segunda-feira, 30 de março de 2009

Paulo Bentacur (Algumas Poesias)

Alex Matthiensen (Num cantinho da Lagoa
Ibirapuera, SC) [2007] aquarela
A PRIMEIRA NOVELA DE ERICO VERISSIMO

Amaro tem um piano.
Faz amor por aluguel.

Na pensão de Tia Zina,
fita a menina Clarissa
com nostálgica saudade
do amor que não viveu.

Um papagaio gasta o nome,
repetindo-o, sempre, sempre.
Clarissa tem um temperamento,
que a adolescência nem disfarça.

É primavera, os residentes
vêm de tantos lugares, são
tão diferentes que Amaro
perde-se em si mesmo, e
busca-se em camas sem
ilusão, em inocências
que só pode fitar,
à espera que o futuro
faça o presente dar frutos.

Amaro tem nome de luto.
Clarissa tem nome de sol.
Duas presenças opostas
que se encontram por acaso
como quem, fora de casa,
abana a um conhecido,
sorri, valeu, e é só isso.
=====================

DESPERTAR


Acordo sem um acordo com a manhã
que esguicha suas freadas já tão cedo,
e sem ceder a qualquer convite, ergo
o corpo já cansado antes dos medos
comuns a qualquer homem que caminha
entre as ruas ou mesmo entre a família.

A noite passou lenta e não me deu
sonhos, estremeções nem mesmo o peso
de um pesadelo a dar sentido ou temor
para o dia que se pretende poderoso.
Levanto, escovo os dentes, me submeto
à repetitiva água do chuveiro.

Debaixo do aguaceiro, ora quente,
ora frio, me arrepio: dia seguinte.
Ontem houve o que houve e não repete
nada, ainda mesmo que eu me esforce
na reprodução de um cotidiano.
(Arte a fixar para o amanhã.)

Tão cedo e, entre bocejos,
arquejo no esforço de pensar
que hoje é só o começo, sol penteado
no qual ruge a ordem desses tempos
empurrando-me como se tudo afinal
urgisse, por mais que eu tanto faça.

Não saberei quando parar no exato instante
em que parar. Caindo, o sol trará
a noite e, de novo, o inquieto
povoará o vencido lençol até que a luz
sacuda-o, amarfanhado rosto. O espelho
o denuncia sem que o acuda o banho.
===========================

ASCENSÃO E QUEDA DO DIÁLOGO

Um homem liga a tevê, o rádio, escuta o vozerio da rua.
Esse homem veste roupas que não combinam.
Aperta as mãos, sorri, goza o frio enervante da dúvida
em saber qualquer coisa que o conduza para algo
que se possa chamar de um lugar.
Nem precisa ser um destino.

Um homem que não conhecemos e que, cansado de si,
entende e aceita que não o verem não significa o fim
nem o começo de uma história, e portanto ele pode
continuar desse jeito, tevê, rádio e rua gritando
e ele nem aí, falando também, ao mesmo tempo,
sem que os outros escutem, imitando sua surdez.

Um homem que parece tudo, menos mudo – como tudo.
Que engole ávido a mudez a tomar conta do fluxo
de ruídos que explodem para o silêncio faminto.
=======================

CAFÉ

O marrom pleno,
quase negro.
O cheiro se evola,
o ar a bebê-lo,
enquanto olho
a xícara, a mesa
– eis minha missa
e um companheiro.

Sirvo o líquido,
aspiro o aroma,
e o beberico.
Sou homem rico
com tão pouco.
Preparo outro
e o estendo
até o amigo,
e digo: “toma”.

Nem é preciso.
As mãos seguram
a taça plena
que depois pousa
sobre a mesa.
Corpo aquecido
e o paladar
com um sabor
nunca esquecido.

Além da mente
a acordar
para o real
que ainda dorme
tão inocente.
Lá fora o dia
boceja, lento,
com sua fé.

Nada mais tem
até que alguém
beba um café.
Então, num salto,
põe-se em pé.

E é caminhar.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Pintura = http://www.flickr.com/photos/alex_matthiensen

Paulo Bentacur (A gênese do gênio)

John Faed (Shakespeare e seus contemporâneos) [1851]
O jornal era de circulação modesta, mas o anúncio impressionava: “Transforme-se num Shakespeare em seis meses. Curso de redação literária administrado pelo Professor Paiva.”

Paiva era bem relacionado, solteiro apesar dos circunspectos 57 anos, e além do anúncio pelo qual pagara R$ 490,00 reais para inserção diária na página 3, havia outros que davam autenticidade ao que o professor prometia. “Agradeço ao Professor Paiva por ter resolvido em meio ano o que mais de dez de prática literária constante não conseguiram. Hoje sou disputado por várias editoras.” Quem assinava o agradecimento público era um desconhecido, o que gerava desconfiança quanto à eficácia do método do Professor, mas isso Paiva explicava facilmente. Não ia um homem coberto pela glória expor-se assim; para tanto, utilizara-se de pseudônimo, registrando a gratidão justa e, ao mesmo tempo, preservando-se.

O fato é que em pouco tempo a agenda de Paiva não dispunha mais de datas: 83 alunos freqüentavam sua casa, revezando-se numa carga horária bastante puxada. Todos os dias, das 9 às 18h, Paiva recebia alguma promessa. Seu desafio era transformar essa promessa em realidade, desafio maior ainda se considerarmos que a maciça maioria não era promessa de coisa alguma.

Militares reformados com vida ociosa e fantasias beletristas, que mal sabiam redigir uma carta; senhoras viúvas, ou solteiras mesmo, que sonhavam em ocupar suas paredes com diplomas de menção honrosa; publicitários que dominavam as mumunhas da redação metida a esperta e engraçadinha e que queriam mais, bem mais. Paiva jurava que tinha mais.

Durante uns seis anos a casa de Paiva conviveu um movimento que as casas da vizinhança, mesmo aquelas dadas a festas nada ocasionais, ignoravam. Mas a constância dos alunos não repetia nomes, apenas quantidade. O Major Hipólito freqüentou aquele vetusto recinto uns três meses, e logo pediu baixa. Silvinho Cláudio, redator da Fala Ação, ficou menos tempo ainda, quatro semanas, e desistiu. Ismael dos Santos Bicalho, jornalista aposentado, foi um que entrou e saiu da casa do professor sempre disposto a entrar de novo. Não se convencia da ausência de progresso em seus textos. Culpava a si mesmo, não a Paiva, cujos esforços eram ingentes. Mas um dia Ismael cansou, ou talvez tenha ficado constrangido, nunca se sabe. Dona Élida Paranhos continuava, jamais falhou uma aula nesses seis anos, mas Élida era uma mulher de fibra, constante em tudo que fazia, e sua esperança, nada secreta, era tão vasta como vasta era sua carência, e a nada abandonava, nem sequer à decepção que sentia com as aulas de Paiva há mais de dois anos.

Enquanto mais de 75% dos alunos iam ficando pelo caminho, desistindo, dando o braço a torcer ao comentário de um parente que punha sérias dúvidas sobre o futuro do literato, os 25% que permaneciam, permaneciam porém com o ânimo arrefecido, sem forças sequer para debater o método do aplicado Paiva.

Os anúncios continuavam, e faziam aquele sucesso. Todos na cidade se admiravam que um homem pudesse transformar outro num Shakespeare, logo em quem. Mas depois de seis anos – o mundo é impaciente – os luminares da comunidade passaram a perguntar-se: falando nisso, quando é que vamos ver na prática o que a teoria tão entusiasticamente anuncia?

Nada viam surgir além dos nomes de sempre, os novos nomes de sempre, se se pode dizer assim, gente que estréia com cara de quem vai dependurar a chuteira no segundo livro, e é bom que dependure depressa, se pensa, quando não dependuram somente – mas já – no terceiro.

Enquanto isso, a cidade vizinha, com quatro universidades, três grandes jornais e sete nomes a ostentarem fortuna crítica a pô-los na lista dos cem maiores da literatura contemporânea do país (o que, somando todos, não dá meio Shakespeare), ia, de ano em ano, apresentando uma que outra novidade, a causar susto na pasmaceira geral. A novidade sacudia a rotina, ficava na vitrine algum tempo, até sumia depois, mas ficava o suficiente para dar a impressão aos conterrâneos de Paiva que o seu método não era lá essas coisas.

O próprio Paiva, homem sério, dedicado, cujo único pecado fora aceitar a oferta do departamento de Anúncios e Classificados do jornal em colocar também aquele outro tipo de anúncio, naturalmente forjado (garantir a própria sobrevivência trabalhando é de tal ordem que dispensa alguns escrúpulos), começou a ficar nervoso com a previsível queda de procura por seu curso. A queda se deu. Propaganda boca a boca, sabe-se, tem eficiência como nenhuma outra.

O Major falou com dezenas de ex-companheiros de caserna que aspiravam às letras, ao curso de Paiva, e que desistiram antes de tentar. Silvinho Cláudio até que foi piedoso, dispunha de um forte veículo, mas satisfez-se em dizer num único programa de televisão, um só, que o método de Paiva era ultrapassado, mais psicológico que literário, que era comovente, e risível, a teoria do Professor acerca da gênese do talento mais como bloqueio a ser rompido do que técnica a ser ensinada. Silvinho admitia que a idéia não estava errada, mas o papel do professor deveria ser outro, o de ensinar truques, formas, caminhos específicos, atalhos para a verdade estilística contida nos limites de cada um. O professor, no fundo, era apenas um simpático motivador, só isso. Motivação não era o que faltava àquela gente. Talvez faltasse talento, e ele independe de motivação, é outra coisa, mais obscura, menos relacionada ao caráter, ao contrário do que Paiva pregava.

O Professor, depois do programa, que, aliás, fora assistido unicamente por dois alunos seus – e ele tinha ainda 49 cândidos nomes que não ficaram sabendo do depoimento do publicitário –, decidiu acabar com tudo. Doía-lhe a derrota de ver aquela gente toda sem nenhum futuro. Doía-lhe os que haviam ficado pelo caminho. Doía-lhe, não sendo um Shakespeare, tentar fazer brotar nos outros o Shakespeare que nele não brotaria nunca. Sabia o que não fizera para que não brotasse, e gostaria de tentar, à exaustão, que seus alunos não cometessem os erros que ele cometera. Mas o mundo quer Shakespeares, precisa deles, e urgente. Seis anos é muito tempo.

Paiva tinha acumulado bons recursos durante aquele período. Podia, sem sangrar suas divisas, devolver o dinheiro dos 49 heróicos remanescente. Convocou-os em regime de urgência. Uma fila formou-se na entrada de sua casa.

Devolveu o que haviam pago como antecipação. Disse que nada podia fazer além do que eles mesmos poderiam. Sentia-se cansado, e cansaço é incompatível com criação. Quando se quer descansar é porque o mundo ou foi criado, ou foi destruído. Não pôde continuar falando.

Um vulto destacou-se do grupo que o ouvia falar. Era Élida Paranhos.

Deu um abraço comovido em Paiva.

– Gosto de ti, te acho um homem de bem, e isso vale mais que ser um gênio. Tá cheio de gênio por aí, mas homem de bem, não sei não.

O perfume de Élida era doce, porém suave, não pesava. Seu rosto branco estava levemente dourado pelo calor. Paiva não resistiu.

