sábado, 28 de fevereiro de 2009

Dalila Teles Veras (Poesia Madeirense)


A atividade literária na Ilha da Madeira, ou Região Autônoma da Madeira, como preferem chamá-la os seus habitantes, é intensa, contando hoje com uma vasta bibliografia, muito especialmente na poesia.

Difícil seria, nesta breve notícia sobre a poesia na Madeira, estudar com o rigor exigido esse conjunto de obras e classificá-las como literatura madeirense, posto que esse é um terreno escorregadio de polêmicas que, volta e meia, sobem à superfície fazendo patinar quem por ele transite.

A questão sobre a existência ou não de uma literatura madeirense persiste, inclusive, entre os próprios escritores locais e, colocada em mero posto de observadora, limito-me a falar dessas anotações.

Examinemos alguns trechos retirados de comunicações apresentadas no I Encontro Regional de Escritores, realizado no Funchal em 1989:

- Irene Lucília cita Agustina Bessa Luís que escreveu: “A Madeira tem plantações de romance como bananais e vinha jaquet. É um nunca mais acabar de personagens, situações, vidas e histórias que não se entende o silêncio das letras acerca delas”. Polemicamente, a própria Irene acrescenta: “Tudo está ali. A obra feita. A ilha viva, autêntica deslumbrante e mágica, obsessiva e dominadora, não precisa de ser recriada por mecanismos de ficção. Por si só, em corpo real ela basta à paixão, preenche os escaninhos do prazer, avassala até à saturação e ao confrangimento”, concluindo com uma nova citação de Agustina, que “a paixão dos lugares tornou-se (...) universal fato de paralisia do trabalho”. Interessante observar que, apesar dela mesma, Irene, ser uma eterna exaltadora dessa “ilha viva”, aponta esse mesmo detalhe também como fator paralisante da criação intelectual. O que, neste caso, convenhamos é um pouco de exagero céptico.

Já o poeta Carlos Nogueira Fino, assume, sem nato ser, a sua insularidade e os seus resultados literários: “O que somos desenha-se do mar a sulcos íngremes: um canto chão perante a majestade antiga dos navios; uma impressão de asas vagarosas sobre o céu do silêncio; (...) Aqui nascemos, ou aqui chegamos, com raízes precárias. Elas se encarregam de crescer por nós em busca do que somos. Deixai crescer, portanto, o chão de onde brotamos, universal pela razão das árvores, até fazer-se a voz que nos revela.”.

Pragmático, o escritor João Dionísio coloca: “com a consagração constitucional da Autonomia, ou a transformação da Ilha da Madeira em Região Autônoma da Madeira, “surge a literatura da Região Autônoma da Madeira”. Anteriormente a esse fato histórico, diz ele, “a literatura madeirense ou da Madeira pertence à literatura portuguesa, como qualquer outra literatura escrita por portugueses. (...) Podemos dizer, agora, que somos a outra gente da literatura portuguesa, com os nossos amores e desamores, mas, sobretudo, com a nossa realidade. Somos a outra gente para sermos a mesma gente da literatura portuguesa. Mas, com uma diferença em relação aos nossos antepassados: eles tiveram a Independência, nós temos a Autonomia. O que significa: somos da literatura portuguesa e somos uma literatura da língua portuguesa. Trazemos, portanto, para a História da Literatura Portuguesa a nossa diferença econômica, social e política, isto é, um ponto de vista literário sobre as estruturas. E, ao enriquecermos a História da Literatura Portuguesa enriquecemos, também, a outra vertente: a História da Literatura de Língua Portuguesa. Em resumo: a partir da data e do fato autonômico, começamos a construir a História da Literatura Madeirense.”

Polêmicas e rótulos à parte, não fica difícil observar que a condição insular, os fatores geográficos e culturais específicos (“o homem fechado sobre si mesmo e, simultaneamente disperso no infinito", conforme Ferreira de Castro, escritor fascinado pelas pequenas ilhas sobre as quais tanto escreveu), acabam por emprestar ao povo madeirense uma feição cultural muito própria e que, inegavelmente o distingue dos demais portugueses, tanto no seu modo de ser e de estar quanto na sua própria visão de mundo. Isso, é claro, é tema para estudioso de antropologia social, mas, de alguma forma, é fácil observar que esses fatores acabam refletidos também na maneira do madeirense se expressar literariamente e, assim, torna-se matéria de análise sócio-literária.

No nosso cômodo ponto de vista de observadores, essa condição insular refletida no imaginário ilhéu, só fez por enriquecer a literatura produzida na Madeira, emprestando-lhe uma singularidade que a eleva a presença marcante e reconhecível no cenário da literatura de língua portuguesa.

A poesia contemporânea portuguesa de maior expressividade, conta com pelo menos três poetas nascidos na Madeira, Herberto Helder (Funchal, 1930) considerado um dos maiores poetas portugueses da atualidade, José Agostinho Baptista (Funchal, 1948) e José Viale Moutinho (Funchal, 1945) este, dono também de uma extensa obra em prosa, além de Natália Correia e de Sophia de Mello Breyner Andresen, elas também das ilhas, mas dos Açores.

Esses poetas, contudo, por terem alcançado uma posição de destaque no cenário literário português e europeu, não são rotulados como "poetas das ilhas", "madeirenses" ou "açorianos", são simplesmente poetas portugueses, como deve ser. Apesar de viverem (viveu, no caso de Natália), fora das ilhas (melhor seria dizer que eles apenas “nasceram” nas ilhas, não se “fizeram” nelas) trazem, aqui e ali, na sua gênese mais profunda, esses fatores de que falamos, ainda que, admitamos, apenas por conta do atavismo.

O que é notável é que a Ilha ainda lhes marca a memória e a palavra, como bem o demonstra este poema de José Viale Moutinho:

ANTIMEMÓRIA COM FUNCHAL
ao Manuel Freire

havia asas pelo corpo sobre os mapas do mar
e a coberto da ilha e da espada cravada
no mais distante rochedo de qualquer praia
de súbito matou a sua primeira gaivota

a guerra aproximava-se do fim era junho
e nunca mais coltaria à casa submersa
persianas corridas rendas de latas verdes
que o homem da música lhe traria numa caixa

morria-se de dentes podres deslizando montes
alguns silêncios se descobriam pelas mãos
e os olhos adoeciam noutra costa distante
de barcos e de redes de rostos encardidos

sem saudade nem reconhecimento do luto
moviam-se as raízes sobre as águas lodas
suposto país que se formara no profundo
e aí reinava o inventado el-dom sebastião

Há, no entanto, um grupo de poetas, nascidos ou residentes na Madeira, que optaram por lá permanecer e dali passaram a impor a sua singular poesia ao próprio Portugal que, é preciso que se diga, ainda olha com certo desdém e desconfiança tudo que não venha do Terreiro do Paço de Lisboa (“as muralhas da continentalidade que tão ínfimo interesse revelam em favor da cultura portuguesa insular”, no dizer do sempre inflamado e competente poeta José António Gonçalves.

A escritora Natália Correia, em prefácio à coletânea Ilha 2, 1979, assim refere-se à poesia madeirense: “Despojai-vos da presunçosa cornada e vinde à Ilha. O continente encerra-vos? Fecha-vos as idéias em inquiridos de antolhadas teorias? Entendei que a poesia é superação do continente. Conteúdo fervente. Como a Ilha, contida. Mas pela animação perpétua do mar. A vida sempre a surgir da água, Madre Marinha. (...) Fechai vossos guichets de bancários da estese e vinde à Ilha. Aqui a poesia é grátis. A criação revela-se geneticamente insular. Daí serem as Musas originariamente aquáticas.”. Natália, como se vê, confirma a marca “genética” da insularidade dessa poesia e exalta, em alto e bom som, a sua qualidade.

O fato de apontarmos essa marca insular na poesia dos madeirenses não significa estarmos, em nenhuma hipótese, a nos referir a qualquer idéia estética de regionalismo, mas, antes, a uma poesia que, no seu conjunto, apresenta uma facies própria que a identifica pelo particular e que, por seus méritos, a coloca na universalidade exatamente pela coragem de ser regional.

Se o Brasil mal conhece a literatura contemporânea portuguesa depois de Eça e Pessoa, que dizer dessa poesia, ainda pouco conhecida em seu próprio país, com um imenso mar a isolá-la e a separar-nos?

Trazer, portanto, a um encontro de língua portuguesa um pouco da poesia feita na madeira é apenas um gesto de tentar (re)unir e (inter)cambiar os poetas e a cultura que o mar separa e que os convênios e acordos oficiais não consegue aproximar. Daí o fato de ser esta apenas uma breve notícia da poesia na Madeira, trazida por uma leitora atenta, desvestida dos méritos acadêmicos para uma análise mais adequada a uma comunicação.

Dentre os muitos poetas madeirenses da atualidade, selecionamos os nomes de José António Gonçalves, Irene Lucília, Carlos Nogueira Fino, José de Sainz-Trueva, Ângela Varela e Maria Aurora Carvalho Homem, não só por sua representatividade dentro do atual panorama poético madeirense, como também por terem merecido o justo destaque da própria crítica portuguesa e, finalmente, por concordarmos com a excelência de suas obras.

Pequena bibliografia e breve antologia da poesia madeirense:

José António Gonçalves – Nasceu em São Martinho, Funchal, Madeira, em 13 de junho de 1954. Escritor e jornalista. Presidente da Direção da Associação da Escritores da Madeira, da qual é um dos fundadores, membro da Associação Portuguesa de Escritores, Coordena o movimento Ilha e dirige e edita a coleção Cadernos Ilha
Publicou: Poesia – É Madrugada e Sinto, 1974; Pedra-Revolta, 1975; 20 Textos para Falar de Mim, 1988; Antologia Verde, 1991; Os Pássaros Breves, 1995; Tem o Poder da Água (obra poética 1973-1995), 1996, À Espera dos Deuses, 1999; Giacomo Leopardi e o Suave Desprendimento do Infinoto, 1999; A Aventura na Casa dos Livros, 2000; Lembro-me desses Natais; 2000. Ficção – Réstea de Qualquer Coisa, crônicas, 1973; Organizou e integrou as antologias Ilha, 1975; Ilha 2, 1979; Ilha 3, 1991; Ilha 4, 1994; O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses, 1989; Poet´Arte 90, 1990; Poesia na Ilha, 1991; Crônicas do Norte, textos de Horácio Bento de gouveia (seleção, organização e prefácio de sua autoria), 1994. Filmografia – Açores Outono (documentário), 1978; Madeira – Bordado de Sonho (documentário), 1980; Ora... o Mar (conto – teledramático), 1988; Retratos da Madeira, (série biográfica, 6 episódios), 1989; Canto da Ilha (Programa do 20º aniversário da RTP-M), 1992; e O morto, 1994.

PÔR-DO-SOL
para Virgílio Higino Pereira

Este é o mar que se veste de vermelho,
convidado pelo ocaso do poema
para o baile do fim do dia.

Ei-lo à distância, abraçando a periferia
de um olhar que se perde nas falésias,
sorridente na brevidade da sua figura.

Poderia o ilhéu dar o salto inconsciente,
entregando-se ao sal rosado do seu vestuário,
curioso por provar a água do seu bordado.

Porém, resguarda-se no calor da terra,
pisando a ilha com a carne da sua loucura,
acorrentado às ervas que nascem no recolher das casas.

E suspira, como um anjo esquecido
na multidão solitária que percorre as ruas,
perguntando pelo lugar onde descansam as suas asas.
(in Aventura na casa do livros)

Irene Lucília – Irene Lucília Mendes de Andrade, é natural do Funchal (1938). Licenciada em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Professora de Educação Visual. Desenvolveu diversificada atividade, como produtora de radio, autora de textos para a infância e no domínio das artes plásticas participou em vários exposições na Madeira e nos Açores. É membro da Associação de Escritores da Madeira.
Publicou: Poesia - Hora Imóvel, 1968; Histórias que o Vento Conta, 1979; Palavras que Levo em Viagem, in Ilha 2, 1979; O Pé Dentro D´Água, 1982; Ilha Que é Gente (cantigas), complementado com um disco single, 1986; “A Mão Que Amansa os Frutos”, 1990. Sobre a Memória deste Dias, in Ilha 3, 1991; Amargo é o Estar do Tempo, in Ilha 4, 1994. Romance – Angélica e a sua Espécie, 1993. Está representada em várias antologias. Tem colaboração dispersa por vários jornais e revistas.

Sete partidas

1 a boca curta
2 o timbre inútil
3 alguns percursos inviáveis
soterrados
sob o peso deslumbrado dos asfaltos
4 intentos e caminhos reduzidos
a um tráfego de cansaços e esquecimento
5 a ilusão horizontal dos olhos
rasando a virtude da água
6 a dolorosa porção de espaço
perimetria do espasmo e dos espantos
enorme convulsão
entre o silêncio e a fábula
7 o gesto insuficiente do coração
entre o mar e o mar como se
mais mundo não houvesse e só
os territórios interiores
fatigados duma melancólica geografia.

as sete partidas duma viagem inflexível
quedam-se à volta de muitas raízes
e duma dramática sedução de flores
onde a luz quebra o viço generoso das sombras
e reforça a intensidade fátua dos perfis suspeitos.
(in Amargo é o Estar do Tempo, Ilha 4, 1994)

José de Sainz-Trueva – nasceu em São Gonçalo, Funchal, a 9 de junho de 1947. Membro da Direção da Associação de Escritores da Madeira e Associação Portuguesa de Escritores entre outras associações. Chefe de Divisão de Proteção ao Patrimônio Cultural da Direção de Serviços do Patrimônio e Atividades Culturais.
Publicou – Espaço na Relva, in Ilha 2, 1979; Entre os Olhos, in Ilha 3, 1991; Musa Grata, in Ilha 4, 1994; está representado em inúmeras antologias; Tem publicado textos de investigação sobre temas madeirenses nas revistas Atlântico, Islenha, Girão e no suplemento do Diário de Notícias do Funchal, bem como colaborou em várias outras publicações.

