terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Carlos Neto (A Morte do Cão)


Esta poesia já havia sido publicada, contudo não estava completa, e não conseguia obter a parte que o completava, até que um leitor do blog, o Padre Getúlio de Alencar, possuía o texto completo, extraido de um único exemplar da biblioteca do Senado Federal em Brasília, e mui cordialmente enviou ao Pavilhão, o qual agradeço a atenção para divulgar esta jóia da poesia, triste, mas maravilhosa.
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Chamaram-no Gelert. Soberbo cão de raça
Que um caçador famoso, um doudo pela caça,
Mandara vir de fora a peso de dinheiro;
Era um ídolo o cão, e ao carinho doce
Dos agrados gentis, o cão acostumou-se
A consagrar também a vida ao companheiro.

Na época melhor das ótimas caçadas,
Os dois partiam sós, à luz das alvoradas,
Buscando o coração estúpido das matas,
E voltavam depois, alegres e contentes,
Despertando em redor os íncolas dormentes,
Ao compassado som de estranhas serenatas.

Quantas vezes na caça o dente das panteras,
O bramido soturno e tétrico das feras,
Ameaçaram do cão o derradeiro instante! ...
Que perigos passou, quanta arriscada empresa
Não sofrera fiel, para apanhar a presa
Que ao dono provocasse um bravo delirante! ...

Mas, depois de algum tempo o cão envelhecido,
Desdentado, sem força, exausto, entorpecido,
Já bem dificilmente acompanhava o dono.
Era um cão sem valor, inútil companhia
Que preciso se fez, de dia para dia,
Ir deixando ficar em mísero abandono.

A fortuna também girou rapidamente;
E o velho caçador tão rico, de repente,
Sentiu minguar-lhe o pão, sentiu faltar-lhe o ouro;
A morte lhe roubara a esposa muito amada,
E ele viu sua casa erma e abandonada,
Tendo um filhinho só por único tesouro.

Um dia, disfarçando o peso da desgraça
Que aos poucos lhe esmagava o triste coração,
Ele partiu, cantando às emoções da caça,
Mas quis partir sozinho, e acorrentara o cão.

0 pobre companheiro, a pérola do pranto
Descera, mas ao ver o caçador contente,
O pobre cão lá foi resignado a um canto
Deitar-se, carregando o peso da corrente.

A noite que descia,
Em silencio profundo e em trevas envolvia
A casa. De repente
Ouve-se estranho passo. E logo, frente a frente,
Negro, ameaçador, sinistro, fero, enorme,
Farejando a amplidão, faminto, um lobo avança.
E lá no berço a criancinha dorme,
Como dorme no berço uma criança ...

Nesse momento,
No turvo olhar do cão, lucila um pensamento.
O lobo se aproxima... Escancarada a porta
Encontrava-se então ... Eis repentinamente,
A ganir, a uivar, o cão forceja e corta,
Num ímpeto de amor, os elos da corrente.
Travou-se então uma horrorosa luta,
No silencio da noite, indiferente e bruta...

Surdo ranger de dentes,
Ossos que estalam, ímpetos frementes
E contrações de dor, e urros, e gemidos,
Mil instintos da raiva em gritos comprimidos,
Na sede da vingança, e baques pelo chão,
Tudo acordava em torno a quieta solidão...
E o sangue a borbulhar, e o fogo do cansaço,
E a relva machucada, estendem pelo espaço
Um acre odor de guerra ...

Depois ... o baquear d'um corpo, em cheio, em terra,
Depois... um abafado e último gemido ...
- Um preito ao vencedor por parte do vencido -
Depois, diminuindo gradativamente,
Vagaroso arrastar de um corpo indiferente.
Depois. .. depois mais nada !
Era a tragédia finda e a noite sossegada ...

Mais tarde, ao despertar da fresca madrugada,
O caçador voltara.
E vendo a porta aberta e a casa palmilhada
Com o sangue do cão,
Corre para o filhinho... anseia... estua, para,
E ao ver ensangüentado o berço da criança
E vazio... Estremece, aperta o coração
E louco de amor paterno e louco de vingança,
Apanha junto ao peito o cabo do punhal,
E vendo aos pés, a festejar-lhe, o cão,
Atira um golpe rijo ao peito do animal,
Que exânime resvala em último estertor.
Mas nisto, ouve uma voz que chama o caçador:
"Papá ... Papá!" Alucinado, incerto,
(Era a voz do filhinho. .. o filho estava perto)
Correu - e espavorido ... atônito, absorto,
O foi achar contente, e rindo, e sossegado,
Junto à casa do cão; e ali, bem perto, ao lado,
O lobo enorme ensanguentado e morto.

Fontes:
- Imagem = http://www.maedecachorro.com.br/
- Poesia completa gentilmente enviada pelo Padre Getúlio de Alencar

2 comentários:

JOAQUIM FURTADO DA SILVA disse...

Conforme edição do jornal MARAJAÍG (de fins de 1947), de Fortaleza-CE, que salvei dentre os velhos papéis guardados por meu pai, essa poesia é atribuída a D. AUGUSTO ÁLVARO DA SILVA.

Giuseppe Paolo Dell'Orso disse...

Joaquim
Quanto ao nome real do autor, voce está correto, é do cardeal D. Augusto Álvaro da Silva, da arquidiocese de Salvador (1924-1968). Carlos Neto era o pseudônimo de D. Augusto para suas publicações.

agradeço vossa intervenção para que possamos desfazer as dúvidas.
abraços
JF