quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Paulo Leminski (Asas e Azares)


A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 8


Efigenia Coutinho (Janela da Vida)


Da janela do quarto avisto um morro...
Ele é um corpo de pedra assoberbado;
Desafia a terra e o céu e tem um gorro
no seu perfil gigante e endeusado.

Observo o seu porte alheio ao mundo
tão distante das guerras e dos combates,
invisível no tempo, doendo-me fundo
na falta de esperança do seu resgate!

Não sofre esta montanha... é sobranceira,
sem rosto nem idade, inerte, augusta!
Quem me dera que fosses à sua beira!

Porque teu talhe heróico muito custa...
É o sofrimento duma vida inteira
que dobra o dorso teu nessa canseira.

Fontes
Soneto enviado pela autora

Imagem = Era uma vez...Link

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 320)


Uma Trova Nacional

Tanto mal nós infligimos
a um alguém que bem nos queira
e o perdão que lhe pedimos
é uma nuvem passageira.
–JOSÉ FELDMAN/PR–

Uma Trova Potiguar


Cada gole de água-ardente
traz um ardor vitalício,
queimando as queixas da mente
dentro do fogo do vício...!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada

1962 - Almanaque do Recife/PE
Tema: FELICIDADE - Venc.

Felicidade, um ranchinho
e, dentro dele, nós dois;
nove meses de carinho
e um molequinho depois.
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Uma Trova de Ademar

Minha alma se concretiza
nos versos que são só meus.
e minha fé se eterniza
nas graças que vem de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Rio da Alma
–EFIGÊNIA COUTINHO/SC–

Como um rio, em tua alma eu adejo,
Num caminho lento, quase invisível.
Por teu corpo meus sonhos almejo,
Encontrar morada de amor aprazível.

Mas a timidez vai tirando a ousadia,
Sem me deixar realizar os desejos.
Mas tua mão, que meu ser acaricia,
Faz-me sentir o teu calor e voejo.

Meu corpo no teu se aninhando,
Arranca das entranhas, vibrações.
Nos teus beijos vou procurando
Soltar sem medo minhas emoções.

Estrofe do Dia

É uma bola de ouro
pra todo humilde vaqueiro,
que ganha do fazendeiro
um belo chapéu de couro;
conduz aquele tesouro
à noite para o colchão,
para, na escuridão
não ser roído do rato
chapéu de couro, o retrato
do vaqueiro do sertão.
–MANOEL XUDU/PB–

Soneto do Dia

Jesus
–TRIGUEIRO FILHO/RN–

Jesus! Tu és o filho amado – e quanto...
Te amo muito, Jesus, com amor sem par
És verdadeiramente Bom e Santo
Tu és a luz do meu humilde lar.

Jesus! Glória ao teu nome sacrossanto!
“Amai-vos uns aos ouros” – sem cessar,
disseste em toda parte, em todo canto,
e sei que vens em breve me buscar.

Sei que o homem incrédulo não exprime
o teu valor, o teu saber sublime,
falta-lhe o verbo, sim, falta-lhe a luz.

Beijo e rebeijo o verso humildemente,
pois fiz no mesmo, repetidamente,
este teu nome santo, meu Jesus!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Leonardo Da Vinci (Fábulas) A Águia


Certo dia uma águia olhou para baixo, do alto do seu ninho, e viu uma coruja.

- Que estranho animal! - pensou consigo mesma. Certamente não se trata de um pássaro.

Movida pela curiosidade, abriu suas grandes asas e pôs-se a descer voando em círculos.

Ao aproximar-se da coruja perguntou:

- Quem é você? Como é seu nome?

- Sou a coruja - respondeu o pobre pássaro em voz trêmula, tentando esconder-se atrás de um galho.

- Há, há! Como você é ridícula! - riu a águia - sempre voando em torno da árvore. Só tem olhos e penas! Vamos ver - acrescentou, pousando num galho - vamos ver de perto como você é. Deixe-me ouvir sua voz. Se for tão bonita quanto sua cara vou ter que tapar os ouvidos.

Enquanto isso a águia tentava, por meio das asas, abrir caminho por entre os galhos para apanhar a coruja.

Porém um fazendeiro havia colocado, entre os galhos da árvore, diversos ramos cobertos de visgo, e também espalhara visgo nos galhos maiores.

Subitamente a águia viu-se com as asas presas à árvore, e quanto mais lutava para se desvencilhar, mais grudadas ficavam suas penas.

A coruja disse-lhe:

- Águia, daqui a pouco o fazendeiro vai chegar, apanhar você e trancá-la numa grande gaiola. Ou talvez a mate para vingar-se pelos cordeiros que comeu. Você, que passou toda a sua vida no céu, livre de qualquer perigo, tinha alguma necessidade de vir até aqui para caçoar de mim?

Fonte:
Portal a&e

Carlos Lúcio Gontijo (Antologia Poética 2)


PRIVACIDADE

Aonde vou levo minha casa
Minha intimidade está no outro
Perco privacidade se me escondo
Ela existe enquanto me revelo
Por autoestima velo o próximo
Como se cuidasse de mim mesmo
A amizade é joia de anjo
Arranjo divino para nossa sobrevivência

ORAÇÃO DOS CASAIS

Meu bem, sei que Deus protege os casais
Semeia trigais de ternura na pele
Para que o amor sele as marcas da procura
Então, na hora em que a gente for dormir
Façamos jus aos cuidados do Senhor
Por favor, acenda-me quando apagar a luz!

PSICANÁLISE

Na bandeja fria, a mente de Sartre
O olho do Freud que me espia
Eu salgo no vinagre
Degustando o milagre de me descobrir
Perdido numa rua escura de Paris
Bastilha nua que me liberta
Em ilha virtual demarcada a giz!

SOL ETERNO

Há mais alegria na procura que no encontro
A poesia da vida está na surpresa das esquinas
Em liberdade as diferenças se fazem divinas
Não se toma água limpa em fonte suja
Quem não garimpa dentro de si mesmo
Enferruja com seu toque tudo que amanhece
Não se conhece nem se doa ao próximo
É como canoa que temesse a festa da correnteza
A Natureza acontece na candura da simbiose
Ao horizonte do amor basta a luz da ternura
O sabor da fruta não depende da semente
Vem do calor da mão calejada do plantador
Pôr-do-sol que não se põe no peito da gente!

EVAPORAÇÃO

Arreio o cavalo baio da saudade
E saio por aí feito raio
Carregando balaio de lembranças
Tropeço em desejos
Em beijos caio
Apesar da procura de outros afagos
Tateio e trago a fumaça de sua presença
Que evapora do corpo em que vagueio...

TEMPO DE ARAGEM

Enquanto dorme a Gerais guardada em sinos
E os portugais desejam além de quintos
Sobre os dias de paisagem destruída
O sol não ilumina, nem vida irradia
Apenas combina jogo de luzes
E levemente consola
Não viola a escuridão
É fogueira em solidão sem claridade
(Daí vem-me a vontade vadia)
De introduzir monarquia em meu país
Pois sentir-me-ia mais feliz
Na pátria que não é minha
Se ao menos identificasse reis e rainhas
Ou tivesse a certeza de príncipes e princesas
Estampados no vazio das mesas
De uma gente que ordeira caminha
Levada por pés de rios de vento
E mil dedos de esperança brejeira
Transformando medos em terços de inteira coragem
Feito Natureza que agredida em seu berço
Faz da montanha o seu templo de aragem
E com sua fé arranha os céus!

PELAS RUAS DE MARIANA

Assim como os molhos de estrelas
Distante de nossos olhos a verdade dos fatos
O país no mapa do querer das visões
Da pedra-sabão nascem os brilhos
Filhos de anjos quebrando grilhões
Registrando na arte o sentimento humano
Pano de fundo em que se lavra a história
Heróis nas asas da memória das paredes
As nações são como as casas
É preciso juntar cada coisa em seu lugar
Dia do raiar da luta, guerrilhas, altares
Nesses mares a história é festa cigana
Manifesta-se nas ruas de Mariana-Mãe de Minas
Através de todas as sinas e cores
Odores da história, nossa eternidade material

COPO DE CAMPARI


Sinto Falta dos amigos distantes
Que na luta da vida se perderam
Ou antes se acharam em alguma morte
Feito mãe prepara leito de filho
Com o brilho da esperança nos olhos
Arrumo a casa, preparo a sala
Receberia com gala qualquer pessoa
Mas não soa a campainha
O silêncio me ensurdece
Derrete o gelo no copo de "campari"
Em mim o apelo de prece
Tanto zelo pra terminar assim
Sem alguém que me ampare
Ciente de que a carne é mero revestimento
Breve encantamento do espírito em solidão.
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Sobre o autor:
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/05/carlos-lucio-gontijo-1952.html
Antologia Poética 1:
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/05/carlos-lucio-gontijo-antologia-poetica.html
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Fontes:
– Poesias enviadas pelo autor
– Algumas poesias escolhidas do livro de Gontijo, O Ser Poetizado. 1.ed. Belo Horizonte, 2002.

Antonio M. A. Sardenberg (Poesia e Trovas)


Anjo deposto
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG

São Fidélis "Cidade Poema"

Dizia-me ser seu anjo,
Chamava-me sempre assim.
Era tão grande o carinho
Que fui achando aos pouquinhos
Que de tanto ser “querido”
Eu seria promovido:
Chegaria a ser arcanjo
Ou, quem sabe, querubim...

