domingo, 23 de maio de 2010

Aparecido Raimundo de Souza (A Misteriosa Elba)


Sentados na enorme sala pai e filha conversam sobre os acontecimentos mais recentes. Na frente deles uma televisão em volume baixo exibe um capítulo de novela.

- Quer dizer então, minha filha que definitivamente você largou seu marido?

- Sim, papai.

- E por quê?

- Fiquei sabendo que ele tem outra mulher...

- Cafajeste. Bem, não foi por falta de aviso. Você brigava comigo, me achava um chato quando eu tocava no assunto.

- Pois é, papai. O senhor tentou me abrir os olhos. Eu não quis escutar. Estava cega. Sinto ter lhe causado essa tristeza e, agora, mais este aborrecimento de voltar para sua casa quase que às pressas.

- Não é aborrecimento nenhum. Você é e sempre será bem vinda a qualquer tempo. Claro que estou me sentindo triste por você e até por ele – eu tinha o Sancler como a um filho. Só queria que ele lhe fizesse feliz. Mas, enfim, a felicidade nunca e completa. Como descobriu?

- Comecei a receber bilhetinhos anônimos. Depois telefonemas.

- E o que diziam esses bilhetes?

- Pouca coisa, tipo “se cuida, sua burra, seu marido tem outra, está te traindo”. Os telefonemas repetiam praticamente as mesmas palavras sem muitas variações.

- Ao menos descobriu quem é a despudorada?

- Sim, papai. Descobri.

- Gente conhecida da nossa família?

- Uma perua chamada Elba.

- Elba? Que loucura. Quase sua xará. Só faltou o a antes do l. Mais nova que você, mais velha?

- Mais nova. Um dos bilhetes fazia menção a 1992.

- Além de tudo o garotão aprecia mulheres mais novas? Interessante! Se essa Elba é de 1992 só tem 18 anos.

- Pai, eu tenho 35. O senhor insinua que sou velha ou que nesta idade já estaria ultrapassada para o Sancler?

- Claro que não, filha. De onde você tirou essa idéia?

- O senhor falou nesses 18 anos com tanto ênfase!

- Nada a ver, minha linda. Você, com 35, põem qualquer sirigaita de 18 no bolso. Me esclareça um ponto obscuro: onde o Sancler arranjou esse estrupício?

- Num weekend que fez ao Rio de Janeiro há questão de quatro meses.

- E onde ele enfiou essa moça desde então?

- O senhor não vai acreditar pai. Ele montou uma quitinete para ela.

- Quitinete?

- É.

- Aonde, filha?

- Na garagem da nossa antiga residência.

- Que filho da mãe! Você, por acaso, se deu ao trabalho de ir até lá para conferir?

- O senhor me conhece e sabe que tenho pavio curto. Se pintasse no pedaço, acabaria agredindo a infeliz dando na cara dela para extravasar minha ira. Para não armar barraco e perder a razão, preferi ficar na minha. Saí de casa e aqui estou. Já chega a avalanche de piadinhas que venho ouvindo das amigas.

- Piadinhas?

- Ora, pai, o senhor sabe como as pessoas gostam de rir da desgraça alheia. Minhas amigas tiram sarro dizendo que a tal da Elba veste prada.

- A Elba é prata? Quero dizer ela gosta de prata?

- Prada, pai. É alusão a um filme que estreou recentemente nos cinemas: O diabo veste Prada. Minhas colegas gozam de mim afirmando que Sancler me trocou pela Elba porque ela tem designer elegante além de um espaçoso porta malas...

- Porta malas?

- Bumbum, pai. Ela é rabuda, entende? Tem os quadris avantajados. Além de possuir... Além de possuir portas de entrada.

-Portas de entrada? Suas amigas falam de uma mulher ou de um carro?

- Claro que de uma mulher, pai. Preciso especificar quais são essas entradas? O senhor quando era moço e conheceu a mamãe não achou as portas?

Gargalhadas estridentes de ambos os lados.