De um só golpe
um anjo decepado
afunda-se na lama
o nó aperta
esfuma-se a restinga
imóvel rosa dúctil
virada do avesso
secura e culpa
ao fim de cada hora
o que te faço?
vibra
escasso amor
é laço é ferida em carne viva
(in Entre os Olhos – Ilha 3, 1991)

Mais secreto é o dia
rio livre
sem lei

como um vulto na rua

de
sombra e
sol

sem
certeza de
nada bravo como um
touro
(in Musa Grata, Ilha 4, 1994)

Carlos Nogueira Fino – Nasceu em Évora em 25.11.50. Reside na Madeira desde dezembro de 1959. Mestre em Educação (análise e organização de ensino). Docente na Universidade da Madeira. Deputado à Assembléia Legislativa Regional. Membro da Associação de Escritores da Madeira e da Sociedade Portuguesa de Autores.
Publicou – XXIII Poemas de Ilhamar, 1987 – prêmio Leacock 87); Simbiose, 1988, de parceria com o escultor Celso Caires; Este Cais Vertical, 1989; Iniciação à Luz in Ilha 3, 1991; Contemplação do Olhar, 1992; (Pre)Meditação, 1992; Alquimias, in Ilha 4, 1994

a ambigüidade não é a que insinua
no cerne das palavras o corte
com as coisas

mas esta saliência na significação das árvores
onde assentamos a aparência da imobilidade

entretanto pulula
na dissolução das folhas
a azáfama do solo
0o0

mas não direi estas palavras
sem abri-las por dentro
como te abro e me revelo
para conhecer-te

o gérmen do teu nome inscrito
no meu nome
(in (PRE)MEDITAÇÃO)

Ângela Varela (de seu nome completo, Ângela Maria Varela Miranda Rodrigues), natural da Ilha da Madeira, Camacha, é licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, com a dissertação O Poema em Prosa na Literatura Portuguesa. Lecionou no Ensino Secundário em Paris, no Funchal, em Oeiras e na Escola de S.João do Estoril onde é professora efetiva, além de ter exercido o cargo de Leitora de Português na Universidade de Estrasburgo (França). Prepara tese de Doutorado sobre a poética do “poema em prosa”.

Publicou: Espaços de Passagem, in Ilha 3, 1991; Corpo – Ilha, in Ilha 4, 1994. Tem publicação dispersa de ensaio e (ou) poesia nas revistas Colóquio/Letras e Sílex, de Lisboa, Nova Renascença, do Porto, Atlântico, da Madeira e Nordès, de Vigo, bem como em jornais da Madeira e Lisboa. Publica crônicas no Diário de Notícias do Funchal

A Fala das coisas

Olhar. Olhar apenas: o mar soprado sobre a terra a olhar.
As nuvens boiam no balão do espaço – bolhas no vidro.
O muro é branco – agudamente branco. O ângulo da perna
branco encaixa no fundo azul.

Mancha. Massa apenas. Abafa o som de todas as palavras.
Deixa que as coisas falem sem filtro – com a voz do olhar.

Corpo Mineral

As casas-cavernas talhadas na rocha. O sol a penetrar nos
poros da pele. A espuma a golfar das cavidades do nariz,
da boca.

Maré-cheia os olhos-linha de horizonte.

Os cabelos-algas boiando. O perfil de pedra, lavado
no fluxo das águas salgadas. O musgo do corpo descarnado
do calor animal, do sopro vegetal:

no reino mineral a escavar-se.
(in Ilha 4, 1994)

Maria Aurora Carvalho Homem – Nasceu em Beira Alta, radicada na Madeira desde 1974. Cursou Filologia Românica na Universidade de Coimbra. Foi jornalista em A Capital e Diário de Lisboa. Produziu programas infantis na televisão portuguesa, ganhando o prêmio de Imprensa em 1968, como melhor apresentadora de Televisão. Na Madeira, entre outras atividades, foi professora, coordenadora da revista Margem, fez rádio e televisão, com destaque para o premiado programa “Letra Dura & Arte Fina”.
Publicou: Raízes do Silêncio, 1982; Ilha a Duas Vozes (com João Carlos Abreu), 1988; Vamos Cantar Histórias (infantil, 1991; Juju, a Tartaruga (infantil), 1992; A Santa do Calhau (contos), 1993; Cintilações (poesia sobre aquarelas de Mellos), 1995 e Para Ouvir Albinoni (contos), 1995, além de estar antologiada em várias publicações.

UM JEITO DE DIZER SOLIDÃO

A palavra não chega a ser murmúrio
Mastigo-a na sombra a intervalos breves:
é um dizer silencioso
um tempo sem rosto
uma ausência presente em cada gesto.
A palavra viaja no meu corpo
prendo-a na franja dos olhos
corrompe a limpidez da distância
na precisão incolor dos dias.
É cardo, gume, alfazema e jasmim.
Persigo-a neste gesto de quem quer.
A palavra é este olhar de tudo cheio
este cheiro de noite
este acaso de nada
adágio sufocado em catedral vazia
vôo raso de pássaro vadio.
A palavra tem rosto de mulher
olhar de noiva eternamente virgem
é a pele que me veste cada dia
e que me despe à noite devagar.
Faço-a minha na ternura calada
de quem desfolha rosas no outono.
Caladas nos dizemos:
amantes confessados

Fonte:
Comunicação apresentada no III Encontro Luso-Afro-Brasileiro de Língua Portuguesa – Literaturas e Comunicação Social, Faculdade Casper Líbero, SP, Capital, em maio 2000. Este texto consta do Anais do referido encontro, publicado em 2 volumes, pela Imprensa Oficial do Estado/Faculdade Casper Líbero, em 2001.
http://www.dalila.telesveras.nom.br/

Foto de Pedro Gaia = http://olhares.aeiou.pt/

Dalila Teles Veras (1946)



Dalila (Isabel Agrela) Teles Veras, natural do Funchal, Ilha da Madeira, Portugal, (1946), emigrou com a família para o Brasil (São Paulo, Capital), em 1957. Em 1972, após seu casamento com o advogado e escritor Valdecirio Teles Veras, radicou-se em Santo André, cidade onde nasceram suas três filhas, Carolina, Isabela e Alice, na qual reside até hoje.

Publicou mais de uma dezena de livros, nos gêneros poesia, crônica e o livro "Minudências", um diário do ano de 1999. Participou de inúmeras antologias no país e no exterior. Possui trabalhos (artigos, ensaios e textos literários) publicados em jornais e revistas de todo o país e do exterior.

Assinou, de 1995 a 1999, a coluna semanal Viaverbo, no Caderno "Cultura & Lazer" do Diário do Grande ABC.

É filiada à União Brasileira de Escritores, entidade onde ocupou os cargos de Secretária Geral, Diretora e membro do Conselho, nas gestões de 1986/88, 1990/92 e 1994/96.

Fundadora do Grupo Livrespaço de Poesia (1982-1993) que manteve intensa atuação na divulgação da poesia e publicou 5 coletâneas. Foi uma das editoras da revista literária Livrespaço, ganhadora do Prêmio APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, como melhor realização cultural de 1993.

Animadora cultural, há mais de três décadas colabora na organização de cursos, seminários e congressos. É freqüentemente convidada a proferir palestras e participar de debates em Faculdades e instituições culturais, bem com a assessorar e criar projetos literários, como ciclos de debates, exposições, mesas redondas. Participou de dezenas de concursos como integrante do júri.

Participou, como convidada da UNESCO, do Colóquio Imprensa de Língua Portuguesa no Mundo, realizado em junho de 1991, em Paris, com a comunicação "A Imprensa Alternativa no Brasil como resistência cultural". Coordenou dezenas de oficinas de criação literária, dentre as quais, "O Laboratório da Paixão", na Oficina da Palavra, Casa Mário de Andrade, SP.

Participou do Projeto "O Escritor nas Bibliotecas" (1993/1994) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, bem como do Escritor 96 – promovido pela mesma Instituição.

Eleita "Intelectual do Ano", 1997, no Prêmio Capital, instituído pelo Jornal cultural O Capital, de Aracaju – SE.

Desde 1992 é diretora-proprietária da Alpharrabio Livraria e Editora, em Santo André, SP, referência cultural na região, onde promove constante atividade voltada para a difusão da cultura, das artes e o debate de idéias no Grande ABC. Dirige a Alpharrabio Edições, chancela que já publicou mais de 70 títulos e edita o jornal literário "Abecês".

Dentro os inúmeros projetos sob a sua direção e produção, destaca-se o projeto "7 Anos 7 Cidades – Culturas", comemorativo aos 7 anos da Livraria Alpharrabio (1999) que durante 7 meses dedicou um mês a cada uma das cidades da Região do Grande ABC, mostrando diversos artistas e discutindo aspectos da cultura de cada uma delas. Desse projeto participaram diretamente mais de 100 pessoas (artistas, produtores e pessoas ligadas à cultura regional), merecendo enorme destaque na imprensa e menção honrosa das Câmaras Municipais das Cidades de Santo André, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires.

Organizou, em parceria com Luzia Maninha Teles Veras, o livro "Alpharrabio 12 Anos – Uma história em curso" (Alpharrabio Edições, 2004, 346 pgs.), minucioso levantamento de mais de 500 atividades e inúmeras transcrições debates, todos desenvolvidos na Alpharrabio Livraria e Editora.

Colaborou, como curadora da área de literatura, do evento Plataforma ABC, em três diferentes edições, bem como do PALAVRAPONTOCOM, promovidos pelo SESC, unidade São Caetano do Sul.

Foi responsável por uma página literária nos Cadernos CEAPOG (Centro de Estudos de Pós-Graduação), publicação semestral do IMES – Instituto Municipal de Ensino Superior de , em 12 números daquela publicação.

Em 2000 a revista Livre Mercado outorgou-lhe o Prêmio Desempenho de Empreendedora Cultural.

Em 2004 a Câmara Municipal de Santo André outorgou-lhe o título de Cidadã Honorária.

Livros publicados:

Poesia

• Lições de Tempo. SP: Pannartz,1982 (2ª ed., 1983).
• Inventário Precoce. SP: Pannartz, 1983.
• Madeira: do Vinho à Saudade. Col. Cadernos Ilha. Funchal, Madeira (Portugal): José António Gonçalves editor, 1989 (2ª ed., fac-simile, SP: Alpharrabio Edições, 1997).
• Elemento em Fúria. Teresina, PI: Academia Piauiense de Letras, 1989.
• Forasteiros Registros Nordestinos (plaquete). SP: Livrespaço, 1991.
• Poética das Circunstâncias (plaquete). SP: Alpharrabio Edições, 1996.
• A Palavraparte. SP: Alpharrabio Edições, 1996.
• À Janela dos dias - poesia quase toda. SP: Alpharrabio Edições, 2002
• Vestígios. plaquete, edição fora do comé}rcio, 200 exemplares numerados e rubricados pela autora, Alpharrabio Edições, 2003
• Poesia do Intervalo. poemas, com desenhos de Guedo Gallet, livro de arte (Alpharrabio Edições, 2005, 200 exemplares numerados e rubricados pelos autores.
• Solilóquios. plaquete, 200 exemplares numerados e rubricados pela autora, Alpharrabio Edições, 2005
• Pecados. caixa artí}stica, publicada por ocasiã}o da comemoração dos 60 anos da autora, com 7 poemas ilustrados em 7 pranchas pelos artistas André Miranda, Constanç}a Lucas, Guedo Gallet, Mariano Amaral Neto, Perkins T. Moreira, Ricardo Amadasi e Sian, 200 exemplares, numerados e rubricados pela autora, Alpharrabio Edições, 2006
• Retratos Falhados, Coleção Ponte Velha, Editora Escrituras, 2008

Prosa
• A Vida Crônica (crônicas). SP: Alpharrabio Edições, 1999.
• As Artes do Ofício - um olhar sobre o ABC (crônicas). SP: Alpharrabio Edições, 2000
• Minudências (diário). SP: Alpharrabio Edições, 2000.

Fonte:
http://www.dalila.telesveras.nom.br/

Entrevista com Dalila Teles Veras



Entrevista concedida ao escritor Floriano Martins

FLORIANO: Comecemos falando da ponte existente entre o nascimento em Funchal e a residência brasileira em São Paulo. De que maneira as variações nessa paisagem cultural – do insular ao continental – foram aguçando os sentidos do poeta?

DALILA Ninguém cruza a linha do Equador impunemente. Atada à cinta, a carga atávica, heranças avós das quais dificilmente nos desvencilhamos. Ante a impossibilidade do retorno é preciso render-se e assimilar a cor circunstancial e, do sal recolhido na travessia, temperar esse novo viver. Para além do Bojador, a dualidade se faz presente, o sentido agudo de ser estrangeiro. Não são mais os mares que começam, mas terras que nunca se acabam. As raízes, veias abertas, passam a receber influências novas, convívios outros, determinando nova visão de mundo e, claro está, que isso irá refletir lá adiante nos sentidos da poeta.

FLORIANO: O convívio com duas tradições líricas sensivelmente distintas, como o são a portuguesa e a brasileira, imagino também deve ter sido um aspecto bastante enriquecedor em tua formação. Paralelo ao enriquecimento como convivias com a percepção do abismo que separa ambas as tradições?