Ah! que engano cruel!
Ocupei tão pouco o posto!
Por você eu fui deposto:
Perdi asa, ganhei rabo,
De anjo virei diabo
Pra meu martírio e desgosto!

Folha Seca
MARGOT DE FREITAS SANTOS
Juiz de Fora/MG

Qual árvore frondosa, um dia foste.
Folhas verdejantes, tua alma,
Caule viçoso, tua estrutura,
Flores perfumadas, tua alegria.

O cotidiano, de ti roubou a alegria.
Folhas verdejantes, mutaram...secaram.
Sugaram-te a seiva, trazendo a agonia.
Foste secando, esfacelando...ruindo.

Teu corpo...como o caule reclinou.
Folhas secas, rodearam teu corpo.
Mas o coração pulsava, guerreava.
Descompassado, insistia...exasperava.

As folhas secas adubaram teus pés,
As lágrimas alimentaram tuas raízes.
Fortaleceste, reergueste...floriste.
Mulher! Árvore frondosa... ressurgiste!

Crepúsculo
HILDA PERSIANI
PR


Hoje, já no topo da velhice,
Lembrando lapsos da mocidade,
Arrependo de coisas que não disse
E de dizê-las sinto vontade,

Lembro-me ainda e com que sandice
E ao lembrá-las sinto até saudade,
Arrependo-me, mas que tolice
Dizê-las agora só por vaidade...

Por sensatez, talvez escrúpulo,
No coração ficarão guardadas,
Nunca, jamais serão reveladas.

Que adiantaria já no crepúsculo,
Revolver então as águas passadas;
Que fiquem sob cinzas apagadas!...

Desabafo
MARIA NASCIMENTO S. CARVALHO
RJ


No meu semblante há traços de cansaço,
e, em minha voz, vestígios de tristeza,
porque jungida às rédeas do fracasso,
não conservei a luz da glória, acesa.

E sempre pela vida em descompasso,
lutando contra o vírus da incerteza,
faço, da tênue força, força de aço,
e do ataque, minha arma de defesa.

Este cansaço que em meu rosto aflora,
não é moléstia que surgiu agora,
vem desde os magros tempos de criança.

E a tristeza que a minha voz embarga,
foi me tornando, aos poucos, mais amarga,
e cada dia mais sem esperança.

TROVAS:
Extraídas de Mensagens Poéticas publicada pelo
amigo e extraordinário poeta/trovador Ademar Macedo

Após busca pertinaz,
descobri, um dia, a esmo:
– Só hei de encontrar a paz
na renúncia de mim mesmo!
LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP

De beijar-te tenho ânsia,
pois vivemos separados...
"o beijo é a menor distância
entre dois apaixonados".
DJALMA MOTA/RN

Meu Peito que é só pedaço,
na dor cruel que o invade,
não sabe onde arruma espaço
“pra” colocar mais saudade!
MANOEL NAHAS NETO/SP

Entre sonos e cochilos,
numa deslumbrante rota,
meus sonhos voam tranquilos
nas asas de uma gaivota...
ADEMAR MACEDO/RN

Quem parte devagarinho,
mas vai de rumo traçado,
ao começar seu caminho,
tem meio caminho andado.
WALDIR NEVES/RJ

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo autor

Monteiro Lobato (O Saci) XXI – Más notícias; XXII – Chegam ao sítio


XXI – Más notícias

Parece que a mula-sem-cabeça tem a propriedade de afugentar os outros duendes da floresta, porque depois da sua passagem tudo por ali ficou deserto de seres. Só uma hora mais tarde é que os sacizinhos foram reaparecendo, um por um e ainda ressabiados. Mas reapareceram todos, afinal, e recomeçaram as travessuras, apenas interrompidas pela passagem da Porca dos Sete Leitões e do Caipora.

A Porca dos Sete Leitões é uma misteriosa porca alva como paina, que passeia acompanhada dos seus sete leitõezinhos, fossando o chão em procura de um anel enterrado. Só quando achar esse anel poderá quebrar o encanto e virar na baronesa que já foi. Por suas maldades no tempo em que havia escravos, um feiticeiro negro transformou-a em porca e virou seus sete filhos em leitões.

O Caipora é um duende peludo, meio homem, meio mono, que costuma cavalgar os porcos-do-mato e deter os viajantes para exigir fumo.

Aquele que por ali passou vinha montado num soberbo queixada de enormes presas salientes, tão corpulento e forte que para passar nem se desviava das pequenas árvores — ia derrubando-as.

Nisto um pio de coruja fez-se ouvir de perto. O saci apurou os ouvidos, com cara de quem não estava gostando nada daquilo.

— Aquela coruja está me chamando. Está dando sinal de que aconteceu qualquer coisa lá no sítio de Dona Benta. Tenho de ir ver o que é.

— E vai deixar-me sozinho aqui? — murmurou o menino de dentro do seu esconderijo, procurando dominar o medo.

Com o amigo perneta ao lado sentia-se seguro; mas ficar, por minutos que fosse, entregue a si próprio, naquela mata cheia de mistérios e ainda mais naquela hora sinistra da meia-noite, era duro de roer. Pedrinho, entretanto, dominou-se e disse, fazendo das tripas coração:

— Pois vá, mas não se demore muito porque... porque gosto muito da sua prosa, ouviu?

Dando uma risadinha de quem compreendia perfeitamente o que se passava dentro do seu companheiro, o saci foi falar com a coruja.

Minutos depois regressou, visivelmente inquieto. Percebendo a mudança, Pedrinho indagou ansioso:

— Que há?

— Coisa muito grave. Quando saí do sítio de Dona Benta, deixei lá uma coruja, que é minha mensageira, com ordem de avisar-me de qualquer coisa fora do comum que acontecesse. Pois bem: a coruja acaba de chegar com uma notícia nada agradável.

— Que é? Conte logo...

— A Cuca apareceu no sítio e furtou Narizinho...

— Não diga! — exclamou o menino, com os cabelos arrepiados. — Temos que salvá-la, saci! Darei tudo quanto você quiser, se me ensinar o meio de arrancar Narizinho das unhas desse horrendo monstro...

A Cuca! Pedrinho ainda tinha bem fresca na memória a lembrança dessa bruxa das histórias que a ama lhe contara nos primeiros anos de sua vidinha. Lembrava-se até duns versos que ela cantava para adormecê-lo:

Durma, nenê, que a Cuca já lá vem,
Papai está na roça; mamãezinha,
No Belém.

Lembrava-se que ouvindo essa cantiga sentia uma ponta de medo e fechava os olhos e logo dormia. Depois que cresceu nunca mais ouviu falar na Cuca, a não ser minutos antes, quando o saci lhe contou que a Cuca era a Rainha das Coisas Feias. Seria verdade? Verdade ou não, tinha de voltar ao sítio incontinenti e de qualquer maneira.

— Vamos embora, saci! Precisamos chegar ao sítio o quanto antes, para saber com certeza o que há. Pode ser que a coruja esteja mentindo, mas também pode ser verdade.

— Mentira não é — disse o saci. — Minha coruja não mente. Mas pode ser que a menina tenha sido raptada por outro duende que não a Cuca. É o ponto que temos de verificar.

— E se for a Cuca mesmo? Que havemos de fazer?

— Não sei. Tenho de pensar nisso. A Cuca é bastante poderosa, e má como ela só. Mas havemos de dar um jeito. Tenho cá uma idéia. Venha comigo.

Saíram do oco da peroba e tomaram o caminho do sítio de Dona Benta. A escuridão da noite não embaraçava em nada ao saci que, como filho das trevas, enxergava no escuro ainda melhor do que ao sol. Mas o pobre Pedrinho padeceu um bocado. Só podia guiar-se pela brasa do cachimbo do saci, de modo que tropeçou em muito cipó e toco de pau podre, afundando os pés em formigueiros e buracos de tatu, espinhando-se na cara e nos braços. Mas era tal a sua ânsia de chegar que nem sequer a dor das arranhaduras sentiu.

— Nesta andadura chegaremos tarde — disse de repente o saci. — Se você é bom cavaleiro, poderemos ir montados num porco-do-mato.

— Sou. Já montei até num garrote bem taludo, que deu os maiores corcovos do mundo sem conseguir derrubar-me.

— Pois então, tudo está resolvido. Olhe! Lá vem em nosso rumo uma vara de porcos. Suba a esta árvore; assim que eu der sinal, atire-se de perna aberta para cima do lombo do que vem na frente. Eu irei na garupa.

Assim fizeram. Subiram os dois a uma árvore baixa; logo que o porco chefe passou por debaixo da árvore, Pedrinho e o saci atiraram-se sobre ele, agarrando-se aos compridos pêlos do congote. Assustado com aquela manobra, o pobre porco disparou numa galopada louca pela mata afora, na direção desejada pelo saci. Este habilíssimo duendezinho tinha jeito para tudo, inclusive dirigir porcos-do-mato como se os trouxesse seguros por um bom par de rédeas. Pedrinho não percebeu de que modo o saci conseguia isso, nem teve tempo de o perguntar. Todas as suas energias eram poucas para manter-se firme no lombo da cavalgadura de nova espécie. Aquela corrida com o saci dentro da noite iria constituir a mais arrojada aventura da sua vida. Por mais anos que se passassem, ele jamais poderia esquecer-se dela.

