sexta-feira, 18 de março de 2011

Epopéias da Índia Antiga (O Râmâyana) Parte I


I
O Poeta

Entre os inúmeros poemas épicos ou epopéias que enriquecem a literatura sânscrita, sobressaem por seus méritos o Râmâyana e o Mahâbhârata, anteriores e superiores, em originalidade e beleza, à Ilíada e à Odisséia.

A língua sânscrita, com sua literatura, continua interessando aos orientalistas do Ocidente e aos eruditos do Oriente, embora há mais de dois mil anos não seja o sânscrito língua viva e não tenha perdido o seu caráter de sagrada.

O Râmâyana e o Mahâbhârata descrevem subalternamente os usos, costumes, crenças e cultura dos antigos monumentos da poesia sânscrita, embora anteriormente tenham sido escritos os Vedas, cuja maior parte está em forma métrica; todavia, na Índia o Râmâyana é considerado como a primeira e mais antiga produção poética.

O autor do Râmâyana foi Valmiki, sobre cuja vida teceram-se muitas conjeturas, do mesmo modo que a respeito de Homero e Shaskespeare no Ocidente, conquanto não caiba dúvida referente à autenticidade de sua existência. Se bem que muitos versos do poema não sejam seus, "mas interpolações, realçam entretanto a poética magnificência dessa obra sem par na literatura mundial.

Havia na Índia um jovem casado que, apesar de possuir compleição robusta, não encontrava trabalho para manter sua família, e que se tomara salteador de estradas, levado por aquele extremo desespero.

Atacava os viajantes, roubando-lhes tudo que levavam e com o fruto dos roubos mantinha seus velhos pais, sua mulher e filhos, sem que nenhum deles suspeitasse a sinistra procedência do dinheiro.

Assim levava a vida, quando certo dia passou pelo caminho em que estava um grande santo chamado Nârada, a quem o salteador deteve para roubar.

Porém Nârada perguntou-lhe:

- Por que queres roubar-me? Gravíssimo pecado é roubar e assassinar o próximo. Por que cometes tão grande pecado?

O salteador respondeu:

- Peco porque preciso manter minha família com o dinheiro que roubo.

O santo replicou:
- Crês que tua família participa do teu pecado?
- Sim certamente.
- Pois bem; prenda-me, ata-me os pés e as mãos e deixa-me aqui, enquanto vais à tua casa e perguntas a todos se querem participar do teu pecado, como participam do teu dinheiro.

O salteador concordou com a proposta, atou o santo foi à casa e perguntou a seu pai:
– Sabes como te sustento?
– Não sei.
– Sou um salteador de estradas, que roubo os viandantes e os mato se não se deixam roubar.
- Como fazes isto, meu filho? Afasta-te de mim! És um pária!

O salteador perguntou depois à sua mãe:
- Sabes como te sustento?
- Não sei.
- É com o produto dos meus roubos e assassinatos.
- Que coisa triste!
- Queres compartilhar de meu pecado?
- Por que haveria de fazê-lo? Nunca roubei a ninguém.

O salteador perguntou depois à sua esposa:
- Sabes como te mantenho?
- Não sei.
- Pois sou um salteador, de estradas e quero saber se estás disposta a compartilhar do meu pecado.
- Absolutamente. És meu marido e tens o dever de manter-me honradamente.

Então o salteador percebeu a maldade de sua conduta, ao ver que seus mais íntimos parentes negavam-se resolutamente a compartilhar a responsabilidade de suas más ações e volvendo ao sitio em que havia deixado o santo Nârada, desamarrou-o, relatou-lhe tudo quanto até então havia feito e caindo de joelhos a seus pés, exclamou compungido:

– Salva-me! Que devo fazer?

O santo respondeu-lhe:

- Abandona para sempre este gênero de vida, pois já viste que nenhum dos teus aprova o que fazes e te desprezam ao saber quem és. Participam de tua prosperidade, porém, quando nada tiveres para dar-lhes, hão de abandonar-te. Não querem compartilhar do teu mal, mas aproveitar-se dos teus bens. Portanto, adora Aquele que sempre está ao nosso lado, no mal e no bem; que nunca nos abandona porque o amor não conhece nem o engano, nem o egoísmo.

Depois Nârada ensinou-lhe a adorar a Deus; e aquele homem, renunciando por completo ao mundo, retirou-se para as selvas e entregou-se à meditação, esquecendo-se inteiramente de sua personalidade, de sorte que nem percebeu os formigueiros que surgiam em torno dele.

No fim de alguns anos ouviu uma voz que lhe dizia:

- Levanta-te, ó sábio!

Ele, porém, respondeu:
Sábio? Sou um ladrão ...

A voz replicou:
- Já não és salteador de estradas. És um sábio purificado. Esquece teu antigo nome. Agora, já que tua meditação foi tão profunda que nem notaste os formigueiros que se formavam ao teu redor, chamar-te-ás Valmiki, que significa: "O que nasceu entre os formigueiros."

Aquele que outrora era salteador de estradas converteu-se em um sábio. Um dia, quando foi banhar-se no sagrado rio Ganges, viu um casal de pombos que cirandavam, beijando-se com carinho; Valmiki contemplava enternecido tão formoso espetáculo, quando de súbito silvou uma flecha ao seu ouvido, indo matar o pombo.

A pomba, ao ver seu companheiro caído sem vida, deu voltas ao redor do cadáver, com mostra de profundo pesar.

Valmiki revoltou-se e ao alongar a vista descobriu o caçador, a quem, possuído de nobre indignação apostrofou:

– És um miserável sem noção de piedade. Nem o amor pôde deter tua mão assassina?

Porém, Valmiki refletiu:

– Que é isto? Que estou dizendo? Nunca falei assim até agora!

Então ouviu uma voz que disse:

– Não temas, porque de teus lábios brota a poesia. Escreve a vida de Rama em linguagem poética, para benefício do mundo.

Assim começou a epopéia. O primeiro verso é uma torrente de piedade brotando do coração de Valmiki.

Fonte:
Vivekananda, Swami. Epopéias da Índia Antiga.

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