DALILA: No Brasil, aportada ainda menina e tendo aqui completado minha escolaridade, talvez a primeira percepção tenha sido a de que, em tese, a língua era (quase) a mesma, mas a práxis cultural não.
Cresci ouvindo minha bisavó materna recitando Bocage e Camões, e minha mãe valendo-se das trovas populares para celebrar todas as ocasiões. Bebi de todas as tradições, portuguesas e brasileiras, desde o lírico Augusto Gil e sua balada da neve, que aos 9, 10 anos, declamava com paixão nas festas escolares no Funchal e, já no Brasil, os românticos brasileiros, como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Castro Alves, que li com devoção na adolescência. Os portugueses modernos descobri por minha conta e risco, já em terras brasileiras. Pessoa em primeiro, um mergulho do qual necessitei muito tempo para emergir e, enfim, poder nadar por outras águas.
Na minha memória de leituras não há uma percepção desse possível abismo entre as duas literaturas, antes, uma fusão, como foi a vida, amalgamada pelo sincretismo cultural. Isso se refletiu, inclusive, num aspecto conceitual no que concerne à minha "nacionalidade literária". Quando da minha opção pela palavra como ofício, enfrentei outro dilema: não era possível ser uma escritora portuguesa escrevendo como brasileira. Apazigüei-me, considerando-me uma escritora brasileira que nasceu em Portugal. A língua como a pátria possível.

FLORIANO: No diálogo com essas duas tradições, há algumas particularidades que tenham alcançado uma mais alta voltagem em termos de afinidades estéticas? Não me refiro exatamente a autores, mas sim a aspectos de linguagem. E também quero que te sintas livre para aqui mencionar outros focos apaixonantes e mesmo influentes, não somente em termos de ambientação Brasil-Portugal e menos ainda exclusivamente literários.

DALILA: Em termos de afinidades estéticas, a pintura talvez tenha sido a que primeiro se estabeleceu, como até hoje tem sido. Ao tempo que lia os românticos, encantava-me com os impressionistas, queria, àquela época, atingir uma escrita diáfana, uma realidade "borrada" como nos jardins de Monet, mas a tentativa poética não passou de um "borrão" mesmo. A minha poesia muito tem dialogado com a pintura, em especial com a de Constança Lucas, Hugo Gallet, Ricardo Amadasi, André Miranda, Mariano do Amaral Neto, Sian, Perkins T. Moreira, pintores/escultores, meus contemporâneos, que admiro e com os quais já realizei trabalhos conjuntos.
Quando de minha tomada de consciência estética, vi-me diante do impasse em que se meteu toda a poesia depois dos anos 50 no Brasil: filiar-me a grupos com (ainda) severas imposições canônicas, nas quais a poesia deve cumprir um papel formal exacerbado, os chamados poetas-críticos, o que, absolutamente, nunca foi minha vocação, ou buscar uma voz que encontrasse o equilíbrio entre a pesquisa formal e a emoção como sua dimensão humana.
Todas as escolas fizeram de mim uma poeta sem escola nem geração, mesmo porque penso que a segunda metade do século XX não formou gerações literárias, mas vozes, em muitos casos, dissonantes, que retiraram da tradição, do modernismo e das vanguardas apenas aquilo que mais lhes interessou.
Acredito, entretanto, que essa aparente insubordinação de não pertencer a "escolas" não exclui o fato de se estar ligada, em termos de linguagem, a uma determinada "corrente literária" que, a meu ver, estaria representada por uma certa marca ou parentesco planetário.
Nestes 25 anos de exercício poético, sem deixar de experimentar outras possibilidades de dicção e linguagem, venho perseguindo o caminho da concisão, a busca da densidade de significados em versos cada vez mais econômicos.

FLORIANO: Transcendência singular e evocações de intenso caráter de consagração convivem, em tua poesia, com uma leitura cosmopolita de aspectos memoriais e visão crítica. Há um interlocutor almejado por um plano estético? Com quem buscas dialogar?

DALILA: Desde os meus 11 anos de idade que vivo numa metrópole. Sou, portanto, um ser urbano, com pouca possibilidade de refletir a natureza que não tenha sido transformada pelo homem. Tento, de dentro do olho desse furacão, refletir essa realidade complexa que é a da cidade moderna e as minúcias do seu cotidiano, onde velocidades incompatíveis com a natureza humana não mais permitem o direito ao silêncio, ao ócio ou à própria reflexão. Não tenho propriamente uma intenção em transcender essa realidade, mas transformá-la em outra realidade, espelho do espelho, o que não exclui uma dose memorial, recriada, já que não há verdade nas memórias, ainda que também acredite que o esquecimento pode ser repositário delas, caixa de Pandora, à espera que alguém a destampe.

FLORIANO: Estatísticas irrefutáveis alertam para um quadro perigosamente agravado ao longo do tempo, que é o índice de leitura per capita do brasileiro. Evidente que não se pode esquecer que aí também se revela uma condição intelectual do país, ou seja, também nossos intelectuais lêem abaixo do sustentável. Entenda-se, ao menos teoricamente, por condição intelectual aquela que abriga tanto o universo literário (autores e críticos, por exemplo), como clero, imprensa, academia e casta política. O resultado dessa cadeia viciosa é uma espiral cuja expansão se dá sempre em sentido degenerativo. Como se pode romper com isto?

DALILA: A escola precisa voltar a priorizar a leitura e estimular a pesquisa e o pensar, única maneira de formar cidadãos que possam fazer escolhas. O ensino optou por "instrumentalizar" o cidadão para o mercado, deixando de lado a cultura humanística, única capaz de transformar, de preparar cidadãos para o discernimento. Como disse Edgar Morin, "o conhecimento racional, empírico e técnico deve conviver com o simbólico, o mítico e o poético". A pessoa que lê não reproduz, mas pensa e cria, toma decisões. Vive-se na era do simulacro e do fragmento, onde a lei do mais "fácil" impera. O conhecimento, que advém da leitura, requer esforço, dá trabalho. Será preciso uma verdadeira brigada pró-leitura, diante da concorrência e da facilidade enganosa que o advento da Internet incutiu nos mais jovens, a ponto de se achar que livro é coisa do passado, que a Internet é o melhor meio de "estudo" e que basta clicar no "Google" para encontrar, imprimir e entregar, prontinho, ao professor, qualquer pesquisa, sobre qualquer assunto, sem a necessidade de nem mesmo ler o que se imprimiu. A leitura não poderá ficar de fora dos grandes debates atuais. É uma questão irrenunciável que deverá obrigatoriamente se transformar em uma estratégia para uma revolução que deve passar pelo intelecto e pela vontade política.

FLORIANO: Tua integração ao ambiente da produção cultural em São Paulo possui uma conotação talvez ainda não corretamente avaliada, desde as atividades em torno do grupo Livrespaço até a criação deste espaço nobre de produção e difusão literária que é a Livraria e Editora Alpharrabio. Qual a tua percepção deste caso incomum entre brasileiros, de alguém que é essencialmente escritor e se desdobra em uma aventura de abrir condições editoriais e de circulação para seus pares e gerações mais jovens?

DALILA: De fato, são poucos os que se dedicam à "disseminação" e ao debate da cultura e esses estão divididos em duas categorias: aqueles ligados à chamada cultura do espetáculo, que dependem de patrocínios e da lógica do mercado para circular. Além disso, e por isso mesmo, encontram facilidades com leis de incentivo, patrocínios, etc.; a segunda categoria, se é que se pode chamar assim, é a dos abnegados, que, por vocação pessoal ou por uma lei não identificada, dedicam-se às causas da cultura e da arte, quixotes urbanos, numa sociedade que pouco está se importando para o que não represente entretenimento, moda ou lazer. Sempre tive a convicção de que todo escritor deveria ir além do papel, ou seja, exercer também "outros papéis", entre eles o da solidariedade entre seus pares e, sobretudo, a contribuição para a promoção da leitura. Essa foi uma das preocupações do grupo Livrespaço, contribuir para a formação de leitores de todas as maneiras possíveis. Sou uma editora de circunstâncias. Jamais obtive qualquer resultado financeiro com aquilo que publiquei. Publico por um desejo que chamo de utopia da página impressa. Jamais fui movida a metas, como mandam as leis empresariais, mas a inquietações e, no caso da edição, publico aquilo que me seduz, que acredito tenha possibilidades de permanecer como literatura e também, em alguns casos, pelo prazer de ver um escritor em seu momento de nascimento para, depois, como já aconteceu, vê-lo trilhar caminhos que sejam reconhecidos.

FLORIANO: O convívio com a prosa (crônicas, diário, crítica esparsa), de que maneira interfere em tua poesia?

DALILA: A transversalidade cultural, as identificações no lugar da identidade, talvez seja a marca do nosso tempo. O diário continua sendo uma prática, tentativa de aprisionar os dias. Dele e de todos os outros textos, por vezes me acontece identificar uma frase como verso e que acaba se transformando em cerne de um poema. Como também me acontece ao contrário, ou seja, de um verso, construir uma crônica.

FLORIANO: Dos livros todos reunidos em À Janela dos Dias até a presente edição, podemos falar em saltos, abismos, conseqüências ou alguma outra avaliação mais pertinente?

DALILA: Acredito que não haja nenhum salto, mas talvez a confirmação de uma certa "dicção" que ali já estava presente, assim como também uma retomada do poema em prosa, onde resvalo pelo discursivo mas que, assim como em A Palavraparte, que é de 1996, impõe-se como condição dentro da proposta temática, neste caso, os "retratos".

FLORIANO: Esquecemos algo?

DALILA: Sempre haveria algo a dizer, mas também o calar pode vir carregado de significados que poderão ser descobertos, assim espero, pelo leitor dos poemas.

Fonte:
VERAS, Dalila Teles. Retratos Falhados. Ed. Escrituras, 2008. prefácio.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

João Cirino Gomes (Floresta Encantada)



Os moradores da floresta encantada viviam em festa e fantasia.

Cascudinho e Douradinho eram dois peixinhos, e moravam em um riacho que cortava a floresta.

Naquela tarde ensolarada os dois amiguinhos brincavam de pular.

Douradinho se dizia campeão de salto em altura. Como Cascudinho não queria ficar atrás, começou a disputa.

A cada pulo olhavam pra fora da água, apostando quem enxergava mais longe.

Na volta diziam o que tinham visto.

Depois de vários saltos, Douradinho voltou com a novidade.

- Esta chegando alguém.

- Quem será? - Perguntou Cascudinho que era curioso.

- Não sei, mas vamos ver - respondeu Douradinho.

Em seguida, viram a dona Anta, e suas duas filhas, Antônia e Antonieta que se aproximavam... Depois de saciarem a sede, elas se sentaram na relva e se puseram a conversar.

Em dado momento, Antônia pediu: - Mamãe; conta àquela estória do menino que era desobediente?

-É mesmo mamãe! - Concordou sua irmã Antonieta toda empolgada.

Depois de algumas insistências, dona Anta começou: - Era uma vez um garoto branquinho, que morava com sua mãe na floresta. A mulher era muito bondosa, mas seu filho se tornou um peralta. João de Barro é quem o diga. O garoto vivia o perseguindo.

Dona Sabiá também não tinha sossego, e já estava magra de tanto fugir das pedradas do menino. Com sua perversidade o malvado tirava a paz de todos os moradores da floresta. Muitas vezes o garoto tentou derrubar a casinha, que João de barro construíra com sacrifício.

Sua maior magoa, era ver João de barro e Joaninha cantarem felizes da vida, sobre os galhos da paineira.

Certa tarde, depois de muito matutar, o menino resolveu que acabaria com aquela alegria. Escondido da mãe pegou um tição no fogão, e foi para a floresta.

Todo empolgado juntou um monte de folhas, e acendeu uma fogueira junto ao tronco da paineira, onde morava João de barro.

- Eles vão ver comigo - dizia o perverso, esfregando a mão de contentamento.

Deitou-se na relva, e ficou olhando para o alto, esperando o resultado da sua perversidade. Mas pegou no sono, e as chamas começaram a se alastrar.

João de barro e Juaninha percebendo o perigo; cantavam tentando desperta-lo, mas nada do menino acordar.

Quando as chamas lamberam seu calcanhar, ele se levantou e pensou em fugir, porem já era tarde... Desesperado tentou subir na arvore para se livrar das labaredas. Quando se agarrou em um galho foi ao chão e quebrou a perna. Então aumentou seu desespero; não conseguia se levantar, e começou a gritar.

Tanto gritou que sua mãe veio ao seu socorro.

Depois de enfrentar as chamas, a bondosa senhora o pegou no colo, e o levou para a casa.

Mas o malvado tinha se queimado, e estava pretinho como um carvão.

Desde então, ganhou o apelido de Saci Perere.

***

- Mamãe agora conta àquela estória do bicho papão? - Pediu Antonieta.

- Vamos para casa, pois já esta ficando tarde. Amanhã eu conto - concluiu dona anta, e saiu, sendo seguida por suas filhas.

Os dois amiguinhos também se despediram.

E quando iam se afastando, apareceu "Odoro", tio de Douradinho, que chegava para fazer uma visita a sua irmã Dorotéia.

- Ao avistar o sobrinho, Odoro perguntou: - Que você esta fazendo até estas horas longe de casa menino?

- Tio eu e meu amigo Cascudinho estávamos ouvindo a dona Anta contar a estória de um menino muito levado, que se chama Saci Perere. Ele era malvado, e não obedecia a sua mãe, e talvez por isso tenha recebido um castigo.

- Quando eu era jovem, ouvi falar deste menino - disse Odoro.

- O que você ouviu titio?

- Vamos pra casa, chegando lá eu conto.

Então Douradinho abanou a cauda mais rapidamente, e devido a sua grande curiosidade pediu: - O tio vai contando pelo caminho! - Fique calmo guri, eu vou contar, agora ande vamos!

Nem bem entraram por entre as pedras, onde morava Dourotéia, e o garoto já estava ao lado do tio, pedindo ansioso: - Agora conta!

Diante da insistência, Odoro começou a narrativa.

- Certa tarde eu nadava na maior tranqüilidade, quando notei dois pescadores se aproximando em uma canoa.

