quinta-feira, 2 de julho de 2009

Roberto Gomes (1882 – 1922)


O que mais impressiona na literatura dramática brasileira é quando nos deparamos com aqueles autores singulares, praticamente desconhecidos e que ficam com parte significativa da obra teatral inédita, e que, por vezes, por mais que os estudiosos ou 'testemunhas dramatúrgicas' lhes propaguem as qualidades literárias e teatrais, os textos não saem das gavetas e prateleiras, ou seja lá onde se amontoem a literatura dramática do Brasil.

Assim também se dá com Roberto Gomes, nome tão simples mas de dramaturgia tão complexa e que não pode ser dividida. Autor que se deixou viver muito pouco, se suicidou aos 40 anos, e de obra não tão grande, porém não menos expressiva, queda-se no esquecimento, considerando ainda que à época de vida do autor o teatro brasileiro passava uma daquelas suas fases de crise, ou seja, tudo se fazia no palco menos teatro. Estamos entre 1897 a 1922, período ativo de dramaturgia para Roberto Gomes.

Autor de um refinamento de cultura e expressão muito agudos, adquirido nos estudos ora no Brasil ora na França, podemos dizer que é o autor certo para a hora errada. A consistência dos diálogos e de temas fez de Roberto Gomes um exemplar único da sua época e de sua geração, talvez único na dramaturgia brasileira.

A semana de arte moderna ficou manca de teatro e talvez isso tenha afetado o autor profundamente, pois que já esquecido em vida e com sérios problema de depressão, pôs fim a sua vida às 22:30 do dia 31 de dezembro de 1922. Não seria o único injustiçado das artes brasileiras e, especificamente, injustiçado pela semana de arte moderna. Considerando os temas de suas peças em comparativo com o teatro brasileiro de então e a busca pela qualidade dramatúrgica, há que se ter um desconto pelo seu excesso romântico e poético nos textos, mas que com elencos de primeira linha seriam não só obstáculos vencidos como seriam um laurel para as montagens.

O estilo de Roberto Gomes não é de vanguarda, dando um valor superior à palavra, mas sem esquecer a 'vida' do palco. Trata o autor de colocar pequenos discursos com idéias e ideais nas personagens, mas é de se ressaltar que estes pequenos discursos não afetam o andamento das peças, nem seus ritmos. Ainda que o ritmo da dramaturgia de Roberto Gomes seja mais lento do que a vida, digamos assim. O autor coloca uma série de convenções próprias, que vão se revelando minuciosamente e com uma inteligência de palco incrível ao longo do próprio enredo de suas peças.

O tema fundamental do autor é o tempo e a impossibilidade, do amor, da felicidade... ou seja, seus temas estão muito ligados a dramaturgia francesa de sua época, da qual era um confesso admirador, como de Henri Bataille, por exemplo, e nas letras em geral como Marcel Proust.

Há que ser entendido que Roberto Gomes era filho de um banqueiro com uma dama da sociedade parisiense, foi educado nas primeiras letras escolares em Paris, e lá uma vez mais foi onde começou a se impregnar de teatro, seja atuando ou tentando começar a escrever suas peças, ou ainda tocando sua música. Roberto era um exímio pianista, havendo estudado em Paris, onde se bebia os compositores simbolistas, modernos e de toda a sorte de pianos deprimidos, o que certamente teve profunda influência em sua dramaturgia. O autor, embora nascido no Rio de Janeiro em 12 de janeiro de 1882, começa a escrever suas peças em francês, e depois as traduz quando retorna definitivamente ao Brasil em 1897. Porém, é de registrar que isto não prejudica a dramaturgia de Roberto Gomes, nem mesmo os temas abordados pelo autor. Temos que fazer duas considerações nesse assunto, para que não seja mal interpretado nosso autor em tela. Roberto Gomes escreveu em francês quando residia na França, peças estas que tinham um elevamento de tema, sem colocações sociais precisas (até porque ainda não existia propriamente o teatro social, este se conforma como uma existência em si a partir de 1920 com Erwin Piscator, na Alemanha), restringindo as dores dos personagens ao ambiente burguês, que predominava em Paris, e no Rio de Janeiro também, e em qualquer lugar de cultura ocidental onde houvesse burguesia europeizada. Assim as peças poderiam até estar em servo-croata e não perderiam sua validade intrínseca. A outra consideração, é que o Rio de Janeiro da época do autor era de tal forma parisiense que em nada se perdem os textos. O Rio era uma cidade então capital do país, mas que propriamente não fazia parte deste país. Havia um banqueiro que mandava suas camisas serem lavadas na França por causa das águas do Rio Sena, para se ver a que ponto chegava a burguesia carioca de então, na tentativa de reproduzir a vida de Paris!

Os textos de Roberto Gomes que seguem a sua moradia no Brasil, já com ambientações em salões de Petrópolis e outros elitismos, fixam exatamente este exagero de tentativa da reprodução de Paris nos trópicos, sem entretanto serem críticos em relação a isso. Eles ambientam os salões da burguesia carioca e fluminense com busca de identificação, inclusive, do próprio autor que freqüentava estes salões.

Roberto Gomes escreve em prosa, mas com ritmo de poesia. Seus textos contam sempre com acabamentos literários perfeitos, e ainda teatralmente bem compostos. Única no gênero da literatura teatral brasileira, a obra de Roberto Gomes ainda está por ser verdadeiramente descoberta pelos homens de palco do Brasil.

Vale conferir a publicação de suas obras completas pela FUNARTE/IBAC, ou seja lá que nome tiver atualmente o órgão cultural do governo; atentos, sobretudo, às peças A Casa Fechada e Ao cair da tarde.
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Abaixo veja a peça teatral A Casa Fechada, na íntegra
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Fonte:
Marcos André Tavares , no artigo Roberto Gomes, um raro simbolista para O Cisco Tonitruante

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente trabalho acredito que árduo ,mas muito precioso.Para mim foi de grande valia, pois achava mesmo que essa obra era pura poesia. Obrigada por construir este site muito bem elaborado e ainda por cima lógico e claro coisa rara nos nossos dias.
Que alegria tive em ver que eu não estava delirando, mas sim consultando meus registros mentais e dessa forma vi que não tinha nada a ver com filosofia própriamente dita, mas sim com a agonia dos nossos dias. de certa forma o autor passa a sua angustia que por ironia é a mesma de nossos dias.
Lisa sheila Arguello Marcos