Beijou-a, esquecido de qualquer vergonha, e talvez já enamorado.

Aliás, nesse caso, nem Shakespeare resistiria. Nem Shakespeare.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Paulo Bentacur (1957)



Paulo (Roberto Ribeiro) Bentancur nasceu em Santana do Livramento, RS, em 20 de agosto de 1957. É escritor, poeta e crítico, praticando diversos gêneros, do infanto-juvenil à poesia. Foi editor da Imprensa Oficial do RS (2000-2002), quando, junto com o artista gráfico Antonio Henriqson, editou a revista cultural VOX XXI e Coordenador do Livro e Literatura da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre.

Teve contos publicados na Argentina e na Itália.

Ganhou quatro prêmios Açorianos:
– 1995, categoria especial, a Instruções Para Iludir Relógios (um livro sem gênero);
– 1996, infanto-juvenil, a O Menino Escondido (Freud);
– 2004, categoria especial, como organizador de Simões Lopes Neto – Obra Completa;
– 2005, em poesia, para Bodas de Osso.

Ganhou dois prêmios especiais, Maria Bentancur, nascida em 1984, e Laura Marengo Bentancur, em 1999.

Trabalhou durante 20 anos em diversas editoras como revisor, preparador de originais, tradutor do espanhol e editor assistente. Atualmente presta serviços de assessoria editorial para diversas casas publicadoras.

Também ministra oficinas de criação literária e de leitura crítica, além de fazer palestras pelo País todo –acerca de sua obra, autores clássicos, questões relevantes à leitura numa nação que não lê e mistérios da arquitetura da narrativa.

Livros

Infanto-juvenis:
– Agulha ou linha, quem é a rainha? (Ed. Projeto, 1992, em 6ª edição)
– O menino que não gostava de histórias (Ed. Solivros, 1995, esgotado)
– As surpresas do corpo (Difusão Cultural, 1997);
– Quem não lê, não vê (Difusão Cultural, 1997);
– Os homens na caverna – Platão (Ed. Mercado Aberto, 1994; Ed. Artes e Ofícios, 2a ed. 2001);
– É lógico, pô! – Aristóteles (Ed. Mercado Aberto, 1994; Ed. Artes e Ofícios, 2a ed. 2001);
– O menino escondido – Freud (Ed. Mercado Aberto, 1995, Prêmio Açorianos 1996; Ed. Artes e Ofícios, 2a ed. 2001);
– O criador de monstros – Kafka (Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– As cores que tremiam – Van Gogh (Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– Entre o céu e a terra – Shakespeare (Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– A máquina de brincar (Bertrand Brasil, 2005; adotado pelo Governo do Estado de São Paulo através do PNLD);
– As rimas da Rita (Bertrand Brasil, 2005);
– O olhar das palavras (Bertrand Brasil, 2005).

Para adultos:
– Instruções para iludir relógios (contos/crônicas, Ed. Artes & Ofícios, 1994, Prêmio Açorianos 1995);
– A Feira do Livro de Porto Alegre – 40 Anos de História (ensaio, CRL, 1994);
– Os livros impossíveis (contos/crônicas, 00h00.com, Paris, França, 2000);
– Frio (contos, Ed. Sulina, 2001);
– Bodas de osso (poesia, Bertrand Brasil, 2005, Prêmio Açorianos 2005);
– A solidão do Diabo (contos, Bertrand Brasil, 2006).

Co-autoria:
– Rio Grande do Sul - Cenas e paisagens (legendas, com fotos de Eduardo Tavares; Ed. Sulina, 1997).

Obras coletivas:
– Nós, os gaúchos 2 (ensaios, Ed. da UFRGS, 1994);
– Amigos secretos (contos, Ed. Artes e Ofícios, 1994);
– A cidade de perfil (crônicas, Secretaria Municipal de Cultura, 1995);
– A magia das águas (ensaios, Ed. Riocell, 1997);
– Meia encarnada, dura de sangue (contos sobre futebol, Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– A linha que nunca termina - Pensando Paulo Leminski (ensaios, Ed. Lamparina, 2005);
– Contos de bolso (minicontos, 43 autores gaúchos, Ed. Casa Verde, 2005);
– Contos de bolsa (minicontos, 47 autores gaúchos, Ed. Casa Verde, 2006);
– Contos de algibeira (minicontos, autores brasileiros e portugueses, Ed. Casa Verde, 2007);
FICÇÃO
- Histórias para o prazer da leitura (antologia dos 50 melhores contos da revista Ficção, Ed. Leitura, 2007).

Organização e anotações críticas:
– Obra completa, de Simões Lopes Neto (Ed. Copesul/Já editores/Sulina, 2003, Prêmio Açorianos 2004);
– Grandes personagens da literatura gaúcha (ensaios e coordenação editorial, Ed. Copesul/Aplauso, 2004).

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Paulo Bentancur em Xeque



Entrevista realizada por Danilo Corci, da Revista Speculum.

Crítico literário, poeta, contista, autor de romances e escritor infanto-juvenil, Bentancur conseguiu um feito hercúleo: transformar seu romance num dos grandes momentos culturais de 2006, ano que trouxe ao Brasil inúmeras bandas, exposições monstras, como a Bienal, e outros lançamentos literários relevantes. Óbvio que comparar suportes criativos diferentes é uma bobagem, mas ao extrair o sumo do que fica, "A Solidão do Diabo" é o ponto alto das novidades. Melhor ainda. Perene, pois mesmo agora, em 2007, sua leitura é mais do que recomendada.

Em 59 histórias, o livro faz uma inteligente incursão à cadência cínica e melancólica que, talvez, o suposto "homem contemporâneo" tem cultivado com tanta vontade. O "se segura malandro" brasileiro é implodido sob uma óptica muito mais afiada sobre o que nós mesmos estamos acostumados a encontrar na literatura brasileira. Menos Macunaíma, mais Constantine (mas esqueça o ícone pop), os anti-heróis brasileiros agora sentem frio e febre. Entretanto, melhor do que falar de um livro que já vem com a "Bíblia II" e com a história do homem que quer ser mágico e milagreiro só para ser muito mais cínico do que qualquer um poderia imaginar, é deixar o próprio autor falar sobre sua obra - ainda que, de fato, nem isso seria necessário já que o livro fala por si próprio.


Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?

Paulo Bentancur: Começou sem que eu mesmo percebesse. Era menino, 9, 10 anos, e já escrevia todos os dias. Quando fui ver, era tarde demais. Aos 16 já publicava em tudo que era jornal (contos, poemas, crônicas, resenhas). Demorei para lançar o primeiro livro apenas por excesso de zelo (o que nunca é demais). Mas o batismo das letras foi cedo. Ah, e minha formação, até mesmo por suas características de precocidade, foi de autodidata.

Existe algum escritor que exerce uma influência marcante no seu trabalho? Ou algum ícone não-literário

Vários escritores me influenciaram. O segredo é saber conduzir essa influência sem que ela cale a sua própria voz de escritor. Kafka, Cortázar, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Dalton Trevisan Rubem Fonseca, Bernardo Carvalho, Paul Auster. Isso na prosa. Na crítica, Paulo Hecker Filho, David Arrigucci Jr., José Paulo Paes. Na poesia, Manuel Bandeira, Drummond, Miguel Hernández, Federico García Lorca, João Cabral de Melo Neto e, mais recentemente, Paulo Henriques Britto.

Você também escreve para crianças. Qual é a diferença entre escrever um infanto-juvenil e um livro "adulto"? O que é mais complexo?

Para adultos, naturalmente, é mais complexo. Porque nos exige vir à tona, inteiramente. E o público adulto já está irremediavelmente sedado por uma série de vícios literários (entre os quais, a preguiça mental, mortal). O público infanto-juvenil é mais receptivo e dá mais prazer ao escritor, discutindo a obra em aula, em feiras de livro, em eventos ao ar livre.

"A Solidão do Diabo" não é seu primeiro livro, e notei que ele é bem consistente. Isso é resultado da tarimba, da experiência?

Isso é resultado de muuuuuito trabalho. O conto mais antigo foi escrito em 1997. O mais recente, em 2006. Logo, dez anos se passaram até o livro ficar pronto. A tarimba, a experiência, ajudam; porém, quando o escritor as usa para apressar seus resultados, dá com os burros n’água.

Como você separa todos estas multifunções que exerce: crítico, poeta, contista, romancista infanto-juvenil? Há muita interferência de estilos na hora de escrever?

Há todo o tipo de interferência, não só de estilos. De prazos, de estrutura, de público-alvo, de envolvimento do autor com o projeto. O crítico, na medida em que (por enquanto) se resume a resenhas e artigos em jornais, revistas e sites culturais do País, corre mais solto. Porém não custa lembrar que o perigo de cometer uma leviandade ao criticar a obra alheia é enorme. Então, muito cuidado, sr. crítico... O poeta vive quase ao acaso. O poema o assalta: ele, o poeta, é puramente uma vítima - que fica com o produto do assalto. Já o ficcionista, seja conto ou romance, pode ir se planejando melhor. O mesmo acontece (e com menos dificuldade) para o autor infanto-juvenil, ainda que escrever para crianças seja um delicado desafio: o de lidar com o tempo que é delas e não é nosso (o nosso, o da infância, já não serve como referência).

Voltando à "Solidão do Diabo": O Diabo realmente está só?

Sim. O Diabo é o homem, em última instância. E, mesmo pensando na metafórica figura do demônio-mor, em quem ele poderia confiar como um parceiro à altura de sua ambição e necessidades? O Diabo é um pobre-diabo...

Seus contos, mesmo que não sejam necessariamente existencialistas, parecem embebidos num existencialismo desencantado, meio "blasé", meio cínico. Você concorda com esta afirmação?

Concordo. Menos com o "blasé". O desencanto não esconde (filtra) sua amargura. E não pode existir amargura "blasé". Ela se dá ares (daí um certo cinismo), à procura de forças para resistir. Como disse Clarice Lispector, desistir de si mesmo é o único ato imoral. Meus personagens desistem de tudo menos da consciência crítica, esse crime radical, essa ação salvadora e, simultaneamente, condenadora. Meu "pós-existencialismo" repõe o "existir" como ser-tão-somente, e não como uma possibilidade de vida, o que seria um luxo. Já nem a morte assusta. Passamos desse ponto. Aí reside o escândalo.

Logo de saída, em "O Mágico do Azar", você já brinca com o caráter dúbio de um homem. É mais ou menos assim que você enxerga o homem contemporâneo?

Menos. O homem contemporâneo protege-se numa outra espécie de ambigüidade, em que o único papel que exerce é aquele que lhe abre as portas mais facilmente, e não papéis que ele tenha prazer em criar. Ou morbidez em criar. O homem contemporâneo não cria, não arrisca. Nunca a mesquinhez esteve a serviço de um sistema tão tacanho como agora. E a razão, hoje, é cínica por demais. Qualquer risco é chamado de loucura. Daí sermos uma fábrica de doentes mentais; no mínimo, de neuróticos.

Seus contos tem um magnetismo desfragmentador de idéias, comportamento, uma melancolia embutida, mesmo quando busca uma mão mais leve, como no conto do duelo de futebol na cidadezinha. A melancolia é um dos seus assuntos preferidos?