XXII – Chegam ao sítio

Depois de comprida caminhada, o menino percebeu que já estava em terras do sítio. Viu o rancho do Tio Barnabé perto da ponte; em seguida, os pastos; e finalmente, a casa da sua querida vovó.

No terreiro saltaram do porco-do-mato, o qual, aliviado da carga, prosseguiu na carreira com maior velocidade ainda.

Foram entrando. A casa estava silenciosa, de luzes acesas — coisa muito esquisita àquela hora da madrugada.

— Temos novidade — murmurou o menino. — Luz acesa a estas horas é mau sinal...

Na sala de jantar encontrou Dona Benta sentada na sua cadeirinha, com a cabeça apoiada nas mãos. Ao lado dela, Tia Nastácia escarrapachada no chão. De tal modo absorvidas estavam as duas velhas que nenhuma percebeu a chegada dos valentes salvadores.

— Que há, vovó? — foi gritando Pedrinho.

Dona Benta ergueu a cabeça e arregalou os olhos, como se a aparição de Pedrinho fosse um sonho. Tia Nastácia fez o mesmo, mais assustada do que admirada de ver o menino outra vez.

— Pedrinho! — exclamou a pobre avó, com expressão de esperança nos olhos vermelhos de tanto chorar. — Até que enfim você apareceu! Estava eu aqui desesperada, porque perder um neto já era demais, mas perder dois seria coisa acima das minhas forças...

— Perder dois? Quer dizer que Narizinho sumiu?

— Sim, meu filho! Logo que você desapareceu desta casa da maneira mais misteriosa, nada dizendo a ninguém, Narizinho saiu a dar uma volta pelos pastos para ver se o encontrava. Andou por lá gritando “Pedrinho! Pedrinho!” uma porção de tempo, até que de repente se calou. Julgamos que tivesse achado o fujão e ficamos muito contentes. Mas o tempo foi passando e nada de Narizinho voltar. Tia Nastácia e eu demos uma volta pelo pasto, chegamos até à casa do Tio Barnabé e nada. Isso, às três horas da tarde. Já são duas da madrugada e não tivemos ainda o menor indício de onde possa estar a coitadinha da minha querida neta...

Dizendo isto Dona Benta rompeu de novo em choro, acompanhada de Tia Nastácia.

Pedrinho contou onde estivera e, depois de consultar em segredo o saci, consolou Dona Benta e a preta, dizendo que sabiam onde Narizinho estava e iam buscá-la.

— É verdade isso ou você está fantasiando para me consolar?

Pedrinho, que nunca mentia, sentiu tanto dó das pobres velhas que pela primeira vez na vida resolveu enganá-las com uma mentira de bom tamanho. Deu uma risada e disse:

— Não se assuste, vovó! Narizinho e eu resolvemos pregar uma grande peça na senhora, mas essa peça é um segredo que não posso contar. Só amanhã, ao clarear o dia — e deu uma grande risada.

Dona Benta sossegou um pouco e ralhou severamente com o menino, fazendo ver o transtorno que aquela estranha “surpresa” lhe causara. Disse que sofria do coração e que se coisas assim se repetissem o certo era ir para a cova antes do tempo.

Pedrinho sossegou-a como pôde e saiu para o terreiro, gritando que se acalmasse porque dentro de uma ou duas horas estaria de volta com a menina.

Lá no terreiro, só com o saci outra vez, voltou-se para ele e disse:

— E agora, amigo saci, que iremos fazer?

— Estou armando o meu plano — respondeu o diabrete. — Já fiz uma inspeção pela casa toda e pelo terreiro. Estou na pista do raptor.

-— Raptor? — repetiu o menino, sem nada compreender.

— Sim. Narizinho foi raptada pela Cuca. Descobri o rasto da horrenda bruxa perto da porteira. Temos de ir à caverna onde mora a Cuca e ver o que há.

— Mas se a Cuca é poderosa como você diz, que poderemos fazer?

— Não sei. Lá veremos. O que é preciso é não desanimar. Se ela é poderosa, eu sou astucioso. A astúcia inúmeras vezes vence a força. Faça das tripas coração e acompanhe-me. O mau foi termos deixado escapar o porco que nos trouxe. Precisamos descobrir nova montaria.

— Isso é fácil. O meu cavalinho pangaré está no pasto de dentro. Manso como é, podemos pegá-lo e cavalgá-lo em pêlo.

— Pois vamos pegar o pangaré — concordou o saci.

Não foi difícil. Logo que o cavalinho reconheceu o dono, veio na direção dele no trote. Pedrinho montou, com o saci na garupa, e lá partiu na galopada.

Pedrinho logo percebeu que qualquer animal montado pelo saci mudava de modos, ficando não só mais ligeiro do que nunca e fogoso, como ainda com um senso de direção que parecia sobrenatural. Inúmeras vezes tinha cavalgado o pangaré e galopado nele; nunca, porém, o vira assim tão ardente e veloz. Era como se o saci lhe comunicasse alguma força mágica, que não é própria dos cavalos. Tal foi a velocidade desenvolvida que Pedrinho não pôde deixar de dizer:

— Mais parece o famoso Pégaso do que meu velho e lerdo pangaré! Estou estranhando isto...

— Não estranhe coisa nenhuma — aconselhou o saci. — Tudo são mistérios que só eu sei e que não vale a pena explicar agora. Não fale comigo, não me atrapalhe. Estou fazendo um grande esforço de cabeça para aperfeiçoar o meu plano de não só lograr a Cuca malvada como ainda castigá-la como merece.

— Conte ao menos um pedacinho dessa grande idéia, para me consolar.

— É uma idéia que aprendi com Dona Benta — respondeu o saci.

— Com vovó? — inquiriu o menino, admirado. — Como isso, se vovó jamais teve coragem de falar com você?

— Sim, nunca falou comigo, mas muita coisa do que ela disse eu ouvi de dentro da garrafa. Meus ouvidos são apuradíssimos. Lembro-me da história dum pingo d’água que ela contou certa noite...

— História dum pingo d’água? — repetiu o menino, cada vez entendendo menos. — Não posso perceber onde você quer chegar.

— Quero chegar à caverna da Cuca! — respondeu o saci brincalhonamente.

Vendo que ele se recusava a contar o plano que tinha na cabeça, o menino calou-se. Esporeado pelo saci, o pangaré aumentou ainda mais a velocidade do galope, de modo que antes de meia hora já se achavam numa região inteiramente nova para o menino.

“Onde estarei eu?” — ia ele pensando, sem coragem de interrogar o saci, de tal modo o via concentrado nas combinações do seu célebre plano.
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continua... XXIII - A Cuca; XXIV – O novelo de cipós
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Fontes:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Imagem da Cuca = Projeto Memória

Francisco Carvalho (Os Luzeiros do Mundo )



Na contracapa do novo romance de Nilto Maciel, Ronaldo Cagiano toca em pontos cruciais da obra de ficção do autor cearense. Fala, por exemplo, da maneira peculiar com que o autor “manipula a linguagem, (...) sem jogo de palavras ou de espelhos”, e chama atenção para o que nela existe “de surrealismo, fantástico, nas representações simbólicas de nossas viagens metafísicas”. Compara a ficção de Nilto Maciel à de alguns autores brasileiros e estrangeiros. Destaca a preocupação do autor, voltada para a execução “de uma estrutura ficcional bem trabalhada”, no que revela constante burilamento de frases cuja perfeição atinge por vezes “o paroxismo”.

Em linhas gerais, Ronaldo Cagiano fornece ao leitor a senha do modus faciendi do escritor Nilto Maciel, um dos mais legítimos representantes de uma parcela de escritores que, no Brasil ou fora dele, se entregam à difícil tarefa de garimpar o absurdo da existência humana. E o tem feito, em seus contos e romances, com a mesma competência dos mestres universais que se ocupam desta vertente da literatura. Nilto Maciel pertence à estirpe de Kafka, Camus e Ionesco, para citar apenas três das maiores celebridades que fizeram opção pelo culto do fantástico e do surrealismo.

Em Os Luzeiros do Mundo (...) pode o leitor testemunhar o pulso firme do ficcionista, que se esmera em urdir tramas e labirintos em torno de personagens que mais parecem movidos por impulsos sobrenaturais, alheios à dinâmica da vida real. O núcleo da trama concentra-se nos rumores do suposto assassinato de Lucas Thaumaturgo, ex-aluno de “um seminário de padres jesuítas”. À maneira de um tecelão minucioso, o narrador vai entrelaçando palavras e acontecimentos ao redor dos protagonistas do romance. Quando o leitor começa a se dar conta dos fatos, percebe que já se encontra numa verdadeira encruzilhada de paradoxos, da qual dificilmente sairá com explicações convincentes. Porque a vitória do mistério será uma questão de tempo.

A essa altura dos acontecimentos, o absurdo da vida se instala em cada célula do nosso corpo, como se estivéssemos possuídos de alguma maldição escatológica. Juízes, promotores, advogados, policiais, serventuários da justiça, burocratas de todos os feitios, figuras folclóricas da cidade – toda uma legião de curiosos e penetras a desfiar hipóteses e suposições as mais contraditórias, embaralhando cada vez mais os fatos sobre o suposto assassinato de Lucas.