Ao invés de prestarem atenção no que estavam fazendo, eles remavam distraidamente, conversando animadamente.
Eu aproveitei estas distrações, e tirei a isca do anzol deles por varias vezes. Mas não querendo abusar da sorte, e já de barriga cheia, fiquei ouvindo suas conversas.

O mais velho disse:

- Este riacho me parece encantado, em todo lugar que vou pescar, nunca perco uma fisgada, quando puxo sai uma lasca de um peixão, e aqui já puxei varias vezes; perdi varias iscas e não peguei nada.

- Como assim encantado? - Perguntou o pescador mais novo, ao contador de prosa, que usava um chapelão de palha.

- Rapaz, eu tenho um compadre chamado Bentinho, que cuida de uma roça pra estas bandas, - disse o velho.

Certa vez ele me contou, que quando voltava do trabalho, resolveu pegar umas espigas de milho. Chegando a casa debulhou o milho e colocou numa panela. Em seguida encheu o cachimbo com um fumo que ele mesmo cultivava, e começou a meditar:

- Depois de comer um punhado de pipoca, dou uma tragada no meu cachimbo e vou descansar.

Com estes pensamentos, deitou-se na rede e ficou balançando, esperando a pipoca estralar.

E como estava cansado, meu compadre adormeceu.

Quando acordou, foi até o fogão, e notou que não havia nenhum grão de pipoca na panela. Então ele ficou cismado.

Pegou seu cachimbo, e nele também não tinha fumo.

- Eu não lembro de ter fumado, - pensou ele.

Olhou para um canto, olhou para o outro, coçou a cabeça, e perguntou a si mesmo, - será que estou caducando? Não pode ser; também não comi pipoca, e tenho certeza que eu trouxe milho. A maior prova disso são as palhas que estão aqui!

Naquela noite meu compadre ficou matutando até tarde.

No dia seguinte foi para a roça, e trabalhou o dia todo pensativo.

À tarde quando saiu do trabalho, olhou para o milharal, e pegou outras espigas.

Chegando a sua casa debulhou o milho e colocou na panela. Pegou seu cachimbo encheu de fumo, e o deixou sobre o fogão.

Deitou-se na rede, e ficou ali com um olho fechado e o outro aberto, fingindo que cochilava.

Logo escutou um assobio. Em poucos instantes um menino pretinho chegou pulando numa perna só. Entrou porta adentro e foi direto ao fogão. Encheu a mão de pipoca, e levou a boca. Lambeu os beiços, e despejou o restante da pipoca dentro da toca.

Depois pegou uma brasa colocou no cachimbo, deu uma baforada e saiu.

Já no terreiro, deu uma gargalhada e sumiu.

- Então é isso seu safado? - pensou meu compadre.

Eu estouro pipoca; você vem e come, fuma meu cachimbo, e ainda sai dando risada?

- Há, mas eu vou te dar uma lição; vou sim, pode esperar seu danado!-Disse meu compadre; que estava bravo feito uma onça.

No dia seguinte, fez à mesma coisa, escolheu três rechonchudas espigas de milho, com belas cabeleiras ruivas, e foi para casa.

Lá chegando, debulhou o milho e colocou na panela.

Só que ao invés de por fumo no cachimbo, colocou pólvora. Deitou - se na rede, e ficou fingindo que cochilava...

Não demorou muito ouviu o assobio, logo o pretinho entrou sorridente pulando numa perna só. Foi para o fogão, experimentou um punhado de pipoca e despejou novamente o restante dentro da toca. Pegou o cachimbo, e quando o ascendeu e deu uma tragada, a pólvora se incendiou e, bumm!

Com a explosão, e a fumaceira, o Saci tomou um susto e caiu de costas.

Meu compadre deu um grito, e só viu o vulto que se engatinhou por baixo da rede e fugiu.

Bentinho foi até a porta e gritou: - Viu seu safado, quem ri por ultimo ri melhor! Em seguida deu uma gargalhada e retornou para dentro da casa ainda enfumaçada.

Quando já se deitava na rede, notou que na sua pressa, o Saci tinha esquecido a toca cheia de pipoca.

O dia seguinte amanheceu fazendo muito frio, e Bentinho resolveu dormir até mais tarde.

Assim que o sol começou a surgir, escutou um choro.

Saiu para o quintal, e viu o saci chorando.

- Porque chora seu peralta? - Perguntou Bentinho.

-É que eu estou com muito frio. Por favor, seu moço me devolva minha toca. Sem ela eu não tenho magia.

- Então você esta querendo a toca de volta, para continuar aprontando das suas em?

- Não seu moço, eu prometo não fazer mais artes.

- Se for assim eu devolvo.

Depois de colocar a toca na cabeça, o Saci agradeceu e se foi. Daí em diante ninguém mais ouviu falar nele!

***

- Tio, amanhã a dona Anta vai contar uma estória do bicho papão, será que ele existe mesmo?

- Já faz muito tempo que não ouço falar nele! - Respondeu Odoro.

- Há muito tempo atrás, o rei Leão autorizou o Bicho Papão comer todas as crianças desobedientes.

Com medo do Bicho Papão, as crianças se tornaram boas, e não desobedeciam mais seus pais.

Desta forma aconteceu que o Bicho Papão ficou sem alimentação, pois o rei tinha autorizado ele comer somente as crianças teimosas.

Com fome; Bicho Papão que era cheio de astúcia, resolveu fazer uma festa. Sua intenção era convidar todos os animais, e come-los um a um.

O Bicho Preguiça ficou incumbido de entregar os convites.

Quando chegou o dia da festa, nenhum convite ainda tinha sido entregue.

E o bicho papão desiludido, virou uma fera.

Chamou o Bicho Preguiça de lerdo, de irresponsável... E o Bicho Preguiça chateado com as ofensas respondeu:

- Se você ficar me criticando, e me apressando; eu não vou entregar droga de convite nenhum.

Então o Bicho Papão se afastou resmungando, mas não desistiu.

No dia seguinte, resolveu organizar uma nova festa.

Desta vez, o macaco que era mais ágil, é quem iria entregar os convites.

Só tinha um inconveniente, precisavam de um barco, pois a festança seria em uma ilha.

E os animais da floresta, sem desconfiar das intenções do Bicho Papão, começaram a trabalhar na construção do barco.
No dia da festa, o Pavão apareceu todo empolgado com sua plumagem colorida.

O Coelho e dona Coelha, davam saltos de alegria.

Todos entraram no barco e seguiram em direção a ilha.

A festa estava animada.... A bicharada dançava, pulava e batia palmas.

O macaco batucava, a cigarra chiava, a coruja cantava e tocava sanfona, e o bode corria entre os convidados, fazendo a maior farra.

E o Bicho Papão em um canto, Matutava:

- Vou embebedar a todos... Assim será mais fácil come-los!

O Gambá foi o primeiro a ficar bêbado, e queria brigar com o Tatu.

Então Bicho Papão apartou a briga e disse:

- Eu levarei o compadre ao riu para se refrescar. Abraçou-se ao Gambá e se afastaram. - Este é o primeiro que vou comer, - pensou ele.

Assim que chegaram ao rio, viu que tanto ele quanto o Gambá estavam fedendo.

Por mais que o esfregasse aquele mau cheiro persistia. Varias vezes tentou engolir o gambá, chegou até a tapar o nariz, mas quando se aproximava com a boca aberta, sentia o fedor, fazia ânsia e se afastava.

Depois de muito tempo dentro da água gelada, o bicho papão começou a espirrar. - Atichim... Atichim... Revoltado, e com fome, abandonou o bêbado em um canto, e decidiu voltar para o baile.

Antes, porem, resolveu soltar o barco na correnteza.

Enquanto desamarrava o barco dizia: - Agora ninguém mais sai daqui. E quando eu sarar desta gripe, vou comer todos, um após o outro.

Mas o Pavão que estava de ressaca, foi beber água no rio. Ao ouvir o que o bicho papão dizia, voltou voando para a festa, e lá chegando contou para bicharada o que tinha visto e ouvido.

De madrugada a coruja começou a cantar um estranho refrão:

- Coitado de quem não sabe?

E a bicharada respondia: - Ainda bem que estou sabendo!

E o refrão continuava. - Coitado de quem não sabe...! - Ainda bem que estou sabendo...

- Atichim... Que musica é esta? - Perguntou o Bicho Papão.

- Então o compadre não sabe? - Vem vindo um temporal ai, e o vento vai levar tudo pelos ares - respondeu o macaco.

- Não diga! E como eu farei compadre? Eu não quero ser levado pelo vento! - Disse o Bicho Papão temeroso.

- Nós vamos nos amarrar nas arvores! - Informou o macaco.

- E o compadre pode me amarrar?- Perguntou o Bicho Papão.

-Sim! Só que você será o ultimo! - Falou o macaco, que era muito maroto.

- Eu sendo o dono da festa, tenho o direito de ser amarrado primeiro! - Questionou o Bicho Papão.

- Então vamos consultar os convidados, - disse o macaco. - Se todos estiverem de acordo, faremos a sua vontade!
Só tem um inconveniente, precisamos de um cipó bem forte.

-Pode deixar que eu pego o cipó! - Falou o bicho papão.

Entrou na floresta, e logo retornou com uma braçada de cipó.

Então os animais amarraram o Bicho Papão em um tronco, e lhe deram uma surra com vara de marmelo.

Depois jogaram o tronco na correnteza.

E o Bicho Papão se foi rio abaixo.

Se ainda existe não sei. Mas que existiu, existiu! Isso eu falo e afirmo! - Disse Odoro.

Fontes:
Colaboração do autor. http://www.autores.com.br/
Saci Pererê = http://centoeuma.com.br/
Bicho-Papão = http://www.jangadabrasil.com.br/

Sandra M. Júlio (Amanhecer dos Sonhos...)

Pintura à óleo de Angela Kelly Topan
Hoje, minhas letras choram a inquietude desta ausência... Desconhecendo toda lógica, adentram à cumplicidade da solidão em horizontes que transcendem sonhos e desilusões.

Escrevem-se com a transparente tinta da saudade imortalizando instantes quando, à mercê da noite, pensamento e fantasia beijaram-me os lábios, adormecidos na carência das tuas digitais... Momentos que ainda refletem no espelho dos meus olhos uma lágrima pacífica ao anseio de incansáveis esperas.

Esperança se faz paisagem, estação para cansados hiatos que ainda esculpem o cotidiano de cada dia.

Entre as treitas do sorriso, palavras aprimoram rimas num asfixiar de lamentos onde a covardia negou à realidade, sonhos...

Sob uma vírgula, emoção esconde a semente da alegria. Vacilo onde se oculta o pecado da felicidade.

Tanto de mim... quanto de ti, compondo a sinfonia de nossas vidas... Uma sinfonia vazia de tons e pautas onde caminhos e escolhas são apenas crenças da falibilidade de convicções e verdades.

No cansaço do olhar, a brisa de todas as estações ignoram o farfalhar do tempo e, nesta desordem a razão escreve seus tolos ditames.

Tropeço porém no pulsar do coração... Na essência desnuda que só às estrelas é dado conhecer, quando desabitada de mim, a elas entrego-me.

Hoje, introspectivas, minhas letras vasculharam universo, paraíso e inferno, onde o presente alicerça a magia da solidão, mesmo sabendo que em outros silêncios existem janelas abertas ao amanhecer de novos sonhos.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece
Pintura = fotografia de José Feldman

I Seminário de Direito Militar em Curitiba

Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e
Controle de Tráfego Aéreo
OBJETIVO:

O I Seminário de Direito Militar no CINDACTA II tem por objetivo proporcionar o exame de temas jurídicos afetos ao quotidiano das Organizações Militares no que tange à seara do direito penal militar, direito processual penal militar, direito administrativo militar e legislações correlatas; bem como, promover integração entre as assessorias jurídicas das Forças Armadas e Ministério da Defesa.

PÚBLICO-ALVO:

Adjuntos, Assistentes e Assessores Jurídicos que atuam no âmbito do Ministério da Defesa, Militares das Forças Armadas e das Polícias Militares, Professores de Escolas Militares e Universidades, Acadêmicos de Direito e Convidados.

DATA:
4 e 5 de Março de 2009.

LOCAL:
Auditório 14 BIS no CINDACTA II
Rua Pref. Erasto Gaertner, 1000
Curitiba – PR

PROGRAMA:

4 DE MARÇO DE 2009 - (QUARTA-FEIRA)

12h40min às 13h40min - Credenciamento dos participantes.
13h40min - Solenidade de Abertura.
14h00min - Palestra de Abertura
Tenente-Brigadeiro-do-Ar Flávio de Oliveira Lencastre
Ministro Presidente do Superior Tribunal Militar (STM)
Tema: “Justiça Militar da União”.

14h40min – Palestra
Coronel Aviador Leonidas de Araújo Medeiros Junior
Comandante do CINDACTA II
Tema: “Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II – Estrutura e Missão”.

15h10min às 15h30min - Intervalo para o Café.
15h30min – Palestra
Dr. Alexandre Augusto Quintas
Juiz-Auditor Substituto da Auditoria da 5ª Circunscrição da Justiça Militar
Tema: “Questões controvertidas atinentes à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito”.

16h10min – Debates.
16h30min – Palestra
Dr. Alexandre Reis de Carvalho
Promotor de Justiça Militar – Procuradoria de Justiça Militar em Curitiba-PR
Tema: "A atuação do Ministério Público Militar em decorrência do recebimento de notícia-crime e denúncia apócrifa”.

17h10min – Debates.
17h30min – Encerramento do 1º dia.

5 DE MARÇO DE 2009 - (QUINTA-FEIRA)

8h30min – Palestra
Dr. Sérgio Fernando Moro
Juiz Federal da 2ª Vara Criminal de Curitiba – Seção Judiciária do Paraná
Tema: “Considerações acerca do parágrafo 2º, do art. 142, da Constituição da República Federativa do Brasil: não cabimento de habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares”.

