terça-feira, 7 de outubro de 2008

Erivelto Oliveira de Sales (Só um cadinho de prosa...)

No principiozinho criou nosso Sinhozinho o ceuzinho e a terrinha, mas elazinha num tinha nadinha de nada. Já imaginou se Moisés tivesse escrito o Pentateuco todo no diminutivo? Bem, que mal teria? Nenhumzinho, penso eu. Afinal, é uma belezinha essa tal linguagem diminuta, sim? A própria Bíblia, em 2 Samuel, 12:3, usa algumas palavrinhas assim: (...) mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma cordeirinha... Além de se valer da expressão pequenino noutras passagens. Ora, para alguns religiosos o Padre Cícero não é Padinciço?

Os Diminutivos servem para agradar... Deixa eu te fazer um cafunezinho, meu amorzinho! Elogiando: Que feijãozinho bom! Ô coisinha tão bonitinha do papai! Ironizando ou desmerecendo algo ou alguém: Olha só que carrinho mais sem graça! (na verdade é um carrão). Seu penteado está uma gracinha! Só se for o penteado da Medusa. Abreviando: Aguarde só um segundinho! Essa é uma das mentirinhas mais deslavadas que eu conheço. Por que eles não dizem logo pra esperar Um Minutão? Espera só um pouquinho... O pouquinho (un petit peu, em francês) são eternidades. Amenizando: A injeção vai doer só um tiquinho... Nesse caso, nem o diminutivo vai te livrar da dorzinha...

O poetinha Vinicius de Moraes usava essa sutilidade para fazer amizades mais rapidinho. Chamava seus parceiros musicais de Tonzinho (Tom Jobim), Carlinhos (Carlos Lyra), Eduzinho (Edu Lobo), e o Toquinho, que já era diminuto, ele o chamava de Toco! Carlinhos Lyra, quando conversou com o poetinha pela primeira vez, pediu que Vinicius colocasse umas letrinhas em suas músicas. Estava feita a parceria...

Guimarães Rosa adorava uma diminutância. Repare o nome da personagem Miguilim. O nome é Miguel, e o mais comum é que se usasse Miguelzinho. Mas o Rosa preferia o sufixo im em vez de inho, inha, zinho, zinha. Daí beijim, passarim, cabelim, partim, sozim, lugarim et cetera. Miguilim é a estória de um garotinho de oito anos, nascido e crescido num lugarzinho do interior de Minas, em plena fase das descobertas da visão do mundo. O poeta e crítico Augusto de Campos escreveu sobre esse pormenor na obra do Rosa no livro Guimarães Rosa em Três Dimensões.

Agora, se você pegar o Grande Sertão: Veredas... Ali Rosa criou diminutivos antológicos. Minha amiga Dricca está lendo a fabulosa aventura de Riobaldo, e tenho certeza de que ela está se deliciando com coisas assim: miúdo satanazim/ pois essezinho, essezim/ de pouquinho em pouquim/ bala é um pedacinhozinho de metal/ sozinhozinho/ de manhãzim/ mindinhas idéias/ o rio Soninho/ veredazinhas e veredinhas/ ave-mariazinha/ os finos ventos maiozinhos/ tolicezinhas/ as arvoreszinhas ruim-inhas de minhas... E, a minha preferida: o Brejinho-do-Brejo!

Curt Meyer-Clason, o tradutor alemão de Rosa, em carta ao próprio, revela a impossibilidade da tradução: O alemão tornou-se um idioma duro e sem coração. Os diminutivos são usados por aqui quase que tão-somente no sentido irônico (...) Qual a sua opinião, por que esta aversão contra os diminutivos: o medo atroz de Witsch (o editor alemão) de que os leitores iriam rir dele vendo-o como um pequeno burguês sentimentalóide e um reacionário? (02/04/1965).

No Japão, um país em diminutivo, segundo contou minha amiga Erikinha, é assim: pequeno = chiisai / osanai (infantil) / hikui, kogara (na estatura) / mini = kogata no. (Em alguns casos eles usam a palavra estrangeira adaptada, ex.: mini sukato, para mini saia/ mínimo = saisho no, motto mo chiisai/ miúdo = goku chiisai, komakai. Tá entendido? E no Tupi, como é? Os sufixos usados são o –im e o –i. É assim: pedra é itá, pedrinha é itá–‘im; criança é pitanga, criancinha é pitang-‘im; além do adjetivo mirim: ‘y é rio, e ‘y-mirim é riozinho. Lindinho, sim?

Já ouviu expressões como andandinho, correndinho, comendinho, bebendinho e chovendinho? Pois é, o uso dessas formas peculiares, em que o verbo é flexionado, é comum para pessoas de algumas cidades do interior, como Capão Bonito (não é, Dricca?), Capela do Alto e Porangaba. Em Sorocaba e Votorantim também. Mas é novo? Olhe, lá no poema Cobra Norato (1931), do Raul Bopp, está assim: Quero estarzinho com ela/ Querzinho de ficar junto.

E por falar em cidades... Dê só uma espiadinha nesses nomezinhos: Alagoinha (PB, PE, PI, BA); Barreirinha (AM); Barroquinha (CE); Brejinho (PE) e Brejão, também em PE; Chopinzinho (PR); Chorozinho (CE); Lavrinhas (SP) e Lavras (MG); Matão (SP) e Matinhos (PR); e Comercinho, Porteirinha, Riachinho e Ressaquinha, todas da minha queridinha Minas Gerais. Uai, eu sou mineiro! Mineirinho!

Fonte:
Grupo Sorocult (Sorocaba/SP).
http://www.sorocult.com

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