Até o zelador do cemitério, um velhote quase centenário, foi visto a anunciar pelas ruas a morte do ex-seminarista, a quem pregavam o rótulo de poeta, provavelmente por suas frequentes excursões no universo poroso da retórica. Inclusive o titular da paróquia, padre Gregório, gritava impropérios contra o presumível assassino de Lucas: “Fitava os olhos, furioso, em Raul, enquanto espanava a poeira da batina”.

A veia epigramática de Nilto Maciel flagra os momentos mais dramáticos do enterro de Lucas. Chega a lembrar certas passagens de Eça de Queirós, quando exercitava o látego da irreverência no lombo reluzente das mediocridades literárias do seu tempo: “O enterro teve honras militares, cívicas e eclesiásticas. A tropa de três policiais marchou ao lado da tropa de um da guarda-noturna, ao som de hinos marciais tocados pela banda municipal. Todas as autoridades civis trajavam paletó e gravata. Padre Gregório parecia um arcebispo” (p. 101). Ao fim da missa de corpo presente, Eunápio (atentem para o exotismo desse nome), num surto de arrebatamento patriótico, pregava a morte do comunismo. Entrementes, o coveiro sugeria que o finado Thaumaturgo, pai de Lucas, lhe fizera recomendações de algum lugar do espaço sideral quanto ao preparo da terra que iria receber o corpo de seu filho.

Se o romance, como pretende Carlos Drummond de Andrade, “é a arte de destelhar casas sem que os transeuntes percebam”, pode-se afirmar, sem receio de falsear a verdade, que Nilto Maciel foi capaz de realizar semelhante proeza. O que se passa no subsolo de suas narrativas, o autor “nem às paredes confessa”. Sua prosa acena com muitas expectativas, porém guarda o mistério a sete chaves, com a volúpia do avarento que esconde patacas de ouro numa botija. O romance termina sem que o autor entregue o mapa da mina a qualquer de seus personagens. Os comentários mais absurdos logo se transformam em verdades categóricas, que o vento e as pessoas se encarregam de espalhar pelas ruas. Termina-se a leitura do romance com a estranha sensação de que tudo não passou de um pesadelo.

Para concluir, faço minhas estas palavras de Ronaldo Cagiano, impressas na contracapa do livro: “O discurso literário de Nilto Maciel contrapõe-se a fórmulas perfeitas e acabadas, ao lugar-comum, às soluções estilísticas digeríveis, muito comum numa certa corrente em voga nas contemporâneas produções”. Érico Veríssimo acreditava que “o romance é o produto de uma irritação do escritor”. Fazia, contudo, esta ressalva: “Mas tem de ser um certo tipo especial de irritação”. Ao leitor, portanto, faço votos para que tire o melhor proveito das “irritações” produzidas pelo talento do ficcionista Nilto Maciel.
(Revista Literatura nº 31, jan/abr/2006)

Fonte:
Texto enviado por Nilto Maciel

A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas "Trovia" n. 141 setembro 2011)



Revista virtual de trovas
Ano 12 n. 141 setembro de 2011


Inesquecíveis

Já que tens alma de artista,
vive teus sonhos em paz;
mas que não percas de vista
o feio mundo em que estás!
Archimimo Lapagesse

A dor é o caro pedágio
que é pago na ponte erguida
de um estágio a outro estágio
na travessia da vida.
Clóvis Maia

Todo o teu corpo estremece
se te falo – que doidice!
Que dirá se eu te dissesse
aquilo que eu não te disse...
Djalma Andrade

Deixa a criança correr
descalça pelos caminhos!
Ela precisa aprender
a pisar sobre os espinhos...
José Maria M. de Araújo

Quero falar... retrocedo...
pois tenho um pavor medonho
de que ao contar meu segredo
você destrua o meu sonho!
Luiz Otávio

E’ tanto o amor que me invade
quando em seus braços estou,
que cada instante é saudade
do instante que já passou!
Newton Meyer

O tradicional Almanaque Santo Antônio, da Editora Vozes, edição de 2012, mais uma vez prestigia os trovadores. Traz duas páginas cheinhas de trovas.

Brincantes

Minha dívida eu não nego,
mas eu não posso pagar;
e vou deixá-la no prego
até você perdoar.
Ademar Macedo – RN

Pensei ter do teu carinho
um tico ao menos enfim.
Nem tico nem ticozinho,
que bobo afinal sou mim...
Arnaldo Ari – RJ

Da chuva não corro mais!
Não pago esse mico, ó gente:
correr dos pingos de trás
pra me molhar nos da frente?
Josafá Sobreira da Silva – RJ

Vou pondo no paletó
as lembranças do meu fado.
Acho que as boas – que dó! –
coloco em bolso furado...
José Fabiano – MG

Casou... sofrimento louco:
a esposa não lhe dá folga.
E, como se fosse pouco,
lhe gruda nos pés a “solga”...
Osvaldo Reis – PR

O “pulgo” ficou cismando
quando viu, pelo caminho,
sua pulga passeando
no cachorro do vizinho...
Renato Alves – RJ

Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
Selma Patty Spinelli – SP

Ao vê-la, sente que a odeia,
fica tenso e encolhe a pança...
Todo dia a briga é feia
entre um gordo... e uma balança!
Therezinha Brisolla – SP

Líricas e filosóficas

No instante em que é concebida,
entra na história a criança.
Negar-lhe o direito à vida
é um crime contra a esperança.
A. A. de Assis – PR

Meu pai, muito te agradeço
por tudo que me ensinaste.
Não existe nenhum preço
pelo tanto que me amaste.
Agostinho Rodrigues – RJ

Repare que nossa alma
rende-se sempre bem mais
por um olhar que se espalma
que por ouvir tristes ais.
Amilton Monteiro – SP

Um dia, mesmo te amando,
meu coração se calou
e eu passo a vida chorando
a audácia que me faltou!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Liberdade, não me iludo,
somente a terei, enfim,
quando eu livre for de tudo,
de todos... e até de mim!
Carolina Ramos – SP

Madrugada. A lua sonda
minha rede e, sem vacilo,
entregue à exaustão da ronda,
se deita, para um cochilo...
Darly O. Barros – SP

Quando parte quem amamos
fica um vazio entre nós:
– é quando então reparamos
como é triste estarmos sós!
Diamantino Ferreira – RJ

Quando, em momentos incertos,
eu penso em dizer adeus,,
teus olhos, bruxos espertos,
deitam feitiço nos meus...
Divenei Boseli – SP

Poeta mantém acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
Djalma Mota – RN

Revejo o passado e penso,
sem surpresa e sem espanto,
que o tempo, às vezes, é o lenço
com que Deus me enxuga o pranto.
Domitilla Borges Beltrame – SP

Montanha cheia de neve
que se desfaz no degelo,
diga ao sol que também leve
a neve do meu cabelo!
Dorothy J. Moretti – SP

Velho amor da mocidade,
que ao tempo não se curvou,
minha musa tem a idade
do poeta que ainda sou!
Edmar Japiassú Maia – RJ

A saudade, em cantilenas,
como se fosse um ator,
até hoje rouba as cenas
de meus delírios de amor!
Eduardo A. O. Toledo – MG

A saúde, sim, tem leis
e é muito certo dizer
que para viver comeis,
não viveis para comer.
Élbea Priscila – SP

Às vezes menina ainda;
outras, mulher revelada.
Em tudo o que a vida brinda,
segue sempre apaixonada!
Eliana Jimenez – SC

A riqueza é, justamente,
o multiplicar do amor:
– dar amor a toda a gente
seja lá qual gente for!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

O espelho, em alguns instantes,
parece que ri... mas chora,
procurando traços de “antes”
na realidade de “agora”...
Ercy Marques de Faria – SP

Na minha amada a pensar,
passo noites sem dormir,
com medo até de sonhar,
e ela em sonho me trair...
Euclymar Barreto Porto – RJ

Meu coração é barato,
é cedido a qualquer preço;
basta mantermos contato
que o levo ao seu endereço.
Evando Marinho Salim – RJ

Abaixo a guerra entre irmãos!
Plantemos a paz somente.
– Quem tem sementes nas mãos
não tem granadas na mente.
Flávio Stefani – RS

Nosso casebre é de palha,
de pau a pique a parede.
O amor que aqui se agasalha
dorme comigo na rede!
Francisco Garcia – RN

O bom Deus, na sua ânsia
em ser justo, Ele predisse:
– Dou sorriso para a infância
o saber dou à velhice!
Francisco Pessoa – CE

Caíste, amigo? Ergue o peito.
Esconde o pranto. Levanta!
E’ ao cair do seu leito
que o rio mais forte canta.
Gilvan Carneiro da Silva – RJ

Meus lábios apaixonados
bebem o orvalho dos teus,
desses teus lábios molhados
que sonham com os lábios meus!
Gislaine Canales – SC

As rosas, como as estrelas,
Deus semeou para ti;
assim saberás, ao vê-las,
que Ele passou por aqui.
Héber Salvador de Lima – GO

Tornou-se a vida um aprisco
porquanto Deus assim quis,
enviando ao mundo Francisco,
o cordeirinho de Assis.
Humberto Del Maestro – ES

Seria a vida mais doce
e as dores bem mais amenas,
se toda lágrima fosse
um pingo de orvalho apenas...
Jaime Pina da Silveira – SP

Que tu estejas presente,
junto a mim, é o que desejo,
inda que seja somente
o tempo exato de um beijo!
Jeanette De Cnop – PR

Comprimido pelo tédio,
teu elixir foi meu mal.
És para mim, do remédio,
o efeito colateral.
J. B. Xavier de Oliveira – SP

Bendito o irmão que na roça
puxa a enxada e planta o grão,
tirando da terra a nossa
diária alimentação.
Jorge Fregadolli – PR

Tanta gente em si perdida
entre sombras se escondendo.
Cada dia é outra vida
que em disfarces vai morrendo…
José Feldman – PR

Uma das melhores formas de aprender a fazer boas trovas
é ler, tanto quanto possível, as trovas dos demais autores.

