sexta-feira, 13 de maio de 2011

José Faria Nunes (Zezinho e o Pé do Frango)


Dona Maria está apressada, tem que terminar a prenda para o leilão.

Zezinho, o menor dos sete filhos, quer um pedaço do frango cheiroso que deixa água na boca.

Dona Maria não pode satisfazer os desejos do filho, o frango é para o leilão, é para a Igreja, é para o Santo.

Zezinho não entende disso, fica confuso, não compreende porque a Igreja, o Santo, o leilão são mais importantes que ele. Ele, coitado, como os irmãos maiores, nem se recorda mais do sabor de um bom pedaço de frango. Os pais são pobres, não podem comprar guloseimas gostosas, aquele frango é da Igreja.

- Igreja come frango? - indaga Zezinho a si mesmo, sabendo que não terá resposta. Ah! Igreja é o povo de Deus. Não foi isso que o padre falou na missa antes do leilão de ontem?

Zezinho duvida se é filho de Deus, mas quer um pedaço do frango. Não entende que sua mãe apenas obedece à tradição religiosa. Seu nome apareceu no anúncio das novenárias, fica feio se não colocar a prenda.

E o novenário?

Também deve ter feito suas concessões para sobrar-lhe o dinheiro para o leilão, para ouvir dou-lhe uma, duas e três, para o leiloeiro humilhar o rival, mandar fazer vaquinha. O dinheiro da prenda será para ajudar a construir a Casa de Deus de sua vila.

Zezinho não entende. Acha que matar sua fome é mais importante que levar a prenda para a Igreja. Lá tem padre que mora no centro da cidade, que tem casa com telefone, tem janela com tela para não entrar mosquito.

Isso Zezinho sabe porque o irmão mais velho lhe contou.

Zezinho não entende por que levar prenda para dar dinheiro para padre que tem carro, comida boa, muita coisa boa. Padre que até vai para o estrangeiro de avião ou de navio. Não foi o que o padre falou ontem no final da missa e a platéia até bateu palmas? Sabia que a platéia da igreja se chama de fiéis? Quem falou foi seu irmão mais velho. Foi também o irmão que questionou se as pessoas da igreja tem esse nome porque são fiéis em dar prenda e comprar prenda para dar dinheiro para a igreja. Ou é por que dão dinheiro na coleta da missa? Mas se nem todo mundo põe prenda e compra prenda no leilão e nem dão dinheiro na coleta, estes não são fiéis? A pergunta fica sem resposta.

Zezinho quer saber também se as pessoas de outras igrejas são do mesmo jeito. Será que as mães de lá deixam de dar um pedaço de frango para os filhos para levar para o leilão da festa da igreja? As outras igrejas também fazem festas com leilões de prenda? Fazem coleta que nem na igreja da vila? Lá os chefes são tratados pela igreja ou trabalham para se sustentarem, para comprarem seus carros, construírem suas casas? Zezinho quer compreender muita coisa, mas não pode. É ainda muito pequeno. Os irmãos mais velhos explicam alguma coisa. Zico, o maior deles, até já foi sozinho ao centro da cidade. Passou em frente à casa do padre. Viu muita coisa bonita. Ele disse que um dia vai levar Zezinho, que só anda sozinho na vila. A cidade fica do outro lado do córrego e tem uma rodovia para atravessar. Os pais dizem que é perigoso criança atravessar a rodovia sem gente grande acompanhando. O irmão mais velho é corajoso, atravessa lá sozinho, correndo para não ser atropelado pelos carros, carretas, o diabo a quatro. A mãe de Zezinho disse que quando mudaram para a vila não existia asfalto na rodovia, era tudo muito tranqüilo. Foi só asfaltar que virou um terém esquisito. Um Deus nos acuda. Zezinho fica pensando no dia em que crescer. Vai ser pedreiro como o pai. Só que diferente. Se é que vai ser pedreiro vai fazer uma casa para ele. Uma também para os pais e para os irmãos.

Coitado do Zezinho. Não entende por que sua casa é pobre, não tem janela, é de pau-a-pique e chão batido. E o pior é que o pai tem que pagar aluguel. Por que o pai não faz paredes de tijolos, se é pedreiro?

Zezinho pergunta demais, ainda que para si próprio. A mãe dele acha aquilo esquisito, tem hora que até parece gente grande. A mãe não sabe que ele é superdotado, tem inteligência superior à média dos demais meninos de sua idade. Tem hora que ele pergunta coisa que ela não sabe responder. As mulheres da tal Pastoral da Criança da Igreja Católica diziam que tudo iria mudar na vida da família a partir de quando começasse a usar aqueles produtos da multimistura, folha de mandioca, casca de ovo, coisas que sempre jogava fora e que agora sabe que faz bem à saúde. Até as constantes dores de barriga, as desidratações, se curaram com um simples soro caseiro: uma pitada de sal e duas medidas de açúcar em um copo d'água.

Zezinho, ao se lembrar do padre estrangeiro, que viaja para visitar parentes na Europa, pergunta a si próprio e ao futuro: será que um dia vai entrar num avião, ou num navio?

Aviões passam diariamente por cima da casa de Zezinho. Mas navio, nunca viu, a não ser em sonho ou em alguma figura.

Nem na escola, talvez, Zezinho poderá entrar. Lá estudam crianças de pais que tem casa igual à do padre, tem carro igual ao do padre, talvez até mais bonito, como o do dono do armazém. Sabia que pastor de igreja também tem carro? Tem casa boa? Será que é dele ou é da igreja? Mas se tudo é da igreja e quem usa é o chefe da igreja, como é o caso da casa do padre e do carro do padre, quer dizer que igreja é o chefe?

Zezinho fica intrigado porque a mãe dá frango para a igreja mas nunca pôde usar nada da igreja. Quando vai à casa do padre só chega até a cozinha, pela porta dos fundos. Nem vai até a sala que tem as coisas modernas, como disse a professora de um amiguinho do bairro. Será que os pobres das outras igrejas se beneficiam do carro da igreja, entram na casa do pastor, comem frango com o pastor, vê TV na casa do pastor, escuta música ou vê filme na casa do pastor?

A mãe de Zezinho nunca fez isso na casa do padre. Aliás, o padre está sempre com pressa, tem pouco tempo para conversar. Até parece político depois que passa a eleição. Não tem tempo para nada.

Zezinho se lembra de que, nas campanhas das últimas eleições, até candidato a vereador visitou o barraco dele. A mãe aprendeu a desenhar o nome e fez o título de eleitor. Foi bem tratada pelo candidato, que até deu um abraço no Zezinho, sem se preocupar com a sujeira em que ele estava. Depois da eleição? Tiau e bênção.

O menino fica intrigado porque os meninos da escola usam roupas bonitas. Ele não entende porque em sua casa todos usam roupas ruins, com remendos e nem comem carne. Não sabe porque vem cobrador à porta de seu barraco e nem porque o armazém não quer mais vender fiado para seu pai.

Zezinho não sabe porque o seu pai estava enxugando uma lágrima que lhe escorria no rosto.

Coitado do Zezinho. Sua mãe vai levar a prenda para o leilão. Para consolar o garoto, a mãe dá-lhe o pé do frango.

Os filhos mais velhos já têm consciência da miséria.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Imagem = http://www.alimentacaoecultura.com.br

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