terça-feira, 17 de agosto de 2010

Francisco Miguel de Moura (Sonetos Escolhidos)


QUERENÇAS

Quero ter a vaidade dos caminhos:
dão passagem mas pouco dão abrigo.
Quero ter o orgulho do tufão,
Quero ter a tristeza do jazigo.

Quero sentir da tarde a lassidão
e a solidão da noite no deserto,
das pobrezinhas flores – o perfume,
como as nuvens – ficar no céu aberto.

Quero ter emoções de amor secreto,
sentir como se sente uma paixão,
pra cantar glórias e chorar amores.

Quero viver do ideal concreto,
quero arrancar de mim o coração,
incapaz de conter todas as dores.

SENSUAL ALICE

Foi na queda da minha meninice,
desaguando na minha juventude,
que me veio à cabeça esta virtude
de te gravar no coração, Alice.

Tu brincavas na areia, ondas salgadas
vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.
Aproveitar meu prematuro ensejo
seria um céu. Perdi nossas pegadas.

Sonho as curvas da praia, as curvas tuas
como o seio nascente que guardavas...
De tantas coisas desejei só duas.

Na noite, as mãos levíssimas de sondas...
E entre séria e risonha te afastavas,
levada docemente pelas ondas.

O QUE É A SAUDADE

Impossível saber o que é a saudade...
Uma palavra? A cor de uma tristeza?
Ou uma felicidade sem certeza
que em nós se instala como eternidade?

O que passou, passou, não é verdade?
Ou nos ficou do tempo a chama acesa?
Saudade, um não-sei-quê que traz leveza?
Ou apenas enganos, leviandade?

Está no corpo inteiro ou está na alma?
E se está, por que não nos traz a calma?
Por que nos mata assim, tão devagar?

Saudade, o teu passado é tão presente,
és uma dor que chega de repente
e que parece nunca vai passar.

O TEMPO EXISTE

Existe um tempo que sequer sentimos,
existe um tempo que sequer pensou-se,
existe um tempo que o tempo não trouxe,
existe um tempo que sequer medimos.

Existe mais: um tempo em que sorrimos,
diferente do tempo em que chorou-se,
e um tempo neutro: nem amaro ou doce.
Tempos alheios, nem sequer são primos!

Existe um tempo pior do que ruim
e um tempo amado e um tempo de canção,
existe um tempo de pensar que é o fim.

Tempo é o que bate em nosso coração:
um tempo acumulado em tempo-sim,
e um tempo esvaziado em tempo-não.

O TEMPO SEMPRE VAI

O tempo sempre vai, tempo não volta,
pois do futuro faz sua grande meta.
Caminha sem volteios como atleta,
não anda devagar nem sob escolta.

Veja o tempo da moça, ou do poeta:
Precisa sempre da cabeça solta...
Mas se em dado momento se revolta,
não volta atrás, na linha se completa.

Se o tempo humano desse para trás
seria um desmantelo em tudo mais,
a matéria em fumaça tornar-se-ia.

E, loucos, os filósofos e os poetas
trocariam as curvas pelas retas,
e nesse passo a mundo acabaria.

Fonte:
http://franciscomigueldemoura.blogspot.com/search/label/poesia

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