9h10min – Debates.
9h30min – Palestra
Dra. Lucélia Biaobock Peres de Oliveira
Procuradora-Chefe da União no Paraná
Tema: “Representação em juízo das Organizações Militares e de seus agentes, promovida pela Advocacia Geral da União”.

10h10min – Debates.
10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.
10h50min – Palestra
Dr. Marcelo José Araújo
Advogado Especialista em Trânsito, Professor de Direito de Trânsito e Assessor Jurídico do Conselho Estadual de Trânsito do Paraná
Tema: “Trânsito e Forças Armadas - Polêmicas e Curiosidades”

11h30min – Debates.
11h50min - Intervalo para o Almoço (livre).
14h30min - Palestra
1º Tenente QCOA SJU Inayá Potyra F. Fortes Oliveira
Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica (COJAER)
Tema: “Necessidade do Legal Advisor no Teatro de Operações - entendimento consolidado na Força Aérea Brasileira”.

15h10min - Debates
15h30min - Palestra de Encerramento
Dr. Flávio Flores da Cunha Bierrenbach
Ministro do Superior Tribunal Militar (STM)
Tema: "Forças de Paz: A participação brasileira em missões da ONU e os aspectos legais”.

16h10min – Debates.
16h30min - Solenidade de Encerramento.

INSCRIÇÕES GRATUITAS:

Através de e-mail contendo Nome, Posto/Graduação, Cargo/Função, Organização Militar/Órgão Público, Entidade de Ensino (se for o caso), número de telefone e endereço de e-mail para seminariodireitomilitar@gmail.com até 02/03/2009.

INFORMAÇÕES:
(41) 3251-5280
Assessoria Jurídica do CINDACTA II

Fonte:
Colaboração do Dr. Valter M. Toledo

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Clauder Arcanjo (Uma Romântica!)

Entrou em casa, resolvera verificar pessoalmente. Uma vontade de desmascarar as fuxiqueiras do bairro. “Desocupadas! Mal-amadas! Sim, mal-amadas!”

Abriu a porta da frente, e correu os olhos pela sala. Tudo no seu lugar: a poltrona recém-comprada, em doze prestações; a cristaleira ainda do casamento, presente da madrinha Maria das Neves; o tapete ao centro, e o televisor, onde ela assistia aos amores das oito. “Uma romântica!”

Mais alguns passos, o corredor que levava aos quartos. Apenas o silêncio. Àquela hora, sabia-a na casa da mãe. Todas as manhãs, pontualmente, às nove, lá estava. Muitas vezes ficava para o almoço. Odiava a solidão, dizia-lhe.

Quando abriu a porta do quarto de casal, um aperto no coração. A cama bem arrumada, os lençóis vermelhos, e o bicho de pelúcia junto aos travesseiros. “Uma romântica!”

Sentou-se no banquinho junto ao espelho, deu por uns olhos fundos a espiá-lo. “Sou eu!?...” A cabeça tomada pelos comentários da rua. “Abra o olho, seu Domingos! Abra o olho, homem!...”

Deitou-se na cama. De repente, as lágrimas, num choro convulso, enorme. Ao cheirar-lhe o baby-doll, o desabafo, em desespero:

– Uma safada! Uma safada!...
===================
Sobre o Autor
Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo) é cronista semanal, resenhista literário – sob o heterônimo Carlos Meireles – e colaborador de sites, revistas e jornais de várias partes do País.

Fonte:
Literatura - Revista do Escritor Brasileiro n° 35 - Ano XVII, setembro de 2008
http://literaturarevistadoescritor.blogspot.com/

Pedro Dubois (Humano)

Na sujeição a fraqueza
como relógio emociona.
O choro declarado repõe
a sensibilidade. Simplifica.
Dignifica. Democratiza.
A lágrima não derramada
inunda o sentido: desanda
a máscara. Amoldada.
A criança ressurgente
diz do tempo. Sujeito
objetado à história.
Desfeito efeito.
Dispostos versos
no marco do crescimento:
trajeto e obstáculo.
Desacompanhada sombra
em que o vulto se certifica
como humana forma.

Fonte:
Colaboração do autor

Dicionário de Folclore (Letra A)


Este DICIONÁRIO DE FOLCLORE PARA ESTUDANTES foi uma idéia da professora Rúbia Lóssio, estagiária na Coordenadoria de Estudos Folclóricos, do Instituto de Pesquisas Sociais, da Fundação Joaquim Nabuco.

A professora Rúbia Lóssio, no exercício de sua profissão, sempre constatou a existência de dificuldades, da parte de seus alunos, que não dispunham de um dicionário de folclore, que usasse uma linguagem mais acessível, e no qual as manifestações folclóricas fossem verbeteadas com simplicidade e clareza.

Achei a idéia interessante e, de parceria, começamos a elaborar este dicionário, procurando não confundir o aluno com teorias, divergências de pontos de vista entre os autores, procurando sempre descomplicar os assuntos, omitindo a paternidade autoral, sem confundir, procurando eliminar dúvidas.

Trabalho feito a quatro mãos, este dicionário, gerado na Fundação Joaquim Nabuco, como não poderia deixar de acontecer, terá seus possíveis desacertos, que serão corrigidos nas próximas edições, quando apontados pelos estudiosos no assunto.

Como todo mundo sabe, não existe nada completo, nada perfeito e, assim sendo, este dicionário não poderia ser a exceção de uma regra universal.