A melancolia é um estado natural de homens submetidos. Submetidos, simplesmente. A tudo. Que lhes resta senão a melancolia, quando os prazeres estão numa espécie de índex moral e a maioria é julgada e sentenciada sem direito a um mínimo de privacidade? O mundo exige que se passeie nu no canteiro central da avenida. E riem da nossa nudez. Então a escondemos com artefatos ridículos que desenham o imaginário de péssimo gosto da época. A melancolia, em suma, é a música calada que faz bater um coração cansado e lento.

Aliás, o futebol está bem presente nas histórias. Você é um torcedor daqueles sofredores ou apenas gosta de um jogo?

Sofredor. Meu time, o Internacional, acabou de sagrar-se campeão mundial interclubes. Acham que assisti ao jogo? Enfartaria se o fizesse. Fiquei paralisado, esperando a hora de terminar o que eu imaginava um massacre do Barcelona. Quando soube do resultado, nem acreditei. Até agora não acredito. Choro mais nas derrotas do que vibro nas vitórias. Mas é temperamento, não dêem bola.

"A Solidão do Diabo" vem com um grande destaque para "A Bíblia II". De onde surgiu a idéia de uma história como essa?

De um livro que sonho escrever, OS LIVROS IMPOSSÍVEIS. Idéia meio borgeana. Livros que nunca existiram: tipo SANCHO PANÇA SEM QUIXOTE, OS ESQUECIDOS (História sobre escritores de segunda categoria dos séculos XVIII, XIX e XX, totalmente esquecidos), e por aí vai...

Ainda sobre "Bíblia II". Seria este seu conto favorito? Apesar de todo o destaque dado na capa, por exemplo, acredito que outros, como "O mesmo ônibus" sejam ainda mais impactantes. Você concorda com isso ou não faz distinção?

Faço, claro. Há contos que prefiro mais a outros. "A Bíblia II" foi uma jogada editorial, para chamar o público. mas me parece um conto honesto, inventivo. Para meu gosto, prefiro "Como um Anjo", "Diante do túmulo de meu pai", "Ruínas", e, sim, o humor surpreendente de "O Mesmo Ônibus".

Moacyr Scliar escreveu o prefácio. De onde vem sua relação com ele? Parceiros literários?

Sempre gostei da literatura do Scliar. Natural que mostrasse a ele meus primeiros escritos. Ele me acompanha há uns 30 anos. Sabe bem das minhas possibilidades e, me parece, escreveu sobre elas.

Febre e frio. Por que da divisão? Como você organizou esta seleção de contos para cada um deles?

A seção "Frio" já estava pronta desde 2001, quando fiz uma ediçãozinha em separado, de circulação apenas regional. Como conseqüência inevitável, me parece, surgiu "Febre", o outro e o mesmo lado da questão, dependendo da ótica do leitor. A febre aí pode ser fria, e o frio, um arrepio na espinha, de quem sente o espírito e a carne queimarem.

Em "O Crítico" estaria você dialogando consigo mesmo?

Não. Foi uma homenagem que fiz a um grande crítico, generoso, corajoso, que metia medo nos carreiristas de sempre. O escritor que o evita é que fica mal aos olhos do leitor, acredito.

Qual sua história favorita de "A Solidão do Diabo", aquela que você mandaria para alguém como amostra de seu trabalho?

"Como um Anjo".

Por quê? Qual o segredo contido ali?

Acho que o livro é tão porrada, tão punk, dark, down, etc., que o anticlímax contido ao longo de "Como um Anjo", a opção por uma vida de omissões, a paz da paz (essa antítese do êxtase, essa escolha pela não-escolha, essa morte em vida sem a sombra insuportável da tragédia), francamente, considero a idéia um achado. O conto TRAI o livro, pega o conjunto no contrapé. E, creio, vai deixar o leitor desnorteado. Daí eu gostar tanto dele. Bem, e o ritmo, cuidadoso, musical - literatura para mim é ritmo, antes de enredo. Ah, e criar um personagem sem trama alguma, pô, isso é que é desafio. Bom, e o "Crusoé". Tem tuuuudo a ver com a atmosfera que o meu espírito respira.

Como você definiria seu estilo literário?

À queima-roupa com uma (ou várias) músicas ao fundo, tocando sem parar. Realismo perturbado de poesia.

Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Muitas. O mercado quer é exotismo (lá fora compram o Brasil da Amazônia, da Bahia, da MPB; aqui compram o Islã, que está na moda). Literatura de qualidade, ainda mais de autor nacional, vende muito pouco, quase nada. Mal conseguimos driblar o prejuízo. E a resposta está na pergunta que você fez: "um país que está bem longe de ser um apreciador de livros". Eu completaria "de bons livros", já que bobagem, como ficções para se matar o tempo (quando deveríamos ganhá-lo, com coisas reveladoras, transformadoras) são o que mais vende. Os besta-sellers.

Por fim, como você vê a literatura brasileira contemporânea? Quais são os escritores que você indicaria para uma leitura atenta?

Vejo muito bem em produção, não em consumo. Eu indicaria W. J. Solha e seu incrível "História Universal da Angústia", várias histórias de crimes hediondos da humanidade recontadas de forma brilhante; Rubem Mauro Machado e um livro que interessa a todo jovem e adulto, uma história de formação, moral, emocional, amorosa: "A Idade da Paixão"; Vicente Franz Cecim e seu inclassificável "Ó Serdespanto" (assim mesmo, sem espaço), um livro que mistura filosofia, narrativa, lendas, poesia - e que acho que vai além da literatura que conhecemos. Coisa inovadora de fato! Além disso, é bom conferir Bernardo de Carvalho, Chico Buarque (o cara escreve bem mesmo), Daniel Galera ("Mãos de Cavalo"), Paulo Scott ("Senhor da Escuridão"), Luiz Ruffato ("Vista Parcial da Noite"), Flávio Braga ('O Que Eu Contei A Zveiter Sobre Sexo"). Bom, a lista vai ficar grande demais. Porque a literatura brasileira está se mostrando grande.

Fonte:
Revista Speculum. http://www.speculum.art.br/ , em 16/03/2007.

Theófilo de Amarante (Extractos de composição)

Salvador Dali (Cabeça nas Nuvens)
Se o Ego não fosse um computador!
Andaríamos com pilhas de alfarrábios na cabeça
que se enterraria no chão,
pela coacção do peso
e a complexidade das mensagens.

Se o estômago não fosse uma fábrica gástrica.
Teríamos no ventre,
portas e janelas dum enorme armazém de comidas e bebidas.
Estaríamos sujeitos à complexidade da conservação
e ao peso da gestão.

Se os olhos fossem uma máquina fotográfica.
Passariam a maior parte do tempo no quarto escuro,
revelando as imagens que absorve.
Viveríamos relembrando pontos fixos
sem ver a complexidade evolutiva.

Se a audição fosse um centro de gravação.
Teríamos nos ouvidos,
um auditório tão amplexo
que ouviríamos somente o boato da nascente
e o urro da morte.

Se o corpo não fosse o universo.
Seriamos diluídos nos esquemas da anteposição.
O Ego, o estômago, os olhos e a audição.
Vagariam nas trevas desunidos
na procura da união.
------------------
Fonte:
Colaboração do autor.

domingo, 29 de março de 2009

Eno Teodoro Wanke (Poesia)


Não gostava de poesia. Pelo menos dizia não gostar. E dizia que não gostava porque – por fantástico que possa parecer – jamais tinha lido um poema. Na verdade, não tinha o hábito da leitura.

Um dia, porém, deparou com um livro aberto sobre a mesa de jantar da pensão. Outro hóspede o deixara ali, esquecido.

Leu a primeira frase. Achou esquisita, mas agradável. Leu a segunda. Não era má. Leu a terceira – e viu que a última palavra rimava com a palavra de fecho da primeira.

Levou um pequeno susto. Era um poema, o que estava lendo!

Hesitou. Prosseguiria na leitura?

Decidiu continuar para ver no que dava. Leu o quarto verso.

é. Era interessante.

Continuou a ler. Deliciou-se. Passou para o poema seguinte. Não é que era bom?

Foi assim que o cidadão Diogo Albuquerque Mendonça perdeu para sempre o direito de dizer que não gostava de ler poesia.

Fonte:
WANKE, Eno Teodoro. Caminhos: minicontos. 1.ed. RJ: Plaquette, 1992, p.35.
Imagem = CD Rom Digeratti.

Nelson Saldanha D’Oliveira (No Embalar das Trovas)

Luciano de Oliveira (Casal no Balanço)
Se queres um mundo aberto,
Compreensivo num segundo,
É preciso abrir primeiro
O teu coração ao mundo.

Se em troca do teu afeto
Exiges o afeto meu,
Já não tens razão de queixa
O meu coração é teu.

Passei toda minha vida
Buscando a felicidade,
No final só encontrei
Um punhado de saudade.

Primavera estação mágica
Cheia de luz e de amores,
Torna a vida mais alegre
E salpicada de flores.

Na praia ondas rolavam,
Alegremente a cantar,
Parecia até namoro
Das areias com o mar.

Recordo a vida do campo
Com ternura e com saudade,
Pois á só encontrei amigos,
Afeição, muita lealdade.

O amor se assemelha à flor,
Sem regar pode morrer,
Deixando apenas lembranças,
Perfume do bem-querer.
========
Fontes:
Antologia dos Acadêmicos: edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.
Pintura =
http://fazendoarteemfeira.blogspot.com

Nelson Saldanha D’Oliveira (1919)



Professor, contador, jornalista escritor e orador.

Nasceu em Curitiba (PR), a 1 de novembro de 1919, filho do escritor, historiador e engenheiro Dr. Bernardino d”Assunção Oliveira e Da. Francisca Saldanha d’Oliveira.

Foi agraciado em 1980 com o título de Cidadão Honorário de Ponta Grossa, onde prestou serviços como Diretor de Cultura do Município.

Membro de:
– Centro de Letras do Paraná
– Centro Cultural Euclides da Cunha (Ponta Grossa)
– Instituto Genealógico Brasileiro (SP)
– Associação Internacional da Imprensa (Montevidéu – Uruguai)
– Presidente da Academia de Letras José de Alencar (PR)
– Governador do Elos Internacional da Comunidade Lusíada, Distrito Elista (DE) 05.

Publicações:
– Cidade de Curitiba (Curitiba: O Formigueiro, 1983)
– Prelúdio de Idéias e de Palavras (Curitiba: Editora do Autor, 1945)
– Lysimaco F. Da Costa – Homem de Ciência, Mestre Erudito (Curitiba: Academia de Letras José de Alencar, 1962);
– Páginas de Seis Vidas (Ponta Grossa: Planeta, 1986).
– Páginas de Seis Vidas – livro em Braile (Curitiba: Centro de Informática para Deficientes Visuais Prof. Hermann Gorgen, 2000)
entre outras.

Fontes:
Antologia dos Acadêmicos: edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.
Capa do Livro = Paisagem Campestre Paranaense de Albano Agner de Carvalho.
Fotografia para o blog = José Feldman

sábado, 28 de março de 2009

97* Aniversário de Nascimento de Luís Antônio Pimentel

Fotomontagem = José Feldman

Antônio Augusto de Assis (Cadeira de Poesias)


Carnaval

É sexta-feira,
véspera da folia.
Lá vai Maria.

