domingo, 10 de julho de 2011

Renato Benvindo Frata (As Botinas de Couro Cru)


Quarta das cinco cronicas vencedoras do V Concurso Literário “Cidade de Maringá” (Cronicas Vencedoras) Troféu Laurentino Gomes.
Renato Benvindo Frata é de Paranavaí/PR.
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Juvenal correu para a vitrine cobiçar o belo par de botinas de couro cru ali exposto. Fazia tempo que ele as vira e se apaixonara à primeira vista. Encostou-se no vidro, correu o palito entre os dentes e pensou: – vocês vão ser minhas, bichinhas… Ato contínuo, foi fazer seu serviço de entregar couve à freguesia.

Tarefa cumprida, voltou à venda e pediu para vê-las. Alisou-as, cheirou-as, imaginou-se com elas nos pés diante do altar a receber as bençãos do casamento. Sorriu de orgulho pelo amor de Julinha, a noiva, que também fazia seu enxoval. Confirmou o preço, fez as contas e viu que ainda não tinha o suficiente.

Na lerdeza do pangaré que puxava a carroça, foi matutando para encontrar o meio de conseguir o dinheiro das botinas. Não poderia vender as galinhas, já que elas eram poedeiras, e os ovos, o seu sustento; nem a cabrita Lindoca, que lhe fornecia o leite diário e um queijinho de vez em quando. – Êta pobreza! – excomungou -, até que lhe surgiu uma idéia fabulosa: e se vendesse o leitão que o futuro sogro comparara para o casamento? – Não, – refutou – não daria certo. Se descobrisse a velhacagem, o sogro desfaria tudo, até o casamento; e sem Julinha não conseguiria viver. Mas as danadas das botinas não lhe saíam da cabeça. Volta e meia se via calçado com elas a rodopiar no salão improvisado no celeiro que o sítio abrigava.

Pelo sim, pelo não, resolveu: levou o porco do outro lado da cidade e o vendeu. E com ar muito sério contou que o bicho havia sumido. – Que fazer? – perguntou triste o sogro, ao que Juvenal remendou: – o povaréu que se farte com o que for servido, ora essa. – E Saiu, para não encompridar a conversa.

À véspera do casamento, com o dinheiro contado, correu à venda e comprou as botinas. Nem deixou que as embrulhassem: e feliz da vida iria se preparar para a felicidade completa junto de Juliana. Experimentou o terno, arrumou o nó da gravata, enfiou o par de meias e se sentou para calçar as botinas. Puxa daqui e dali, exclamou: – Ô diabo! Estavam apertadas. Mais um puxão e elas entraram machucando os pés, que não suportariam por muito tempo. O casamento estava chegando, e trocá-las por outras não poderia…

Bom matuto. Juvenal encheu-as com milho e despejou em cima um caneco de água. A umidade faria os grãos incharem, e com isso o couro ficaria mais frouxo. Levou-as à um quaradouro à porta do celeiro – já enfeitado para a festa -. para que o sereno ajudasse no inchaço dos grãos de milho, e dormiu sonhando com a vida nova, com Julinha pelada, com as couves, com as botinas e com o sucesso que fariam.

No raiar do sol pulou nas calças, e de chinelos nos pés saiu para pegá-las e calçá-las. Parou estupefato. Lindoca, na escada do celeiro, mastigava com paciência de cabra o último pedaço do segundo pé.

Fonte:
AGULHON, Olga e PALMA, Eliana. V Concurso Literário “Cidade de Maringá”. Maringá: Academia de Letras de Maringá, 2011.
Imagem = Calçados da Serra

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