- Ah, entendi. A ficha caiu. Por falar em sua mãe, que Deus a tenha, ela era o máximo da categoria: para minha época, em comparações aos dias de hoje, uma mulher um ponto cinco.

- Então, pai. A vagabunda segundo os bilhetes e a voz misteriosa dos telefonemas deixou bem evidente que essa Elba também é do tipo um ponto cinco como o senhor acabou de descrever. Um pedaço de mau caminho. Tem injeção eletrônica e atinge os oitenta em questão de segundos. É só acelerar.

O pai de Alba volta a cair numa estrondosa risada.

- Ainda bem que você não ficou pra baixo e faz piada da situação.

- Tenho outra saída? Acaso o senhor queria me ver em estado de depressão?

- Jamais. Espera um pouco, filha. Estou pensando aqui com meus botões: esses telefonemas não seriam do pessoal que alugou a casa quando vocês mudaram para o apartamento novo?

- Pensei nessa possibilidade e de pronto descartei a idéia. Quem mora em nossa (digo minha) casa hoje é um casal de velhinhos. Nenhum dos dois se prestaria a esse tipo de papel.

- Um filho, uma filha?

- Eles são sozinhos, pai.

- A voz da pessoa que liga. Como é?

- De gente nova.

- Fale da caligrafia dos bilhetes.

- Parece de homem...

- Algum vizinho?

- Talvez!

- Quer saber? Vou até lá conferir de perto e pôr essa pendenga em pratos limpos.

- Deixa baixo pai. Já sai do apartamento, passei a mão em tudo o que era meu. Na segunda procuro um advogado e fim de papo.

- Meu pai do céu, que situação. O que o Sancler diz de tudo isso? Ao menos falou com ele?

- Sim, pai. Tivemos uma conversa longa e franca. Ele nega, de pés juntos que não existe outra. Chora como uma criança e diz que me adora que sou a mulher da vida dele, e bla, bla, bla... O papo furado de sempre. No fundo é um pilantra, um safado. Eu que o amava tanto... Estou me sentindo um lixo. O maldito me trocou por uma qualquer. Só pelo fato de ser mais nova, mais bonita, mais elegante. Onde foi que errei, papai?

- Calma filha. Vamos descobrir a verdade. Amanha irei ver essa fulaninha com meus próprios olhos ou não me chamo Juarez da Costa Fiat.

- Melhor não, pai. Melhor não!...

***

Dia seguinte seu Juarez da Costa Fiat madrugou. Saiu antes das quatro da matina. Botou na cabeça que encostaria o genro na parede e não regressaria sem uma conversa de homem pra homem com o sujeito. Pegou o ex de sua filha saindo exatamente da garagem.

- Bom dia, Sancler. Precisamos conversar.

O rapaz levou um baita susto ao ver o sogro àquela hora da manhã, em pé, diante da porta da garagem.

- Seu Juarez, a que devo a honra de sua visita?

- Serei curto e grosso. Quero que me apresente a sua amante que mora ai dentro.

- Amante? Que amante?

- A Elba.

- Não é nenhuma amante, seu Juarez. Acredite em mim...

- Então abra a garagem. Quero entrar. Se estiver dizendo a verdade, lhe dou a palavra: minha filha estará de braços abertos a sua espera.

Quando seu Juarez meteu os pés dentro da garagem e gritou para que Sancler acendesse as luzes, o que o velho pai de Alba viu lá dentro, não passava de um automóvel Elba CS Fiat weekend 1.5, ano 1992, de cor prata, quatro portas, injeção eletrônica em perfeito estado de conservação.
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Observação: Este texto foi escrito pelo autor de forma humoristica devido ao fato de minha esposa se chamar Alba e eu possuir um carro Elba. (José Feldman)
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Fonte:
Colaboração do Autor.

Um comentário:

Unknown disse...

Aparecido, tiro o chapéu pra sua imaginação, rica em detalhes. Bem estruturado parabéns!