quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Fabio Wentraub em Xeque



Fabio Weintraub nasceu em 1967, em São Paulo. Além de poeta, é editor, produtor cultural e psicólogo. Seu recente livro de poemas "Novo endereço" (Nankin, 2002) recebeu o prêmio Cidade de Juiz de Fora, promovido pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira (FUNALFA). É um dos fundadores do grupo Cálamo, que desde 1990 se reúne para discutir, estudar e produzir poesia. Nesta entrevista exclusiva, Fabio fala de sua intenção em realizar um trabalho poético que contenha um lirismo civil, voltado para os dilemas da pólis, e de sua opinião sobre a crítica literária, entre outros assuntos. Abrindo a subjetividade para a crise da realidade urbana contemporânea, Fabio experimenta as cenas e situações das ruas como quem vive um exílio doloroso. Também é autor de "Toda mudez será conquistada" (1992) e "Sistema de erros" (1996). Colabora regularmente com a revista Cult e integra a comissão executiva da revista Rodapé.

WEBLIVROS: Alardeia-se que o discurso da poesia vive um momento de crise, mais especificamente que o discurso lírico estaria condenado à extinção, não apenas pelo choque do século das vanguardas, mas também pelo contexto multimidiático e massificante em que vivemos, que tende justamente para a despersonalização. No entanto, seus poemas são insistentemente líricos, incorporando de modo intenso os estilhaços desse cenário triste e desencantado. A retomada do lirismo, nesse momento, seria uma atitude ousada, mais que um retrocesso? E que proposta de lirismo é essa?

FABIO WEINTRAUB: Penso que é preciso desconfiar um pouco desse alarde sobre a crise da expressão lírica, "ameaçada de extinção" nas condições históricas contemporâneas. Juízos apocalípticos - da mesma forma que os surtos maníacos de otimismo - são o que não falta: basta um pouco de memória e encontraremos desmentidos sucessivos para tão fatais profecias.

Além disso, é bom também lembrar que a exaltação da individualidade e da natureza, que está no cerne da expressão lírica, costuma ser justamente uma forma de reação contra fraturas sociais que colocam em xeque os processos de individuação.

O que você identifica no meu trabalho como uma "retomada do lirismo" parece-me, salvo engano, corresponder a um movimento mais coletivo de alargamento do nosso horizonte expressional pela relativização (quebra de hegemonia) do discurso racional-construtivista herdado de João Cabral e das vanguardas dos anos 50-60. Tal discurso dominou, para o bem e para o mal, a cena poética contemporânea até, digamos, o fim da década de 80. Em nome do rigor e do experimentalismo, catequizaram-nos dentro de uma ideologia da competência artesanal que desqualificava como frouxas, verborrágicas, sem "domínio da linguagem" as poéticas afeitas à expansão da subjetividade. O preço pago pela conquista da exatidão foi, no pior dos casos, uma poesia ascética, desfibrada.

É claro que o fundo autoritário dos slogans de vanguarda ainda subsiste, a julgar pela fé arrogante de alguns epígonos e pelo recurso reiterado às excomunhões. Porém, de uma maneira geral, vivemos um momento de distensão de que dá testemunho a diversidade de procedimentos, temas e preocupações presentes entre os poetas deste começo de século.

No que se refere mais especificamente ao tipo de lirismo por mim "proposto" (a palavra é ruim, pois a intencionalidade em questão não é de tipo programático), sirvo-me desavergonhadamente do que disse a poeta e crítica Priscila Figueiredo na apresentação ao meu mais recente livro, Novo endereço. Ali, ela faz ver de que maneira a intensidade lírica associa-se à reflexão social sob o signo do fracasso, isto é, a subjetividade enlaça a vida popular, abre portas e janelas ao vento do espaço público nutrida pelo "forte sentimento de exclusão e desagregação".