Lá vai lavar em lágrimas
a vida ávida de vida,
sofrida vida dividida
em dívidas e dúvidas.

É sábado, é domingo,
é segunda, é terça gorda.
Roda no asfalto o samba,
geme o povo em sobressalto.
Roda rotunda a moça moma,
peitos nus lançando chamas.
Gemem bocas de crianças,
barrigas ocas
mendigando mamas.
Roda impávido o desfile
na avenida multicor.
Gemem pálidos
rostos esquálidos
desfilando a dor.
O sonho roda, geme o horror.

O samba-enredo, o medo em roda.
A serpentina, o ser penante.
A passarela, o pária ao lado.
O palanque, a pelanca.
O pandeiro, a pancada.
O sambeiro, o sem-nada.
O tamborim, o camburão.
O saxofone, o saque-sem-fundo.
A fantasia, a mão vazia.
A apoteose, a verminose.
A alegoria, onde a alegria?

O trilo do apito,
o grito do aflito,
o confete, o conflito.

É quarta-feira, cinzas.
Lá vai Maria.
Lavai, Maria.
Lavai o mundo, Maria.
Lavai o imundo,
mundo imundo vasto mundo,
lavai o mundo, Maria!
––––––––––––––––––––
Luolhar

Duas luas
viu Ismália
na noite em que enlouqueceu:
“viu uma lua no céu,
viu outra lua no mar”.

Bem mais louco,
vejo três,
quando me ponho a cismar:
a terceira é a que flutua
tentadoramente nua
na noite do teu olhar.
–––––––––––––––––

Terceira infância

Meu neto
me disse um dia:
— Converse comigo, vô,
mas converse como amigo,
mais amigo do que vô.

Desfez-se logo a distância.

Conversamos.
Conversamos.
Conversamos.

Ele na primeira,
eu na terceira infância.
=====================

Aurora bela

Da janela do meu quarto
vejo Aurora na janela.

Toda tarde, à mesma hora,
Aurora lá.
Que será que ela olhará?

Aurora, Aurora,
Aurora bela,
bela Aurora da janela,
Aurora
de olhar sem fim...

Se sobrar uma olhadinha,
por favor, olha pra mim!
===========================

Por um beijo

Por um beijo eu lhe dou o que sou e o que tenho:
os bons sonhos que sonho, as plantinhas que planto,
a pureza, a alegria, as cantigas que eu canto,
e o meu verso se acaso houver nele arte e engenho.

Por um beijo eu lhe dou, se preciso, o meu pranto,
as angústias da luta em que há tanto me empenho,
as saudades da infância e do chão de onde venho,
as promessas que eu faço em segredo ao meu santo.

Por um beijo eu lhe dou meus anseios de paz,
minha fé na ternura e no bem que ela faz,
meu apego à esperança e ao que a possa manter.

Por um beijo, um só beijo, um momento de amor,
eu lhe dou meu sorriso, eu lhe dou minha dor,
o meu todo eu lhe dou, dou-lhe inteiro o meu ser!
------

Fontes:
- A Cadeira. Revista Virtual. Ano 2. N.4 Out/nov/dez 2008. Academia Niteroiense de Letras. (Prata da Casa). http://www.academianiteroiense.org.br/
- Fotomontagem em cima do logotipo da revista virtual A Cadeira = José Feldman

sexta-feira, 27 de março de 2009

Comemoração de Aniversário da Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima (Itu)

CONVITE

O PONTO DE LEITURA - Biblioteca Comunitária prof. Waldir de Souza Lima - tem o prazer de convidar V. Sa. e família para a comemoração de um ano de atividade, a ser realizada no dia 28 de março de 2009 (sábado), a partir das 16 horas na sede localizada à Rua Floriano Peixoto, 238 - Centro - Itu (SP).

Na ocasião acontecerá um Sarau Literário e Musical com a presença dos grupos Coesão Poética (Sorocaba), Sarau Largo 13 (São Paulo), Cia. Teatral Metamorfose (Itu) e Apotheke Blues Band (Itu).

Contamos com sua presença. A entrada é gratuita.
Fonte:
Biblioteca Comunitária prof. Waldir de Souza Lima

Bolsas de pesquisa em Portugal



A Cátedra Jaime Cortesão, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, está oferecendo bolsas de estágio de pesquisa em Portugal. As inscrições vão até o dia 31 de março.

A cátedra, criada em 1991, tem entre seus objetivos promover o desenvolvimento de pesquisas no campo da história e cultura de Portugal e do mundo de língua portuguesa. Com apoio do Instituto Camões, selecionará cinco pesquisadores interessados em bolsas de duração máxima de dois meses para a realização de pesquisas em arquivos, bibliotecas ou centros de memória e documentação em Portugal durante 2009.

O auxílio de 700 euros por mês se destina ao custeio da permanência em Portugal (diárias). Os candidatos devem estar inscritos em programas de pós-graduação (em nível de mestrado ou doutorado).

O processo seletivo ocorrerá em duas fases. Para se inscrever, os candidatos devem apresentar os documentos indicados até o dia 31 de março. Com base na análise dos documentos, no dia 13 de abril serão divulgados os selecionados na primeira fase, que serão convocados para entrevista.

Valor do auxílio:

700,00 € (euros) / mês

Duração:

Um ou dois meses, de acordo com o interesse e o plano de trabalho do candidato.

Prazos de inscrição

05/03/2009 a 31/03/2009 inscrição no processo seletivo – nos dias e horários indicados

13/04/2009 divulgação do resultado da primeira fase

22 a 24/04/2009 entrevistas com os candidatos

30/04/2009 divulgação do resultado final

Documentos para inscrição:

1. ficha de inscrição preenchida - disponível no site da cátedra

2. projeto de pesquisa (mestrado, doutorado ou pós-doutorado);

3. plano de trabalho em Portugal (descrevendo as atividades a serem realizadas, como entrevistas, pesquisas em arquivos, bibliotecas e/ou centros de memória e documentação), com definição do período almejado para a viagem e aceite do orientador;

4. carta-convite de um pesquisador em Portugal;

5. duas cartas de recomendação de pesquisadores reconhecidos no Brasil;

6. comprovação (declaração) de inscrição em programa de pós-graduação;

7. histórico escolar da graduação;

Envie e-mail, com todos os documentos e ficha de inscrição anexos, de preferência, de segunda à sexta-feira, das 11h às 19h.

O e-mail não deve conter texto, apenas arquivos, um para cada documento e ficha de inscrição
O título do email deve ser: INSCRIÇÃO (SEU NOME) Exemplo: INSCRIÇÃO PAULO TIAGO

Aguarde o e-mail de confirmação da inscrição e sigas as instruções nele contidas.

Mais informações: www.fflch.usp.br/cjc e (11) 3091-1511/2010 (das 11h às 19h).

Fontes:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece
http://www.fflch.usp.br/cjc/bolsas/bolsaportugal2009/index.html

quinta-feira, 26 de março de 2009

Arioswaldo Trancoso Cruz (1942) poesias


Contraponto

Eu fui feliz quando te vi cantando,
Como feliz eu fui quando sorrias.
Na tua vida fui-me abandonando,
Nos teus caprichos consumi meus dias.

Hoje, tu passas, nem sequer notando
Este coitado em quem tu te valias
Quando, de angústia, muita vez chorando,
Neste ombro amigo as mágoas desfazias.

Mas, pouco importa se tudo esqueceste,
Pois, de nós dois, somente tu perdeste
Quando, afinal, me deste liberdade.

Um coração magoado injustamente,
Compreende logo que uma dor mordente
É o contraponto da felicidade
--------------------------

Despertando

Não temo este universo em que desperto
Da fuga interminável de sonhar,
Quando nem consegui reter por perto
Fragmentos do estar, ou do passar.

Foi um completo turbilhão, deserto
De valores vitais em que apoiar
O leque de experiências em aberto
Que nunca me cabiam vivenciar.

Pressinto já momentos de beleza,
Numa vida juncada da certeza
Multiforme do despertar seguro,

Que é saudade agridoce o sonho albino
Deste misto de humano e de divino
Cujo ser se projeta no futuro.
--------------------------------
Sobre o Autor

Filho de Bernardo Cruz e de Oscália Trancoso Cruz, nasceu em Morretes, Paraná, em 29 de julho de 1942. Sua formação acadêmica e profissional foi realizada em Porto Alegre, onde viveu dos 7 aos 38 anos de idade. Retornou ao Paraná, em Curitiba, em 1980, atuando alguns anos no comércio de panificação.

Professor de Filosofia e História na Rede Pública Estadual de Ensino.

Poeta, artesão e desenhista.

Integrante das entidades culturais:
- Centro de Letras do Paraná;
- Academia de Letras José de Alencar (atualmente como presidente)
- Sala do Poeta do Paraná

Possui sonetos premiados por estas entidades curitibanas, além de poesias publicadas em periódicos locais e no livro "Poetas e Poesias de Ouro", da Editora Litteris, Rio de Janeiro.

Fonte:
Antologia dos Acadêmicos. Edição Comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.

72. Aniversário do Nascimento de Affonso Romano de Sant'Anna

Fotomontagem = José Feldman

Affonso Romano de Sant'Anna (O vôo da águia)


Já que estamos nesse clima de recomeçar, com a alma limpa para novas coisas, vou iniciar transcrevendo algo que recebi. Havia pensado em outra crônica, coisa tipo "propostas para um novo milênio", como o fez Ítalo Calvino. Mas à$ vezes um texto parabólico, elíptico, pode nos dizer mais que outros pretensamente objetivos. Ei-lo:

"A águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Mas para isso acontecer, por volta dos 40, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão.

Nessa idade, suas unhas estão compridas e flexíveis. Não conseguem mais agarrar as presas das quais se alimenta. Seu bico, alongado e pontiagudo, curva-se. As asas, envelhecidas e pesadas em função da espessura das penas, apontam contra o peito. Voar já é difícil.

Nesse momento crucial de sua vida a águia tem duas alternativas: não fazer nada e morrer, ou enfrentar um dolorido processo de renovação que se estenderá por 150 dias.

A nossa águia decidiu enfrentar o desafio. Ela voa para o alto de uma montanha e recolhe-se em um ninho próximo a um paredão, onde não precisará voar. Aí, ela começa a bater com o bico na rocha até conseguir arrancá-lo. Depois, a águia espera nascer um novo bico, com o qual vai arrancar as velhas unhas. Quando as novas unhas começarem a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. Só após cinco meses ela pode sair para o vôo de renovação e viver mais 30 anos."

Esse texto foi mandado como um cartão de fim de ano pela Rose Saldiva, da Saldiva Propaganda. Tem mais um parágrafo explicitando, comentando essa parábola e o titulo geral é "Renovação".

Achei que você ia gostar de tomar conhecimento disto, sobretudo quando janeiro nos inunda com sua luz.

Este texto vale mais que mil ilustrações.

Sei como é difícil uma nova ou surpreendente idéia para cartão de fim de ano. Mas esse, além de bater fortemente em nosso imaginário, dispara em nós uma série de correlações e desdobramentos.

