segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Luiz Antonio Cardoso (Lygia...)

Lygia Fagundes Telles... lindo nome! Lygia Fagundes Telles! Lygia...

Uma das nossas maiores escritoras. Membro da Academia Paulista de Letras! Membro da Academia Brasileira de Letras! Premiadíssima... o Prêmio Jabuti, por exemplo! Formada em Direito pela tradicional e conceituada Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Vários livros publicados... vários sucessos... sucessos como "As Meninas", "Ciranda de Pedra "... foi elogiada pelos maiores entendidos em literatura... Carlos Drummond de Andrade, Antonio Cândido e Otto Maria Carpeaux são apenas alguns dos que recomendaram a leitura de seus livros.

Foi uma moça linda e, hoje, com toda a experiência, na plenitude de sua maturidade, continua bela. Uma bela senhora!

Mas de que importa todos os títulos de Lygia? De que me importa se ela foi bela ou se ainda o é? De que me importa o Largo de São Francisco? O Prêmio Jabuti? Os grandiosos que a recomendaram? De que me importa, se tudo isso passa? Se tudo passará? Qual o motivo de todo este glamour? E eu respondo a mim mesmo: nenhum! Tudo que fora relatado não significa nada, isto quando comparado ao sentimento do mundo que Lygia possui... este sentimento tão bem definido pelo nosso poeta maior, encontra um canal perfeito de manifestação na literatura e na vivência de Lygia Fagundes Telles.

Ouvia falar muito da notável escritora paulista, mas nunca tinha lido seus livros... era como muitos, que diziam se tratar de uma grande escritora sem ter experimentado a maravilha de ler seus verdadeiros ensinamentos de vida... como tantos, se me pedissem uma lista com nomes de escritores a serem estudados, passaria, dentre outros, o de Lygia, sem ao menos ter profundo conhecimento do motivo de tal indicação.

Mais eis que um dia chegou as minhas mãos de leitor, um exemplar de "As Meninas", e ao iniciar a viagem pelo mundo ficcional desta obra-prima, fui a cada página me surpreendendo... a cada linha que trilhavam, meus olhos curiosos e repletos de admiração, eram inundados por uma crescente sensação, ainda mais real, no meio da ficção que me envolvia...

- Eu conheço alguém muito parecido com Lorena! Eu conheço a Lião! Eu juro que conheço a Ana Clara! Ah, a Ana Clara... fui me apaixonando a cada vocábulo por Ana Clara. Ao entrelaçar das palavras de Lygia, seguia espargindo as minhas e tentando de todas as formas ajudar minha Ana... mas nem Ana nem Lygia me ouviram... jurei amor eterno... ajoelhei-me (mesmo com o problema que possuo nos joelhos!)... rezei tanto, tanto, como há muito tempo não fazia... quis deixar de ser real e entrar na história para mostrar a Ana Clara que havia sentido maior para vida... mas nem mesmo minha renúncia da condição de real foi suficiente para Ana... Lorena me ouvia, mas não deu a atenção devida, pois estava preocupada com M.N. Lia também me ouviu, deu-me até alguns conselhos, mas falou que o mais importante era a luta contra a ditadura... mas, naqueles exatos momentos, nem M.N. tampouco a ditadura me afligiam... importava-me, tão somente, o olhar de Ana Clara... a riqueza psicológica desta fenomenal personagem... Lygia Fagundes Telles fez com que eu me apaixonasse e depois aniquilou o motivo de meu amor-fantasia-real... e ao término, restou uma paixão imortal pela literatura de Lygia!

O amor foi tanto, que se pela manhã estava terminando a leitura de "As Meninas", ao cair da noite já me enveredava pelos caminhos de "Ciranda de Pedra". E surgiu outra paixão, chamada Virgínia... ela veio sem muito alarde, sem muito falar, andando nas pontas dos pés... ainda criança me cativou... seu jeito de enxergar o mundo... um mundo todo dela, impenetrável como o mundo de seu pai-não-pai... confuso como o de sua mãe e ao mesmo tempo sublime como o de seu padrasto-que-era-pai. E conforme ela crescia, minha paixão também foi tomando proporções maiores... Virgínia foi conhecendo o mundo... vendo que não era o que pensava que fosse... viu que, o que era denominado de cruel, de detestável, era na verdade amor... um amor tão sublime, tão extraordinário, capaz de adentrar num mundo enfermo, fantasioso, irreal... um sentimento tão belo, que todos os que não alcançavam tamanha grandeza, o denominavam de ruim, de loucura... e desse amor surgiu Virgínia, para tornar-se um dos personagens mais grandiosos de nossa literatura!