Deus sabe, mas não diz onde
se encontra a chave perdida
do mistério que se esconde
no lado oposto da vida.
José Lucas de Barros – RN

No meu livro de amarguras
desta vida “pós-você”,
há páginas tão escuras,
que nem a saudade lê.
José Ouverney – SP

O sonho que idealizo
tem na sua imensidade
o tamanho do sorriso
de quem mata uma saudade!
José Messias Braz – MG

Enquanto a chuva, lá fora,
escorre pela vidraça,
choro meu pranto, que embora
passando a chuva, não passa.
Laérson Quaresma – SP

Do simples pó eu procedo,
sei que a ele hei de voltar;
a vida não tem segredo:
é um eterno retomar.
Luiz Carlos Abritta – MG

Debruçada sobre o berço
do seu querido filhinho,
busca a mãe, com o seu terço,
indicar-lhe um bom caminho.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Nunca mostres apatia
diante da luta na vida,
mas brinda com simpatia
e a inércia será vencida!
Mª Luíza Walendowski – SC

Entre um trovador e um santo, / que diferença hei de achar? /
Um reza a Deus no seu canto, / outro canta em seu rezar. (Brasil dos Reis)

Quem entra em meu coração
fica lá por toda a vida.
Ele é igual a um alçapão:
não tem porta de saída!
Maria Madalena Ferreira – RJ

Senhor: um medo infinito
ao ter que julgar me assusta,
premida pelo conflito
entre ser boa e ser justa!
Maria Nascimento – RJ

Há quem fale de mulher
com menosprezo profundo,
sem mesmo pensar, sequer,
em quem o trouxe a este mundo.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

No adeus da tua partida
meu coração, infeliz,
ganhou enorme ferida
e não parou... por um triz!
Maurício Friedrich – PR

Xeroquei a sua imagem
e guardei na minha mente;
sempre na minha abordagem
é você que está presente.
Neiva Fernandes – RJ

Sei que é bom mudar o rumo
dos meus passos na jornada...
Mas só achamos o rumo
no final da caminhada.
Olga Agulhon – PR

No jardim da minha vida,
um perfume sobressai:
o que lembra a despedida
de um amor que não se esvai...
Olivaldo Júnior - SP

Na estação do meu anseio,
nos perdemos de nós dois...
– Não foi o trem que não veio:
fui eu que cheguei depois!...
Pedro Mello – SP

Ao ler uma bela trova / depois que pronta ficou, / quem calcula
a dura prova / por que o poeta passou? (J. G. de Araújo Jorge)

A tristeza em minha casa
está num quarto vazio:
de dia a saudade abrasa,
à noite mata de frio.
Roberto Acruche – RJ

Um coração congelado
pega fogo de repente,
quando o amor, fósforo alado,
risca faíscas na gente!
Roza de Oliveira – PR

Mulher de rara beleza
não deve, jamais, pintar-se,
pois obra da natureza
não necessita disfarce.
Ruth Farah – RJ

O chão batido,... a porteira,...
o teu semblante... e o destino...
são os marcos da fronteira
entre a saudade... e um menino!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Ante os golpes do destino
jamais curve sua fronte.
Olhe o pinheiro, menino,
tão altivo no horizonte !...
Sônia Ditzel Martello – PR

O parque reflete os brilhos
oriundos de mil cores,
das sementes em vidrilhos,
tecendo a colcha de flores.
Vanda Alves da Silva – PR

É tão vazia a paisagem,
e nem um vulto se vê...
Mas, sem ver qualquer imagem,
consigo enxergar você!
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Ponha no cálice o vinho;
no seu coração, amor.
Toque a vida com carinho,
como a abelha toca a flor.
Vidal Idony Stockler – PR

Dizia o bom Luiz Otávio, / e ao dizê-lo ele sorria: /
– Solte o talento, destrave-o, / faça uma trova por dia! (aaa)

Visite: www.falandodetrova.com.br

Fonte:
Revista enviada por Assis

Ialmar Pio Schneider (Dia do Blog)


– 31 de agosto – Soneto Hendecassílabo

Salve o Dia do Blog que se comemora
em 31 de agosto no mundo inteiro;
eu tenho imenso prazer em ser blogueiro
e mensagens enviar a qualquer hora...

Bem sei que ele é o mais fiel companheiro
para quem ama ou o abandono deplora,
e leva os sentimentos espaço afora,
sempre útil, prestimoso e verdadeiro.

Diversas crônicas, contos e poesias,
publicamos em suas páginas nobres;
todavia, além de tudo, é um calendário

em que seguimos marcando nossos dias,
quer sejamos ricos, quer sejamos pobres,
representa um democrático diário.

31 de agosto de 2011

Fonte:
Texto enviado pelo autor

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 7


Fonte da Imagem = http://alucard.weebly.com/

Rafael Castellar (Carta Ao Meu Eu-Passado)


Caro Eu-Passado,

Não é por falta de interesse e nem por descaso que não pergunto como lhe vão as coisas, mas por muito bem já as saber. Sei também que, por se encontrar em profunda perdição de si, incrédulo de tudo e todos que passam a lhe rondar, inclusive de si mesmo, muito lhe custa a esta carta ler, mas é por ela que lhe trago boas-novas!

Digo-lhe que por aqui as coisas muito têm melhorado, que muitas das nossas dúvidas e dificuldades têm, desde então, se resolvido e novos rumos tomado, diferentes dos que aí está a pensar. Por incrível que possa lhe parecer, e sei que muito lhe parecerá, nossa vida tornou-se novamente iluminada e, de uma forma nova e curiosa, saborosa. Os amanheceres não são mais torturantes e temidos, mas confortáveis e amenos, alguns até muito prazerosos. Os dias têm passado com fluidez e tranquilidade – desprezemos, contudo, aqueles inevitáveis aborrecimentos da vivência coletiva. As noites continuam a serem impacientemente aguardadas, mas não mais pelo refúgio concedido e sim pelo divertimento ou pelo simples relaxamento do lar, nelas sempre contidos. E são as madrugadas que mais me prazem, pois agora, ou nelas chegamos ou por elas passamos descuidados num profundo desmaio regenerador, que sei que há muito não tem.

Confesso que os fantasmas ainda assombram, mas não com a tempestuosidade e vivacidade que você tão bem conhece, mas cá estão e isso não posso e nem devo lhe negar. Mas também confesso que não é de todo mal que, vez ou outra, ainda apareçam. É preciso que algo nos lembre do que fomos e pelo que passamos – e isso eles fazem muito bem, bem até demais, lhe confidencio –, pois o esquecimento é fácil e a ansiedade e a espontaneidade de reviver cegam e ensurdecem. Devemos nos lembrar, eu e você, ao menos assim podemos nos postar matreiros diante do que está por vir, mas sem perder a doçura de viver. E estas são as lembranças que me fizeram perceber que eu, justamente eu, também havia me esquecido de você.

Enfim, lhe escrevo para contar que por aqui os dias estão mais claros, as cores mais vivas e paira a vontade de viver; por isso, aguente firme, ele dependerá de nós. E lembre-se: você não está sozinho, quando as coisas apertarem, olhe para dentro de si e me verá!

São Paulo, 13 de setembro de 2010.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Ialmar Pio Schneider (Poema de Amor em Forma de Soneto)


Quero inventar palavras que nunca disse a outra mulher, para falar do amor que despontou, enfim, em nossa vida num momento qualquer e veio transformar nossos destinos assim...

Quero inventar palavras que te agradem e sintas por mim tudo o que teu desejo de sensação romântica puder, enquanto eternamente tua paixão me quiser...
E que nosso bem-querer continue até o fim...

Quero inventar palavras de esperança e ternura que nos permitam uma convivência tranquila embora sabendo que nem tudo são apenas flores.

Mas, se mais tarde nos visitar um pouco de amargura saibamos com discernimento e paciência distingui-la e saber que também faz parte de todos os amores...

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Olivaldo Junior (Marias do Brasil)


Sempre é dia de lavar roupa. Sempre há roupa pra lavar. Sempre é hora de um poema desaguar. Junto dele, vai-lhe uma canção de Vanessa da Mata, A força que nunca seca. O poema abaixo é uma homenagem às meninas da Cia. de Teatro Parafernália. Assisti a uma apresentação delas sábado passado. Às lavadeiras da arte, meus poéticos abraços.

Olivaldo Júnior
Moji Guaçu, São Paulo


MARIAS DO BRASIL

Às atrizes da Cia. de Teatro Parafernália Cultural, Andréia, Silvana e
Viviane, pela apresentação da peça
de Almir Pugina, Maria Lavadeira

São “Marias lavadeiras”,
que na beira desse rio
iluminam as ribeiras
que contornam todo rio...