A: abertura é seca e forte. Não há uma palavra sobrando. Parece as batidas do destino na Quinta Sinfonia de Beethoven. Releiam. "A águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Mas para isso acontecer, por volta dos 40, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão.” ·

Já li em algum lugar que Jung dizia que, em torno dos 40, alguma coisa subterrânea começa a ocorrer com a gente e os seres humanos sentem que estão no auge de sua força criativa. É quando podem (ou não) entrar em contato com forças profundas de sua personalidade.

Já ouvi de especialistas em administração de empresas que tem uma hora em que elas começam a crescer e seus dirigentes têm que tomar uma decisão — ou fazem com que cresçam de vez assumindo mais pesados desafios ou, então, fecham, porque ficar estagnado é apenas adiar a morte.

Já mencionei em outras crônicas o personagem Jean Barois (de Roger Martin du Gard) que fez um testamento aos 40 anos, quando achava que estava no auge de sua potência intelectual, temendo que na velhice, carcomido e alquebrado, fizesse outro testamento que negasse tudo aquilo em que acreditava quando jovem. Com efeito, envelhecendo, fez realmente outro testamento que desautorizava e desmentia o anterior. É que sua perspectiva na trajetória da vida mudara, como muda a de um viajante ou a do observador de um fenômeno.

O ano está começando.

Mais grave ainda: um século está se iniciando.

Gravíssimo: mais que um ano, mais que um século, um novo milênio está se inaugurando.

Três vezes Sísifo: o ano, o século, o milênio.

Sísifo — aquele que foi condenado a rolar uma pedra montanha acima, sabendo que quando estivesse quase chegando no topo — cataprum!... a pedra despencaria e ele teria que empurrá-la, de novo, lá para o alto.

Pois bem: "A águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Mas para isso acontecer, por volta dos 40 anos, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão. Nesta idade suas unhas estão compridas. Não conseguem mais agarrar as presas das quais alimenta. Seu bico, alongado e pontiagudo, curva-se. As asas, envelhecidas e pesadas em função da espessura das penas, apontam contra o peito. Voar já é difícil.” ·

Nossa sociedade pensou ter inventado uma maneira de resolver, nos seres humanos, o drama da águia: a cirurgia plástica. Silicone aqui e acolá, repuxar a pele acolá e aqui, pintar e implantar cabelos. Isto feito, a águia sai flanando pelos salões, praias, telas, ruas, escritórios e passarelas.

Mas aquela outra águia prefere uma solução que veio de dentro. Talvez mais dolorosa. Recolher-se a um paredão, destruir o velho e inútil bico, esperar que outro surja e com ele arrancar as penas, num rito de reiniciação de 150 dias.

Então a águia, digamos, acabou de descasar.

(Tem que redimensionar seu corpo e seus desejos, desmontar casa e sentimentos, realocar objetos e sensações, reassumir filhos.)

Então a águia, digamos, acabou de perder o emprego.

(Tem que descobrir outro trajeto diário, outras aptidões, enfrentar a humilhação.)

Então, a águia,digamos, acabou de mudar de país.

(A crise ou o amor levou-a a outras paragens, tem que reaprender a linguagem de tudo e reinventar sua imagem em outro espelho.)

Então, a águia, digamos, acabou de perder alguém querido.

(É como se uma parte do corpo lhe tivessem sido arrancada, sente que não poderá mais voar como antes, que o azul lhe é inútil.)

Então, a águia, digamos, está numa nova situação em que está sendo desafiada a mostrar sua competência.

(Tem medo do fracasso, acha que não terá garras nem asas para voar mais alto.)

Então, a águia, digamos, andou olhando sua pele, sua resistência física, certos achaques de velhice.

Pois bem. Há que jogar fora o bico velho, arrancar as velhas penas, e recomeçar.

Época de metamorfose.

Os estudiosos da metamorfose dizem que não apenas larvas se transformam em borboletas. Para nosso espanto as próprias pedras passam também por silenciosas metamorfoses.

Enfim, parece que estamos condenados à metamorfose. Morrer várias vezes e várias vezes renascer. Até que, enfim, cheguemos à metamorfose final, onde o que era sonho e carne se converte em pó.

Mas que fique sempre no azul o imponderável vôo da águia.

Fontes:
Jornal “O Globo”. Segundo Caderno, 3 de janeiro de 2001.
Imagem = http://blog.cancaonova.com/

Affonso Romano de Sant'Anna (1937)



Affonso Romano de Sant'Anna nasceu em 27/03/1937, em Belo Horizonte - MG

É um caso raro de artista e intelectual que une a palavra à ação. Com uma produção diversificada e consistente, pensa o Brasil e a cultura do seu tempo, e se destaca como teórico, como poeta, como cronista, como professor, como administrador cultural e como jornalista.

Com mais de 40 livros publicados, professor em diversas universidades brasileiras - UFMG, PUC/RJ, URFJ, UFF, no exterior lecionou nas universidades da California (UCLA), Koln (Alemanha), Aix-en-Provence (França). Seu talento foi confirmado pelo estímulo recebido de várias fundações internacionais como a Ford Foundation, Guggenheim, Gulbenkian e o DAAD da Alemanha, que lhe concederam bolsas de estudo e pesquisa em diversos países.

Nascido em Belo Horizonte (1937), desde os anos 60 teve participação ativa nos movimentos que transformaram a poesia brasileira, interagindo com os grupos de vanguarda e construindo sua própria linguagem e trajetória.

Data desta época sua participação nos movimentos políticos e sociais que marcaram o país. Embora jovem, seu nome já aparece nas principais publicações culturais do país. Por isto, como poeta e cronista foi considerado pela revista “Imprensa”, em 1990, como um dos dez jornalistas que mais influenciam a opinião de seu país.

Nos anos 70, dirigindo o Departamento de Letras e Artes, PUC/RJ, estruturou a pós graduação em literatura brasileira do Brasil, considerada uma das melhores do país. Trouxe ao Brasil conferencistas estrangeiros como Michel Foucault e apesar das dificuldades impostas pela ditadura realizou uma série de encontros nacionais de professores, escritores e críticos literários além de promover a “ Expoesia” - evento que reuniu 600 poetas num balanço da poesia brasileira.

Durante sua gestão, pela primeira vez no país a chamada literatura infanto-juvenil passou a ser estudada na universidade e a ser tema de teses de pós-graduação. Foram também abertos cursos de Criação Literária com a presença de importantes escritores nacionais.

Foi autor, dentro da universidade, de trabalhos pioneiros sobre música popular, como o livro "Música popular e moderna poesia brasileira".

Como jornalista trabalhou nos principais jornais e revistas do país: Jornal do Brasil (pesquisa e copydesk), Senhor(colaborador) ,Veja(critico), Isto É(Cronista), colaborador do jornal O Estado de São Paulo. Foi cronista d da Manchete e do Jornal do Brasil . e está n'O Globo desde 1988.

Considerado pelo crítico Wilson Martins como o sucessor de Carlos Drummond de Andrade, no sentido de desenvolver uma “linhagem poética” que vem de Gonçalves Dias, Bilac, Bandeira e Drummond, realmente substituiu este último como cronista no “Jornal do Brasil”, em 1984. E foi sobre Carlos Drummond de Andrade a sua tese de doutoramento (UFMJ), intitulada:"Drummond, o gauche no tempo", que mereceu quatro prêmios nacionais.

Nos duros tempos da última ditadura militar, Affonso Romano de Sant'Anna publicou corajosos poemas nos principais jornais do país, não nos suplementos literários, mas nas páginas de política . Poemas como “ Que país é este?” (traduzido para o espanhol, inglês, francês e alemão), foram transformados em “posters”, aos milhares, e colocados em escritórios, sindicatos, universidades e bares.

Nessa época produziu uma série de poemas para a televisão (Globo) .Esses poemas eram transmitidos no horário nobre, no noticiário noturno e atingiam uma audiência de 60 milhões de pessoas.

Como presidente da Biblioteca Nacional — a oitava biblioteca do mundo, com oito milhões de volumes — realizou entre 1990 e 1996 a modernização tecnológica da instituição, informatizando-a, ampliando seus edifícios e lançando programas de alcance nacional e internacional.

Criou o Sistema Nacional de Bibliotecas, que reúne 3.000 instituições e o PROLER ( Programa de Promoção da Leitura), que contou com mais de 30 mil voluntários e estabeleceu-se em 300 municípios em 1991 lançou o programa “Uma biblioteca em cada município”.

Criou na Biblioteca Nacional os programas de tradução de autores brasileiros, de bolsa para escritores jovens e encontros internacionais com agentes literários.

Seu trabalho à frente da Biblioteca Nacional possibilitou que o Brasil fosse o país-tema da Feira de Frankfurt( 1994), o país-tema, na Feira de Bogotá(1995) e no Salão do Livro( Paris, 1998).

Lançou a revista “Poesia Sempre”, de circulação internacional, tendo organizado números especiais sobre a América Latina, Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha.

Foi Secretário Geral da Associação das Bibliotecas Nacionais Ibero-Americanas(1995-1996), que reúne 22 instituições desenvolvendo amplo programa de integração cultural no continente.

Foi Presidente do Conselho do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe-CERLALC), 1993-1995.

Como poeta participou do “International Writing Program”(1968-1969) em Iowa, USA, dedicado a jovens escritores de todo o mundo.

Tem participado de dezenas de encontros internacionais de poesia. Esteve no Festival Internacional de Poesia Pela Paz, na Coréia(2005) , realizou uma série de leituras de poemas no Chile, por ocasião do centenário de Neruda (2004), esteve na Irlanda, no Festival Gerald Hopkins (1996), na Casa de Bertold Brecht, em Berlim (1994), no Encontro de Poetas de Língua Latina (1987), no México, no Encontro de Escritores Latino-americanos em Israel (1986).

Mereceu vários prêmios nacionais destacando-se o da Associação Paulista de Críticos de Arte pelo "conjunto de obra".

Foi júri de uma série de prêmios internacionais como o Prêmio Camões (Portugal/Brasil), Prêmio Rainha Sofia (Espanha), Prêmio Peres Bonald (Venezuela), Prêmio Pégaso/Mobil Oil (Colômbia/USA), Reina Sofia (Espanha).

Diversos textos seus foram convertidos em teatro, balé e música e tem diversos CDs de literatura gravados com sua voz e na voz de atores diversos.

Sua obra tem sido objeto de teses de mestrado e doutorado no Brasil e no exterior.

Recebeu algumas das principais comendas brasileiras como Ordem Rio Branco, Medalha Tiradentes, Medalha da Inconfidência, Medalha Santos Dummont.

É casado com a escritora Marina Colasanti.