Ver exatamente como ocorre essa associação em cada poema demandaria um tempo de que não dispomos. De qualquer modo, como já declarei em outra ocasião, meu lirismo, que não é só meu, tem ambição civil: busco uma poesia cada vez mais transitiva, porosa às contradições do processo de modernização conservadora tal como se deu no Brasil. Trata-se de um caminho, ao que tudo indica, palmilhado por muitos neste momento. E não me refiro apenas a poetas, mas também a uma certa vertente da nossa prosa de ficção dedicada ao retrato mais brutal das nossas mazelas, por meio de uma escrita muito rente à realidade, aos efeitos da violência globalitária (autores como Marçal Aquino, Fernando Bonassi. Marcelo Mirisola, entre outros). O risco aqui prende-se ao hipermimetismo (Bosi), isto é, a um tipo de figuração que é mais reflexo que reflexão, que imita sem compreender, ou seja, sem a "distância" necessária para a inteligência dos conflitos subjacentes à matéria retratada. Na distância entre a forma conciliada e a realidade não-conciliada, reside o potencial crítico da arte, que é mimese e contradição a um só tempo (Adorno).

Mas tal risco, que talvez apareça com mais nitidez na prosa, também vale para esta poesia em que os espaços público e privado da vida contemporânea se tocam e interpenetram. O risco de concessão superficial ao pitoresco, ou de subestimação dos conflitos - por ímpeto estetizador, pieguismo populista, engessamento de perspectiva, formalização precária - é enorme. Chico Alvim, por exemplo, é um poeta que enfrenta esse risco com maestria porque se abre à fala alheia com uma "simpatia" que não apaga as divisões sociais. Isto é possível graças ao apuro formal, à combinatória de perspectivas, ao minimalismo das elipses de Alvim que, seguindo de certa forma a lição concretista (cabralina, oswaldiana...), lhe deu lastro histórico (Schwarz).

No entanto, outras soluções são possíveis (e necessárias).

WEBLIVROS: Seu novo livro traz algumas vertentes marcantes: há poemas nitidamente autobiográficos; outros que fazem uma apreensão crítica de cenas urbanas; e uma terceira, em que predominam os poemas com forte transfiguração imagética, muito próximos de uma dicção surrealista. Trata-se de caminhos explícitos de sua poética hoje, ou não existe um planejamento em seu trabalho?

FW: É difícil falar em "planejamento" na medida em que as forças em jogo em qualquer trabalho artístico (pulsões infantis, modelos de desempenho formal, variáveis ideológicas etc) sempre operam para muito além dos limites estreitos da consciência.

Quanto às três vertentes que você identifica no livro, aceito a classificação com alguma reserva, mas explico o porquê. Muitos dos poemas que você chama de "nitidamente biográficos" (poemas como "Mãe", "Pombos" e "Pai") são construídos a partir de uma "apreensão crítica de cenas urbanas" (a cidade entendida não apenas como cenário, mas como campo de relação, foco de um certo tipo de sociabilidade).

Igualmente, no grupo de poemas com dicção mais "surrealista", entram alguns elementos biográficos/domésticos bem como o sentimento de exílio, gerado a partir de uma relação agônica com a cidade.

Esse sentimento de perda do "direito à cidade" se impõe de várias maneiras, já desde a epígrafe, extraída do livro A gravidade e a graça, de Simone Weil. Weil nos ensina que entre uma cidade regida por mecanismos de exclusão social e uma cidade totalmente destruída há pouca diferença, pois é difícil sustentar no pensamento a existência autônoma e independente do que não nos pertence. Nesse sentido, uma cidade como Jenin - Ariel Sharon certamente nunca leu nem sequer uma linha de Simone Weil - pode não estar muito longe de São Paulo, ainda que a violência aqui assuma uma forma talvez menos ostensiva e indignante.

Veja que a imagem do exílio retorna na hipógrafe de Martin Buber (como Simone Weil, um autor judeu da primeira metade do século passado), ligando o livro, quem sabe, ao velho tema do judeu errante.

A internação descrita no poema "Mãe" também pode ser lida como a repetição da mesma perda, assim como o poema "Óvni" e todos os poemas com referências ao pé moído na errância pela cidade inviável ("Calcanhar de Vênus", "Tigre", "Montepio", "Pai").

Assim, penso que as diferentes vertentes mencionadas por você se articulam a partir desse núcleo comum.

WEBLIVROS: "Novo endereço" representa uma continuidade em relação a seus livros anteriores - "Todo mudez será conquistada" e "Sistema de erros" - ou você acredita que houve uma ruptura? Como você o relaciona com seus trabalhos anteriores, incluindo as experiências com o grupo Cálamo?

FW: Para mim há uma ruptura muito clara, uma mudança de projeto. Em relação aos livros anteriores houve um rebaixamento considerável no tom, o abandono de certo preciosismo vocabular, de certos jogos imagéticos, de certa dedicação à metalinguagem. Novo endereço é um livro mais machucado, nutrido pela linguagem coloquial e repleto de vários poemas com teor fortemente narrativo.

