domingo, 21 de agosto de 2011

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poetas de Ontem e de Hoje V)


Farsa
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG / RJ


A farsa fere como ferro em fogo
A face falsa despe a fantasia
A vida vira um salão de jogo
No picadeiro reles da orgia.


Se a faca finca no meu peito afoito
Esvai-se o verso, a prosa e a poesia
E vem na boca aquele amargo gosto
Do amargo fel que, então, provei um dia.


A farsa fere, já que é ferro em fogo
A faca finca quando fere o forte
E nessa vida que virou um jogo
Saio perdendo, pois não tenho sorte.

A faca finca
A farsa fere
O tempo passa
O verso morre
Esvai-se a vida...

Anjo Enfermo
AFONSO CELSO/ RJ
l860/1938


Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os céus ouvissem a paterna prece
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
- Gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não ta extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito.

Sim, é pai mas – a crença no-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!...

Flor da Sacada
REGINA COELI/RJ


Era pra ti aquela linda flor
Jogada pra cair no teu chapéu
Colhida de um pedaço do meu céu
Com perfume de todo o meu amor.

A cada tarde morna em seu calor
Eu te esperava envolta em doce mel
E na felicidade que hoje, ao léu,
Não vê mais beija-flor na minha flor...

Um dia teu sorriso me faltou,
Fez-se triste o minuto em minha hora
E em minha mão aquela flor murchou...

Espero o teu chapéu a cada agora
Trazendo o meu sorrir, que se findou
Naquela flor que não levaste embora!

Continuidade
GIUSEPPE ARTIDORO GHIARONI/RJ


Existe um cão que ladra quando eu passo,
Como se visse um bêbedo, um mendigo.
E no entanto, esse cão foi meu amigo,
Como tantos amigos que ainda faço.

À noite, com que alegre estardalhaço
Vinha encontrar-me no portão antigo;
Enquanto a dona vinha ter comigo
E, sorrindo, apoiava-se ao meu braço.

Hoje ele faz a outro a mesma festa
E ela o mesmo carinho, tão honesta
Como se nem notasse a transição.

Eu rio dessa triste brincadeira.
Mas quando uma mulher é traiçoeira,
Não se pode confiar nem no seu cão.

Locomotiva da vida
JOSÉ FELDMAN/PR

A locomotiva corre
Corre que corre
Corre que corre.

Corre levando a gente
Corre trazendo a gente
E a gente corre e corre
Neste leva-e-traz.

A locomotiva corre e apita
Corre e apita
Corre e apita.

Apita o início do jogo,
Apita a voz de comando
Apita a batalha da vida
Apita a vida passando.

A locomotiva corre e pára
Corre e pára
Corre e pára.

Pára na estação
Pára na carga e descarga
De meus momentos de indecisão.

Vai que vai
Vou que vou
Fico que fico.

E a locomotiva apita
E ela corre que corre
E lá vai ela
E lá vou eu!

Corre que corre,
Corre que corre,
Corre que corre…

Ilusões da Vida
FRANCISCO OTAVIANO/ RJ
1825 / 1884


Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem... Não foi homem,
Só passou pela vida... Não viveu.

TE AMO
SÁ DE FREITAS


Amo-te tanto...mais que a própria vida,
E te desejo tanto, na certeza,
De que me queres quanto és tão querida,
De que me prendes n'alma o quanto és presa.

Amo-te mais que o amor permite amar-se;
Amo-te além do além que o amor desperta;
Translúcido te amo sem disfarce;
Te amo com a loucura de um poeta.

Amo-te como deve amar quem ama,
E cercado por essa imensa chama,
Do amor que me aprisiona em fortes laços:

Quero que o coração, no amor, se farte;
Quero viver para poder amar-te...
Quando eu morrer, que eu morra nos teus braços. i

Renúncia
MANUEL BANDEIRA
1886 / 1968


Chora de manso e no íntimo... procura
Tentar curtir sem queixa o mal que te crucia :
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia .
Então ela será tua alegria,
E será ela só tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa
Sofre sereno e de alma sombranceira
Sem um grito sequer tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira.

Bobo prazer
ILKA VIEIRA


Já és tão bela,
tão doce e plena,
mas ainda não percebes
o fluído original
que recarrega minha ânsia
quando te vejo,
quase toco,
quase beijo,
quase roubo,
sem covardia,
com puros desejos
de envolvê-la em meus braços
e morrer por abraços
num bobo prazer.

Entorpecimento
SÔNIA MARIA GRILLO


Eu queria tanto
sair do entorpecimento
retirar o quebranto
a bruxaria, sei lá,
acabar com o tormento
esse marasmo, essa monotonia,
esse não sei o quê
que incomoda
entristece a alegria
esse cansaço em tudo que se vê
essa agonia, essa ausência de energia
para erguer-me, ficar de pé,
encarar os problemas
como coisas pequenas
fáceis de resolver
e no entanto,
estou com as mão atadas
por dentro o pranto
numa angústia encravada
e não há divindade nem santo
que possa dar jeito
nesse momento imperfeito
que de repente se agigantou
feito uma serpente e se enroscou
como seu eu fora uma presa,
e feito uma corrente
seus elos fortemente atou
destruindo toda a minha defesa,
e aí... Tudo ruiu, desmoronou.

Fonte:
Poesias enviadas pelo autor

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