São mulheres brasileiras
que no leito desse rio
imaginam as maneiras
que confortam o Brasil...

São Brasis de benzedeiras,
que na cheia desse rio
dão Antonio às lavadeiras,
às Marias do Brasil!

São Marias brasileiras
que, sem beira pra encostar,
dão razão às corredeiras
que só correm para o mar...

São correntes traiçoeiras
que, sem leito pra sonhar,
iluminam as roseiras
que, amarelas, vão corar...

São coristas lavadeiras
que, sem cheia, vão minguar
uma a uma as companheiras,
lua a lua o seu penar.

São peninhas voadeiras,
corações de amor, ardil,
que “Marias lavadeiras”
lavam mágoas nesse rio.

29/08/2011

Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor

Bernardo Guimarães (O Nariz Perante os Poetas)


Cantem outros os olhos, os cabelos
E mil cousas gentis
Das belas suas: eu de minha amada
Cantar quero o nariz.

Não sei que fado mísero e mesquinho
É este do nariz,
Que poeta nenhum em prosa ou verso
Cantá-lo jamais quis.

Os dentes são pérolas,
Os lábios rubis,
As tranças lustrosas
São laços sutis
Que prendem, que enleiam
Amante feliz;
É colo de garça
A nívea cerviz;
Porém ninguém diz
O que é o nariz.

(As faces são tintas
De rosa e de liz,
Ou já têm de jambo
Mimoso matiz;
São cor de safira
Os olhos gentis
E a cor do nariz
Ninguém vo-la diz.)ii

Beija-se os cabelos,
E os olhos belos,
E a boca mimosa,
E a face de rosa
De fresco matiz;
E nem um só beijo
Fica de sobejo
P’ro pobre nariz;
Ai! pobre nariz,
És bem infeliz!

Entretanto, — notai a sem-razão
Do mundo, injusto e vão: —
Entretanto o nariz é do semblante
O ponto culminante;
No meio das demais feições do rosto
Erguido é o seu posto,
Bem como um trono, e acima dessa gente
Eleva-se eminente.

Trabalham sempre os olhos; mais ainda
A boca, o queixo, os dentes;
E — míseros plebeus — vão exercendo
Ofícios diferentes.

Mas o nariz, fidalgo de bom gosto,
Desliza brandamente
Vida voluptuosa entre as delícias
De um doce far-niente.

Sultão feliz, em seu divã sentado
A respirar perfumes,
De bem-aventurado ócio gozando,
Não tem inveja aos numes.

Para ele produz o rico Oriente
O cedro, a mirra, o incenso;
Para ele meiga Flora de seus cofres
Verte o tesouro imenso.

Amante fiel sua, a mansa aragem
As asas meneando
Anda p’ra ele nos vergéis vizinhos
Aromas apanhando.

E tu, pobre nariz, sofres o injusto
Silêncio dos poetas?
Sofres calado? não tocaste ainda
Da paciência as metas?

Nariz, nariz, já é tempo
De ecoar o teu queixume;
Pois, se não há poesia
Que não tenha o seu perfume,
Em que o poeta às mãos cheias
Os aromas não arrume,
Por que razão os poetas,
Por que do nariz não falam,
Do nariz, p’ra quem somente
Esses perfumes se exalam?

Onde, pois, ingratos vates,
Acharíeis as fragrâncias,
Os balsâmicos odores,
De que encheis vossas estâncias,
Os eflúvios, os aromas
Que nos versos espargis;
Onde acharíeis perfume,
Se não houvesse nariz?
Ó vós, que ao nariz negais
Os foros de fidalguia,
Sabei, que se por um erro
Não há nariz na poesia,
É por seu fado infeliz,
Mas não é porque não haja
Poesia no nariz.

Atenção pois aos sons de minha lira,
Vós todos, que me ouvis,
De minha bem-amada em versos d’ouro
Cantar quero o nariz.

O nariz de meu bem é como... oh! céus!...
É como o quê? por mais que lide e sue,
Nem uma só asneira!...
Que esta musa está hoje uma toupeira.

Nem uma idéia
Me sai do casco!...
Ó miserando,
Triste fiasco!!

Se bem me lembra, a Bíblia em qualquer parte
Certo nariz ao Líbano compara;iii
Se tal era o nariz,
De que tamanho não seria a cara?!...

E ai de mim! desgraçado,
Se o meu doce bem-amado
Vê seu nariz comparado
A uma erguida montanha:
Com razão e sem tardança,
Com rigores e esquivança,
Tomará cruel vingança
Por essa injúria tamanha.

Pois bem!... Vou arrojar-me pelo vago
Dessas comparações que a trouxe-mouxe
Do romantismo o gênio cá nos trouxe,
Que p’ra todas as cousas vão servindo;
E à fantasia as rédeas sacudindo,
Irei, bem como um cego,
Nas ondas me atirar do vasto pego,
Que as românticas musas desenvoltas
Costumam navegar a velas soltas.

E assim como o coração,
Sem ter corda, nem cravelha,
Na linguagem dos poetas
A uma harpa se assemelha;
Como as mãos de alva donzela
Parecem cestos de rosas,
E as roupas as mais espessas
São em verso vaporosas;

E o corpo de esbelta virgem
Tem feitio de coqueiro,
E só com um beijo se quebra
De tão franzino e ligeiro;

E como os olhos são flechas,
Que os corações vão varando;
E outras vezes são flautas
Que de noite vão cantando;

P’ra rematar tanta peta
O nariz será trombeta...

Trombeta o meu nariz?!! (ouço-a bradando)
Pois meu nariz é trombeta?...
Oh! não mais, Sr. poeta,
Com meu nariz s’intrometa.

Perdão por esta vez, perdão, senhora!
Eis nova inspiração me assalta agora,
E em honra ao teu nariz
Dos lábios me arrebenta em chafariz:

O teu nariz, doce amada,
É um castelo de amor,
Pelas mãos das próprias graças
Fabricado com primor.

As suas ventas estreitas
São como duas seteiras,
Donde ele oculto dispara
Agudas flechas certeiras.

Em que sítios te pus, amor, coitado!
Meu Deus, em que perigo?
Se a ninfa espirra, pelos ares saltas,
E em terra dás contigo.

Estou já cansado, desisto da empresa,
Em versos mimosos cantar-te bem quis;
Mas não o consente destino perverso,
Que fez-te infeliz;
Está decidido, — não cabes em verso,
Rebelde nariz.

E hoje tu deves
Te dar por feliz
Se estes versinhos
Brincando te fiz.

Fonte:
Bernardo Guimarães. Humorísticos e irônicos. 1884. disponível em www.dominiopublico.gov.br

Bernardo Guimarães (1825 – 1884)


Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 15 de agosto de 1825. Filho de João Joaquim da Silva Guimarães e Constança Beatriz de Oliveira, foi magistrado, jornalista, professor, romancista e poeta. É o patrono da Cadeira nº 5 da "Academia Brasileira de Letras", por escolha de Raimundo Correia.

Dos seus quatro anos, até um momento da adolescência não fixado pelos biógrafos, viveu em Uberaba e Campo Belo, impregnando-se das paisagens que descreveria com predileção nos seus romances. Antes dos 17 anos, estava de volta a Ouro Preto, onde terminou os preparatórios, matriculando-se tardiamente, em 1847, na Faculdade de Direito de São Paulo, onde se tornou amigo íntimo e inseparável de Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa, com os quais chegou a projetar a publicação de uma obra que se chamaria Três Liras. Fundaram os três, com outros estudantes, a "Sociedade Epicuréia", a que se atribuíram "coisas fantás-ticas", que ganharam fama no meio paulistano. Sempre mau estudante, se bacharelou em 2ª época no começo de 1852, depois de um qüinqüênio ruidoso de troças, patuscadas, orgias e irreverência. Já então o distinguiam pela sua indisciplina, pelas alternativas de bom humor e melancolia, pelo coração bondoso e completa generosidade. Juiz municipal de Catalão, Província de Goiás, em 1852-1854 e 1861-1863, foi, de permeio, jornalista no Rio, de 1858 a 1860 ou 61.

Magistrado descuidado e humano, promoveu no segundo período de judicatura um júri sumário para libertar os presos, pessimamente instalados, e, intervindo motivos de conflito com o presidente da província, sofreu processo, do qual saiu triunfante. Depois de nova estadia no Rio, fixou-se a partir de 1866 na cidade natal, onde casou no ano seguinte e foi nomeado professor de retórica e poética no Liceu Mineiro. Casou-se no ano seguinte com Teresa Maria Gomes, tendo posteriormente, oito filhos. Uma das duas filhas foi Constança, falecida aos 17 anos, quando noiva de seu primo, o poeta Alphonsus de Guimaraens, que a imortalizou na literatura como a que "se morreu fulgente e fria".

Extinta a cadeira, foi nomeado em 1873, professor de latim e francês em Queluz, atual Lafayette, onde morou uns poucos anos. Também esta cadeira foi extinta, e Basílio de Magalhães sugere que o motivo deve ter sido, em ambos os casos, ineficácia e pouca assiduidade do poeta. Em 1875 publicou o romance que melhor o situaria na campanha abolicionista e viria a ser a mais popular das suas obras: A Escrava Isaura. Dedicando-se inteiramente à literatura, escreveu ainda quatro romances e mais duas coletâneas de versos. A visita de Dom Pedro II à Minas Gerais, em 1881, deu motivo a que o Imperador prestasse expressiva homenagem a Bernardo Guimarães, a quem admirava. Voltando a Ouro Preto, ali viveu até a morte, em 10 de março de 1884.