Mas é também evidente que, se você for pesquisar, encontrará algo nos livros anteriores que de alguma forma prenunciava o que pude alcançar agora, bem como, no livro atual, resíduos de obsessões anteriores. Em Sistema de Erros, por exemplo, um poema como "A rosa púrpura do Cairo", devido ao tom narrativo e à tematização da violência mutiladora contra a mulher, antecipa à sua maneira algumas questões de Novo Endereço. Já o poema "E vice-versa", de Novo endereço, retoma a vertente metalingüística em nova chave, o que só foi possível pela prevalência do erro sobre o sistema; da mobilidade do que é precário sobre a necessidade de organização.

WEBLIVROS: Percebe-se um diálogo cerrado com Manuel Bandeira, crítico-criativo e não meramente reverencial, nos poemas de "Novo endereço", mais até que com Drummond, autores que você admira e estuda. Como você enfrenta suas angústias de influência e como tais angústias se refletem nos seus textos? Como você lida com a tradição?

FW: Influência, angústia, diálogo com a tradição, herança. Eis um terreno verdadeiramente minado, no qual a própria forma de designar possíveis filiações entre autores suscita uma série de problemas.

Vejamos. A lição presente em um texto como "Tradição e talento individual" escrito por Eliot em 1917, encontra-se hoje, ao menos entre os poetas minimamente informados, bastante difundida. A idéia de que devemos ter consciência "não apenas da caducidade do passado, mas de sua presença" (a insistência quanto ao fato de que a obra original não é aquela que volta as costas à tradição, mas a que incorporando-a, reordena o conjunto das obras existentes), tornou-se, por assim dizer, quase um consenso entre os escritores de senso. Poucos são os que, ainda hoje, sentem romanticamente o "borbulhar do gênio", supondo que farão uma obra-prima apenas com o que lhes vai na cachola, sem tomar nada de empréstimo a outrem.

O que há talvez de novo na consciência de débito com a tradição é a metamorfose da idéia de filiação numa espécie de grife ou selo de que os poetas se servem para se autolegitimar. Ou seja, dependendo da maneira como se insira, real ou imaginariamente, na tradição, o poeta alcançará maior ou menor elevação na bolsa de valores literários. Curiosamente, nesses casos, a "angústia de influência" (Bloom), a idéia de que sempre se escreve contra um texto-modelo que nos oprime, transforma-se em "euforia da influência", isto é, em meio para alcançar prestígio e exercer (mais que sofrer) influência.

Assim é comum ver poetas declarando-se herdeiros deste ou daquele autor conforme a conveniência. "Fulano é herdeiro de Drummond..." Mas herdeiro de que forma? De que parte do espólio?

Mesmo a idéia de "diálogo", que não possui a ressonância patrimonial de "herança", é problemática também. Primeiro, porque supõe reciprocidade entre os interlocutores, o que raramente ocorre. Em segundo lugar, porque designa situações muito diversas que vão desde a citação avulsa (a intertextualidade, o pastiche pós-moderno, o servilismo de estilo) até a discussão mais consistente de procedimentos e temas a partir de um conjunto de preocupações comuns.

Da mesma forma, não deixa de ser curioso que, no terreno da crítica, o exame das influências e filiações tenha sido, de certa forma, "inflacionado". Hoje em dia já não nos surpreendemos com resenhas que praticamente se limitam a mapear o campo de interlocução de um autor ou de uma obra, não se aventurando pela análise mais concreta dos poemas nem pela emissão de juízos valorativos.

Outro equívoco usual é incorrer numa concepção meio evolucionista de literatura, ligada à idéia de progressão linear, de certa continuidade entre autores.

Como se a literatura fosse uma corrida de revezamento em que um poeta passa o bastão a outro, que o levará mais longe. Em matéria de arte, situar as transformações em termos de "progresso" e "retrocesso" será mesmo proveitoso? (Octavio Paz: "Técnica y creación, útil y poema son realidades distintas. La técnica es procedimiento y vale en la medida en que es un procedimiento susceptible de aplicación repetida: sua valor dura hasta que surge un novo procedimiento. La técnica es repetición que se perfecciona o se degrada; es herencia y cambio: el fusil reemplaza al arco. La Eneida no substituye a la Odisea").