Assim, esperamos nós, seus autores, que este DICIONÁRIO DE FOLCLORE PARA ESTUDANTES tenha o mérito de ser pioneiro na sua especialidade e que seja compreendido o nosso esforço, esforço este que consumiu bastante tempo, com a finalidade de ser preenchida uma lacuna e de havermos feito um trabalho à altura da necessidade existente.
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ABC. São quadras ou sextilhas que começam com cada uma das letras do alfabeto. Os ABCs são muito antigos no mundo todo. Usados na literatura popular em versos, também conhecida como literatura de cordel (veja LITERATURA DE CORDEL), os ABCs contam a vida de heróis populares, estórias de cangaceiros valentes, de santos, de estadistas famosos.
ABACAXI. É uma fruta muito saborosa e seu nome também é dado às pessoas que não sabem dançar e pisam os pés do parceiro. É como também se nomeiam os problemas de difícil solução.
ABAFA-BANANA. Quando as bananas estão ficando amarelas são colhidas, amontoadas e cobertas com as folhas secas da bananeira, para que fiquem bem madurinhas. Essa é a razão pela qual abafa-banana é o nome que se dá às roupas masculinas (os ternos) feitas de tecidos grossos, quentes, pesados como a casemira, impróprios para nosso clima tropical, mas que eram usados nas décadas de 30 a 50, aqui, no Nordeste.
ABAFO. É o frevo-de-rua, conhecido por frevo-de-encontro, no qual os trombones predominam. É chamado de abafo porque abafa o som da orquestra de outro clube de frevo que se encontre nas imediações.
ABOIO. É um canto triste, geralmente com poucas e alguns até sem palavras, entoado pelos vaqueiros quando conduzem a boiada. Alguns vaqueiros, entretanto, improvisam versos como no aboio cantado: "- Ei, boi!./ Ei, vaca malhadinha!..."
ABRE-ALAS. 1. É o carro alegórico que simboliza a escola de samba e, no desfile, vem em seguida à Comissão-de-Frente; 2. O Abre-Alas, de Chiquinha Gonzaga, foi a primeira canção do carnaval carioca (1899).
ABRIDEIRA. É o começo de tudo: a primeira dança, o primeiro copo de bebida, o primeiro prato do almoço ou do jantar. E saideira é o último copo, a última rodada, quando a reunião vai terminar.
ABUSÃO. É a superstição que o povo tem de fazer ou não alguma coisa. Por exemplo: a) deixar o chinelo emborcado, a mãe pode morrer; b) passar por baixo de uma escada não é bom, podem acontecer desgraças na vida da pessoa; c) abrir-a-boca (bocejar) e não fazer o sinal da cruz, o diabo pode entrar.
ACADEMIA. 1. É um jogo ginástico infantil, muito antigo, no qual a criança pula com um pé só, para apanhar a pedrinha que jogou do primeiro até o último quadrado. Em outras partes do país o jogo também é conhecido como amarelinha, cademia. 2. Nome que se dá ao coro masculino de uma escola de samba.
ACALANTOS. Os acalantos são cantados pelas mães do mundo todo para adormecer seus filhos: 1. "Boi, boi, boi/Boi da cara preta/Vem pegar este menino/Que tem medo de careta"; 2. "Xô, xô, pavão/Sai de cima do telhado/Deixe meu filho dormir/Seu soninho sossegado"; 3. "Nanai, meu menino/Nanai meu amor/A faca que corta/Dá talho sem dor". O mesmo que cantiga-de-ninar, berceuse, cantiga-pra-botar-menino-pra-dormir.
ACARAJÉ. É um bolo de feijão–fradinho com molho de pimenta-malagueta, cebola, camarão. Muito vendido em tabuleiros e barracas de Salvador, é considerado um prato da culinária baiana.
ADÁGIO. O adágio é uma das fórmulas clássicas da sabedoria popular. Tem forma rítmica, com sete sílabas. Os brasileiros não fazem diferença entre adágio, anexim, rifão, máxima, ditado, dito, e não obedecem ao número de sílabas. Exemplos: Pimenta nos olhos dos outros é refresco, Filho de burro um dia dá coice, Pé de galinha não mata pinto, Quem anda na garupa não pega as rédeas, Sombra de pau não mata cobra, Mulher de janela, nem costura nem panela.
ADIVINHAÇÃO. A adivinhação é universal. Pode ser em prosa, como: "O que é, o que é? Cai em pé e morre deitado? (chuva)"; "O que é, o que é? Tem quatro pés, mas não anda? (mesa)"; "O que é, o que é? Nasce grande e morre pequeno? (vela, lápis)"; "O que é, o que é? De dia está no céu (da boca) e de noite está na água (no copo)? (dentadura)". A adivinhação pode ser em verso, como a do vinho e do vinagre: "Somos iguais no nome,/ Desiguais no parecer;/ Meu irmão não vai à missa,/ E eu não posso perder,/ Entre bailes e partidas,/ Todas lá me encomendarão;/ Nos trabalhos de cozinha/ Isso é lá com meu irmão".
ADIVINHANDO–CHUVA. Quando um menino está trelando muito, ou um adulto apronta alguma arte, diz-se que estão adivinhando chuva.
ADUFE. É um pandeiro quadrado, oco, feito de madeira leve, coberto com dois pergaminhos delgados, tocado com todos os dedos, menos o polegar que serve para sustentá-lo.
AFOXÉ. Cordão carnavalesco de negros na Bahia, trajando roupas principescas de fazendas brilhantes, entoando canções de candomblé na língua nagô ou ioruba.
AGOGÔ. É um instrumento musical de origem africana, usado nos candomblés. É uma dupla campânula de ferro na qual se bate com uma varinha de metal, cada campânula produzindo um som diferente. Também é usado nas orquestras de carnaval, principalmente quando estão tocando o maracatu pernambucano.
AGOURO. Veja ABUSÃO
AGOSTO. É o oitavo mês do ano. No mundo todo agosto é conhecido como o mês da desgraça, da infelicidade, quando coisas horríveis acontecem com as pessoas. Não é bom casar, viajar, fazer negócios, mudar de casa, durante o mês de agosto, porque nada dá certo.
AGUARDENTE. Bebida de alto teor alcoólico, obtida pela destilação de frutos, cereais, raízes, sementes, etc. A mais conhecida é a aguardente feita de cana-de-açúcar.
AIPIM. É o nome que se dá à macaxeira, mandioca doce. No Nordeste, o aipim é mais conhecido como macaxeira. Os índios faziam vinho de aipim, muito bom para o fígado, servido nas festas dos indígenas brasileiros. No Nordeste, quando um homem conduz uma mulher e consente que ela caminhe pela extremidade da calçada, é chamado de macaxeira. A mulher deve ficar sempre à direita de quem vem e à esquerda de quem vai.
AJUDAR-A-MORRER. No sertão nordestino quando alguém está sofrendo muito, custando a morrer, sua família chama o ajudador, uma pessoa que, conforme o nome está dizendo, ajuda o doente a morrer mais depressa, cantando incelença, rezando. Veja INCELENÇA.
ALAMOA. A alamoa aparece na Ilha de Fernando de Noronha. É uma mulher de cor branca, de longos cabelos louros, nua, para tentar os pescadores. Os homens vêem a alamoa, ficam apaixonados por sua beleza e, de repente, ela se transforma num esqueleto horrível, perseguindo quem foge dela. A alamoa mora no Pico, uma elevação rochosa situada no Arquipélago. Toda sexta-feira a Pedra do Pico se abre e, na chamada ponta do Pico, aparece uma luz que atrai as mariposas e os homens que se encontram nas imediações.
ALCEU MAYNARD ARAÚJO nasceu no dia 21 de dezembro de 1913, na cidade de Piracicaba, SP. Formou-se professor em 1930 e veio para São Paulo, ingressando no Curso Colegial e Científico do Colégio Ipiranga. Em 1944 bacharelou-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, depois do que exerceu diversas funções e pertenceu a diversas entidades. Na área do Folclore publicou: Cururu (1948), Danças e ritos populares de Taubaté (1948), Folia de Reis de Cunha (1949), Rondas infantis de Cananéia (1952), Literatura de cordel (1955), Ciclo agrícola, calendário religioso e magias ligadas às plantações (1957), Poranduba paulista (1958), Folclore do mar (1958), Medicina rústica (1961), Novo dicionário brasileiro – verbetes de folclore (1962), Folclore nacional (1964), Pentateuco nordestino (1971), além de muitos ensaios e artigos na imprensa brasileira e revistas especializadas. Já é falecido.
ALECRIM. É uma planta usada na medicina popular para curar tosse, rouquidão, falta de ar. Combate o mau-olhado.
ALFAZEMA. É uma planta com a qual se faz um perfume tradicional e é usada, também, para que o enxoval dos recém–nascidos fique cheiroso. No quarto da parturiente, a tradição manda queimar alfazema. Também é usada nos banhos de cheiro.
ALFELÔ. É um dos doces dos mais antigos trazidos pelos árabes para a Espanha e Portugal. Os colonizadores portugueses trouxeram o alfelô para o Brasil. É ainda vendido em algumas cidades do Nordeste. É uma pasta de mel em ponto grosso, "puxado" até clarear; depois se fazem colunas finas, embrulhadas em papel colorido. Quando o alfelô é feito com mel de engenho passa a ser chamado de puxa–puxa. É uma delícia.
ALFENIM. É um doce popular, feito de massa de açúcar muito branquinha, em forma de flor, sapato, cachimbo, peixe, etc. Foi trazido pelos árabes para Portugal e Espanha. Os colonizadores portugueses trouxeram o alfenim para o Brasil.
ALFINETE. O alfinete está ligado a muitas superstições, dentre as quais, as seguintes: alfinete apanhado no chão, dá felicidade no dia em que é apanhado; alfinete que foi usado em vestido de noiva deve ter a ponta cortada e ser atirado fora para não ser utilizado por outra pessoa, para não diminuir a felicidade da noiva. Alfinetes também são o dinheirinho que os maridos dão às esposas para as suas pequenas despesas. Dois alfinetes amarrados em cruz, com linha preta, trazem a desgraça para a casa onde forem escondidos. Para acabar com o feitiço é bom, a pessoa que achou, urinar neles.
ALHO. O alho combate a tosse em forma de chá ou lambedor, e a dor de dente quando colocado na cavidade do dente. O cheiro do alho afasta todas as feitiçarias e onde houver alho não haverá bruxaria por perto. Os lobisomens e as mulas sem cabeça fogem do alho como o Diabo da cruz.
ALPARCATA. É uma sandália de couro presa aos pés por meio de uma correia. No Nordeste sertanejo a alparcata geralmente é leve, de couro cru, chamada de alparcata de rabicho. Os frades costumam usar alparcatas que são os sapatos mais baratos. Na linguagem popular essa sandália também é conhecida como alpargata, alpercata, alpregata, pregata, pracata.
ALPARGATA. Veja ALPARCATA
ALPERCATA. Veja. ALPARCATA
ALPREGATA. Veja ALPARCATA
ALTIMAR PIMENTEL nasceu no dia 30 de outubro de 1936, na cidade de Maceió, AL, havendo exercido as seguintes funções: diretor do Teatro Santa Rosa (João Pessoa), diretor do Departamento de Extensão Cultural da Paraíba, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação de Cultura Popular da Paraíba, diretor da Rádio Correio da Paraíba, assessor cultural do Instituto Nacional do Livro (Rio de Janeiro), assessor cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da UFPB (1977-1979), assessor administrativo da Câmara dos Deputados (Brasília, 1980), membro do Conselho Estadual de Cultural da Paraíba (1963), secretário do Conselho Consultivo de Alto Nível do Instituto Nacional do Livro (Rio de Janeiro, 1969), redator da Coordenação do Ministério da Agricultura (Brasília, 1974), assessor de imprensa do Ministério da Agricultura (Brasília, 1975), assessor de divulgação de Imprensa e relações públicas da Câmara dos Deputados (Brasília, 1975), do jornal Correio Braziliense (Brasília, 1976), da Agência de Notícias dos Diários Associados (Brasília, 1976), do Jornal e da Rádio Correio da Paraíba (João Pessoa, 1970/76). Publicou, na área do Folclore, O coco praieiro (1968), O Diabo e outras entidades míticas no conto popular (1969), O mundo mágico de João Redondo (1971), Estórias da boca da noite (1976), Saruã, lenda de árvores e plantas do Brasil (1977), Barca da Paraíba (1978), Catálogo prévio do conto popular da Paraíba (1982), Estórias de Cabedelo (1990), Estórias de São João do Sabugi (1990), Incantion (Flórida, USA, 1990), Estórias do Diabo (1995), Estórias de Luzia Tereza (1995), Contos populares brasileiros – Paraíba (1996), Contos populares de Brasília (1998), Como nasce um cabra da peste (adaptação teatral do livro de igual título, de Mário Souto Maior, 1997). Autor de várias peças teatrais, Altimar Pimentel também publicou muitos ensaios e artigos na imprensa brasileira.
ALUÁ. É uma bebida de milho ou de abacaxi, depois de fermentados. Usa-se, também, principalmente em Pernambuco, o aluá feito com arroz. No Ceará, o aluá é feito com milho torrado, fermentado com água e rapadura que, em Pernambuco, recebe o nome de quimbembé.
ALVÍSSARAS. Recompensa que se dá à pessoa que traz boas notícias ou que entrega coisas perdidas.
AMADEU AMARAL nasceu no dia 6 de novembro de 1875, em Monte-Mor, SP. Fez o curso primário em Capivari. Com onze anos de idade, em 1888, foi para São Paulo trabalhar como menino de recados na firma Lion & Cia. Sabe-se que freqüentou o curso anexo da Faculdade de Direito, trocando-o pelo de Jornalismo que trazia nas veias como herança de seu pai, João de Arruda Leite Penteado, fundador da Gazeta de Capivari (1885). Foi auto-didata. Começou a trabalhar no Correio Paulistano e, em seguida, em O Estado de São Paulo, foi oficial de gabinete do Chefe de Polícia, trabalhou na Secretaria de Justiça de São Paulo. Em 1922, mudou-se para o Rio de Janeiro, secretariando a Gazeta de Notícias, foi Diretor do Imposto de Renda e, transferido para Belo Horizonte ou Porto Alegre, resolveu pedir demissão. Retornou a São Paulo, nomeado diretor do Ginásio Moura Santos (1927/8). Foi membro da Academia Brasileira de Letras, na vaga de Olavo Bilac (1919) e da Academia Paulistana de Letras. Jornalista, poeta, novelista, conferencista, folclorista, Amadeu Amaral publicou vários livros. Na área de Folclore, são de sua autoria, O dialeto caipira (1920), A poesia da viola (1921) e Tradições populares (obra póstuma, 1948). Faleceu em São Paulo, no dia 24 de outubro de 1929.
AMARELINHA. Veja ACADEMIA.
AMAZONAS. São mulheres indígenas, guerreiras, exímias cavaleiras, sem marido, que amputavam um dos seios para melhor empunharem seus arcos e flechas. Foram avistadas, pela primeira vez, em 24 de junho de 1541, por Frei Gaspar de Carvajal, na foz do Rio Jamundá, na Amazônia.
AMENDOIM. Também conhecido por mendobi, mandubi, amendoí, menduí, manobi, midubim, o amendoim, assado ou cozinhado, com sal, é consumido no mundo inteiro também como tira-gosto nos cock-tails. Conta a tradição que o amendoim só deve ser plantado por mulheres. Plantado por homem, ele não nasce.
AMIGA. É um prato feito com o caldo do feijão, engrossado com farinha, temperado com pimenta, cebola, a gosto da pessoa. Também tem o nome de remate e, no Recife, é conhecido como apito.
AMULETO. É toda medalha, inscrição, bentinho, venera, figa, figura ou qualquer objeto que se traz pendurado no pescoço ou na roupa, com um broche, para prevenir as doenças, curá-las, destruir os malefícios e desviar as calamidades. É usado por todos os povos desde o começo do mundo.
ANDAR. Tem menino que custa a andar. Para que ele comece a andar é bom fazê-lo caminhar em volta de sua casa nas três primeiras sextas-feiras durante três meses seguidos. Ou segura-se a criança pelas mãos, dizendo-se, três vezes: - "Vamos para a missa, menino!"
ANEL. Feito de metal, de madeira, de osso, de plástico ou de vidro, o anel é usado há séculos como adorno ou com um significado especial por todos os povos. A aliança é usada pelos noivos no dedo anular da mão direita e, pelos casados, no da mão esquerda. As viúvas passam a usar as duas alianças no mesmo dedo. Na linguagem infantil, os dedos têm outros nomes: o polegar é o cata-piolho, o indicador é o fura-bolo, o médio é o maior de todos, o anular é o senhor vizinho, o mínimo é o mindinho. Os meninos costumam brincar de anel. Faz-se uma roda de meninos e meninas e um deles, com um anel entre as mãos, vai passando pelas mãos dos outros e, entre as mãos da pessoa de sua preferência, namorado ou namorada quase sempre, deixa o anel. Depois um deles é argüido: "- Onde é que está o anel?". Se o indagado disser com quem está o anel, ele continuará a brincadeira, passando o anel. Se errar, sai da brincadeira, leva um bolo ou outro castigo.
ANEXIM. Veja ADÁGIO.
ANGU. É uma papa mole de fubá de milho ou de farinha de mandioca, feita com água e sal, ou com leite, ou caldo de peixe, de carne ou de camarão para se comer com guisado ou carne assada. Também se faz o angu, no Nordeste, de outra maneira: somente à base de milho, do xerém (angu doce, na ceia, e salgado, para ser comido com carne).
ANJINHOS. São anéis de ferro, com parafusos, presos a uma tábua, para apertar os polegares dos criminosos e fazê-los confessar seus crimes. Também foram usados no tempo da escravidão.
ANJO. Diz-se das criancinhas quando morrem. Como não chegaram a pecar, vão para o céu e são anjos.
ANJO DA GUARDA. É o anjo que Deus dá a cada pessoa quando nasce, para protegê-la, defendê-la, mostrando sempre o caminho do bem. Antes de dormirem, as mães costumam rezar, com seus filhos, a oração do anjo da guarda: "Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, guarde e governe e ilumine. Amém". Ou "Amigo bom, Anjo de Deus, vinde guiar os passos meus. Fazei-me uma boa criança".
ANO-NOVO. Celebrado com muita festa, muita comida, muita bebida e dança, a festa do Ano-Novo é comemorada no primeiro dia do ano que começa, representado por uma criança recém-nascida, enquanto que o ano velho, o que passou, é representado por um velho de longas barbas e de andar trôpego, apoiado num bastão. O povo criou uma série enorme de crendices e superstições ligadas à entrada do Ano-Novo. No primeiro minuto do Ano- Novo, a pessoa deve estar com uma cédula de maior valor na mão direita ou no sapato do pé direito para dar o primeiro passo para ser feliz e nunca lhe faltar dinheiro. Deve estar vestida de branco (influência dos cultos afro-brasileiros) ou de amarelo, que é a cor do ouro. Rompido o Ano-Novo, a pessoa deve dar o primeiro passo com o pé direito. Também é bom fazer o seguinte: 1. Comer sete caroços de romã e guardar as sementes na carteira para garantir um ano sem aperto; 2. Usar roupas novas, inclusive as íntimas; 3. Comer carne de porco, porque o porco fuça para frente, evitando carne de peru, que cisca para trás; 4. Guardar a rolha da garrafa de champanhe num lugar que ninguém possa descobrir; 5. Trocar toda a roupa da cama; 6. Fazer muito barulho, gritar, quando romper o ano, que é para afugentar os maus espíritos; 7. Jogar moedas da calçada para dentro de casa, para atrair dinheiro; 8. Livrar-se de tudo quanto for velho, quebrado, imprestável; 9. Acender todas as luzes da casa para receber um Ano-Novo cheio de luz e de alegria.
ANTÔNIO, Santo. Fernando de Bulhões nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 15 de agosto de 1195. Ingressou na Ordem de São Francisco em 1220 e, como frade, recebeu o nome de Antônio. Faleceu no dia 13 de junho de 1231, em Arcela, perto de Pádua, na Itália. É um dos santos mais populares não somente em Portugal como também no Brasil. É considerado como santo casamenteiro. Quando as moças não encontram rapazes para casar fazem promessas a Santo Antônio e muitas delas conseguem um marido. Santo Antônio também ajuda a encontrar as coisas perdidas. Os escravos africanos pintaram de preto uma imagem de Santo Antônio que passou a ser conhecido como Santo Antônio dos Pretos.
ANTÔNIO SILVINO. Era este o nome de guerra de Manuel Batista de Moraes, nascido em Afogados da Ingazeira, PE, em 1875. Como o assassino de seu pai não foi preso, Antônio Silvino procurou fazer justiça com as próprias mãos, à sua maneira. Durante quatorze anos foi o governador do Sertão. Era um cangaceiro que respeitava as mulheres, distribuía dinheiro, tomado dos ricos (as moedas), com os pobres. Vivia sempre perseguido pelas forças policiais de vários estados do Nordeste. Foi ferido em combate em Taquaritinga, PE, no dia 28 de novembro de 1914 e preso. Depois de cumprir quase toda a pena a que fora condenado, Antônio Silvino morreu em Campina Grande, PB, em agosto de 1944. Muitos folhetos de feira foram escritos pelos poetas populares sobre sua valentia, seus combates, sua vida.
APARTAÇÃO. No sertão, o gado é criado solto. As vacas e os bois são ferrados com a marca do dono. E, depois do inverno, o gado é reunido pelos vaqueiros das fazendas para ser entregue aos seus donos. É a apartação, uma das melhores festas do sertão, com muita comida, baile, reunindo vaqueiros e fazendeiros. Acontece, então, a vaquejada. Veja VAQUEJADA.
APITO. É um pequeno instrumento de sopro, usado pelo regente de uma orquestra, para avisar o início do toque de um frevo e, também, pelo mestre da bateria das escolas de samba. Veja AMIGA.
ARANHA. Diz o povo que quando Nossa Senhora, com São José e o Menino Jesus iam fugindo para o Egito, perseguidos pelos soldados de Herodes, esconderam-se em uma gruta e uma aranha teceu uma teia na entrada e os soldados não acharam os fugitivos, razão pela qual Nosso Senhor abençoou a aranha e sua teia. Não é bom desmanchar uma teia de aranha porque ela traz felicidade. Botando uma aranha num saquinho de pano e pendurando esse saquinho no pescoço de uma pessoa que sofra de algum mal na garganta, essa pessoa ficará curada.
ARARA. É uma dança engraçada. Todos os pares estão dançando, menos um rapaz que, em determinado momento, grita: Arara! Todos os rapazes trocam suas damas e quem ficar sem dama para dançar é o novo arara.
ARCO-ÍRIS. Também conhecido como arco, arco celeste, arco-da-chuva, olho de boi, arco-da-velha, o arco-íris não é muito amigo dos agricultores porque ele bebe a água dos rios, dos açudes, das lagoas. Para acabar com o arco-íris costumam fazer filas de pedrinhas, de gravetos, pauzinhos e ele vai embora porque não gosta de linhas retas.
ARENGA-DE-MULHER. Diz-se, no Nordeste, da chuva fraca, fina, insistente, que não pára.
ARGUEIRO. Para retirar um argueiro do olho nada como esfregar a pálpebra e dizer: "Vai-te argueiro, pro olho do companheiro"! Ou então botar uma semente de alfavaca na pálpebra e esfregá-la.
ARIANO SUASSUNA nasceu no dia 16 de junho de 1927, na cidade de João Pessoa, PB. Fez o primário em Taperoá, PB. Concluiu o curso de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife (PE), em 1946. Professor de Estética e Teoria do Teatro na Universidade Federal de Pernambuco, foi poeta e, quando ainda era estudante de Direito, fundou, com Hermilo Borba Filho e outros, o Teatro do Estudante de Pernambuco. Renomado teatrólogo, romancista, foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura e, em 1969, Diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco. Levando a literatura popular em verso para suas peças teatrais, Ariano Suassuna, na área de Folclore, publicou A poesia clássica do sertão nordestino (1949), Coletânea da poesia popular nordestina: romances do heróico (1962), Coletânea da poesia popular nordestina: romances do ciclo heróico – conclusão (1964).
ARRASTA-PÉ. Baile popular. O mesmo que bate-chinela, forró.
ARRASTAR-A-MALA. Diz-se de quem deu uma viagem perdida, isto é, de quem foi procurar uma pessoa e não a encontrou, por exemplo.
ARRIBAÇÃ. Também conhecida como ribaçã, rebaçã, avoante, avoete, é uma ave de imigração que aparece no sertão nordestino. A arribação chega no fim do inverno, em bandos, nas caatingas, passando nos lugares onde encontram o capim-milhão, que é a alimentação que prefere. Os caçadores entram em ação e abatem uma quantidade enorme de arribaçãs que são vendidas nas feiras.
ARRUDA. Amuleto contra o mau-olhado. A casa que tiver um pé de arruda plantado no jardim as forças contrárias desaparecem. É uma planta muito usada nas macumbas, nos candomblés, nos catimbós. Na medicina popular a planta funciona como fortificante do sistema nervoso, como sudorífico e também como aperitivo. Suas sementes, secas e queimadas, combatem os insetos.
ASCENSO FERREIRA nasceu em 1895, na cidade de Palmares, PE, onde passou sua infância e adolescência, tendo sua mãe como professora. Aos treze anos foi obrigado a trabalhar na loja de um tio para ajudar no orçamento doméstico. Com alguns amigos fundou, em 1917, a sociedade literária Hora Literária de Palmares, com reuniões dominicais, quando os sócios liam e discutiam suas produções intelectuais. No mesmo ano estreou como poeta, publicando Pro Pace, soneto dedicado a Oliveira Lima, no Jornal do Recife. Participou do movimento modernista (Mário de Andrade foi seu hóspede, certa vez) e colaborou nos jornais e revistas da época, percorrendo os grandes centros literários do país lendo seus famosos poemas. Publicou: Catimbó (1927), Cana Caiana (1939), Xehenhem (1951), 64 poemas e 3 historietas populares (livros e discos) (1958), Catimbó e outros poemas (1939). Na área de Folclore escreveu Maracatu, Presépios e Pastoris, O bumba-meu-boi, na revista Arquivos, da Prefeitura do Recife, 1942-1944. Faleceu em 1965.
ASSOMBRAÇÃO. É o aparecimento de barulhos, de vozes, de correntes arrastadas, de gemidos, de sons misteriosos, de luzes em casas mal-assombradas.
ASSUSTADO. Existente até hoje, o assustado é a maneira de se comemorar o aniversário de uma pessoa amiga, sem que ela saiba. Juntam-se os amigos, compram-se os comes e bebes, contrata-se uma pequena orquestra e, de surpresa, aparecem todos na casa do aniversariante, onde dançam, comem, bebem e conversam até tarde da noite.
ATABAQUES. São tambores feitos com peles de animais, espichadas sobre a abertura de um pau oco e que servem para marcar o ritmo de danças religiosas nos clubes afro-brasileiros e foram trazidos pelos escravos africanos.
ATIRADEIRA. É o mesmo que tiradeira, estilingue, funda, setra, baladeira, badoque ou bodoque. São duas tiras de borracha de câmara de ar de automóvel amarradas nas extremidades de uma pequena forquilha e que vão ser fixadas num pequeno pedaço de couro onde é colocada uma pedrinha. Pegando-as a forquilha com a mão esquerda e, com a mão direita, esticando-se as tiras de borracha, a pedrinha é arremessada até certa distância. A baladeira serve para caçar passarinhos.
AVIÃO. Veja ACADEMIA.
AVOANTE. Veja ARRIBAÇÃ.
AVOETE. Veja ARRIBAÇÃ.
AXÉS. É a mistura do sangue dos animais sacrificados nos cultos afro-brasileiros.
AZIA. Calor de estômago, azedume. Para melhorar é bom dizer três vezes: "Azia, ave-maria".
AZUL e ENCARNADO. São as cores dos dois cordões dos pastoris. Há uma explicação católica sobre a cor dos cordões dos pastoris: o encarnado representa o manto de Jesus Cristo e o azul representa o manto de Nossa Senhora. Veja PASTORIL.

