919. Ainda jovem se iniciou no jornalismo. E logo se tornou nome nacional, ao publicar o romance O Quinze, em 1930, que lhe deu o prêmio da Fundação Graça Aranha. De volta à antiga capital da República, passou a atuar na grande imprensa, como na revista O Cruzeiro e no jornal Última Hora. Sua peça Lampião, de 1953, ganhou o prêmio Saci. Em 1957 recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra. Além de peças, romances, crônicas, literatura infantil, Rachel escreveu contos. Em 1977 ingressou na Academia Brasileira de Letras, tornando-se a primeira mulher da agremiação. Obras: Romances: O Quinze (1930); João Miguel (1932); Caminho de pedras (1937); As três Marias (1939); Dôra, Doralina (1975); O galo de ouro (1985) - folhetim na revista O Cruzeiro (1950); Memorial de Maria Moura (1992). Literatura Infanto-Juvenil: O menino mágico (1969); Cafute & Pena-de-Prata (1986); Andira (1992). Teatro: Lampião (1953); A beata Maria do Egito (1958); O padrezinho santo (inédita); A sereia voadora (inédita). Crônica: A donzela e a moura torta (1948); 100 Crônicas escolhidas (1958); O brasileiro perplexo (1964); O caçador de tatu (1967); As menininhas e outras crônicas (1976); O jogador de sinuca e mais historinhas (1980); Mapinguari (1964); As terras ásperas (1993); O homem e o tempo (74 crônicas escolhidas); A longa vida que já vivemos; Um alpendre, uma rede, um açude: 100 crônicas escolhidas; Cenas brasileiras. Traduções para o alemão, o francês, o inglês, o japonês. Diversos prêmios, condecorações e títulos. Morreu no Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 2003.

Quando publicou, em 1965, o famoso ensaio “Evolução e Natureza do Conto Cearense”, Braga Montenegro fez a seguinte observação: “‘Monólogo’, ‘Romance’, ‘Luisinha, a Manicura’ e mais um punhado de contos a ser retirado em meio a uma avalanche de crônicas, notadamente em O Brasileiro Perplexo (1963), constituem a limitada bagagem de Rachel de Queiroz. Entretanto, a escassez não insinua a inaptidão. Rachel de Queiroz, se quisesse, seria contista na mesma altura por que é romancista, e até não há exagero em afirmar-se que poucas de suas páginas superam a humanidade, a contagiante ternura, a discreta beleza de ‘Monólogo’”.

Nas abas (“O Percurso Cúmplice de Viver”) de A Casa do Morro Branco, José Nêumanne aduz: “A contista Rachel de Queiroz é contundente como o quê, sutil e cortante qual gume de faca de picar fumo nas feiras livres do interior do Ceará. Ela descreve a vida sem disfarce, sem dourar a pílula, com a impressionante frieza de um assassino profissional. Seus personagens são doces e perversos, agem com a cabeça ou com os bofes, chutam lata e atanazam sempre, não deixando o próximo em paz nem quando desencarnam, pois voltam sempre à vida, depois de mortos, só para azucrinar os acomodados. A prosa curta da romancista é escorreita e crua, sem subterfúgios nem tergiversações: adjetivos são dispensados sem cerimônia, prevalecendo a força dos substantivos comuns, enfileirados com argúcia e sensibilidade”.

Em outro parágrafo, Nêumanne esclarece: “A narradora nunca se precipita, mas também não se atrasa à expectativa do leitor. Escritura e leitura andam lado a lado, como se passeassem de mãos dadas domingo no parque. Em cada frase que lhe surge, o leitor parece tropeçar no olho gaiato da Autora, que se diverte, saltitante à sua frente, conduzindo-o por um labirinto que vai se iluminando à medida que ambos descortinam cada passagem do texto”.

continua...

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/

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