sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cecília Meireles (Escolha o Seu Sonho)


Cecília Meireles é notória por sua poesia de caráter neo-simbolista, pois tematiza, numa linguagem levemente musical, a efemeridade dos bens da vida. Diante disso, o que é terreno perderá valor em frente a uma realidade mais eterna e misteriosa e, portanto, transcendente, metafísica.

al tempero estará também presente nas 46 crônicas de Escolha o Seu Sonho. Esse gênero transformou-se no século XX, do relato histórico dos tempos do humanista Fernão Lopes, na busca de um olhar inusitado, lírico e literário sobre as coisas de nosso cotidiano.

E com a poetisa, agora prosadora, assumirá uma identidade única em nossa literatura.

Cecília Meireles enfocará em seus pequenos textos, de no máximo três páginas cada, sempre aspectos fora do terreno, decolados a partir do nosso chão comum, rotineiro.

Em “Programa de Circo” verá que os artistas, em pequenas proezas, conseguem ser transcendentes, principalmente o trapezista, longe do solo. Eis aqui o símbolo do que a cronista realiza na obra.

É um elemento que estará presente em outros pontos, como na homenagem que faz em “O ‘Divino Bachô’”, poeta japonês que tirava, em seus pequenos poemas, imagens profundas e ousadas baseado apenas em simples elementos que via em sua realidade. Enxergamos e admiramos nos outros o que queremos para nós – eis uma pista para a compreensão de Cecília Meireles.

A autora de fato tem esse dom de ir além do cotidiano banal, muitas vezes por meio da proeza de usar essa rotina como sua base. Ou então, no que ela se mostra surpreendente, não precisa viajar para longe da realidade terrena: consegue enxergar nesse plano pobre uma riqueza surpreendente.

É o que ocorre em vários instantes do livro, como em “Arte de Ser Feliz”. Nele, a cronista consegue ver, num chalé em frente à sua janela, beleza e fonte de felicidade num humilde pássaro de porcelana pousado sobre um ovo azul. Quando o céu ficava dessa mesma cor, parecia que a ave flutuava no nada.

Cecília Meireles nos parece provar que somos cegos, insensíveis à riqueza de elementos ao nosso redor. Cobra-nos uma reeducação dos sentidos e do intelecto para captar o que sempre esteve grudado à gente.

É a tese encampada implicitamente em vários momentos, mas escancaradamente em “Da Solidão”, em que prega que não devemos ter medo de ficar sós, pois de fato nunca o estamos: tudo lembra tudo, tudo tem sentido, tudo ao nosso redor carrega significados e existências que nos impedem de nos sentirmos solitários.

Uma observação que poderia ser levantada é a de que essas crônicas poderiam sofrer de um complexo de Polyanna, na medida em que demonstram uma visão saltitante, encantada e, portanto, alienada da realidade. Tudo é sonho, fantasia, alegria. No entanto, não é verdade.

Em vários momentos (“Casas Amáveis”, “Tempo Incerto”, ”História de Bem-Te-Vi”, “Vovô Hugo”, “Chuva com Lembranças”, “O Fim do Mundo”, “Semana Santa em Ouro Preto”, “Ovos de Páscoa”, “Saudades dos Trovões”, “Aberrações do Número”, “Que é do Sorriso?”) há uma crítica aos novos tempos, de industrialização, urbanização, em que, na correria, não se consegue fôlego ou disposição para realizar o olhar atento sobre os pequenos e belos aspectos de nossa existência. Sua crítica, nesses momentos, parece algo de retrógrado, ingênuo ou saudosista.

Há momentos, entretanto, em que sua visão crítica não se derrama apenas para o presente. Em “Do Diário do Imperador”, ao falar sobre os relatos de D. Pedro II, entristece-se e até derrama um certo fel ao notar que os problemas relatados no século XIX ainda se mostram atuais, principalmente no que se refere à falta de zelo em relação à pátria e à coletividade.

Consegue, pois, vislumbrar um elemento eterno em meio à efemeridade, exercício que já havia feito em “Visita a Carlos Drummond”, em que, em homenagem ao aniversário do poeta mineiro, constrói uma fantasia em que a sua família e a dele sempre se encontraram em 500 anos de História Ibero-Americana, as encarnações podendo até serem vistas como atualizações.

Todos esses elementos, como já se disse, Cecília vaza em pequenos textos em que se notam leve musicalidade e a preferência pelo vago e misterioso, como em “O Estranho Encontro”.

Lida com aspectos sofisticados em um veículo tão simples, o que se mostra mais surpreendente quando se tem em mente que essas crônicas foram primeiramente lidas no rádio, nos programas “Quadrante”, da Rádio Ministério da Educação e Cultura, e “Vozes da Cidade”, da Rádio Roquette Pinto.

Trata-se de uma proeza que faz lembrar “O Grupo Fernando Pessoa”, em que Cecília Meireles tece comentários sobre as limitações da literatura quando se utiliza do meio oral, como foi no Trovadorismo.

Não possibilitando tempo para a reflexão silenciosa, comum na leitura, o texto oral acaba-se tornando diluído, avesso a questões mais profundas. Prende-se ao momento, ao passageiro.

Porém, quando vê como os jovens lidam com a poesia de Fernando Pessoa, tão rica, entende que muitas vezes o mistério literário rompe essa barreira. É o que se aplica, sem hesitação, a Escolha o Seu Sonho.

Fonte:
Vestibular

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