sábado, 24 de janeiro de 2009

Domingos Barroso (Teia de Poesias)

Idiossincrasia

Antes de dormir,
não escovarei os dentes.
Hei de eternizar essa quimera
de tapioca com manteiga e café com leite.
Quem sabe sonhar com meus ancestrais
sob teto de palha admirando as estrelas.
Antes de dormir,
não mijarei no assento.
Vou torcer para que amanheça a rede mijada.
Meu filho de seis anos debate-se em meu peito.
Um ritmo inocente rastejando-se pela sala.
=======================

Manequins Embalsamados

Vinde, tem vinho.
Mas não existe embriaguez.
Questão de impulso e percepção.
Vinde, tem coisa.
Mas não há alucinações.
A síntese mais bela é agua oxigenada
nas coxas da cabocla lavando roupa.
Vinde, tem ritmo.
Mas longe a trova.
Trovões!
==========================

São

Não, meu caro.
A angústia não tem motivo.
Tampouco é necessário um balaço no ouvido.
A angústia é obesa mas não é mórbida.
Não, caríssimo.
A angústia não traz fardo ao ombro.
A cruz dos tolos aquece os calos.
As nuvens me embriagam mesmo à noite.
As estrelas são cadáveres que brilham.
Prefiro ser pardo:
roubar dos santificados o vício.
==========================

Fonte

As unhas morrem de ódio das cutículas.
Os neurônios abobalhados planejam suicídios.
Tudo em mim é inveja e tédio.
Tantos quartos empoeirados
para uma só aranha trêmula.
A única refeição do dia
não saiu da toca.
Não me resta outra morte
senão lançar-me os dedos às teclas.
Tudo em mim é tolice e frio.
Meu coração mama sangue
por uma seringa enferrujada.
Meu paraíso é obscuro.
Entes sorridentes dizem olá.
Conquistam-me pela lábia.
Desperto. Tarde.
Tudo em mim é paraíso.
Um inferninho legal.
Desses de Leônidas,
o espartano.
===========================

Divino Osso

Não largo meu osso.
Osso saboroso
que dói no dente.
Todo santo dia
ou dia infernal
tiro uma casquinha.
Alimento-me a loucura.
Vejo nódoas verdes no teto.
Ouço grilos matinais.
Tem hora que caio da rede.
Mas o abismo jardim florido.
Trigal ao luar.
Cães, vândalos, pilantras
tentam roubar-me quando durmo.
Tenho dó dos tolos.
Só fecho os olhos fingimento.
Não largo mesmo meu osso
nem bêbado nem duende.
Meu osso é um osso labareda.
Queima as mãos dos incautos.
Não largo meu osso.
Meu osso é uma parada.
=============================

Nenhum comentário: