domingo, 22 de fevereiro de 2009

Entrevista com Adriana Falcão


Por: Gabriela Cuzzuol em 25 de julho de 2007.

Os detalhes da trajetória de Adriana Falcão, são tão diferentes que poderiam ter sido extraídos de um de seus livros de ficção. Carioca, criou-se em Recife e voltou para o Rio, quando, depois de se formar em arquitetura resolveu passar a vida fazendo algo de que gostasse, ou seja, escrever. Embrenhou-se pelo universo da publicidade, até que Guel Arraes, diretor humorístico, pegou um de seus textos e resolveu utilizá-lo em teatro. Tempos depois, os dois adaptariam para TV e cinema, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que acabaria sendo um divisor de águas do cinema nacional.

Mais uma vez, fez o “caminho inverso” , tendo se firmado primeiro como roteirista, cronista e então embarcando para literatura. .Em 15 anos de carreira são 13 livros, 2 adaptações para cinema, uma peça de teatro e três séries para TV, entre as quais A Grande Família no ar há 7 anos e quarta maior audiência da emissora .

Nesta entrevista Adriana fala de sua trajetória, planos futuros e de “Sonhos de Uma Noite de Verão”, adaptação de Shakespeare “bem abrasileirada” assinada por ela:

Gabriela Cuzzuol: Você é arquiteta. Como enveredou pela literatura?

Adriana : Bem, para começar eu detestava muito arquitetura, não tinha nada a ver. Aí conheci o João, que largou o curso e foi fazer teatro. Fui com ele, mudamos para o Rio e eu comecei a escrever diálogos. Os atores de teatro gostavam e começaram a usar em peças.

Gabriela Cuzzuol: Já imaginava poder viver de arte?

Adriana Falcão: De forma nenhuma. Para qualquer menina brasileira era inimaginável viver qualquer forma de arte, imagine para uma que vivia em Recife! Eu sou carioca, mas fui criada lá! Então, trabalhava como redatora publicitária e me considerava bem feliz por poder ao menos, viver de escrever! O João (Falcão- esposo e sócio de Adriana),começou a trabalhar com isso profissionalmente encarando, inclusive as dificuldades da profissão. Eu,
colaborava, mas vivia de publicidade.

Gabriela Cuzzuol: Sim. E da redatora a roteirista...

Adriana: Pois é. Fui convidada a escrever umas crônicas para a “Veja São Paulo”, entre 1994 e 95. O Guel (Arraes) gostou e pediu para usar. Paralelamente, o João trabalhava com teatro e os atores gostavam dos diálogos que eu escrevia. Então foi assim. Até hoje sou especialista em diálogos, Na “Grande família” por exemplo, é essa a minha maior função e quando tenho que fazer adaptação para roteiro trabalho com um roteirista do lado.

Gabriela Cuzzuol: E com o Guel Arraes você adaptou “O Auto da Compadecida” ?

Adriana: Sim, foi. O Guel é um grande amigo e fizemos boas coisas juntas. Acho inclusive que um texto meu ter caído nas mãos dele, foi uma grande sorte minha.

Gabriela Cuzzuol: E o desenvolvimento da sua carreira passa pela do João Falcão, seu marido?

Adriana: Sim, sem dúvida. Fizemos e ainda fazemos muitas coisas juntas. A adaptação da “A Máquina” para teatro é dele a para cinema foi a parceria, a “Comédia da Vida Privada” e “A Grande Família” também No momento estamos adaptando o meu livro “A Comédia dos Anjos” para cinema . Somos casados há 19 anos e muito próximos.

G.C: Adriana, ainda falando de cinema, em sua opinião se fazem poucos filmes no Brasil?

Adriana: Pouquíssimos. Acho que nós estamos vindo de um período negro no cinema nacional, anos e anos sem produção nenhuma, estamos recomeçando todo um trabalho. João e eu sempre estivemos muito próximos a todo o processo de produção de filmes, no ‘A Máquina” por exemplo acompanhamos tudo bem de perto, e acho inclusive que o processo se parece bastante com o de Tv.

G.C: E isso é ruim?

Adriana: Não necessariamente. Existe esse preconceito de que diretor de TV não pode fazer cinema porque fica com cara de TV e isso não tem nada a ver. O cara que está ali fazendo TV há 20 anos tem todo um conhecimento técnico que pode e deve ser aproveitado. O Jorge Furtado, tem como elemento básico no currículo a experiência em Tv. O Guel também agrega as duas coisas e tal...acho isso muito válido. São inclusive dois grandes diretores, que juntam as experiências em veículos diferentes.

G.C:Ainda tratando de cinema, você acha que faltam roteiristas?

Adriana: Faltam , sobretudo bons . Acho que como passamos muitos anos sem produzir cinema, só agora as pessoas estão se interessando em estudar roteiro, aprender a fazer , se interessando mais aprimorar , investindo nisso. Eu acho que falta um pouco de formação, ou melhor que a formação é algo recente. O Guel costuma dizer que difícil no cinema brasileiro não é diretor, mas roteirista. Não é todo dia que eu olhe um roteiro e ache realmente surpreendente. É difícil de encontrar.

G.C: você as chances para estes novos roteiristas? Está mais difícil começar?

Adriana: Nossa, muito. É muito complicado porque você tem que dar sorte. Eu sinto as vezes que as pessoas têm até certa má vontade em ler um roteiro de alguém que está começando, sabe? Você tem que contar com a sorte de fazer um bom contato, de o roteiro cair nas mãos certas,e aí vai... Eu costumo dizer que tive muita sorte na vida, conhecer o Guel inclusive foi uma delas...
Eu não estaria aqui hoje se não fosse por sorte.