Bem, voltando ao livro, você tem razão, sim, ao rastrear sinais da humildade terna e do lirismo bandeiriano em Novo endereço, evidente sobretudo, penso eu, nos poemas de família. Mas acho que a melancolia e o gauchismo drummondiano também ecoam de modo muito nítido, assim como a poesia andarilha de Mário de Andrade (veja-se o topos do calcante pede, tão bem destacado na já citada apresentação de Priscila Figueiredo) e, em menor grau, a estrutura dramática à Chico Alvim (em poemas como "Barrabás" e "Por trás").

No entanto, uma coisa que faço sempre questão de lembrar é que, embora os escritores normalmente se sintam mais à vontade para falar de influências literárias, a literatura desempenha um papel limitado no campo de influências a que um poeta está submetido. Às vezes, a posição da janela do quarto em relação à luz, um quadro prolongado de doença na família, sapatos apertados, uma mudança efetiva de endereço desempenham um papel da maior importância na construção de uma obra.

WEBLIVROS: Em que medida uma experiência de pesquisa poética coletiva como a do grupo Cálamo pode contribuir não apenas para o amadurecimento poético dos participantes, mas também para uma reflexão mais ampla sobre a presença da poesia no cenário contemporâneo?

FW: A participação de um grupo de trabalho sistemático com poesia, como é o caso do Cálamo, certamente alimenta a reflexão de seus membros sobre a situação da poesia no mundo contemporâneo, as complexas relações entre literatura e processo social, o exame detido do perfil estilístico de determinado autor ou período etc. No entanto, faço questão de frisar duas coisas. O grupo, apesar de contar com algumas pessoas ligadas à universidade, não se dedica à pesquisa em sentido acadêmico. Trata-se de um grupo no qual a pesquisa serve para instigar os participantes no sentido da criação, ou para fornecer-lhes parâmetros a fim de melhor equacionar os problemas com que se deparam ao longo dessa prática criativa. De modo que o lucro teórico de nossas discussões carece da isenção necessária a um diagnóstico abrangente da "presença da poesia no mundo".

Outro ponto diz respeito ao caráter individual, pessoal e intransferível das "descobertas", pois não se trata de um grupo com plataforma ou atuação programática. Trata-se, mais simplesmente, de um espaço de troca e discussão no qual são desenvolvidos trabalhos de feição muito variada, sem unidade estilística ou ideológica.

WEBLIVROS: Não seria ingênuo, como muitos poetas parecem ainda fazer hoje, reivindicar para a poesia uma atenção igual ou maior que a dispensada para produtos culturais de entretenimento e de fácil consumo?

FW: Minha opinião quanto a isso costuma variar: em alguns poetas vejo ingenuidade, noutros, arrivismo, noutros ainda, uma combinação das duas coisas, tudo temperado por doses cavalares de ressentimento.

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e da indústria do entretenimento, a literatura foi empurrada para uma posição bastante marginal em nossas vidas, desempenhando um papel muito menos relevante na formação da sensibilidade contemporânea. Esse processo é, ao que tudo indica, irreversível: uma leitura pública de poesia jamais contará com um público do mesmo tamanho do que encontramos nas salas de cinema ou num espetáculo de rock.

Muitos dirão que conformar-se com tal situação é adotar uma postura elitista e impedir a formação de leitores de poesia (o que, por seu turno, agrava a situação dos poetas, sem editoras que os publiquem e jornais que divulguem seu trabalho). Seguindo tal linha de raciocínio, entra-se num círculo vicioso: já que poesia não vende, não se investe na circulação (publicação, divulgação, distribuição) dos textos, fazendo com que o público leitor se reduza e o mercado se retraia.

Acho que não é o caso de verificar aqui a validade do argumento, nem de apurar quem são os verdadeiros responsáveis pela situação acima descrita (falar, por exemplo, das políticas públicas com baixíssimo investimento em educação; do despreparo da imprensa; do conservadorismo das editoras etc).

Mas não deixa de ser engraçado, nos poetas que reclamam da pouca visibilidade midiática, a ilusão de que a eventual conquista de mais visibilidade não afetará a "liberdade" de que gozam como "outsiders". Querem ser, ao mesmo tempo, apocalípticos e integrados, para lembrar a feliz expressão de Umberto Eco.