E terminado o romance, ficou minha admiração pela escritora... minha gratidão pela sua arte criativa que me fez apaixonar duas vezes... sentir dor, rancor, frio, fome, alegria e tristeza...
E se não bastasse tudo que me havia ofertado, com seus romances, contos e entrevistas, que afoito, li e reli, ainda fui premiado - eu e cerca de cem pessoas - a ouvi-la num debate no Prédio da FIESP, na bela Avenida Paulista...

Lá estava eu, naquela noite de quarta-feira, que tinha tudo para ser uma noite como as outras, mas que acabou sendo uma noite demasiadamente especial! Estava em meio à platéia ansiosa... a maioria conformada apenas em esperar... alguns conversando com os colegas circundantes... mas eu, que até parecia querer ser diferente dos outros, estava a ler... não lia Lygia Fagundes Telles naqueles preciosos momentos de angústia salutar, mas lia, sim, Drummond, uma paixão que tenho em comum com a escritora que estava por chegar.

Foi então que notei a platéia se mexendo para cá e para lá... levantei minha cabeça e avistei, caminhando, Lygia, que andava calmamente ao nosso encontro... fiquei super emocionado só com sua presença... estremeci e pequenas lágrimas romperam minha estranha resistência. E ela começou a falar... falar... falar...

Sonhar.... sonhar.... sonhar...

Foi uma aula sem precedentes em minha existência turbulenta e sequiosa de paz... ela falou sobre inúmeros assuntos... disse da importância da esperança; da necessidade de termos mais escolas e creches, para evitarmos no futuro, os hospitais, as prisões e a violência; da literatura nacional como sendo da melhor qualidade; do exemplo de Machado de Assis, que era feio, pobre, mulato, gago e epilético e tornou-se o maior nome da literatura brasileira; dos políticos que roubam em demasia; da nossa importância; da qualidade da educação para as crianças; da boçalidade atual da televisão; do importante contato com a natureza, com os bichos; de sua infância e adolescência; de seus pais; de sua vida; da Faculdade de Direito; dos gatos e cachorros que teve; da composição literária e da comparação com a aranha e sua teia; do conhecimento da natureza humana... e eu estava já extasiado com tantas informações... com tanta vida que brotava das palavras de Lygia... e ela continuava... falou sobre Carlos Drummond da Andrade; da missão do escritor; das desigualdades sociais; do poder da palavra; de Jesus Cristo; das drogas, do álcool e da promiscuidade; da necessidade de fazermos o melhor em nossas profissões; da vocação; do preconceito no Brasil; do atender ao chamado; da origem da personagem Ana Clara... neste ponto fiquei ainda mais emotivo do que já estava... Ana Clara... mas Lygia falou que as personagens, assim como as pessoas, voltam, e isto me trouxe certa esperança... será então que Ana Clara voltaria e eu teria, finalmente, a chance de auxiliá-la e mostrar toda a intensidade de meu amor?

E a Lygia continuou... falou sobre a permanência do escritor através da palavra; da fantasia; do amor ao povo; da arte como negação da morte; da música de Bach; da mudança do ser humano; do artesanato literário; da paciência do escritor; da busca incessante da perfeição; das miniaturas no livro "Disciplina do Amor"; da palavra a desviar um jovem do estúpido suicídio; da criança e do incentivo à criatividade; da natureza como motivo de inspiração e amor; de Santo Agostinho; da lupa que o avô lhe dera; da urgência de criarmos ao redor de nós, nossas próprias reservas florestais; das suas idéias futuras; dos contos escritos em cadernos de escola; do custeio dos próprios livros; das participações em concursos literários... e ao fim, citou Camões: "eu estou em paz com a minha guerra...".

Lygia... oh grande escritora! Bela mulher! Grandioso ser humano! Como você me fez feliz sem ao menos saber que existo! É por causa de pessoas como você, como Drummond, Manuel Bandeira, Charles Chaplin, Monteiro Lobato, dentre outros tantos divinos anjos da cultura que vieram ao triste mundo trazer um pouco de esperança, que eu vivo... que eu resisto... que eu luto... que eu sobrevivo... que eu amo!

Muito obrigado, Lygia, muitíssimo obrigado... até, quem sabe, um dia... lembranças para todos... para as meninas, para o contemplador Conrado, para a especial Virgínia e para a Ana Clara! Ah, a Ana Clara... estou em paz, querida Ana Clara, mas desta guerra não desistirei!
São Paulo-SP, 2001

Fonte:
E-mail enviado por Luiz Antonio Cardoso, de Crônica Publicada no Site Diário LAC. http://www.diariolac.com.br/

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