quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Mario Quintana (Espelho Mágico)

Da observação

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

Do estilo

Fere de leve a frase...E esquece...nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.

Das Belas Frases

Frases felizes...Frases encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas...
Como há pacóvios bem vestidos.

Do Cuidado da Forma

Teu verso, barro vil,
No teu casto retiro, amolga, enrija, pule...
Vê depois como brilha, entre os mais, o imbecil,
Arredondado e liso como um bule!

Dos Mundos

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

Das Corcundas

As costas de polichinelo arrasas
Só porque fogem das comuns medidas?
Olha! Quem sabe não serão as asas
De um anjo, sob as vestes escondidas...

Das Utopias

Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Dos Milagres

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mundo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Das Ilusões

Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!

Dos Nossos Males

A nós nos bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...

Da Eterna Procura

Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada...
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada.

Do Pranto

Não tente consolar o desgraçado
Que chora amargamente a sorte má.
Se o tirares por fim do seu estado,
Que outra consolação lhe restará?

Do sabor das coisas

Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho e silencioso amigo...

Dos Sistemas

Já trazes, ao nascer, tua filosofia.
As razões? Essas vem posteriormente,
Tal como escolhes, na chapelaria,
A forma que mais te assente...

Do exercício da filosofia

Como o burrico mourejando à nora,
A mente humana sempre as mesmas voltas dá...
Tolice alguma nos ocorrerá
Que não a tenha dita um sábio grego outrora...

Das idéias

Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez do que vestir a verdade
que dentro em ti se achava inteiramente nua...

Da amizade entre mulheres

Dizem-se amigas... Beijam-se... Mas qual!
Haverá quem nisso creia?
Salvo se uma das duas, por sinal,
for muito velha, ou muito feia...

Da Felicidade

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!

Da Realidade

O sumo bem só no ideal perdura...
Ah! Quanta vez a vida nos revela
Que "a saudade da amada criatura"
É bem melhor do que a presença dela...

Do Amoroso Esquecimento

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Da discrição

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo de teu amigo
Possui amigos também...

Da Preguiça

Suave preguiça, que do mau-querer
E de tolices mil ao abrigo nos pões...
Por causa tua, quantas más ações
Deixei de cometer!

Do ovo de Colombo

Nos acontecimentos, sim, é que há destino:
Nos homens, não - Espuma de um segundo...
Se Colombo morresse em pequenino,
O Neves descobria o novo mundo!

Do mal da velhice

Chega a velhice um dia...E a gente ainda pensa
Que vive... E adora ainda mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torná-la ainda mais comprimida...

Da moderação

Cuidado! Muito cuidado...
Mesmo no bom caminho urge medida e jeito.
Pois ninguém se parece tanto a um celerado
Como um santo perfeito...

Da calúnia

Sorri com tranquilidade
Quando alguém te calunia.
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...

Da experiência

A experiência de nada serve à gente.
É um médico tardio, distraído:
Põe-se a forjar receitas quando o doente
Já está perdido...

De como perdoar aos inimigos

Perdoas... És cristão...Bem o compreendo...
E é mais cômodo, em suma.
Não desculpes, porém, coisa nenhuma,
Que eles bem sabem o que estão fazendo...

Da condição humana

Se variam na casca, idêntico é o miolo,
Julgem-se embora de diversa trama:
Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo
Que o mais sutil dos sábios quando ama.

Da própria obra

Exalça o remendão seu trabalho de esteta...
Mestre alfaiate gaba o seu corte ao freguês...
Por que motivo só não pode o poeta
Elogiar o que fez?

Um comentário:

Anônimo disse...

ótimo!! Obrigada por postar!!