terça-feira, 24 de março de 2009

Lino Vitti (Castelo de Poesias)



VELEIRO DO AMOR

Coração - débil barco aventureiro -
pelo oceano do amor, toma cautela.
Pode surgir um vendaval traiçoeiro
que te arrebate e te estrçalhe a vela.

Perscruta o rumo. Sobre o mar inteiro
se prepare talvez árdua procela.
Busca horizontes claros, meu veleiro,
onde o sol brilha e o mar não se encapela.

Não te faças ao largo em demasia
que vem a noite horrenda e a treva zas
queira roubar-te a luz que te alumia.

E então sem rumo, sem farol, sem paz
quiçá não possas mais voltar um dia
à mensa praia que deixaste atrás.

FLORINDO CORAÇÕES

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.

SER MONTANHA

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talves deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe,a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.

MINHA ESCOLA

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.

TAPERA

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux,como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
ascercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d´antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.

AO PASSAR DO VENTO

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuves no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.

FLOR SEM NOME

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
- coraçãozinho triste espetado num sabre .

À noite, na penumbra, em suste se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar...

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.

POETA À ANTIGA

Quando o enxergam passar - passos pequenos,
a face magra, quieto, entristecido -
lançando às vezes , no ar, mudos acenos
em gestos de abraçar o indefinido;

Quando o enxergam passar(e o seu ouvido
não atende aos insultos dos terrenos)
todos, num quase acento comovido,
dizem:"deve ser louco, mais ou menos..."

Um dia (nem eu sei como se deu)
conversamos...Contou-me todo o seu
viver, cheio de angústias e revezes...

É poeta!...Arrependo-me dizê-lo
pois eu sei que dirão, agora, ao vê-lo:
-"Poeta?... Então é louco duas vezes!"

NOITE CAMPESTRE

Noite de estio. Na fazenda.Espicho,
cansadíssimo, o corpo langue ao longo
do leito,e, levemente, sem capricho,
por qualquer devaneio a mente alongo.

Insônia.Beliscões de carrapicho,
businadas sutís de pernilongo...
Trissam grilose inquieto camundongo
rói aqui, fuça ali, rasgando lixo.

O quarto, uma fornalha. Estalam vigas;
pelo telhado rufla uma asa tonta.
descem guinchos diabólicos de briga...

Fora, no pez da noite,andam fantasmas;
súa estrelas o céu, de ponta a ponta,
piam corujas nas distâncias pasmas!

VELHO CASARÃO

Casarão - mausoléu glorificado-
a entesourar recordações mediúnicas.
Rotas paredes - testemunhas únicas -
da história milenar do seu passado.

Solitário solar de horror povoado,
de duendes e fantasmas de alvas túnicas.
O chão ressuma ainda ondas budúnicas
e há um cavo estalar de ossos no assoalhado.

No silêncio da noite o casarão
revive pelos velhos aposentos
os dramalhões brutais da escravidão.

E quando entre os desvãos do amplo telhado
ganem soturnamente, os longos ventos
são gemidos de um negro chicoteado.
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Fotomontagem por José Feldman, em cima de imagem (Castelo) de http://www.pititi.com

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