segunda-feira, 25 de abril de 2011

Paulo Roberto do Carmo (Antologia Poética)


ANDAR COM AS PALAVRAS

Andar com as palavras
é romper o ventre das horas:
em gotas de sangue dar-se à luz
ganhando caminho, para fora,
abrir o espaço, afrontando a solidão.

Andar com as palavras
é regressar à pátria de geografias futuras:
da árvore da alegria comer os frutos,
abrir suas peles de sonho, lambuzar-se nos sumos,
caminhar confiante rumo à aldeia dos homens.

Andar com as palavras
é cantar em si a mais alta febre do desejo
e cair e levantar sobre serpentes e culpas,
sempre para diante, sem trégua, com ufania,
e mesmo rastejar até que asas brotem dessa dor.

LEVANTAR-SE

Levanta, e vai andando com alegria –
a preguiça é inimiga do Destino.
Diz o que pensa, e canta; pensa o que diz, e chora -
mas anda.

Levanta, e vai andando com alegria -
não há refúgio contra a paixão, senão mais amar,
e a única maneira de surpreender a manhã é caminhar
para a noite.

Levanta, e vai andando com alegria –
e viva o bom vinho e o jardineiro com seu jardim
que só colherá o que plantou e a flor que o escolher.

Levanta, e vai andando com alegria –
leva a vida que elegeste por um breve tempo de agonia
e muda a hora em ouro ao passo que abres o caminho.

Levanta, e vai andando com alegria –
o desejo te manda embora, mas é a morte que espera
no meio do caminho – entre o sonho e a esperança.

Levanta, e vai andando com alegria –
todos os dias vão, todos os males vêm, não confia
na hora que passa, às vezes se vive, se morre sempre.

Levanta, e vai andando com alegria –
que o pouco torna-se suficiente quando se necessita menos,
e feliz de quem não espera nada, senão da boa palavra.

ANTES DO TEMPO

Expulsa a palavra
que não venha da boca
que te cobre de afagos.

O que é contra mim
e me arrasta para ti
será que é só este desejo
a borbulhar de culpas
e que clama em vão
por amar e perder-se,
com a aflição dos condenados
que caem e se levantam
porque ainda há um desejo
que treme, não se cala
e nos mata antes do tempo...
cansado o espírito
de tantas dores
cravadas no coração?

A vida não dá mais...
e tão breve é a paixão.
Tempo, tempo, não há mais tempo

COISAS POUCAS

Só hás de começar
por coisas poucas:
buscar primeiro dentro de ti
o medo que te faz fugir
e desafiá-lo.
Depois matar a soberba
com os frutos envenenados
de uma árvore morta –
e que tuas palavras se calem
diante da arte de viver.

Só hás de começar
por coisas poucas:
de como não se dobrar
entre o silêncio de Deus
e o sofrimento dos outros.
Compreender depois
que ser ignorado
dói como um golpe
que nos jogasse
no fosso dos humilhados
e que o mundo que nos devora
é feito por nós, apesar de tudo.

ANTES DE ENVELHECER

Às vezes é preciso antes de envelhecer
no começo de uma manhã
de olhos abertos à visita do sol
sangrar o verbo, tocar a pedra,
do tudo fazer o nada, o nada
que tudo podemos nomear antes de
a morte existir, de não ter dó nem vontade...

Há quem diga que é preciso antes de envelhecer
encontrar o menino dentro de nós para o acordar
deserdado do tempo e debaixo de nossas asas.

Às vezes é preciso antes de envelhecer
viver de verdade o desejo veemente, maduro,
como a matéria dos sonhos que nos inventa,
viver de verdade o que antes era só estação
de passagem e que hoje é fruto amadurecido
do que não pode reflorescer, fruto da terra
que vem morrer na boca dos homens
antes que o relâmpago caia sobre a árvore
da vida, sobre a alegria que há nos animais,
da matéria dos sonhos que inventamos de nossas mãos
e que não podem transformar em pão a felicidade
de um menino que não ri, não fala, só espera...
porque envelhecemos, perdemos a gana de brincar
nos quintais memoriados da alegria, antes do fim.

ESTAÇÕES

Nascemos
com os desejos ávidos e oferecidos,
mas proibidos de se cumprirem.
Vivemos cada dia
o ciclo das quatro estações –
do sonho e do crime,
da culpa e da esperança –
e morremos com os mesmos desejos
ávidos e oferecidos,
mas proibidos de se cumprirem.

OS GRÃOS NÃO ESTÃO COLHIDOS

Porque amo
o que tem mais vida
e os grãos
não estão colhidos
nem pesados,
não morrerei
nada além
do que já morri.

DOS DIAS VÃOS

Os dias vãos da esperança...
fogo soprado de vãos pressentimentos...
são como cinzas na palma da mão
sob a ventania, e tudo se dissipa no ar,
o sonho e os desejos, a chuva no deserto
deste inquieto coração que não esq uece...
e os camelos encilhados que não esperam...
e tudo se extravia numa dança
que não danço por falta dos pés,
pois sou o que escuta
a morte cavar a vida
que não sei viver fora de mim.
Eu era a minha própria morte,
o grito que não nasce,
e não sabia que não há outra.

Fonte:
Colaboração de Paulo Roberto do Carmo

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