sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Adelino Fontoura (1859 - 1884)

(id:MCCXXVII)

A MÃO

Quando meu lábio trêmulo te oscula
A pequenina mão delgada e fina,
Como uma pomba trêmula que arrula
Minha vida, mal sabes! — canta e pula
Na rósea palma dessa mão divina!

ATRAÇÃO E REPULSÃO

Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui té junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.

CELESTE

É tão divina a angélica aparência
e a graça que ilumina o rosto dela,
que eu concebera o tipo de inocência
nessa criança imaculada e bela.

Peregrina do céu, pálida estrela,
exilada na etérea transparência,
sua origem não pode ser aquela
da nossa triste e mísera existência.

Tem a celeste e ingênua formosura
e a luminosa auréola sacrossanta
de uma visão do céu, cândida e pura.

E quando os olhos para o céu levanta,
inundados de mística doçura,
nem parece mulher - parece santa.

OHS! E AIS!

Essa mulher que tantos ohs! provoca,
Essa mulher que tantos ais! arranca,
Essa mulher quem é? Por que abre a boca
O Silvestre quando a vê? - É branca?

É morena? É francesa? É carioca?
As belezas helênicas desbanca?
O seu olhar os cérebros desloca?
O seu sorriso as lágrimas estanca?

Vamos, Raimundo, tu que viste há dias
A mágica visão, o ser terrestre,
Por quem já deste uns ais! e uns ohs! eu sinto,

Tira as garras da dúvida ao Matias,
Faze valsar o Lins, rir o Silvestre
E reler os "Subsídios" o Filinto.

O RETRATO

Vou fazer-te, leitor, o seu retrato:
— É pálida, gentil, encantadora,
tem a doce atração fascinadora
das cristalinas águas dum regato.

O chic do dizer nervoso inato
tive-o voz vibrante, sedutora,
brilham nessa loquaz criança loura
a graça, a distinção, o fino trato.

É olhá-la uma vez e sentir presa
a vontade ao seu todo de burguesa
que conversa em francês e sabe história.

Mas o reverso da medalha espanta.
Tangendo o violão, lânguida, canta:
— Quis debalde varrer-te da memória!

O NINHO

És como a doce juriti da mata,
Ligeira, esquiva, tímida e medrosa:
Foges de mim tremente e suspirosa,
Como quem de um perigo se recata.

Mas não sei, afinal, criança ingrata,
Porque foges: não sei porque amorosa
Tua alma casta, angélica e bondosa,
Com tão doce esquivança me maltrata.

Abre as asas à luz serenamente
E vem fugindo aos gelos do deserto
Buscar o sol do meu amor ardente.

Dirige para mim teu voto incerto,
Pois tens meu coração, pomba inocente,
Como um tépido ninho sempre aberto.

PÁGINA DESCONHECIDA

À brisa, ao sol, à serra, à flor silvestre
Ao ribeiro que corre cristalino,
Ao canto alegre e doce, matutino,
Das aventuras no arvoredo agreste;

À campina que do orvalho a manhã veste,
Eu, sem de Homero for o alto destino,
Um conto fui pedir áureo, divino,
Radiante dessa luz alva e celeste!

Com ele ornar quisera, alegremente,
O teu álbum mimoso — onde o talento
Do teu gênio se curva ao foto ingente;

Mas, não tenho de Dante o pensamento,
Não acho inspiração na luz fulgente
Pra um canto te ofertar com sentimento.
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Adelino da Fontoura Chaves nasceu em Axixá/MA, 30/03/1859 e faleceu em Lisboa/Portugal, 02/05/1884.

Ainda muito pequeno começa a trabalhar e trava contacto com Artur Azevedo – amizade que perduraria.

Mudando-se para o Recife, onde alista-se no Exército, colaborando numa publicação chamada “Os Xênios”, de teor satírico. Inicia, também a carreira de actor, voltando ao Maranhão natal para uma apresentação – cujo papel rendeu-lhe a prisão. Após este fato, decide mudar-se para o Rio de Janeiro, para onde se mudara o amigo Artur Azevedo, anos antes.

Pretendia seguir carreira teatral e no jornalismo, falhando na primeira. Colaborou nos periódicos “Folha Nova” e “O Combate”, de Lopes Trovão e em “A Gazetinha”, onde Azevedo escrevia (1880). Participara junto a outros jovens talentos do jornal “A Gazeta da Tarde” – que seria aziago, no dizer de Múcio Leão, pois, em menos de 3 anos de sua fundação, os seus criadores haviam todos morrido.

Tendo sido o “Gazeta da Tarde” comprado por José do Patrocínio, e estando Adelino doente, vai à Europa como correspondente em Paris e pensando tratar-se mas, com o rigor do inverno, piora. Vai a Lisboa onde, apesar das instâncias de Patrocínio para que volte ao Brasil, tem seu estado agravado e vindo prematuramente a falecer. Tinha apenas vinte e cinco anos, e nenhuma obra publicada.

Sua obra, esparsa, constitui-se em cerca de 40 poesias, reunidas pela primeira vez na Revista da Academia (números 93 e 117).
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Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/

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