G.C:Então você acha que era o seu caminho?

Adriana: Tenho certeza de que em todo o caminho o importante é a persistência.Se você quer, se acredita, batalha porque um dia vai.
Como eu coloquei, há a necessidade de novos roteiristas.Na “Grande Família” trabalhamos com uma equipe de 7 pessoas que vieram da Oficina da Globo e tem dado muito certo.

G.C: O mercado de cinema necessita de maior produção?

O mercado precisa de mais produção, o país tem que filmar mais. Eu acho um prazer ler roteiro de iniciante porque é bom você ver algo novo, diferente, então leio tudo o que cai na minha mão e acho que não é favor.E tem ainda a ver com minha filosofia de “devolver a vida o que ela me deu”. Acho que tenho muita sorte não apenas no profissional, mas também no pessoal, tenho duas filhas lindas, um casamento bacana, uma profissão que amo. Então tenho mais é que me sentir honrada em poder ser gentil com as pessoas, ... não acho que seja favor não. Acho que o nosso cinema precisa de novidade, o nosso país precisa de gente nova , preparada e boa fazendo cinema.

G.C: E falando de literatura Adriana, você acaba de lançar uma releitura de Shakespeare. Como surgiu a idéia?

Adriana: A Editora Objetiva me ligou e falou que tinha o projeto “Devorando Shakespeare”,pelo qual eu, Veríssimo e Jorge Furtado adaptássemos as obras que preferíssemos do autor. Aí, fiquei nervosa duas vezes: primeiro por ser tratar de Shakespeare, segundo por estar ao lado do Veríssimo e do Furtado, que são dois ídolos para mim!
Eu pensei: Nossa, olha a responsabilidade! Vão digitar Veríssimo, Furtado e Shakespeare na Internet e lá estarei eu, ao lado deles! E para piorar, eu não sou profunda conhecedora da obra dele, há outros autores que conheço bem, mas ele não!
Gosto e tudo, mas sei o básico.

G.C:E como foi a opção pelo “Sonhos de uma Noite de Verão”?

Adriana: Pois é, eu gosto muito de realismo fantástico, aquela coisa meio Gabriel García Marques, Vargas Llosa e tal...
Então, pensei em fazer o “Sonhos” por ter essa coisa meio mágica, meio surreal, de quatro noites que parecem uma e no fim é tudo um sonho.

G.C:E a idéia da estória se passar no Carnaval da Bahia, foi simples?

Adriana: Não, foi bem complicado. A idéia da Objetiva era de adaptar o roteiro para uma realidade bem brasileira , então eu pensava, pensava, até que achei que esse negócio de quatro noites que parecem uma poderia acontecer no Carnaval da Bahia.

G.C: Já esteve lá?

Adriana: Sabe que nunca! Ouço falar, os artistas vão e me contam e acho até que nós vemos tanto pela TV que nem precisa ir para saber como é (risos)...

G.C: O “Sonhos...” ironiza essa cultura de celebridades. Coincidentemente, você e João Falcão não são comumente vistos na mídia. É temperamento ou opção?

Adriana: Acho que os dois. Eu sou mais caseira, até porque ando trabalhando demais e quando tenho um tempinho, prefiro curtir a família, reunir os amigos em casa e tal...
João é mais de tocar um violão, confraternizar aqui mesmo. É mais a nossa...

G.C: No Comédia dos Anjos (seu best seller) , você trata das relações familiares. Acha que isso manifesta um traço cultural latino?

Adriana: Totalmente. Eu e João estivemos na França, enquanto fazíamos a adaptação do livro para cinema, e reparamos em como essa relação é diferente lá. Essa coisa do filho em casa aos 30 anos chega a incomodar os pais...Aqui nós choramos quando eles vão embora.

G.C:Ainda falando sobre o “Comédia...”, você diz que ele foi inspirado na sua mãe. São pessoas que te inspiram ou vem mais de situações diversas?

Adriana: Olha tem umas pessoas bem engraçadas que acabam por ser referência.
Tenho um cunhado por exemplo, de quem me lembro quanto estou escrevendo o Agostinho da “Grande Família”. Tipo, ele não tem aquele estilo malandrão, meio irresponsável...mas o jeito “figura” do Agostinho é todo dele. Algo que vi na rua, algo que me contaram...na hora de escrever, vai tudo!

G.C: Você tem livros publicados para o público infantil e infanto-juvenil. Resolveu escrever para este filão por achar que há carência de mercado ou sua forma de narrativa tem elementos que facilitam o contato com esse público?

Adriana: Olha, eu acho que o mercado infanto-juvenil tem uma produção muito pequena. Há muitas coisas para crianças e adultos, mas poucas para aquele período entre uma fase e outra. Mas também acho que meu estilo de escrever tem essa característica de reinventar as coisas, repensar...isto facilita tudo, as coisas mais simples.

G.C: E os próximos projetos, quais são?

Adriana: Bem, João e eu adaptamos para cinema o “Comédia dos Anjos”, que está em fase de produção e terá a Marieta (Severo) como protagonista . Se tudo der certo será lançado em 2008. Estou terminado uma oficina de diálogo, no Teatro Poeira no Rio, que me demandou bastante energia. No fim do mês, quero tirar uns 10 dias para me concentrar apenas na “Grande Família” e depois pensar em futuro com calma.

Fonte:
http://www.overmundo.com.br/overblog/entrevista-com-adriana-falcao

Nenhum comentário: