domingo, 31 de janeiro de 2010

Paulo Nunes Batista (Goiás Poético)


LIÇÃO DA PEDRA

Não basta olhar a pedra.
O importante é saber
que ela também nos vê
com seus mil e um olhinhos de pedra.
Já pensaste em sentir a alma de cada pedra?
Já buscaste saber - antes de usá-la -
se ela quer ser só pedra de alicerce
ou se prefere ser estátua?
João Cabral nos falou sobre a Educação pela pedra.
É que a pedra tem vida e sabe muitas coisas
quer da Esfinge, das Pirâmides do Egito,
das ruínas de Machu Picchu, de Stonehenge,
dos Himalaias com seu Pico do Everest,
das estátuas da Ilha da Páscoa e da Muralha da China
e dos tempos que vêm desd a Idade da Pedra
e antes, do muito antes, quando neste planeta
só ela - a pedra - águas e areias havia...
Não. Não basta ver a pedra.
É preciso aprender cada Lição da Pedra.

MINHA FILHA

Em memória de minha querida
neta Euliana

Darei a minha filha
o nome de Poesia
É incrível, mas não conheço
ninguém com esse nome
Um nome tão humano
tão cheio de sonho e sugestões.
E minha filha será
bela como a Verdade
e equânime como a Justiça.
Outro nome que nunca
vi aplicado a ninguém.

Ensinarei a minha filha
a deitar-se com o Amor
e a erguer-se com a Harmonia.
E lhe darei as ferramentas
para lapidar seus desejos
os brutos diamantes do instinto
para que brilhantes sejam
entre as mais límpidas estrelas.

Seus seios verterão flores
e sua boca música
e ela perfumará com seus dedos
o que quer que alcancebr> com seu manso toque mágico.
Dos olhos de minha filha nascerão auroras
A Noite dormirá em seu sexo
e anjos bailarão ao ritmo de seus passos.

Seus beijos serão vôos místicos
beija-florindo as manhãs
abrindo asas na tarde
antes que o sol se despeça.
Farei de minha filha o meu melhor poema.
E quando eu me mudar de mim
nas inexoráveis ondas do tempo
ainda ficarei por muito espaço
dançando nas esquinas da vida
porque minha filha se chamará
POESIA.

CANTO DOS CRISTOS DA TERRA
OU
COMO NASCE UM CANGACEIRO

A Maria do Socorro C. Xavier

Cristos da terra, nascidos
na Manjedoura do NÃO:
não têm terra nem saúde,
justiça nem instrução.
Só conhecem 3 reis magos
- que sempre lhes causam estragos - :
Polícia, Imposto e Patrão.

São filhos de Zé Ninguém
e de Maria Qualquer...
Naturais de algum 'Belém'
que não se sabe onde é
e onde, entre espinhos e grota,
'o Judas perdeu as botas'
jogando mais Lucifer...

Frutos do chão duro e seco
como um rio que já foi...
Vidas de pedras agudas...
Terras de 'Deus me perdoe!'...
Essa terra, aquela vida
têm a tristeza doída
de uma caveira de boi...

Irriga as maçãs do rosto
com o chuvisco da Esperança:
luta e sofre! Sofre e espera
na Fome que a dor amansa...
Num prato - pesa a Pobreza;
no outro - o peso é da Tristeza
que sua vida balança...

Pega um fiapo de Sonho
e tece a própria mortalha.
Toca o carro... mas, encalha
nas Pedras da Solidão...
seu canto traz a Amargura
dos lamentos de um Aboio...
da cicatriz de um arroio
na Face da Sequidão!

Planta um Pé de Sacrifício
- nasce uma Flor de Saúva!
Estende a Mão para a Chuva
- e alcança o Olho do Sol...
Só lhe dão, como presente:
Pobreza... falta de escola...
Leva mais chute que bola
em campo de futebol...

Mora num rancho de palha,
dorme num jirau de vara.deixa, um dia, o 'seu' Sertão...
Seu, uma vírgula, que, dele,
não possui nem mesmo os Braços
que são, apenas, pedaços
das posses de algum Patrão...

O Patrão manda no velho,
manda na velha, na filha.
E na quadra. E na quadrilha...
na quadrinha... no quadrão...
Entonce, o Cristo da Enxada,
cansado do mandonismo,
muda o nome de batismo
pra Silvino ou Lampião...

Cristo da terra, pregado
na cruz de um cabo de Enxada,
sua alma está calejada
pelos séculos de Dor...
Traz dois olhos bem abertos
- mas anda cego de tudo:
cego, cabisbaixo e mudo
pelas terras do Senhor!

