quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Kavera (O Amigo Esquisito)



Detestava conversa. Foi sozinho, como sempre ia, a um bar alemão onde havia o péssimo costume de se dividir a mesa com estranhos, caso estivesse lotado.

Foi logo se estressando...

— Pô, não está vendo que a mesa tá ocupada?

— Estou, mas, e daí?

— Como, e daí?

— Mas essa cadeira está vazia!

— Mas a mesa não!

— Mas eu não me sentarei na mesa e, sim, na cadeira.

— Mas essa cadeira está na minha mesa, não tá vendo?

— A cadeira ou a mesa?

— Vem cá, você é louco, é?

— Bem, se eu for, a minha resposta não terá nenhum valor técnico, apenas nominal.

— Ah, confirma?

— Essa sua pergunta descende de uma indagação minha, estando, portanto, atrelada a ela.

— Como assim? Que papo é esse?

— Bem, se você estiver correto e eu for louco, as minhas respostas serão meros devaneios. Logo, se estamos conversando, o nosso diálogo é insano.

— Insano é você, louco! Sai fora!

— Não posso. Estamos conversando.

— Eu não! Não tô conversando nada com você, ô maluco! Doido!

— Claro que está! Acabou de dizer “doido” pra mim. Não vê? Estamos dialogando.

— Que droga, meu Deus! O cara é doido de tudo! Que azar!

— Não acho! Acho até sorte sua!

— Sorte? Chama isso de sorte? Tô numa conversa franca aqui com o meu amigo, você chega e me interrompe assim? Isso é sorte, é?

— Você não iria aguentar muito tempo com esse seu amigo esquisito aí! Os algoritmos dele estão ó...!

— Algoritmos? Esquisito? Por acaso está chamando o meu amigo aqui de esquisito?

— Sim, estou. Mal consigo vê-lo! Tampouco ouvi-lo!

— Ele é discreto. Bem diferente de você, né?

— De fato, eu sou visível e falo, portanto somos significativamente diferentes.

— Hum...

— Mas podemos ter algo em comum.

— Ah é? O quê, por exemplo?

— Você! Você seria a nossa interface.

— Interface? Que papo doido é esse?

— A nossa ponte, o nosso elo. Você nos conecta um ao outro. Quando ele falar alguma coisa, você traduz para mim. Simples, não? Porque, olha, sinceramente, não consigo entender absolutamente nada desse seu amigo aí.

— É, pra entender tem que ter inteligência, sabia? Não é pra qualquer um não.

— O meu cérebro é bastante limitado, tenho que admitir. O meu sistema ocular insiste em não vê-lo.

— Ver quem?

— Ora, o seu amigo aí.

— O meu amigo? Escuta aqui ó, vou sair fora, tá legal? Você é piradão mesmo! Fique aí com ele, já que devem ter muito em comum. Tchau pra vocês dois.

— Tchau. E obrigado, hein? Estava mesmo procurando uma mesa só pra mim.

Fonte:
- Kavera. Bazófias peristálticas: cronicas de botequim. SP: Marco Zero, 2005.
- Imagem = http://www.flickr.com

Nenhum comentário: