domingo, 7 de setembro de 2008

Paulo Urban (À Minha Altura)

Nada havia, como era costume, a comemorar naquela data. Ele acordara cinqüentão. Pra que a festa?

Afinal, dali pra frente, os anos seriam passos em declínio para a morte. Se na década anterior ele já presumira a noção da meia-idade, agora era certo, aquela era a primeira manhã de sua vida em que ele acordava cônscio de que pela frente nada mais poderia haver do que, simplesmente, no máximo, a outra metade. Lembrou-se, nem poderia explicar o porquê, do velho Napoleão que, certa feita, do alto de seu 1.58m de altura, disse quando admoestado por não passar de um nanico: “Um homem não se mede por sua estatura, senão por onde até ele leva o seu destino”.

Seu consolo era esse, ainda havia tempo para dar conta de sua missão, ou ao menos descobrir qual era ela. Uma angústia apertou-lhe o peito, fez-se o nó, engoliu em seco. Olhou pro lado e o rádio-relógio marcava em quartzo-rubro a data de seu aniversário e o horário da manhã de dia útil. Era hora de apropriar-se de suas próprias pernas, levantar da cama e buscar encontrar ao longo do dia a própria altura. Propriamente, era aquela manhã uma hora de cura, a de olhar-se cara a cara no espelho e dizer-se bem lá dentralto a si mesmo: eu quero ter-ser essa minha metadinteira!

À MINHA ALTURA

Minha metade verme me quer homem,
e a metade homem sempre busca a Deus;
caminho por meus passos, sigo os meus
sinais, livre dos ais que me consomem.

Minha vontade fraca já morreu,
queimei-a na fogueira dos que somem,
à luz da Lua-mãe de um lobisomem
que a paz fez com seu lobo e já cresceu.

Minha vontade forte mata o bicho,
eu dreno o imenso pântano do Estige
e assumo o bom tamanho que me cabe;

Mas se hoje eu incinero todo o lixo,
além desses cinqüenta, a alma em metade,
serei o homem do qual me regozije!
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Fonte:
http://www.mhariolincoln.jor.br/

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