Fonte:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco

Machado de Assis (Verba Testamentária)



"... Item, é minha última vontade que o caixão em que o meu corpo houver de ser enterrado, seja fabricado em casa de Joaquim Soares, à rua da Alfândega. Desejo que ele tenha conhecimento desta disposição, que também será pública. Joaquim Soares não me conhece; mas é digno da distinção, por ser dos nossos melhores artistas, e um dos homens mais honrados da nossa terra..."

Cumpriu-se à risca esta verba testamentária. Joaquim Soares fez o caixão em que foi metido o corpo do pobre Nicolau B. de C.; fabricou-o ele mesmo, con amore; e, no fim, por um movimento cordial, pediu licença para não receber nenhuma remuneração. Estava pago; o favor do defunto era em si mesmo um prêmio insigne. Só desejava uma coisa: a cópia autêntica da verba. Deram-lha; ele mandou-a encaixilhar e pendurar de um prego, na loja. Os outros fabricantes de caixões, passado o assombro, clamaram que o testamento era um despropósito. Felizmente, — e esta é uma das vantagens do estado social, — felizmente, todas as demais classes acharam que aquela mão, saindo do abismo para abençoar a obra de um operário modesto, praticara uma ação rara e magnânima. Era em 1855; a população estava mais conchegada; não se falou de outra coisa. O nome do Nicolau reboou por muitos dias na imprensa da Corte, donde passou à das províncias. Mas a vida universal é tão variada, os sucessos acumulam-se em tanta multidão, e com tal presteza, e, finalmente, a memória dos homens é tão frágil, que um dia chegou em que a ação de Nicolau mergulhou de todo no olvido.

Não venho restaurá-la. Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Obra de lápis e esponja. Não, não venho restaurá-la. Há milhares de ações tão bonitas, ou ainda mais bonitas do que a do Nicolau, e comidas do esquecimento. Venho dizer que a verba testamentária não é um efeito sem causa; venho mostrar uma das maiores curiosidades mórbidas deste século.

Sim, leitor amado, vamos entrar em plena patologia. Esse menino que aí vês, nos fins do século passado (em 1855, quando morreu, tinha o Nicolau sessenta e oito anos), esse menino não é um produto são, não é um organismo perfeito. Ao contrário, desde os mais tenros anos, manifestou por atos reiterados que há nele algum vício interior, alguma falha orgânica. Não se pode explicar de outro modo a obstinação com que ele corre a destruir os brinquedos dos outros meninos, não digo os que são iguais aos dele, ou ainda inferiores, mas os que são melhores ou mais ricos. Menos ainda se compreende que, nos casos em que o brinquedo é único, ou somente raro, o jovem Nicolau console a vítima com dois ou três pontapés; nunca menos de um. Tudo isso é obscuro. Culpa do pai não pode ser. O pai era um honrado negociante ou comissário (a maior parte das pessoas a que aqui se dá o nome de comerciantes, dizia o marquês de Lavradio, nada mais são que uns simples comissários), que viveu com certo luzimento, no último quartel do século, homem ríspido, austero, que admoestava o filho, e, sendo necessário, castigava-o. Mas nem admoestações, nem castigos, valiam nada. O impulso interior do Nicolau era mais eficaz do que todos os bastões paternos; e, uma ou duas vezes por semana, o pequeno reincidia no mesmo delito. Os desgostos da família eram profundos. Deu-se mesmo um caso, que, por suas gravíssimas conseqüências, merece ser contado.

O vice-rei, que era então o conde de Resende, andava preocupado com a necessidade de construir um cais na praia de D. Manuel. Isto, que seria hoje um simples episódio municipal, era naquele tempo, atentas as proporções escassas da cidade, uma empresa importante. Mas o vice-rei não tinha recursos; o cofre público mal podia acudir às urgências ordinárias. Homem de estado, e provavelmente filósofo, engendrou um expediente não menos suave que profícuo: distribuir, a troco de donativos pecuniários, postos de capitão, tenente e alferes. Divulgada a resolução, entendeu o pai do Nicolau que era ocasião de figurar, sem perigo, na galeria militar do século, ao mesmo tempo que desmentia uma doutrina bramânica. Com efeito, está nas leis de Manu, que dos braços de Brama nasceram os guerreiros, e do ventre os agricultores e comerciantes; o pai do Nicolau, adquirindo o despacho de capitão, corrigia esse ponto da anatomia gentílica. O outro comerciante, que com ele competia em tudo, embora familiares e amigos, apenas teve notícia do despacho, foi também levar a sua pedra ao cais. Desgraçadamente, o despeito de ter ficado atrás alguns dias, sugeriu-lhe um arbítrio de mau gosto e, no nosso caso, funesto; foi assim que ele pediu ao vice-rei outro posto de oficial do cais (tal era o nome dado aos agraciados por aquele motivo) para um filho de sete anos. O vice-rei hesitou; mas o pretendente, além de duplicar o donativo, meteu grandes empenhos, e o menino saiu nomeado alferes. Tudo correu em segredo; o pai de Nicolau só teve notícia do caso no domingo próximo, na igreja do Carmo, ao ver os dois, pai e filho, vindo o menino com uma fardinha, que, por galanteria, lhe meteram no corpo. Nicolau, que também ali estava, fez-se lívido; depois, num ímpeto, atirou-se sobre o jovem alferes e rasgou-lhe a farda, antes que os pais pudessem acudir. Um escândalo. O rebuliço do povo, a indignação dos devotos, as queixas do agredido, interromperam por alguns instantes as cerimônias eclesiásticas. Os pais trocaram algumas palavras acerbas, fora, no adro, e ficaram brigados para todo o sempre.

— Este rapaz há de ser a nossa desgraça! bradava o pai de Nicolau, em casa, depois do episódio.

Nicolau apanhou então muita pancada, curtiu muita dor, chorou, soluçou; mas de emenda coisa nenhuma. Os brinquedos dos outros meninos não ficaram menos expostos. O mesmo passou a acontecer às roupas. Os meninos mais ricos do bairro não saíam fora senão com as mais modestas vestimentas caseiras, único modo de escapar às unhas de Nicolau. Com o andar do tempo, estendeu ele a aversão às próprias caras, quando eram bonitas, ou tidas como tais. A rua em que ele residia, contava um sem-número de caras quebradas, arranhadas, conspurcadas. As coisas chegaram a tal ponto, que o pai resolveu trancá-lo em casa durante uns três ou quatro meses. Foi um paliativo, e, como tal, excelente. Enquanto durou a reclusão, Nicolau mostrou-se nada menos que angélico; fora daquele sestro mórbido, era meigo, dócil, obediente, amigo da família, pontual nas rezas. No fim dos quatro meses, o pai soltou-o; era tempo de o meter com um professor de leitura e gramática.

— Deixe-o comigo, disse o professor; deixe-o comigo, e com esta (apontava para a palmatória)... Com esta, é duvidoso que ele tenha vontade de maltratar os companheiros.

Frívolo! três vezes frívolo professor! Sim, não há dúvida, que ele conseguiu poupar os meninos bonitos e as roupas vistosas, castigando as primeiras investidas do pobre Nicolau; mas em que é que este sarou da moléstia? Ao contrário, obrigado a conter-se, a engolir o impulso, padecia dobrado, fazia-se mais lívido, com reflexo de verde bronze; em certos casos, era compelido a voltar os olhos ou fechá-los, para não arrebentar, dizia ele. Por outro lado, se deixou de perseguir os mais graciosos, ou melhor, adornados, não perdoou aos que se mostravam mais adiantados no estudo; espancava-os, tirava-lhes os livros, e lançava-os fora, nas praias ou no mangue. Rixas, sangue, ódios, tais eram os frutos da vida, para ele, além das dores cruéis que padecia, e que a família teimava em não entender. Se acrescentarmos que ele não pôde estudar nada seguidamente, mas a trancos, e mal, como os vagabundos comem, nada fixo, nada metódico, teremos visto algumas das dolorosas conseqüências do fato mórbido, oculto e desconhecido. O pai, que sonhava para o filho a Universidade, vendo-se obrigado a estrangular mais essa ilusão, esteve prestes a amaldiçoá-lo; foi a mãe que o salvou.