Embora tenha começado a escrever ficção nos fins do decênio de 50, e tenha feito poesias até os últimos anos, como qualidade a sua melhor produção poética vai até o decênio de 1860; a partir daí, realiza-se de preferência na ficção. Estreando com os Cantos da Solidão em 1852, reúne-os com outros em 1865 nas Poesias. De 1866 é a publicação parcelada d'O Ermitão do Muquém (posto em livro em 69, mas redigido em 58), seguido por Lendas e Romances, 1871; O Garimpeiro, 1872; Lendas e tradições da Província de Minas Gerais (incluindo A Filha do Fazendeiro) e O Seminarista, 1872; O Indio Afonso, 1873; Maurício, 1877; A Ilha Maldita e O Pão de Ouro, 1879; Rosaura, a Enjeitada, 1883. Publicara mais duas coletâneas de versos: Novas Poesias, 1876, e Folhas de Outono, 1883. Postumamente surgiram o romance O Bandido do Rio das Mortes, 1904, e o drama A Voz do Pajé, 1914. Deve-se registrar além disso, uma saborosa produção de poesia obscena, cuja maioria se teria perdido, sendo algumas recolhidas em folheto.

Obras Publicadas

1852 Cantos da Solidão
1864 O Ermitão de Munquém
1865 Poesias
1867 Inspirações da Tarde
1871 Lendas e Romances
1872 O Seminarista
1872 História e Tradições da Província de Minas Gerais
1872 O Garimpeiro
1873 O Índio Afonso
1875 A Escrava Isaura
1876 Novas Poesias
1877 Maurício ou Os Paulistas em São João d'El Rei
1879 A Ilha Maldita e O Pão de Ouro
1883 Folhas de Outono
1883 Rosaura, a Enjeitada

Fontes:
www.sitedoescritor.com.br
www.spectrumgothic.com.br

Ialmar Pio Schneider (O Poeta e o Pelicano)


Estava eu a matutar no que iria escrever nestas horas monótonas de minha vida, quando me deparei com uma poesia da época romântica francesa que traduzimos na adolescência, ao cursarmos o Científico. Lembro-me que o professor de francês no Colégio Nossa Senhora da Conceição de Passo Fundo – RS, era o irmão marista Érico, cujo apelido carinhoso era “Foquinha”, e que ao ler as poesias em voz alta ele se empolgava transmitindo uma emoção ímpar e que todos ouvíamos em silêncio, no original desta língua tão melódica quanto sonora, no meu mero entendimento. O livro em que estudávamos era o Cours de Français, de Augusto R. Rainha e José A. Gonçalves, e nas páginas 35, 36 e 37, constava a minibiografia do autor e a poesia a que me refiro, como segue:

“Época Romântica – A Poesia – MUSSET (1810-1957) –

1 – Alfred de Musset nasceu em Paris, onde após excelentes estudos, partiu do Cenáculo e se engajou no romantismo. Entretanto, não tardou a retomar uma independência da qual era cioso (ciumento). Levou, durante algum tempo, uma vida licenciosa que lhe não deixa senão remorso e desencantamento. Tornou-se então um poeta apaixonado. É o período de sua grande poesia.

Este poeta tão grande e tão maravilhoso, é Enfant du siècle (Filho do século), como ele gostava de se chamar a si mesmo, e morreu na idade de quarenta e sete anos.

2 – Suas Obras Líricas estão reunidas em dois volumes: Primeiras Poesias (Contos da Espanha e da Itália); Novas Poesias (as Noites), a melhor parte da obra do poeta.

3 – Musset é antes de tudo o “poeta do amor”. É seu princípio que “toda a obra literária consiste em abrir seu coração e a penetrar no coração do leitor”. “Ah ! bate de encontro ao teu coração: é lá que está o gênio” – escreveu. É um poeta todo pessoal (original), não gostava de imitar: “Mon verre n’est pas grand, mais je bois dans mon verre.” (Meu copo não é grande, mas eu bebo no meu copo).”

Após este prólogo tão interessante quanto necessário, a meu ver, em tradução minha adaptada, vamos à poesia:

“O PELICANO

Qualquer preocupação que sofras em tua vida,
Oh! deixa dilatar-se, esta santa ferida
Que os negros serafins têm cavado em teu peito
Nada nos faz tão grandes como um sofrer perfeito.
Mas, por estar atento, não creias, ó poeta,
Que no Mundo a tua voz deva ficar quieta !
Os mais pungentes são os cânticos mais belos,
E eu conheço imortais que são tristes anelos.
Quando o pelicano, em longa viagem solta,
Nas brumas da tardinha aos seus caniços volta,
Famintos filhos seus caminham sobre a praia,
Vendo-o esbater-se ao longe em cima às plúmbeas águas
Já crendo em apanhar e repartir a presa
Eles correm ao pai com gritos de alegrias
Erguendo os bicos sobre as gargantas frias.
Ele, galgando a passos lentos uma rocha elevada,
Em sua asa pendente abrigando a ninhada,
Pescador melancólico, ele olha os céus.
O sangue corre em golfadas em seu peito aberto;
Em vão dos mares escavou a profundeza:
O Oceano estava vazio e a praia deserta;
Por todo alimento ele traz seu coração.
Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra,
Repartindo aos seus filhos suas entranhas de pai,
No seu amor sublime embala a sua dor,
E, olhando escorrer seu peito a sangrar,
Sobre seu festim de morte ele se prostra e cambaleia,
Ébrio de volúpia, de ternura e de horror.
Mas às vezes, no meio do divino sacrifício,
Fatigado de morrer em tão longo suplício,
Ele acredita que os filhos o deixem vivendo;
Então soergue-se, abre sua asa ao vento,
E, ferindo-se o coração com um grito selvagem,
Solta dentro da noite um tão fúnebre adeus,
Que os pássaros dos mares desertam a beira-mar,
E que o viajor demorado na praia,
Sentindo passar a morte, se recomenda a Deus.”
(La Nuit de Mai (1835).

Ao findar o mês de maio em pleno outono, quis prestar uma homenagem in memoriam a este inigualável poeta romântico francês que com seu poema( inserido em Noites de Maio), demonstrou até onde vai o amor paterno e materno, sacrificando sua própria vida para que seus filhotes continuem a viver. É uma lição divina da natureza.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.iguinho.ig.com.br

Hermoclydes S. Franco (Algumas Trovas Esquecidas)


A vagar pela cidade,
Desde os tempos de menino,
Procuro a felicidade
Que mora além do destino!...

Ser mãe é trabalho insano
Que tal carinho irradia
E te faz, por todo o ano,
Ser a mãe de cada dia!

Foi tanta emoção sentida,
Foram mil sonhos sonhados,
Que atravessamos a vida
Como eternos namorados...

Para ser livre e ufano,
Ter poder, ser sempre um bravo,
Na verdade o ser humano
Da lei deve ser escravo...

Plangem sinos, é Natal,
Festa em nossos corações...
O Deus-Menino, imortal,
É o centro das emoções...

O fulgor da Estrela-Guia
Viu nascer em Nazaré:
Para o mundo, novo dia;
Para os homens, nova Fé!...

Um lençol verde de paz...
Um rio... Uma catarata...
Lindas flores... animais...
Sons do silêncio, eis a mata!... (Sem verbos)

Tu foste, na minha vida,
Tempestade que passou...
Neblina descolorida
Que alguma nuvem deixou!...

Versejando à luz difusa,
Se o sentimento me inspira,
Eu te elejo a doce musa
Que há de tanger minha lira!...

Nas mensagens de prazer,
Carteiro, nas tarde mansas,
Tens o condão de trazer
O renascer de esperanças...

Em privação de sentidos,
Em teus braços perfumados,
Sonhei sonhos não vividos...
Vivi sonhos não sonhados...

Abraça o tempo que corre,
Na rapidez em que avança,
Que um bom momento não morre,
Acaba sempre em lembrança!

Mãe! Flor de amor e bondade,
Nem precisa rima rica,
Na poesia de saudade
Da lembrança que nos fica!

Escondendo tal carinho
Em seu semblante sisudo,
Meu PAI me pôs no caminho
Preparado para tudo!...

Não julgues a alheia sorte
Pelo brilho do brasão:
A luz que brilha mais forte
Tem mais curta duração...

MEMÓRIA... Forja de sonhos,
Arquivo de sentimentos,
Relicário onde os tristonhos
Escondem seus bons momentos...

Noite de Paz e de Amor!
Noite de sonho e de luz...
Veio ao mundo o Salvador,
O Deus-Menino, Jesus!...

A tempestade aparente
Do teu gênio, por magia,
Transformou-se de repente,
Ao meu beijo, em calmaria!

Terminado o encantamento,
Só restou a indiferença
De um calado sofrimento
Marcando sempre presença!

Minha fé a grande força
Que trago desde criança,
Não deixa que a vida torça
O meu rumo de esperança

Não tive coragem, creia,
De fugir nesta revolta...
Por isso é que, volta e meia,
Vivo dando a meia-volta!...