WEBLIVROS: Tornou-se lugar-comum ouvir escritores brasileiros reclamarem da crítica, tanto a acadêmica quanto a jornalística, tidas como conservadora e elitista, a primeira, e superficial e tendenciosa, a segunda. Você edita uma revista dedicada exclusivamente à crítica literária - a Rodapé - cujos autores, em sua maioria, estão ligados ao universo acadêmico. Há mesmo um hiato entre criadores e crítica? Não haveria também uma certa indisposição dos escritores para com a crítica? Como uma revista nos moldes da Rodapé pode interferir nesse processo?

FW: O hiato realmente existe e deveria ser motivo de apreensão, uma vez que "toda crítica que se preza tem a ambição de estar à altura do que lhe é rigorosamente contemporâneo, o que é uma forma de estar à altura do que sucede às nossas vidas" (trecho da enquete com o prof. José Antonio Pasta Jr., parte integrante do próximo número da revista Rodapé).

Mas, com toda sinceridade, acho que, se tal ambição não puder ser satisfeita dentro da universidade, dificilmente o será fora dela. As resenhas de jornal se aproximam cada vez mais dos releases (os jornalistas desempenhando o mero papel de "relações públicas" das editoras), pois o compromisso da imprensa é de outra ordem, não pretende propriamente estar "à altura da vida". Até porque o ritmo de produção que nela vigora impede o estudo contínuo e a aprendizagem renovada, bem como as análises minuciosas, com maior fôlego interpretativo, necessárias para dar conta daquilo que nos é "rigorosamente contemporâneo".

Aos escritores, em contrapartida, falta muita vez isenção para avaliar o trabalho dos pares sem sucumbir ao coorporativismo, ao proselitismo ou ao polemismo estéril. Para não falar da militância anti-intelectual dos que atacam a universidade e pontificam sobre o pretenso conservadorismo da crítica acadêmica sem de fato conhecer (ou conhecendo muito pouco) o que se faz hoje sob essa chancela.

De modo geral, queixam-se os autores novos da instrumentalia inadequada com que os críticos recebem o vinho novo por eles preparado. Os críticos, por seu turno, tacham como inautêntica a novidade, questionam a procedência das uvas e se eximem de limpar o limo das barricas. Considerando a caturrice das partes, o tal vinho, velho ou novo, se converterá no vinagre com que compensaremos a falta de sal do debate.

Uma revista como a Rodapé quer interferir nesse processo, entre outras coisas, mapeando, de modo extensivo, sistemático, a produção literária contemporânea (poesia, prosa de ficção, dramaturgia), entendendo por contemporâneo "um tempo um pouco mais largo que o da indústria cultural"; conforme se lê na apresentação ao primeiro número da revista.

WEBLIVROS: Além de poeta, você também é editor de livros do selo Janela do Caos, da editora Nankin. Qual o prazer de editar poesia, esse projeto editorial inviável economicamente?

FW: O prazer de editar poesia, que você também tem, capitaneando a Weblivros, é correlato ao prazer de ler. Levar adiante a palavra alheia é, de alguma forma, estender e renovar a alegria que tivemos anteriormente, no confronto solitário com o texto.

Além disso, todas as decisões sobre a materialização física do trabalho de outros poetas (a concepção da capa, a escolha do papel, da tipologia, o objeto gráfico como fetiche) costumam ser estimulantes e exigem do editor a capacidade de conciliar (o que nem sempre é fácil), o desejo (às vezes capricho) do autor com o conhecimento das condições objetivas de produção e circulação do livro.

O contato com os autores - que, em muitos casos, tornam-se grandes amigos - também ajuda muitas vezes a iluminar a obra de que nos acercamos, não tanto pelo que eles nos dizem diretamente, mas pelo que observamos em sua maneira de agir: propondo uma diagramação diferente, sugerindo uma imagem para a capa ou comentando o texto escrito para a orelha.

A despeito da "inviabilidade econômica" do gênero, é um trabalho gostoso, viciante. Se pudesse, me dedicaria exclusivamente a isso. Faria passar pela "Janela do caos" - essa pequena fresta, fenda (atente para o logotipo, inspirado nos "rasgos" de Lucio Fontana) - todo o vento da poesia brasileira contemporânea.

Fonte:
Entrevista Por Reynaldo Damazio, para Weblivros. Disponível em http://www.weblivros.com.br/entrevista/fabio-wentraub-7.html

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