Prêmios Literários:
. "Prêmio Mário de Andrade" - Com o livro "Drummond, o gauche no tempo."
. "Prêmio Fundação Cultural do Distrito Federal" - Com o livro "Drummond, o gauche no tempo."
. "Prêmio União Brasileira de Escritores" - Com o livro "Drummond, o gauche no tempo."
. "Prêmio Pen-Clube" - Com o livro "O canibalismo amoroso"
. "Prêmio União Brasileira de Escritores" - Com o livro "Mistérios Gozosos"
. "Prêmio APCA-Associação Paulista de Críticos de Arte", pelo conjunto de obra

OBRAS DO AUTOR:

Poesia

. "Canto e Palavra"- 1965 - Imprensa Oficial de Minas Gerais
. "Poesia sobre Poesia"- 1975 - Imago/RJ
. "A Grande Fala do Índio Guarani"- 1978 - Summus Editorial/SP
. "Que País é Este?"- 1980 - Civilização Brasileira - 1984 - Rocco/RJ
. "A Catedral de Colônia e Outros Poemas"- 1987 - Rocco/RJ
. "A Poesia Possível" (poesia reunida) - 1987 - Rocco/RJ
. "O Lado Esquerdo do Meu Peito"- 1991 - Rocco/RJ
. "Epitáfio para o século XX" (antologia) - 1997 - Ediouro/SP
. "Melhores poemas de Affonso Romano de Sant'Anna - Global/SP
. "A grande fala e Catedral de Colônia" (ed. comemorativa) -1998 - Rocco, Rio
. "O intervalo amoroso" (antologia). - 1999 - L&PM/Porto Alegre
. "Textamentos" - 1999 - Rocco/RJ
. "Vestígios" - 2005 - Rocco/RJ
. "A cegueira e o saber" - 2006 - Rocco/RJ

Crônicas:
. "A Mulher Madura"- 1986 - Rocco/RJ
. "O Homem que Conheceu o Amor"- 1988 - Rocco/RJ
. "A Raiz Quadrada do Absurdo"- 1989 - Rocco/RJ
. "De Que Ri a Mona Lisa?"- 1991 - Rocco/RJ
. "Mistérios Gozosos"- 1994 - Rocco/RJ
. "A vida por viver" - 1997 - Rocco/RJ
. "Porta de Colégio" (antologia) - 1995 - Ática/SP
. "Nós os que matamos Tim Lopes" - 2002 - Expressão e Cultura
. "Pequenas seduções" - 2002 - Sulina
. "Que presente te dar" - 2002 - Expressão e Cultura
. "Antes que elas cresçam" - 2003 -Landmark
. "Os homens amam a guerra" - 2003 - Francisco Alves
. "Que fazer de Ezra Pound" 2003 - Imago

Ensaios:
. "O Desemprego da Poesia"- 1962 - Imprensa Universitária de Minas Gerais
. "Drummond, o "gauche" no tempo" - Record/Rio - 1990
. "Política e Paixão"- 1984 - Rocco/RJ
. "Análise Estrutural de Romances Brasileiros" - 1989 - Ática/Petrópolis
. "Por um novo Conceito de Literatura Brasileira"- 1977 - Eldorado/RJ
. "Música Popular e Moderna Poesia Brasileira" - 1997 - Vozes/Petrópolis
. "Emeric Marcier "- 1993 - Pinakothec/RJ
. "O Canibalismo Amoroso"- Rocco/RJ - 1990
. "Paródia Paráfrase & Cia."- 1985 - Ática/SP
. "Como se Faz Literatura "- 1985 - Vozes /Petrópolis
. "Agosto 1991: Estávamos em Moscou"- 1991 - Melhoramentos/SP (com Marina Colasanti)
. "O que aprendemos até agora?" - Edutifia, São Luís, Maranhão (1984). Ed. Universidade de Santa Catarina - SC, 1994
. "Barroco, alma do Brasil." - 1997 - Comunicação Máxima/Bradesco, RJ
. Reeditado em inglês, francês e espanhol , 1998
. A sedução da palavra(ensaio e crônicas). Letraviva. Brasili, 2000
. Barroco, do quadrado à elipse. Rocco,Rio, 2000
. Desconstruir Duchamp, Vieira e Lenti Casa Editorial, 2003

Fonte:
http://www.cronicascariocas.com.br/

Affonso Romano de Sant'Anna em Xeque



Affonso Romano de Sant’Anna conversa sobre os universos paralelos da mente do escritor, em entrevista para André Azevedo da Fonseca

Com tanta informação circulando no planeta nos veículos de comunicação, por que ainda precisamos de literatura para pensar sobre a condição humana?

Por uma razão muito simples: a literatura é uma espécie de parábola da realidade e da condição humana, e através das parábolas você espelha muito mais a realidade do que através de análises objetivas e científicas. Mesmo porque um dos efeitos da parábola — ou seja, da ficção e da poesia — é solicitar da cabeça do leitor que ela se ponha também em movimento para articular o imaginário. Então é uma obra a muitas mãos, uma leitura a muitas mãos.

Mas através das notícias a mídia também parece capaz de oferecer essas parábolas. Por exemplo, a cobertura jornalística sobre o maníaco do parque ofereceu ao imaginário da cultura de massa um personagem quase literário, pronto para encarnar um novo mito, ou uma atualização de um mito. Não há uma conversa entre real e imaginário na imprensa?

Sim, a mídia hoje é o grande romance de folhetim. A novela é apenas uma parte de um grande romance de folhetim que começa no jornal de manhã, continua nos programas infantis, nos desenhos animados, nos esporte e nas mesas redondas, no Jornal Nacional, no Fantástico. É um mundo como espetáculo, como representação. E isso provoca até situações muito intrigantes, porque o indivíduo que não está equipado para decompor esses elementos que são atabalhoadamente jogados na telinha, ou que se amontoam no jornal, ele tem uma visão das coisas muito surrealista. Eu tenho a impressão que grande parte do povo brasileiro mistura o Fantástico com Jornal Nacional, com a Bíblia, e faz um "melê" que é difícil deslindar exatamente.

Às vezes, quando penso em livros, me vem a idéia que o leitor e o escritor não passam de sujeitos covardes que, por não ter coragem de experimentar a vida de forma carnal e se entregar às aventuras reais, se contentam em ser voyeurs de personagens fictícios. Paulo Freire ensinava que nos alfabetizamos não apenas na leitura das palavras, mas na leitura do mundo. Será que um dia conseguiremos nos livrar da mediação dos livros e aprender a ler o mundo diretamente, sem esse intermédio simbólico?

Eu colocaria de outra maneira. A escritura e a leitura são modos de extensão da vida, de complementação da vida. Eu não posso ir à Lua. Julio Verne também não podia. Mas ele descreveu a viagem à Lua. Julio Verne não podia fazer uma viagem submarina. Mas ele imaginou como seriam as 20 mil léguas submarinas. José de Alencar, ou um dos autores românticos, não viveram na Idade Média mas viajaram lá através da imaginação. Mesmo o romancista que narra histórias fantásticas está dilatando o seu universo e dilatando o universo dos outros. As pessoas não cabem dentro do seu próprio corpo. Por isso elas sonham de noite. Como elas não cabem dentro do próprio corpo elas têm que ler livros e ver novelas. E têm que amar os outros.

O que têm a ver o amor e a idéia de extensão da vida?

O amor é um ato de transferência de você para o outro. Você se muda para dentro do ser alheio. E no caso dos místicos, eles tentam imigrar de vez para a humanidade inteira se fundir com a figura de Deus.

Lembro-me de Schopenhauer quando ele diz que nós, antes de nos materializarmos enquanto animais biológicos, na verdade já começamos a existir quando ainda somos um mero desejo expresso na troca de olhares de nossos pais. Na verdade ele diz que as idéias e pensamentos se esforçam para apoderar-se da matéria para se transformar em algo físico, pois no instante mesmo do desejo o real já está sendo construído. A literatura faz isso, não?

É. O real é uma construção. Assim como em um teatro de arena, onde cada espectador está vendo a cena de um ângulo diferente, o real é algo sempre construído e desconstruído. O que a arte faz sistematicamente é destruir e reconstruir a realidade. Veja as peças de Shakespeare: de repente, como tem no Rio agora, e ocorre de vez em quando em várias partes do mundo, vem um diretor e apresenta um Hamlet, um McBeth totalmente diferente e às vezes até oposto e contraditório ao que seria o Shakespeare original. Não existe um Shakespeare original, assim como a realidade em si é uma coisa que nós temos que aprender a construir e ler diariamente.

Gostaria que você falasse um pouco das diferenças que no livro A sedução da palavra (Letraviva, 2000) você estabelece entre o autor e o escritor.

Todo mundo pode ser autor. Qualquer pessoa pode dizer: ah, vou escrever a vida no meu sítio, ou escrever a história da minha tia, ou a história da minha cidade, do meu cachorro; um médico pode fazer um livro de medicina… todos são autores. Agora, o escritor é alguém que, além de ser autor, se dá ao luxo de ter heterônimos, pseudônimos, pode multiplicar a sua personalidade. O escritor é alguém que tem um trato com a linguagem muito especial. Ele constrói as coisas a partir da linguagem. Ele sabe que as coisas não existem antes da linguagem dar consistência a elas. Ou seja, a diferença entre um escritor e uma pessoa comum é que a pessoa comum diz: minha vida daria um romance; e o escritor faz um romance. Porque vida de ninguém é um romance. A vida das pessoas é interessantíssima, mas só viram romance não se forem simplesmente escritas, mas se forem muito bem escritas. E para isso tem que ser escritor.

No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

O escritor lê porcaria até sem querer, né? Assim como a gente assiste a filme ruim propositalmente, e há alguns filmes ruins que são ótimos, como há romances e poemas kitsch que são ótimos, volta e meia você se surpreende cantando tangos e boleros, né? O kitsch e o mau gosto fazem parte da realidade. E a formação nossa, tanto na hora de colocar um vestido, escolher um sapato, quanto na hora de escolher um bom livro, um bom concerto, é saber distinguir o que é a coisa kitsch e o que é a coisa mais bem elaborada, o que é o chamado mau gosto e o que é um gosto mais sofisticado. Então essa questão passa por tudo. Da escolha do que se vai comer no restaurante ao livro de poemas que vamos ler.

Metade do autor é o leitor?

Metade. E às vezes há casos até curiosíssimos de autor que é um leitor voraz, um leitor insaciável, como é o caso do Borges, que vivia dizendo: enquanto outros se orgulham dos livros que escreveram, eu me orgulho dos livros que eu li. Porque para ele escrever é uma forma de ler e reler.

Nas obras deles, Marquês de Sade arreganhava elogios à depravação total; Thomas de Quincey defendia que assassinatos eram obras de arte; os poetas da beat generation faziam apologia ao uso desenfreado de drogas. A literatura pode ser perigosa como dizem que é a TV? Ou, pelo contrário, num outro extremo, não há perigo algum nesses atrevimentos literários?

Tudo pode ser perigoso ou não. A palavra farmácia vem do grego farmakon, que significa ao mesmo tempo veneno e remédio. Então quando você entra na farmácia, você acha veneno e remédio. Se tomar alguma coisa errada você pode morrer, se tomar a coisa certa você pode se curar. Nesse sentido a literatura, como a música, não é em si nem boa nem má. Pode potencializar nas pessoas aquilo que elas têm numa ou noutra direção. Por exemplo, na música você pode pensar assim: Mozart é uma coisa sublime, rock é coisa pesada; uma é angelical, outra é diabólica. Isso é um estereótipo, porque se algumas pessoas já cometeram violência e crime "por causa" do rock, nem todas as pessoas cometem crime e violência por causa do rock. E ao contrário, muitos dos carrascos nazistas gostavam de Bach, de Mozart. Então... é o farmakon.

