quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Nicanor Filadelfo Pereira (Seleção Poética)

(id: MCCVII)
Imagem Transcendente

Como a luz que se esvai no espaço,
Absorvida pela negridão da noite,
A minh’alma, em delírios e cansaços,
Esvanece em murmúrios e pernoites.

Na busca incessante do amor ausente,
Entrego-me a buscar, no etéreo, a tua imagem
E a desfazer-me em lágrimas correntes,
Ao inundar-me os olhos, esta miragem.

Oh! Que insana a negridão profunda,
Na perene escuridão de tua ausência
Que, em dores e lamentos, meu peito inunda.

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Vida, Arte e Poesia

A vida é feita de arte,
A arte é fruto do engenho,
Engenho que a alma tem parte
E fruto do nosso empenho.

Façamos, todos, o empenho
De viver a nossa arte,
Pois, somos, de Deus, o engenho,
Compostos com muita arte.

A poesia, também, é arte,
De som, palavra, o engenho,
Dos sonhos que d’alma partem
Nascida do nosso empenho.
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Poetar

Alguém me perguntou, um dia,
onde poderia encontrar
uma escola de poesia
que lhe ensinasse a poetar.

Então, respondi: — não sei,
poesia jamais se aprende,
pois, que vem da inata lei,
que medra n’alma da gente.

Nasce no brilhar da estrela,
na branca altivez da lua,
quando nos propomos vê-la,
simplesmente de alma nua.

No cantar de um passarinho,
pousado em árvore frondosa,
que, paciente, constrói o ninho,
para a amada que desposa.

Nasce ao som da cachoeira;
nas cores de um colibri,
beijando a flor da amoreira;
No gorjeio de um bem-te-vi.

Nasce n’alma de quem ama,
que, da vida, vive o dom;
que, do beijo, sente a flama,
a aquecer-lhe o coração.

Poetar é o dom mais sublime
que, nos loucos devaneios,
das agruras nos redime,
dando azo a estes anseios.

É sonhar, viver, cantar,
embalando a saudade
num misto de bem estar,
com ar de felicidade.

É viver a vida em verso,
na melodia em que vem.
Fazer da dor o reverso
e transformá-la num bem.
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Carro de Boi

Vai... vai, meu moroso carro cantante,
pela estrada sinuosa de tua vida,
leva os sonhos de almas flamejantes
que deixaste, na tua despedida.

Segue em frente o destino que traçaste,
não te importes co’os ecos do destino,
não foras tu que a ele encomendaste
para, em mim, causares os desatinos.

Pois, a vida e os caminhos campesinos
são os maduros frutos do teu eco,
porque, em minh’alma, ressoam como um hino

as saudosas lembranças que deixaste,
tal qual — ao longe — um carrilhão de sinos...
dos, memoráveis, tempos de eu menino.
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Sonhar

Sonhar... É como viajar no etéreo,
nas suaves ondas da imaginação...
A prescrutar da vida os seus mistérios,
na mansa placidez da emoção.

Suprir de belo todos os desejos,
colorindo a vida com mil matizes
e valer-se de todos os ensejos
de recordar seus dias mais felizes.

Qual o cisme, na placidez do lago
que, enquanto a brisa lhe cobre com afagos,
altivo e sereno volteia, sem ter rumo.

E, ao léu, flutua em plenos devaneios,
como se, do lago, fora o seu fidalgo,
enquanto feliz, sonha, em real aprumo.
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A Bruma e a Saudade

Como a bruma, a pairar sobre a cidade,
assim, o tédio sobre a alma do poeta,
vai gerando em seu peito a saudade
como se, do algoz, fora a dura seta.

E, nesta bruma que o meu peito invade,
sinto, n'alma, a mais profunda dor...
Recordo triste a real felicidade
das floridas manhãs, ao sol do amor.

Foram-se, assim, os dias glamourosos,
foram-se os resplandecentes risos,
restando-me somente os brumosos.

Como a cascavel, a oscilar seus guizos,
sinto, em meu peito, a latejante dor
e, desta névoa, o sabor mais amargoso...
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Relógio

Tic-tac, tic-tac...
É o teu falar, sem fim...
A cada toque,
uma pancada em mim.

E, esses tic-tacs,
constantemente assim,
vão ferindo minh’alma, enfim.

Há!... se, o calar tua voz
impusesse ao sofrimento um fim,
não hesitaria, eu, em dar-te um fim.