Belo dia, um desses cristos
humilhados, oprimidos,
forma no rol dos Bandidos
contra a Opressão Social...
E - é Jesuíno Brilhante,
Corisco, Antônio Silvino
ou o 'Capitão Virgulino'
- 'Justiça' escrita a Punhal!

É - Liberato, Jurema,
Moita Braba, Pitombeira,
Zé Sereno, Mão Foveira
ou 'Quelé do Pajeú'...
É - abareda - vingando
a honra da irmã sertaneja
que ficou nos 'Ora, veja'
de um 'cabo' de instinto cru...

Vai acender as fogueiras
da rebeldia matuta
- contra a força absoluta
dos senhores 'coronéis'.
É - mais um, que troca a Enxada
pela 'lei' de um pau-de-fogo,
onde a Morte ganha o Jogo
cheio de lances cruéis!

Seu 'coroné' manda-chuva
manda na vida e na morte,
no Sul, no Centro, no Norte,
no litoral, no Sertão...
Manda - porque tem dinheiro,
tem nome, poder e terra:
promove a Injustiça e a Guerra
e até 'Deus' lhe dá razão!...

Almas de lama e de aço
vivem no chão Nordestino
tentando o nó do destino
de algum modo desatar. . .
Muitos escravos da gleba,
num passado ainda recente,
tinham dois rumos, somente:
um - morrer. . . o outro - matar. . .

Com Corisco terminou
o tempo dos cangaceiros.
Mas agora os pistoleiros
fazem o que manda o patrão.
Quantas vidas são ceifadas
na base da morte paga
motivado a dura saga
do sangue ensopando o chão.

Acabou-se Lampião -
entrou em campo outro time:
o Sindicato do Crime
tomou conta do País.
No Nordeste, Norte ou Centro
cangaceiro de gravata
pra ganhar dinheiro - mata,
no seu ofício infeliz.

Quando a JUSTIÇA mandar
no Seu Coroné Mandão
- nesse Dia há de acabar
a Desgraça do Sertão:
nunca mais o brasileiro
terá outro Cangaceiro
Virgulino Lampião!

Na Injustiça Social
repousa a causa do mal.

SÊ COMO O LÓTUS

Ao amigo Paulo Jaime

Sê como o lótus, que, a raiz, afunda,
lá, na abjeta escuridão do lodo
e, ao contato da luz, abre-se todo,
só fragrância e pureza, em flor jucunda.

A flor do lótus, na matéria imunda,
no milagre da flor, põe luz a rodo.
Transmuta, pois, a escuridão do engodo,
na Verdade — que é Deus e a tudo inunda.

Às trevas, como o lótus, não maldigas.
Acende a tua humílima velinha
e aguarda a ajuda de outras mãos amigas.

Em vez de blasfemares, vai, caminha.
Ama e serve, que lótus, na alma abrigas
e o Amor de Deus não deixa a alma sozinha...

VELHAS PRAIAS

A Francisco Miguel de Moura

Ó minhas alvas praias nordestinas,
enfeitadas com velas de jangadas,
que, sobre o mar, vão leves, enfunadas
ao vento bom das ilusões meninas.

Praias perdidas na longínqua infância,
mas que retornam na sutil fragrância,
no adeus dos coqueirais, que o ser me invade...

Praias de brisas mansas soluçando...
Os olhos do Menino marejando...
E o coração chorando de saudade...

A ASA DA NOITE

A asa da noite vem, devagarinho,
adormecendo os seres, no abandono
desse torpor onírico do sono,
que deixa o ser humano mais sozinho;

e traz, no manto, a embriaguez do vinho;
da música do sonho, traz o abono.
O seu poder, de nós, se faz o dono
e abre caminhos para o descaminho.

A asa da noite, ungida de segredo,
se, às vezes, traz a sensação de medo,
é dádiva dos céus, óbolo santo:

— Ao vir da sombra, o corpo se enlanguece,
mas a alma sai de nós tal como prece,
agradecendo a Deus por todo canto.

MEU DIA

Meu dia, às vezes, passa tão de manso,
que nem lhe noto os fatos e acidentes.
Comparo esses meus dias a repentes,
que vou compondo e de que não me canso.

É como água de rio sem remanso,
que desliza no leito suavemente.
Borboletas pousando docemente
ou valsa lenta que sonhando danço.

De repente, lá surge a tempestade.
E o dia, que era calmo, então se agita
em cachoeiras de intranqüilidade.

Mas, depois disso, volta a santa calma.
E vou rolando assim, face bendita,
a refletir a paz que sinto na alma.
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Fontes:
Poetas del Mundo.
Antonio Miranda.

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