Essa do farmakon foi boa! Vamos a próxima. Livro é muito caro. Hoje a média é R$30, ou seja, uns 10% do salário mínimo — isso se o Lula passasse o mínimo para R$300. Você defende o direito de que quem não tem grana possa "xerocar" os seus livros?

Realmente, o livro dentro dos padrões brasileiros é muito caro. Até na China, que tem 400 milhões de leitores, o livro custa entre R$2 e R$3. A questão do xerox tem sido debatida no mundo inteiro. Eu participei de vários seminários internacionais, sobretudo quando dirigi a Biblioteca Nacional. Cada país tenta defender uma estratégia determinada: alguns colocam uma taxa na produção da máquina que vai reverter como direito autoral para os autores, outros têm outras estratégias. No caso brasileiro especificamente, não há como impedir, por mais que se aconselhe. O professor quer dar um livro, ainda que ele recomende a compra, mas o livro está esgotado. Como fazer? O professor não vai dar aula sobre aquele livro? Por outro lado, em muitos livros você precisa só de um capítulo. Não precisa do livro inteiro. Então é uma questão muito complexa. Não de trata de proibir. Trata-se de estabelecer uma política mais ampla disso.

Você deu aulas nas Universidades da Califórnia e do Texas, nos EUA; na Universidade de Colônia, na Alemanha; e na Universidade Aix-en-Provence, na França. Como essas coisas são discutidas por lá?

Você entra numa universidade americana e em cada andar da biblioteca tem máquinas de xerox. Você compra um cartãozinho na entrada e copia quantos livros quiser, quantas páginas quiser. É só comprar e renovar o cartão. Eu já saí de bibliotecas americanas com "toneladas" de xerox.

Mas como eles lidam com a questão dos direitos autorais neste caso?

Eles têm um processo. Aquele dinheiro cobrado pelo xerox vai reverter de alguma maneira para uma política do livro, para o autor.

É uma boa idéia.

É necessário rever isso tudo. Por exemplo, em alguns países da Europa o autor ganha pelo fato de em uma biblioteca pública alguém tirar o livro dele para ler. Cada leitor da biblioteca pública é computado e o autor ganha uma comissão. É uma coisa interessante.

Você conhece um conceito que se chama copyleft?

[Sant’Anna me olhou meio de lado e vi surgir uma interrogação sobre sua cabeça.]

Esse termo inventado por um hacker americano é uma inversão da idéia de copyright.

[O escritor percebe imediatamente a idéia e se diverte com o trocadilho, soltando uma risadinha. Mesmo assim prefiro explicar melhor]

É um tipo especial de licença que ao mesmo tempo em que garante a propriedade intelectual, autoriza expressamente que os leitores reproduzam a obra à vontade, desde que não seja para fins comerciais. Se uma editora quer comercializar a obra, paga os direitos autorais. Se é para uso pessoal você pode comprar o livro ou então copiá-lo gratuitamente. A idéia é que, na verdade, quanto mais a obra circula, mesmo que seja através de cópias, mais ela vende. De cada vinte leitores que copiam, seguramente uns três ou quatro vão acabar comprando, porque ao gostar do texto não vão querer guardar as folhas grampeadas do xerox, mas sim a cópia durável e de bom acabamento do livro.

Claro.

O que acha dessa idéia?

É uma proposta interessante. Agora, embutida nessa questão tem um outro problema que acho riquíssimo e que foi exposto implicitamente num filme que se chama "O Homem que copiava". Eu até escrevi duas crônicas sobre isso, dentro de um conjunto de análise que eu estava fazendo da arte contemporânea, sobre a questão da cópia. O problema da cópia é interessantíssimo, porque a sociedade em que vivemos, que é chamada de pós-moderna, instituiu perversamente a idéia de que o autor não existe. Qualquer um pode se apoderar de qualquer coisa. O sujeito não existe. Isso, filosoficamente, redunda em uma tragédia epistemológica, porque se o sujeito não existe somos todos objetos. Eu não gosto de uma cultura onde todos são objetos. O esforço é para que as pessoas se transformem em sujeitos.

Conheço outra linha de discussão: o autor não existe porque o que ele faz é pouco mais do que copiar e cruzar vários outros autores que estão dentro de seu universo mental. Tom Zé chama isso de estética do plágio, ou estética do arrastão. Para ele, nós somos o nosso contexto, somos a nossa circunstância. [a observação ia ficando longa, e o entrevistado já ficava inquieto para falar]. Não será por mero acidente que conseguimos escrever algo novo?

Aí tem várias coisas interessantíssimas. Tem um lado que é verdade: na natureza nada se cria, tudo se transforma. É uma lei da Química. Por outro lado, dentro do folclore, da literatura, as histórias são recriadas. Você encontra pedaços da lenda do Rei Arthur em Mil e Uma Noites, em Decameron e em vários lugares. Agora, isso é uma coisa, é um fato real — o processo de metamorfose, de transformação que existe na natureza, na cultura. Outra coisa é a cultura da leviandade que a pós-modernidade cultiva. Ou então certas coisas que são veiculadas através da chamada estética do falso.

O que é isso?

Autores que fazem romance jogando com a idéia da falsidade, levantando uma questão que em última instância é a seguinte: alegam que numa sociedade se mente muito, numa sociedade tudo é falso, tudo é fake. Então a pessoa produz uma obra falsa, uma obra fake. Então eu digo: é juntando mentira a mentira que vamos combater a mentira? É juntando falsidade a falsidade que nós vamos combater a falsidade? Em termos de arte e escatologia, é juntando merda a merda que nós vamos sair da merda?

O que é uma obra falsa?

Pois é. O que é uma obra falsa?

Ou o que seria a estética do falso?

A estética do falso pretende que não há autoria. Há um deslizamento constante através do qual todos participam, que tem seu lado verdadeiro. Quando entra na moda usar um tipo de calça, de camisa, todo mundo se apropria daquilo. Mas estou desenvolvendo já há algum tempo um raciocínio que, ao lado de reconhecer o que há de natural nisso, há um outro lado perverso: a questão da apropriação. Em arte se usa muita técnica de apropriação, mas os bandidos também usam. Como um caso de um artista na França que resolveu fazer uma exposição chamada "Tudo Aquilo que Roubei de Vocês". Ele roubou vários objetos dos amigos e fez uma exposição. Os amigos não gostaram e chamaram a polícia.

Aí surgiu uma discussão, que envolveu Ministro da Cultura e Ministro da Justiça na França, se roubar é um ato artístico, um gesto estético. Até que ponto é apropriação, ou quem sabe, que é a minha ótica, a gente não deve analisar isso tudo dentro de um contexto? Analisando dentro de um contexto gestaltiano mais amplo, você entende Fernandinho Beira-Mar, o narcotráfico, a violência da nossa sociedade e a falta de caráter geral.

Entende ou justifica?

Entende. Justificar jamais. A grande ansiedade do ser humano é entender as coisas, pelo menos. Chega alguém e mata outra pessoa, você fica horrorizado, você quer entender por que matou, tem que ter uma causa, tem que ter uma razão! Não vai justificar, mas tem que entender.

Patrick Grainville, em entrevista a Betty Milan, diz que é muito importante que o escritor tenha um ofício qualquer fora da literatura, porque senão ele fica maluco, fica muito distante do mundo e se perde. O que você acha disso?

Isso é um problema dele.

Perguntei isso consciente desse contexto em que vivemos, no qual o escritor, com as raras exceções, não consegue viver de sua obra. Então…

Eu adoraria ficar só escrevendo poesia, se me financiassem por aí. Adoraria enlouquecer escrevendo poesia. Não teria nenhum medo. [nesse momento ele fez uma pausa retórica]

Você tem uma sugestão para…

Ao contrário. Quando eu trabalhava em banco, e era estudante de letras, ficava possesso porque estava jogando meu tempo fora em vez de estar escrevendo literatura. Esse Patrick pode voltar a trabalhar no banco porque eu já passei por essa experiência.

[Enquanto ria, lembrei sofregamente que, sobretudo quando entrevistamos escritores, é uma peleja para discernir quando eles já disseram tudo, quando querem deixar a coisa ambígua, ou quando o momento de silêncio é apenas uma pausa retórica na exposição do raciocínio.]

Qual a sua sugestão para pensar esse problema de o autor não conseguir viver de sua obra?

Olha, aí tem duas coisas. Uma: em qualquer profissão é complicado. Jovem arquiteto, jovem médico, jovem advogado, jornalista, costureiro, estilista, todo mundo tem uma certa dificuldade. A quantidade de pessoas que abrem lojas e fecham é muito grande. Então há uma dificuldade que no caso brasileiro se agrava porque estamos em recessão há trinta anos. Agora, nos países que têm uma estrutura econômica e social mais estável é possível viver de literatura, não só através do livro, mas de uma série de estímulos que governo, fundações e instituições culturais e fornecem — como bolsas e auxílios de pesquisa. Eu mesmo estive em uma meia dúzia de bolsas dadas por fundações estrangeiras. A última foi em Bellagio, na Itália. Eles tinham pago umas vinte pessoas no mundo inteiro para ficarem um mês, sem nenhuma preocupação, para executar um projeto, seja um livro, uma pesquisa etc. Tudo pago. Tinha escritores lá, e eu fui para terminar um livro que eu estava fazendo. E isso é muito comum na Europa e nos Estados Unidos.

Dá para adaptar essas idéias no Brasil?

Quando eu dirigi a Biblioteca Nacional eu criei um sistema de bolsas de escritores dando umas dez ou quinze bolsas por ano para o escritor terminar o trabalho dele. Criei o sistema de financiamento de tradução de autores brasileiros no exterior. Umas trinta ou cinqüenta obras traduzidas no exterior por ano. Então há mecanismos. Se você ganhar da prefeitura daqui, ou de uma fundação, uma bolsa durante um ano ou dois anos para uma pesquisa ou um livro, você estaria vivendo de literatura.

Mmmmmm, seria um sonho! Há escritores que só escrevem sob pressão, e há mesmo quem diga que a calmaria e a estabilidade não é criativa. Orson Wells tem disse aquela famosa frase, dizendo que enquanto a Itália cheia de guerras gerou a Renascença, a pacata Suíça produziu apenas o relógio cuco. O que acha disso?

A questão, outra vez, é diversificada, é complexa. Há pessoas que só conseguem funcionar, para tudo, sob pressão. Eu conheço donas-de-casa que resolvem experimentar em um jantar — onde vêm convidados! — pratos que nunca fizeram, sem saber se vai dar certo. A Marina [Colasanti] é assim.

Muito bom isso.

A tensão de fazer um negócio que nunca fez, que é desafiador, mobiliza. Como o ladrão que está correndo da polícia, ou correndo de um pitbull, ele pula um muro de cinco metros de altura. Se não tiver o pitbull, ele não pula nem um metro. Então há pessoas que precisam dessa adrenalina, outros não. Tive até duas experiências curiosas com isso. Uma vez eu estava em um programa de jovens escritores em Iowa, nos Estados Unidos, em uma dessas bolsas. Eram quarenta escritores do mundo inteiro. Dois terços diziam que não conseguiam escrever porque tinham saído exatamente de seus países onde viviam sob pressão, tendo que trabalhar, cuidar da família, não sei o quê. Ficaram num lugar só para escrever e não conseguiram escrever. Eu levei um projeto para escrever, que era a minha tese sobre Drummond, e fiz a tese normalmente; enquanto um dramaturgo turco, quinze dias antes de terminar esse período de nove meses, não tinha conseguido escrever uma linha. Já em Bellagio, onde fui mais recentemente, eu tinha levado um projeto de ensaio; mas aquele clima de paz, de beleza, de encantamento era de tal ordem que eu joguei aquilo pra lá e fiquei um mês só transando poesia.