Mas, qual?... se, amar de longe é tão ruim,
que adianta dar-te um fim,
se, a dor da saudade...
Vai continuar... doendo em mim?!
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Crisálida

O mundo de nossos sonhos,
de alegres sons e matizes,
às vezes, são tão medonhos
e noutras, já, tão felizes.

Formam imagens etéreas,
diáfanas e coloridas,
esvoaçantes, aéreas,
que, jamais, delas se olvida.

Às vezes, são utopias,
sonâmbulos devaneios
que férteis imagens criam,
por força do nosso anseio.

Mas, se é medonho o teu sonho,
como lagarta voraz,
não fiques, assim, tristonho;
que em crisálida se faz.

E, quando o tempo passar,
que bela imagem verás!
A borboleta a voar,
preto, vermelho e lilás...

Então, verás que, no sonho,
como um casulo, contém
um mundo, já, tão risonho
àqueles que os sonhos têm.
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A Testemunha

Surgiu no céu a lua branca... toda airosa,
em celeste e belo manto estrelado...
E minh’alma, extasiada e radiosa,
recorda a mocidade, o seu passado.

No Sítio da Saudade... os arvoredos
pelos fúlgidos raios trespassados,
neste chão, assinalam os seus segredos
de felizes momentos, tão sagrados.

E a esplendorosa ninfa dos amantes,
testemunha ocular de doces beijos,
do alto trono sorri, por um instante,

ao saber que, nesta alma delirante,
vagueia, em recôndito benfazejo,
o mais sincero amor inebriante.
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O Poeta e o Pintor

À noite, olhando ao céu, disse o poeta:
Veja que linda estrela o céu ponteia,
seu brilho é tal que, n’alma, me desperta
rimas de amor que o próprio amor anseia.

Vênus cintila em coração amante,
como, nas claras noites de lua cheia,
dos namorados, as setas flamejantes,
os débeis corações de amor permeiam.

À noite, olhando ao céu, disse o pintor:
veja que linda estrela o céu ponteia,
seu brilho é tal que, na alma, me desperta
vivas cores de amor, em tela cheia.

O brilho de Vênus vou retratar,
na celeste imagem que ao céu clareia,
em novo tom, na essência o dom de amar,
sublime impulso que a alma incendeia.

Completando, disse o poeta ao pintor:
se, nas cores, tu vês o dom de amar,
és tu, como o poeta sonhador,
se, o amor és tu capaz de retratar.

O pintor, então, respondeu ao poeta:
se, com palavras, tu és capaz de pintar
as tão lindas cores que o amor desperta,
és tu, também, pintor que sabe amar...

Assim, houveram-se por concordar:
se é tão bela a vida para sonhar
e tão bonito o céu para se olhar,
mais belo será... para quem sabe amar!
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Pelas Estradas da Vida

Já fui menino, imberbe e sonhador.
vaguei pelas entranhas dos castelos,
nas urdidas tessituras do amor,
vivendo anseios cada vez mais belos.

Senti, em cada flor do meu jardim,
o perfume da vida em fantasias,
onde, os olores todos, para mim,
recendiam mil virtudes e alegrias.

Vivi o intenso amor, sem fingimento,
na estrada pedregosa desta vida,
trafegando com o coração sedento.

Vagando, hoje, com pés e alma ferida,
busco um pouso para o esperado fim,
ao encontro de bálsamo e linimento.
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Kasato-Maru

Com esperanças, deixando saudades,
do porto, zarpou o saudoso navio,
destino traçado, na rota o Brasil,
em busca dos sonhos de felicidades!

Do emblemático ninho do sol nascente,
saia um povo, com novo ideal,
buscando da vida, aqui, no ocidente,
fazer desta terra sua terra natal.

Aqui, aportaram, com fé e alegria.
Olharam pras serras, pras terras sem fim...
no peito, os anseios, também, nostalgia...
é a luta da vida... é a vida enfim!

Sonhavam o sonho de nova nação,
mas, criam, ainda, que lá voltariam
e a paz brotaria em seu coração:
já, a pátria querida de novo veriam...

Passaram os tempos... e, aqui, se firmou.
O povo plantou e colheu, com labor,
fincando as raízes, frutificou,
gerando a esta terra, também, seu amor.

Na pele e nos olhos, ficaram sinais,
marcando, com suor, o grande denodo:
bravura sem par dos seus ancestrais,
sanseis e nisseis formaram um todo.

De bola vermelha, aquela bandeira,
de verde e amarelo, aqui, se pintou,
formando esta grei que é brasileira,
de um novo povo que aqui se formou.

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