sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Daniela Schlogel (Oportunidade?)


O Jhony é muito malandro, dizem até que ele é mau caráter e quando surgiu a proposta de dar uma vaga de estagiário a ele com acompanhamento da assistente social, todos foram contra, tinha um ou outro que era a favor, não muito a favor, podemos dizer que quem era a favor, era só porque sabia que os do contra ganhariam. E entre o discurso dos do contra dizia-se:
“Ah, aquilo ali é bandido”, “Dar emprego pra ele é arrumar sarna pra se coçar”.

E mesmo assim, havia quem acreditava que dar o emprego ao menino seria proporcionar a ele algumas horas de vivência em um ambiente moralmente saudável. E mandou-se o menino para a empresa e não era uma empresa qualquer, era uma empresa pública, economia mista e coisa e tal. No primeiro dia de trabalho colocaram-no para picotar papel, toda a manhã, e enquanto isso os funcionários trataram de espalhar a boa nova aos outros funcionários ainda desinformados.

”Aquele ali já foi preso num sei quantas vezes”, “Se eu não me engano já vi ele no programa Aterrorizando a Massa”.

E assim entre picotes de papel e nenhuma cordialidade dos companheiros chegou ao fim o primeiro dia de trabalho de Jhony e é claro que passou pela cabeça dele inúmeras observações:

“Será que vou passar o mês inteiro picotando papel?”, “Nem pra ter uma telefonista gatinha nesse lugar”, “Olha o tipo desse careca, fica só me olhando de cara feia”, “Ia ser mais massa se tivesse alguém pra conversar”.

No segundo dia o novo estagiário foi até sua orientadora de referência para saber a ordem do dia e ela foi categórica

– “Como você já picotou todo o papel e hoje eu tenho muitas tarefas financeiras as quais você não pode auxiliar, vai cuidar do nosso Laboratório de informática, fica ali na última porta a esquerda, não vai muita gente lá, todos os computadores devem ficar desligados e se alguém for até lá você deve ligar para pessoa utilizar e anotar o nome e o tempo que a pessoa permaneceu fazendo uso do mesmo. Sabe ligar o computador?”
– “Sim Senhora”.
– “Então pode ir”

E lhe passou as chaves. Jhony entrou naquela sala silenciosa, sentou-se e mais um milhão de observações lhe passaram na cabeça, estava sentado, olhando pro nada e com um “bico” que demonstrava indignação, quando chegou o careca, aquele careca que só ficava olhando pra ele de cara feia e a primeira pergunta que o careca fez foi

– “Por que você teve passagem?”

O menino não entendeu bem a pergunta e ele se explicou dizendo que queria saber o que o menino tinha feito de errado para ter sido apreendido, sem pudor nenhum. O menino contou ao careca que se desdobrou em perguntas, a cara do careca tinha mudado de descaso para interesse e isso fez o menino se sentir o grande protagonista, afinal ele tinha a atenção do careca e mais que isso ele despertou o interesse de outra pessoa, coisa que não lembrava ter acontecido muitas vezes desde a infância. Todos os fatos que o menino descreveu ao careca, é claro, chegariam aos ouvidos de todos os outros funcionários, mas o menino nem pensou nisso e nem em imagem perante aos colegas e nem em nada, a verdade é que o menino se embriagou na sensação de “ser interessante”.

Quando o careca deixou a sala, o menino estava convencido mesmo sem saber de que era realmente “do crime”. Era aonde as pessoas lhe reconheciam como pessoa. A experiência profissional estava reafirmando sua situação de exclusão. Ele teve a oportunidade, mas não aceitação e muito menos o pertencimento.

Antes de sair naquele dia, Jhony abriu um computador e tirou uma peça, ele nem sabia para quê servia, mas sabia que devia valer algum dinheiro. Escondeu a peça e não soube bem como fechar o gabinete aberto do PC. Foi embora e nunca mais retornou ao local. Aqueles que já não acreditavam no menino desde o início usaram a tão famosa frase “Eu já sabia”. Há alguns que dizem que isso se trata da profecia que se autocumpre. Todos nós queremos ser alguma coisa independente do que seja.
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Daniela Schlogel é educadora em Foz do Iguaçu, Pr.

Fontes:
Jornal Guata. Foz do Iguaçu
Imagem = http://oglobo.globo.com/blogs/moreira

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