Na luta pela conquista
Do melhor que a via encerra,
Sou um simples pacifista:
“Faço o amor, não faço a guerra”.

A emoção é bailarina,
Num palco azul de ilusões...
Se Deus a fez feminina,
Tinha lá Suas razões.

Com efeitos especiais,
Meus sonhos mostram, em tela,
Os teus encantos reais
Na mais bonita aquarela!...

A inspiração é uma fada,
Com varinha de condão...
Quando toca a musa, amada,
Há poesia em profusão!...

Pelo teu corpo, em viagens
De sonhos e encantamentos,
Minhas mãos passam mensagens
De indescritíveis momentos...

Trago tantas emoções
Nas minhas canções serenas
Que, quando canto as canções,
Vivo de emoções, apenas!...

Para espantar minha dor,
Eu passo a vida a cantar,
Sabendo que mal de amor
Ninguém consegue espantar...

Lobo máu, o vento, ao léu,
Se transforma em furacão
Ao ver, nas nuvens do céu,
Carneirinhos de algodão!...

A vida é a fada-madrinha
Que, ao ver nosso intenso flerte,
Deu-me, em toque de varinha,
O prazer de conhecer-te!

Aquele que a paz expande
Tem a luz, bem definida,
Que se transforma no grande
Prazer de viver a vida!

Na vida, estrada de sonhos,
Conheci divinos seres
Que me ensinaram, risonhos,
Segredos de mil prazeres!...

Vem amor, morar comigo,
Que eu te mostro o que é viver
E, em longa noite contigo,
Eu te ensino o que é prazer...

O triste da caminhada,
Na longa estrada da vida,
É ver a fome estampada
Em tanta gente excluída!

Nossas sombras, abraçadas,
Sob a luz do luar risonho,
Atravessam madrugadas
Em busca do mesmo sonho!

Seria o grande momento,
Para toda a humanidade,
Se o bom Deus mandasse o vento
Varrer do mundo a maldade...

Não há sonho mais bonito
Nem mentira mais falaz
Do que o amor infinito
Que a vida jamais nos traz!

Teu amor é o suave açoite
Que eu desejo, em calmaria:
Como o dia busca a noite...
Como a noite busca o dia!

No meu sonho, em bela imagem,
Neste meu destino incerto,
Seu recado foi miragem
E apagou-se em meu deserto!...

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Jean de La Fontaine (Fábulas) A Raposa e a Cegonha

Ilustração de Gustave Doré
Quis a raposa matreira,
Que excede a todas na ronha,
Lá por piques de outro tempo,
Pregar um ópio à cegonha.

Topando-a, lhe diz: "comadre,
Tenho amanhã belas migas,
E eu nada como com gosto
Sem convidar as amigas.

De lá ir jantar comigo
Quero que tenha a bondade;
Vá em jejum porque pode
Tirar-lhe o almoço a vontade."

Agradeceu-lhe a cegonha
Uma oferenda tão singela,
E contava que teria
Uma grande fartadela.

Ao sítio aprazado foi,
Era meio-dia em ponto,
E com efeito a raposa
Já tinha o banquete pronto.

Espalhadas num lajedo
Pôs as migas do jantar,
E à cegonha diz: "comadre,
Aqui as tenho a esfriar.

Creio que são muito boas -
Sans façon - vamos a elas."
Eis logo chupa metade
Nas primeiras lambidelas.

No longo bico a cegonha
Nada podia apanhar;
E a raposa em ar de mofa,
Mamou inteiro o jantar.

Ficando morta de fome,
Não disse nada a cegonha;
Mas logo jurou vingar-se
Daquela pouca vergonha.

E afetando ser-lhe grata,
Disse: "comadre, eu a instigo
A dar-me o gosto amanhã
De ir também jantar comigo."

A raposa labisqueira
Na cegonha se fiou,
E ao convite, às horas dadas,
No outro dia não faltou.

Uma botija com papas
Pronta a cegonha lhe tinha;
E diz-lhe: "sem cerimônia,
A elas, comadre minha."

Já pelo estreito gargalo
Comendo, o bico metia;
E a esperta só lambiscava
O que à cegonha caía.

Ela, depois de estar farta,
Lhe disse: "prezada amiga,
Demos mil graças ao céu
Por nos encher a barriga."

A raposa conhecendo
A vingança da cegonha,
Safou-se de orelha baixa,
Com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos,
Aprendei esta lição.
Tramas com tramas se pagam,
Que é pena de Talião.

Se quase sempre os que iludem
Sem que os iludam não passam,
Nunca ninguém faça aos outros
O que não quer que lhe façam.

Fonte:
La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

Monteiro Lobato (O Saci) XIX – Lobisomem; XX – Mula sem Cabeça

XIX - Lobisomem

Nem bem acabara o saci de pronunciar estas palavras e Pedrinho notou grande rebuliço entre os sacizinhos. Parece que também pressentiram qualquer coisa, pois largaram das brincadeiras e desapareceram na floresta, como por encanto.

Era tempo. O mato começou a estalar como se algum animalão por ele viesse rompendo, e por fim surgiu na clareira a carantonha sinistra de um lobisomem. Parou, farejou o ar como se estivesse sentindo cheiro de carne humana. O saci, porém, tivera a precaução de emitir um certo cheirinho a enxofre, e isso iludiu o lobisomem, que continuou o seu caminho e passou. O cheiro a enxofre disfarça o da carne humana, explicou mais tarde o saci.

Apesar do medo que sentira, Pedrinho pôde notar que o monstro tinha a pele virada, isto é, o pêlo para dentro e a carne para fora — uma coisa horrível! No mais, era um perfeito lobo, embora de dimensões muito mais avantajadas.

Assim que o lobisomem deixou a clareira, o menino respirou um ah! de alívio e pediu ao saci que lhe contasse alguma coisa desses monstros.

— Dizem — respondeu o saci — que quando uma mulher tem sete filhos machos, o sétimo vira lobisomem na noite das sextas-feiras. Sai então pelos campos, invade os galinheiros (onde come um produto das galinhas que não é o ovo) e também assalta e devora os cães e as crianças que encontra pelo caminho. Se alguém ataca um lobisomem e corta-lhe uma das patas, ele vira imediatamente no homem que é — e esse homem fica por toda a vida aleijado do membro correspondente à pata cortada.

Pedrinho não resistiu à tentação de ver de perto as pegadas do monstro e apesar das advertências do saci saiu do oco para examiná-las à luz de um vaga-lume. Mas não teve tempo. Assim que saiu do oco, ouviu um estranho rumor ao longe, seguido do agudo assobio do saci chamando-o. Voltou precipitadamente.

— Que há? — indagou.

O saci, que também parecia amedrontado, puxou-o bem para o fundo do esconderijo, murmurando: — A mula-sem-cabeça!

XX – A mula-sem-cabeça

A mula-sem-cabeça!

Pedrinho estremeceu. Nenhum duende das florestas o apavorava mais que esse estranho e incompreensível monstro, a mula-sem-cabeça que vomita jogo pelas ventas! Muitas histórias a seu respeito tinha ouvido aos caboclos do sertão e aos negros velhos, embora Dona Benta vivesse dizendo que tudo não passava de crendice.

A galopada aproximava-se; já se ouvia o estalar dos arbustos que em seu desenfreado galopar a mula-sem-cabeça vinha quebrando. Súbito, parou.

— Vai mudar de rumo! — murmurou o saci, com cara mais alegre.

E de fato foi assim. A mula retomou a galopada, mas em outra direção, embora passasse por perto não chegou ao alcance dos olhos do menino.

— Que pena! — exclamou ele. — Tanta vontade que eu tinha de conhecer esse monstro...

— Que pena? — repetiu o saci. — Que felicidade, deve você dizer! A mula-sem-cabeça é o mais sinistro duende que há no mundo; tem o dom de transtornar a razão de todos que a vêem. Por isso é que tive medo — não por mim, mas por você...

— Mas qual é a origem dessa mula?

— Uma história muito velha. Dizem que antigamente houve um rei cuja esposa tinha o misterioso hábito de passear certas noites pelo cemitério, não consentindo que ninguém a acompanhasse. O rei incomodou-se com isso e certa noite resolveu segui-la sem que ela o percebesse. No cemitério deu com uma coisa horrenda: a rainha estava comendo o cadáver de uma criança enterrada na véspera e que por suas próprias mãos cheias de anéis havia desenterrado! O rei deu um grito. Vendo-se pilhada, a rainha deu outro grito ainda maior — e imediatamente virou nessa mula-sem-cabeça, que desde aquele momento nunca mais parou de galopar pelo mundo, sempre vomitando fogo pelas ventas.

E foi assim que Pedrinho perdeu a única oportunidade que teve de ficar conhecendo pessoalmente o estranho monstro que tanto impressiona a imaginação dos nossos sertanejos.

Ela corre sem cessar, espalhando a loucura por onde passa. Não existe criatura, seja bicho do mato ou gente, que não prefira ver o Diabo em pessoa a ver a tal mula-sem-cabeça. É horrenda!

— Mas como será que vomita fogo pelas ventas, se as ventas estão na cabeça e ela não tem cabeça?

— Também não entendo; mas é assim — disse o saci.
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continua... XXI - Más notícias ; XXII – Chegam ao sítio
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa