quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A. A. de Assis (Novos Triversos)

1
O amor fez a luz,
e as águas e os céus e a terra.
Em obras, o homem.

2
Tão simples, meu santo:
“ame e faça o que quiser”.
O resto é discurso.

3
Poeta no parque.
Enquanto caminha ao sol
vai catando haicais.

4
Com tanto edifício,
é difícil ver estrelas.
Que pena, Bilac...

5
Vaga o vaga-lume.
Vaga luz num vago mundo
procurando vaga.

6
Cigarra dá curso
de canto no formigueiro.
E a fábula acaba.

7
De longe o cheirinho
a que Adão não resistiu.
Festa da maçã.

8
Rodada de mate.
Negrinho do Pastoreio
passa bem no meio.

9
Quero-quero-quero...
que queres tu tanto assim?
– Quero a quera-quera.

10
Mindim, seu-vizim,
pai-de-todos, fura-bolo...
Ao sobrante, o piolho.

11
Tão meninas elas,
as meninas dos teus olhos.
Pedem colo, ainda.

12
Nobre girassol.
Como podem, no mercado,
chamá-lo commodity?

13
Toda prosa a rosa.
Vitória-régia-mirim
numa poça d’água.

14
Mágica é a palavra.
Beija-flor é beija-flor,
colibri nem tanto.

15
Vovó faz a sesta
na cadeira de balanço.
Reprise de sonhos.

16
Repartem-se as nuvens
em finos fios de chuva.
Festança na roça.

17
Era um fino belga.
Fez sucesso ao transformar-se
num canário brega.

18
No ap da canária
pinta o 7 o pintassilgo.
Pinta um pintagol.

19
A abelhinha, não.
Bela e útil, não lhe assenta
ser chamada “inseto”.

20
Na Idade da Pedra
talvez já se comentasse:
– É uma pedra a idade.

21
Cada tique-taque
leva um tiquinho da gente.
Para o céu, espero.

22
Longindo-se vai,
suminte, o barquinho a vela.
Quem será com quem?

23
Ah, espelho meu.
Cada vez que em ti me vejo
vejo menos eu.

24
Receita do sapo:
quem quer um sono tranquilo
antes coma o grilo.

25
Gordo flamboaiã.
Só ele no vasto pasto
dando sombra aos bois.

26
Quantas vezes, ah,
eu vi o pião rodar.
E os anos também.

27
As celebridades?...
Dê-lhes tempo e logo-logo
serão gasparzinhos.

28
Do dente por dente
ao voto por dentadura.
A lei da mordida.

29
Flores na enxurrada.
Vão ter afinal bom háli-
to as bocas de lobo.

30
Santo mesmo é o peixe.
Sequer precisou da arca
para se salvar.

31
Caminhão de flores.
Da roça para a cidade,
perfumando as trilhas.

32
Tanto foi ao brejo,
que a vaca um lírio gerou.
O copo-de-leite.

33
Cubram-se as estrelas.
Tem gente capaz de ao vê-las
lhes roubar as pilhas.

34
O parto da história:
aquele em que Adão, dormindo,
fez-se Adão e Eva.

35
Desce o rio a serra.
Colhe as lágrimas da terra
pra fazer o mar.

36
A prece da tarde.
Em coro cantam as aves
as Ave-Marias.

37
Na praia desfilam
sungas, biquínis. De gala,
um par de pinguins.

38
Trinta e tantos graus.
Passarinho, na torneira,
rouba um pingo d’água.

39
Pazinha... colher...
ou vai ser na lambeção?
Sorvete em casquinha.

40
Nuns de vez em quando
sou porventura menino.
Melhores momentos.

41
Um pingo de luz
no topo do arranha-céu.
Brincando de estrela.

42
As rosas no cio.
Sedutoramente abertas
para o beija-flor.

43
Lua cheia míngua,
de repente volta nova.
Imortalidade.

44
Triste bem-te-vi
pareceu-me estar pedindo:
- Não me roube os hífens.

45
Siri pra sereia:
– Quando eu crescer, te prometo,
serei teu sereio.

46
Garrincha e Pelé.
Depois deles nunca mais
houve igual olé.

47
Ao velhinho, o dia.
Nem passado nem futuro
têm-lhe serventia.

48
Estrelas, milhões.
Ou serão anjos brincando
de bola de gude?

49
Entre o céu e a terra,
quanta vã filosofia...
E o pior: bem paga.

50
Pois é, meu poeta:
até as crateras da Lua
de longe são belas.

51
Corrija-se a tempo.
Mais de mater que magistra
necessita o mundo.

52
Tanto pisou nela,
que a calçada deu-lhe o troco.
Dedão destroncado.

53
Antissolidão.
A cada velhinho a tela
de um computador.

54
A pomba e a rolinha.
Uma é grande, outra é pequena,
mas de paz é a cena.

55
Cala-te, canário.
Se cantas além da conta,
contas teus segredos.

56
Pobre couve-flor.
Não sendo nem flor nem couve,
finge ser as duas.

57
Gambazinhos, hummm...
Para o nariz da mãe deles,
que catinga boa.

58
Doce portuñol.
Para los niños los nidos
... y los abuelos.

59
Pousa o passarinho
na imagem de São Francisco.
Os irmãos se entendem.

60
Branquinhas, branquinhas,
voam as garças em V.
Vitória da paz.

Fonte:
O Autor

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