quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Poesias Soltas ao Vento IV

Dudu Gemmal (Reflexões)
Dudu Gemmal (Suspiro)
Nadir A D'Onofrio (Deusa Mãe)
Vinicius de Moraes (Ausência)
Vinicius de Moraes (Música das almas)
Vinicius de Moraes (Poema nº três em busca da essência)
Hilda Hilst (Cantares de Perda e Predileção)
Hilda Hilst (Cantares do Sem Nome e de Partidas)
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Dudu Gemmal (Reflexões)

... E então já se vai mais um dia perdido
A noite se torce
Até se tornar do avesso
Até contrair-se ao extremo
Até retornar ao começo

E, então, lá se vai; mais um dia usado
Bateu o último segundo
Caiu-se a última gota
Esgota-se o tônus (a meta está morta)
Assim como o faz a paciência do mundo

Se então, onde estará o amanhã?
Se só à tarde me bate a aurora
Se o cão negro me late o agora
Se estico a coleira com poesia vã

Se, então, por latidos me devo acordar
Farei dos ouvidos um lar
Farei do amanhã o presente
E cada último segundo... farei deste o sempre.

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Dudu Gemmal (Suspiro)
A voz de alento refere-se
Ao forte tormento que fere
A minha consciência partida

A voz de alento transfere-se
Ao sopro do vento e esvai-se
No eterno seguir dos segundos

A voz de alento suspira
Em meu ouvido atento e transpira
O poro que a escuta e secreta
A gota secreta que escorre e refresca
A conclusão que elucida
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Nadir A D'Onofrio (Deusa Mãe)
Na fé inabalável do sertanejo
Aprendizado de paciência
Tempo de esperar
Deixar o sol calcinar a terra.

Na roda do tempo
Esperar o momento propício
Nuvens carregadas e trovão
Chuva solta pelo chão...

Ora torrencial
Formando aluvião
Outrora calma e serena
Infiltrando leve nesse torrão.

O sertanejo exulta
Nas mãos calejadas
Leva a riqueza
Hora do plantio...
Esperança do porvir...

Semblante sofrido, mas esperançoso!
Nos lábios sorriso esboçado
Os pés nos sulcos da terra
Cobrem o pequeno embrião...

À Deusa Mãe
Receptiva fecundada
Só resta aguardar seu tempo...
Completar o ciclo da colheita.

Ao sertanejo...
A certeza do fervor a oração
Pedir a São José...que chova no seu dia...
Cumprindo assim a profecia
De uma boa plantação...

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Vinicius de Moraes (Ausência)
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

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Vinicius de Moraes (Música das almas)"Le mal est dans le monde comme un esclave qui fait monter l’eau."
Claudel

Na manhã infinita as nuvens surgiram como a Ioucura numa alma
E o vento como o instinto desceu os braços das árvores que estrangularam a terra...
Depois veio a claridade, o grande céu, a paz dos campos...
Mas nos caminhos todos choravam com os rostos levados para o alto
Porque a vida tinha misteriosamente passado na tormenta.

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Vinicius de Moraes (Poema nº três em busca da essência)
Do amor como do fruto. (Sonhos dolorosos das ermas madrugadas acordando…)
Nas savanas a visão dos cactos parados à sombra dos escravos – as negras mãos no ventre luminoso das jazidas
Do amor como do fruto. (A alma dos sons nos algodoais das velhas lendas…)
Êxtases da terra às manadas de búfalos passando – ecos vertiginosos das quebradas azuis
O Mighty Lord!
Os rios, os pinheiros e a luz no olhar dos cães – as raposas brancas no olhar dos caçadores
Lobos uivando, Yukon! Yukon! Yukon! (Casebres nascendo das montanhas paralisadas…)
Do amor como da serenidade. Saudade dos vulcões nas lavas de neve descendo os abismos
Cantos frios de pássaros desconhecidos. (Arco-íris como pórticos de eternidade…)
Do amor como da serenidade nas planícies infinitas o espírito das asas no vento.
O Lord of Peace!

Do amor como da morte. (Ilhas de gelo ao sabor das correntes…)
Ursas surgindo da aurora boreal como almas gigantescas do grande-silêncio-branco
Do amor como da morte. (Gotas de sangue sobre a neve…)
A vida das focas continuamente se arrastando para o não-sei-onde
– Cadáveres eternos de heróis longínquos
O Lord of Death!
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Hilda Hilst (Cantares de Perda e Predileção)
Eu amo Aquele que caminha
Antes do meu passo
É Deus e resiste.
Eu amo a minha morada
A Terra triste.
É sofrida e finita
E sobrevive.
Eu amo o Homem-luz
Que há em mim.
É poeira e paixão
E acredita.
Amo-te, meu ódio-amor
Animal-Vida.
És caça e perseguidor
E recriaste a Poesia
Na minha Casa.
(XXIII)
* * *
Vida da minha alma:
Um dia nossas sombras
Serão lagos, águas
Beirando antiqüíssimos telhados.
De argila e luz
Fosforescentes, magos,
Um tempo no depois
Seremos um só corpo adolescente.
Eu estarei em ti
Transfixiada. Em mim
Teu corpo. Duas almas
Nômades, perenes
Texturadas de mútua sedução.

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Hilda Hilst (Cantares do Sem Nome e de Partidas)
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.
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Fontes:
-
http://abcdaliteratura.blogspot.com/
- MORAES, Vinicius de. Anologia Poética. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1935
- HILST, Hilda. Cantares de Perda e Predileção. São Paulo: Massao Ohno & M. Lydia Pires e Albuquerque Editores, 1983.
- HILST, Hilda. Cantares do Sem Nome e de Partidas. São Paulo: Massao Ohno, 1995

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