Saiu um século, entrou outro, sem desaparecer a lesão do Nicolau. Morreu-lhe o pai em 1807 e a mãe em 1809; a irmã casou com um médico holandês, treze meses depois. Nicolau passou a viver só. Tinha vinte e três anos; era um dos petimetres da cidade, mas um singular petimetre, que não podia encarar nenhum outro, ou fosse mais gentil de feições, ou portador de algum colete especial sem padecer uma dor violenta, tão violenta, que o obrigava às vezes a trincar o beiço até deitar sangue. Tinha ocasiões de cambalear; outras de escorrer-lhe pelo canto da boca um fio quase imperceptível de espuma. E o resto não era menos cruel. Nicolau ficava então ríspido; em casa achava tudo mau, tudo incômodo, tudo nauseabundo; feria a cabeça aos escravos com os pratos, que iam partir-se também, e perseguia os cães, a pontapés; não sossegava dez minutos, não comia, ou comia mal. Enfim dormia; e ainda bem que dormia. O sono reparava tudo. Acordava lhano e meigo, alma de patriarca, beijando os cães entre as orelhas, deixando-se lamber por eles, dando-lhes do melhor que tinha, chamando aos escravos as coisas mais familiares e ternas. E tudo, cães e escravos, esqueciam as pancadas da véspera, e acudiam às vozes dele obedientes, namorados, como se este fosse o verdadeiro senhor, e não o outro.

Um dia, estando ele em casa da irmã, perguntou-lhe esta por que motivo não adotava uma carreira qualquer, alguma coisa em que se ocupasse, e...

— Tens razão, vou ver, disse ele.

Interveio o cunhado e opinou por um emprego na diplomacia. O cunhado principiava a desconfiar de alguma doença e supunha que a mudança de clima bastava a restabelecê-lo. Nicolau arranjou uma carta de apresentação, e foi ter com o ministro de estrangeiros. Achou-o rodeado de alguns oficiais da secretaria, prestes a ir ao paço, levar a notícia da segunda queda de Napoleão, notícia que chegara alguns minutos antes. A figura do ministro, as circunstâncias do momento, as reverências dos oficiais, tudo isso deu um tal rebate ao coração do Nicolau, que ele não pôde encarar o ministro. Teimou, seis ou oito vezes, em levantar os olhos, e da única em que o conseguiu fizeram-se-lhe tão vesgos, que não via ninguém, ou só uma sombra, um vulto, que lhe doía nas pupilas ao mesmo tempo que a face ia ficando verde. Nicolau recuou, estendeu a mão trêmula ao reposteiro, e fugiu.

— Não quero ser nada! disse ele à irmã, chegando a casa; fico com vocês e os meus amigos.

Os amigos eram os rapazes mais antipáticos da cidade, vulgares e ínfimos. Nicolau escolhera-os de propósito. Viver segregado dos principais era para ele um grande sacrifício; mas, como teria de padecer muito mais vivendo com eles, tragava a situação. Isto prova que ele tinha certo conhecimento empírico do mal e do paliativo. A verdade é que, com esses companheiros, desapareciam todas as perturbações fisiológicas do Nicolau. Ele fitava-os sem lividez, sem olhos vesgos, sem cambalear, sem nada. Além disso, não só eles lhe poupavam a natural irritabilidade, como porfiavam em tornar-lhe a vida, senão deliciosa, tranqüila; e para isso, diziam-lhe as maiores finezas do mundo, em atitudes cativas, ou com certa familiaridade inferior. Nicolau amava em geral as naturezas subalternas, como os doentes amam a droga que lhes restitui a saúde; acariciava-as paternalmente, dava-lhes o louvor abundante e cordial, emprestava-lhes dinheiro, distribuía-lhes mimos, abria-lhes a alma...

Veio o grito do Ipiranga; Nicolau meteu-se na política. Em 1823 vamos achá-lo na Constituinte. Não há que dizer ao modo por que ele cumpriu os deveres do cargo. Integro, desinteressado, patriota, não exercia de graça essas virtudes públicas, mas à custa de muita tempestade moral. Pode-se dizer, metaforicamente, que a freqüência da câmara custava-lhe sangue precioso. Não era só porque os debates lhe pareciam insuportáveis, mas também porque lhe era difícil encarar certos homens, especialmente em certos dias. Montezuma, por exemplo, parecia-lhe balofo, Vergueiro, maçudo, os Andradas, execráveis. Cada discurso, não só dos principais oradores, mas dos secundários, era para o Nicolau verdadeiro suplício. E, não obstante, firme, pontual. Nunca a votação o achou ausente; nunca o nome dele soou sem eco pela augusta sala. Qualquer que fosse o seu desespero, sabia conter-se e pôr a idéia da pátria acima do alívio próprio. Talvez aplaudisse in petto o decreto da dissolução. Não afirmo; mas há bons fundamentos para crer que o Nicolau, apesar das mostras exteriores, gostou de ver dissolvida a assembléia. E se essa conjetura é verdadeira, não menos o será esta outra: — que a deportação de alguns dos chefes constituintes, declarados inimigos públicos, veio aguar-lhe aquele prazer. Nicolau, que padecera com os discursos deles, não menos padeceu com o exílio, posto lhes desse um certo relevo. Se ele também fosse exilado!

— Você podia casar, mano, disse-lhe a irmã.

— Não tenho noiva.

— Arranjo-lhe uma. Valeu?

Era um plano do marido. Na opinião deste, a moléstia do Nicolau estava descoberta; era um verme do baço, que se nutria da dor do paciente, isto é, de uma secreção especial, produzida pela vista de alguns fatos, situações ou pessoas. A questão era matar o verme; mas, não conhecendo nenhuma substância química própria a destruí-lo, restava o recurso de obstar à secreção, cuja ausência daria igual resultado. Portanto, urgia casar o Nicolau, com alguma moça bonita e prendada, separá-lo do povoado, metê-lo em alguma fazenda, para onde levaria a melhor baixela, os melhores trastes, os mais reles amigos, etc.

— Todas as manhãs, continuou ele, receberá o Nicolau um jornal que vou mandar imprimir com o único fim de lhe dizer as coisas mais agradáveis do mundo, e dizê-las nominalmente, recordando os seus modestos, mas profícuos trabalhos da Constituinte, e atribuindo-lhe muitas aventuras namoradas, agudezas de espírito, rasgos de coragem. Já falei ao almirante holandês para consentir que, de quando em quando, vá ter com Nicolau algum dos nossos oficiais dizer-lhe que não podia voltar para a Haia sem a honra de contemplar um cidadão tão eminente e simpático, em quem se reúnem qualidades raras, e, de ordinário, dispersas. Você, se puder alcançar de alguma modista, a Gudin, por exemplo, que ponha o nome de Nicolau em um chapéu ou mantelete, ajudará muito a cura de seu mano. Cartas amorosas anônimas, enviadas pelo correio, são um recurso eficaz... Mas comecemos pelo princípio, que é casá-lo.

Nunca um plano foi mais conscienciosamente executado. A noiva escolhida era a mais esbelta, ou uma das mais esbeltas da capital. Casou-os o próprio bispo. Recolhido à fazenda, foram com ele somente alguns de seus mais triviais amigos; fez-se o jornal, mandaram-se as cartas, peitaram-se as visitas. Durante três meses tudo caminhou às mil maravilhas. Mas a natureza, apostada em lograr o homem, mostrou ainda desta vez que ela possui segredos inopináveis. Um dos meios de agradar ao Nicolau era elogiar a beleza, a elegância e as virtudes da mulher; mas a moléstia caminhara, e o que parecia remédio excelente foi simples agravação do mal. Nicolau, ao fim de certo tempo, achava ociosos e excessivos tantos elogios à mulher, e bastava isto a impacientá-lo, e a impaciência a produzir-lhe a fatal secreção. Parece mesmo que chegou ao ponto de não poder encará-la muito tempo, e a encará-la mal; vieram algumas rixas, que seriam o princípio de uma; separação, se ela não morresse daí a pouco. A dor do Nicolau foi profunda e verdadeira; mas a cura interrompeu-se logo, porque ele desceu ao Rio de Janeiro, onde o vamos achar, tempos depois, entre os revolucionários de 1831.

Conquanto pareça temerário dizer as causas que levaram o Nicolau para o Campo da Aclamação, na noite de 6 para 7 de abril, penso que não estará longe da verdade quem supuser que — foi o raciocínio de um ateniense célebre e anônimo. Tanto os que diziam bem, como os que diziam mal do imperador, tinham enchido as medidas ao Nicolau. Esse homem, que inspirava entusiasmos e ódios, cujo nome era repetido onde quer que o Nicolau estivesse, na rua, no teatro, nas casas alheias, tornou-se uma verdadeira perseguição mórbida, daí o fervor com que ele meteu a mão no movimento de 1831. A abdicação foi um alívio. Verdade é que a Regência o achou dentro de pouco tempo entre os seus adversários; e há quem afirme que ele se filiou ao partido caramuru ou restaurador, posto não ficasse prova do ato. O que é certo é que a vida pública do Nicolau cessou com a Maioridade.

A doença apoderara-se definitivamente do organismo. Nicolau ia, a pouco e pouco, recuando na solidão. Não podia fazer certas visitas, freqüentar certas casas. O teatro mal chegava a distraí-lo. Era tão melindroso o estado dos seus órgãos auditivos, que o ruído dos aplausos causava-lhe dores atrozes. O entusiasmo da população fluminense para com a famosa Candiani e a Meréia, mas a Candiani principalmente, cujo carro puxaram alguns braços humanos, obséquio tanto mais insigne quanto que o não fariam ao próprio Platão, esse entusiasmo foi uma das maiores mortificações do Nicolau. Ele chegou ao ponto de não ir mais ao teatro, de achar a Candiani insuportável, e preferir a Norma dos realejos à da prima-dona. Não era por exageração de patriota que ele gostava de ouvir o João Caetano, nos primeiros tempos; mas afinal deixou-o também, e quase que inteiramente os teatros.

— Está perdido! pensou o cunhado. Se pudéssemos dar-lhe um baço novo...

Como pensar em semelhante absurdo? Estava naturalmente perdido. Já não bastavam os recreios domésticos. As tarefas literárias a que se deu, versos de família, glosas a prêmio e odes políticas, não duraram muito tempo, e pode ser até que lhe dobrassem o mal. De fato, um dia, pareceu-lhe que essa ocupação era a coisa mais ridícula do mundo, e os aplausos ao Gonçalves Dias, por exemplo, deram-lhe idéia de um povo trivial e de mau gosto. Esse sentimento literário, fruto de uma lesão orgânica, reagiu sobre a mesma lesão, ao ponto de produzir graves crises, que o tiveram algum tempo na cama. O cunhado aproveitou o momento para desterrar-lhe da casa todos os livros de certo porte.

Explica-se menos o desalinho com que daí a meses começou a vestir-se. Educado com hábitos de elegância, era antigo freguês de um dos principais alfaiates da Corte, o Plum, não passando um só dia em que não fosse pentear-se ao Desmarais e Gérard, coiffeurs de la cour, à rua do Ouvidor. Parece que achou enfatuada esta denominação de cabeleireiros do paço, e castigou-os indo pentear-se a um barbeiro ínfimo. Quanto ao motivo que o levou a trocar de traje, repito que é inteiramente obscuro, e a não haver sugestão da idade é inexplicável. A despedida do cozinheiro é outro enigma. Nicolau, por insinuação do cunhado, que o queria distrair, dava dois jantares por semana; e os convivas eram unânimes em achar que o cozinheiro dele primava sobre todos os da capital. Realmente os pratos eram bons, alguns ótimos, mas o elogio era um tanto enfático, excessivo, para o fim justamente de ser agradável ao Nicolau, e assim aconteceu algum tempo. Como entender, porém, que um domingo, acabado o jantar, que fora magnífico, despedisse ele um varão tão insigne, causa indireta de alguns dos seus mais deleitosos momentos na terra? Mistério impenetrável.

— Era um ladrão! foi a resposta que ele deu ao cunhado.

Nem os esforços deste nem os da irmã e dos amigos, nem os bens, nada melhorou o nosso triste Nicolau. A secreção do baço tornou-se perene, e o verme reproduziu-se aos milhões, teoria que não sei se é verdadeira, mas enfim era a do cunhado. Os últimos anos foram crudelíssimos. Quase se pode jurar que ele viveu então continuamente verde, irritado, olhos vesgos, padecendo consigo ainda muito mais do que fazia padecer aos outros. A menor ou maior coisa triturava-lhe os nervos: um bom discurso, um artista hábil, uma sege, uma gravata, um soneto, um dito, um sonho interessante, tudo dava de si uma crise.

Quis ele deixar-se morrer? Assim se poderia supor, ao ver a impassibilidade com que rejeitou os remédios dos principais médicos da Corte; foi necessário recorrer à simulação, e dá-los, enfim, como receitados por um ignorantão do tempo. Mas era tarde. A morte levou-o ao cabo de duas semanas.

— Joaquim Soares? bradou atônito o cunhado, ao saber da verba testamentária do defunto, ordenando que o caixão fosse fabricado por aquele industrial. Mas os caixões desse sujeito não prestam para nada, e...

— Paciência! interrompeu a mulher; a vontade do mano há de cumprir-se.

Fontes:
ASSIS, Machado de. Papéis avulsos. (Volume de contos, publicado em 1882). Costaflosi Ltda., 1998.
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