Em Canibalismo Amoroso você desenvolve um conceito muito interessante ao considerar o texto como uma "manifestação onírica social". Você poderia falar um pouco sobre isso?

A idéia básica desse livro — na verdade é uma idéia básica para se entender a literatura — é que o escritor é uma espécie de sonhador de utilidade pública. Ele fantasia coisas que não são apenas fantasias pessoais, mas fantasias comunitárias. Ele é apenas, como propunha Ezra Pound, uma antena que está captando algumas coisas. Daí certos livros terríveis, O médico e o monstro, os livros policiais, etc. Por que as pessoas lêem isso? Você pode pensar: o autor devia ser um neurótico. Mas por que milhões de pessoas lêem Agatha Christie? Porque através do crime e do mistério elas estão elaborando os seus fantasmas. Então a literatura e a arte em geral é o lugar de elaboração de grandes fantasmas de fantasias.

Ops, eu pulei uma pergunta. Antes de falar de Canibalismo Amoroso eu queria ter conversado sobre o movimento antropofágico. Depois da minissérie da Globo, todo mundo comemora a aventura de Oswald e Mário de Andrade. Apesar de reconhecer a importância da Semana de 22, sei que você tem críticas ao modernismo. Você pode falar sobre isso?

Eu tenho várias considerações. Primeiro, o modernismo foi muito importante mas cometeu vários equívocos, várias injustiças. Ensinou uma geração a ter preconceito contra o século 19, contra certos poetas parnasianos, simbolistas, contra a literatura romântica, e isso por um vezo futurista de querer ser diferente do outro. Entende-se perfeitamente que isso tenha ocorrido num primeiro momento. Agora, além disso eu tenho uma outra colocação sobre a Semana de Arte Moderna. É que à rigor ela não aconteceu em fevereiro de 1922. Ela não só começou a acontecer muito antes disso, com Brás Cubas, com Sertões de 1902, com Lima Barreto e por aí a fora, como em 1922 aconteceu uma certa coisa da qual o país não tomou o menor conhecimento na ocasião. Mas aquela coisa tinha uma força original que foi captada por outras pessoas. Então, a Semana da Arte Moderna começou a acontecer, sistematicamente, depois. Ou seja, todo autor que estudou um autor modernista é um modernista, ajudou a fazer o modernismo. Quando alguém analisa Oswald de Andrade, dá interpretação nova, analisa Drummond, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano, é como se estivesse batendo esse bolo que está fermentando, que está crescendo, como se estivesse sendo um acionista de uma grande empresa. E isso chegou a um ponto tal que virou essa novela da Globo. Essa novela foi a apoteose popular de uma semana que continua sendo inventada. O que aparece ali não tem nada a ver com o que foi em 1922. Ou seja, a idéia da Semana é uma idéia em construção. Ela não acontece em 22.

Antropofágica pra valer!

É. Então estou devorando a Semana, fazendo uma "meta-antropofagia" com a Semana. Estou reduzindo ao meu estômago aquela semana que aconteceu.

Em seu livro você defende que o canibalismo é um traço fundamental de nossa cultura. Por quê?

Eu comecei a colecionar notícias policiais envolvendo canibalismo. Que é impressionante. Não é apenas essa coisa imaginária que existe na literatura, ou um ato episódico dos jogadores uruguaios que caíram na neve e começaram a comer os companheiros e tal. Isso existe como um impulso neurótico e Freud consegue explicar de certa maneira essa perversidade oral. E é muito comum. Ainda agora aquele programa Linha Direta vai mostrar um criminoso de São Paulo chamado Chico Picadinha, que pegava as mulheres, sobretudo prostitutas, retalhava, picava e comia; como aquele canibal alemão que pôs um anúncio na Internet porque queria comer uma pessoa e, entre vários candidatos, um se ofereceu realmente e foi devorado por ele. Existe uma coisa, um desvio, uma perversão que no lado mais ameno e mais normal se dá numa relação amorosa, que são grandes "entredevorações".

Sua pesquisa mostra como que na poesia, do parnasianismo ao romantismo, a mulher passou a ser representada de flor a fruta, ou seja, de algo para ser visto a algo a ser comido, do jardim ao pomar. Depois as metáforas passaram a comparar a mulher a animais que o homem deveria caçar se quisesse comer. Essa ligação da culinária e do amor é um traço evidente do canibalismo amoroso.

Sim, faz parte desse canibalismo masculino, como existe um canibalismo feminino. Em alguns animais, alguns insetos, a fêmea é a devoradora; assim como existe um grande mito no imaginário masculino, sobre o qual eu falo no Canibalismo: o mito da Vagina Dentada, o grande medo da grande mãe castradora, como os folclores todos trabalham isso, e como é que até a ficção moderna trabalha isso. O José Rubem Fonseca, por exemplo.

Freud disse assim: "A grande questão para a qual não encontrei nenhuma resposta durante trinta anos de pesquisas sobre a natureza da mulher é a seguinte: o que elas querem enfim?" Você, marido da Marina Colasanti, já tentou esboçar alguma resposta para esses enigmas? Por que tememos tanto as mulheres? O que elsas querem afinal?

Primeiro porque elas são seres superiores. São adoráveis, mais inteligentes. Em segundo lugar, existe uma resposta para essa pergunta do Freud, eu até fiz uma crônica sobre isso, que é uma parábola sensacional que não vai dar pra você contar, porque é muito grande, que remete à lenda do Rei Arthur.

Ah, pode contar!

Ela começa quando o Rei Arthur, ainda jovem, invadiu o terreno de um rei e como punição foi condenado à morte. E o rei falou que ele só poderia escapar da morte se conseguisse resolver a seguinte questão: o que querem as mulheres? Há todo um desenvolvimento disso e a solução que se encontra é uma coisa maravilhosa. O Arthur contou isso para um colega, um dos cavaleiros, que disse: — Eu vou resolver esse problema pra você. Eu soube que tem uma bruxa na montanha que tem a resposta. Esse cavaleiro era belíssimo, inteligente, e então foi lá no lugar do Arthur e falou com a bruxa. — Escuta aqui, tenho um problema e preciso saber: o que querem as mulheres? A bruxa falou assim: — Olha, eu posso te contar, mas tem o seguinte: você tem que casar comigo. Só se você casar comigo eu respondo. E para salvar o amigo, casou com a bruxa. — Vou te contar na noite de núpcias. No banquete a bruxa estava comendo, toda desgrenhada, sem dente, vesga, jogando comida no chão e o pessoal se perguntando: pô ele vai casar com essa mulher? Aí quando ele entrou no quarto nupcial, perguntou: Bom, então me diz agora, finalmente! Estamos casados! A bruxa disse o seguinte: — Eu vou te fazer uma revelação. Eu sou bruxa de dia, mas de noite eu sou outra pessoa. E se transformou numa mulher deslumbrante, a mulher mais deslumbrante que qualquer homem pode imaginar, nem precisa descrever, cada um descreve a sua. E apareceu aquela mulher! Na alcova do cavaleiro! E aí a bruxa transformada na bela mulher disse: — Mas você vai ter que decidir com qual de nós duas você quer ficar, a bruxa ou essa deusa. Aí o cavaleiro, como era um cavaleiro mítico, um herói, de caráter sem jaça, um sábio, disse para ela: — Você decide. Você é que decide quem você quer ser. Então o resultado dessa melódia é: o que querem as mulheres? As mulheres querem ser o que elas querem ser, e não o que os homens querem que elas sejam.

Fale um pouco sobre as estratégias compensatórias pelas quais driblamos nossas frustrações, um assunto que explora bem em sua obra.

O imaginário humano é muito rico, ele desliza muito. Há um princípio básico da psicanálise que continua válido até hoje porque na verdade corresponde até a uma lei da Física e da Química: assim como Lavoisier disse que tudo se transforma, em termos de psicanálise e inconsciente Freud mostrou, entre outras coisas, que nós não suportamos nenhuma frustração. Nós não abrimos mão das coisas; nós substituímos. Então o nosso imaginário vive fazendo substituições. Se você não pode ter uma coisa, troca por outra, consciente ou inconscientemente, dentro de um jogo que a psicologia chama de redução da dissonância cognitiva. Você quer casar com uma mulher, ela não gosta de você, mas você casa com outra, em outras circunstâncias. Mas você tem que "justificar" aquele casamento. Então você diz: casei mas ela é rica né? Ela me dá tudo, e tal, eu não preciso trabalhar... Tem que ter alguma vantagem! Eu trabalho naquela empresa ali, eu não gosto muito não, mas me pagam muito bem. E assim por diante. Então isso existe em relação a tudo. A parte erótica, a parte amorosa, social, econômica...

Proust dizia que muitas vezes o escritor só encontra a sua verdadeira personalidade no texto. Será que isso explica o fato, por exemplo, de uma pessoa escrever coisas maravilhosas, humanistas, mas na vida real ser um crápula, um monstro?

Nós temos várias pessoas dentro de nós. Fernando Pessoa não inventou nada de extraordinário. Ele apenas contextualizou uma esquizofrenia que todos nós temos. Balzac criou tantos personagens que diziam que ele estava fazendo concorrência com os cartórios, de tanta gente que ele tinha criado. Ele era todas aquelas pessoas e também não era. Então o escritor é isso. Aliás isso é até terapêutico. Inclusive no teatro eu acho que isso é mais terapêutico ainda. Quando você faz psicanálise, às vezes você pode entrar para a terapia de grupo. Você vê nos seus colegas uma série de reflexos seus que te ajudam. Então você pode tratar-se através do psicodrama, cada um representa uma série de obsessões, de fobias, de fantasias e põe aquilo para fora em termos de catarses que exorcizam. Um ator um dia representa um amante, um dia um assassino, um dia um pai, um dia um filho, empregado, patrão, ele está exercendo um universo dentro dele terapêutico incrível. E o leitor é isso também. O leitor vai encarnando. O espectador de celebridades é a mesma coisa. A pessoa que está vendo Darlene queria ser também célebre, condena a Darlene por uma série de ações, mas também fica meio siderada com a fama. Há uma transferência.

Você que é um pensador do amor, responda aí essa última pergunta, inspirada em Saint-Exupery: somos responsáveis por aqueles que nós cativamos?

De alguma maneira sim. Mas a sua relação com alguém nessa troca de emoções, de afetos, de conhecimento, deve também fazer com que o outro cresça, que o outro não seja um dependente, de tal maneira que haja uma relação de maturidade, uma relação adulta. O outro não deve ser tratado nunca como uma criança, mas com respeito. E vice-versa.

Affonso Romano de Sant‘Anna, muito obrigado pela entrevista. Foi um grande diálogo e certamente vai inspirar muitas idéias nos leitores.

Fontes:
Portfólio André Azevedo da Fonseca
Matéria publicada no Revelação (jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba) n. 284, em 4 de maio de 2004
Fotomontagem - José Feldman