domingo, 28 de agosto de 2011

Caldeirão Poético do Goiás I


Aidenor Aires
A ESPERA

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
meu rosto espera pronto
os dentes do teu arado.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
minhas mãos assistiram,
quais raízes,
a morte azul
das flores e dos ventos.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
antes que alguém
vibre na noite
gemidos de Chopin,
vem.

Tu, que hás de vir um dia,
o céu de maio é doloroso e belo,
as flores começam a morrer.

Vem, antes que o Scherzo
da agonia vibre
o amaríssimo clamor
dos seus acordes
e eu queira vida.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?

É maio,
é belo o dia.

Aidenor Aires
PRESENÇA

Ter que ficar aqui
no meio da rua testemunhando a vida
quando todas as ruas estão mortas.

Vir para o meio do mundo
e dizer do alto das escadas
que a poesia é triste
e que a vida é feita de estradas.

Vir para o meio do mundo
quando já não cabe no mundo
a chave da sua porta.

Alberto Vilela Chaer
CAFÉ

mil anos depois

a porcelana
toca teus lábios

é lá
onde vou buscar
a nova especiaria

ferver
os grãos mais nativos
na infusão de teu vestido

revelar uma Gazela
te levar embora para a Abissínia

lá sou amigo das cabras
vou coar o oriente
pelos teus poros
teu brilho perderá o sono

Bandeira passou perto

Abissínia fica depois de Pasárgada

Alberto Vilela Chaer
SANDÁLIAS

sejam as pedras
portuguesas
de São Tomé
ou de Pirenópolis

todas as calçadas
cochicham
os teus passos

aprendi com elas
a escutar os sussurros
das tuas pernas

para abafar
a espera acústica
desta alma mascate
um coração estendido
tapete persa
mosaicos do descompasso

teus pés sempre estarão nus
nas cerâmicas
das minhas mãos frias

os ladrilhos
se esta rua
se esta rua fosse minha

Alexandre Bonafim
QUARESMEIRAS

Por entre as paredes
da memória
desenhado a giz
um menino teima
em brincar
com as sombras
do silêncio.

Quaresmeiras
latejantes de cor
também insistem
em fincar raízes
no que se perdeu.
ao adentrares a brancura
dessa página
folhas e húmus
hão de enredar
o teu nome
o teu passado.

A brancura desse poema
há de mergulhar
a tua voz
nas origens
de todo
esquecimento.

Por entre os muros
da palavra
uma criança teima
em desenhar
na existência
um rosto de chuva
para sempre iluminado.

Alexandre Bonafim
O PAVÃO

As penas do pavão
guardam as entranhas
da luz
as raízes da água.
Olhos do inominado
pupilas do silêncio
as penas do pavão
desvelam a lua
na arquitetura
do arco-íris.
E tudo se silencia
tudo se cala
ante a fulguração
do mistério:
a estranheza
o susto
toda a perplexidade
se petrificam
ante a cintilação
do real.
Aos pés
daquela esfinge
tombam perguntas
ocas
ecos de ecos
sem voz.
As penas do pavão
abrem o ministério
como um leque
de brisas insanas.

Alice Spíndola
SEMPRE BUSCANDO A CANÇÃO ESQUECIDA

No frêmito da ventura,
a fuga e o retorno da imagem
do pequeno barco.
Imagem — fonte e oráculo —
mergulhada na insularidade
do mar de gestos e de palavras.

Com a alma seqüestrada
pela beleza do rio
e pelo rumor de suas águas,
o menino procura a canção esquecida.

Menino parisiense voga nas milhas do sol.

Alice Spíndola
A CHAVE

No meio da noite, configura
a fragrância das palavras mágicas
Na chave da noite, a ternura,
pluma que verte enigmas

Nas mãos do tempo,
o arado que rasga os mistérios
do sentimento que define
O homem da meia noite,

em seu caminho de volta
que faz

ao adentrar a meia lua
das unhas dos enigmas.
A mão da noite destrava a chave
da fragrância das palavras mágicas

Angélica Torres Lima
DE LOBOS E ANJOS II

O que é que eu faço, Anjo?
Quer que eu corra, que eu dance
que eu morra? que me levante
e cante uma ode à insõnia?

Não vê que o crepúsculo
já faz muito se desfez?
Que a lua é selada
em céu negro-martírio?

E não guarda o meu sono
nem me faz companhia,
Cruel, que só me inspira
elegias!

Angélica Torres Lima
TRILHAS PARA O ALTAR

Face de maçã trincada na manhã de louça.
Lâminas de agulhas negras fatiam
o altiplano azul no sonho das cabeças

A pedra engastada em prateleiras
oculta o segredo de gestos e passos
: corpos estagnados de anseio.

Antonio Carlos Machado
ANUNCIAÇÃO

Urubús em vôo altaneiro
— quem os sabe —
Planando em tarde estival
(morte consumada!)

Andorinhas prenunciadoras
— quem as esperava —
o verão tão distante
as esperanças sepultadas.

Antonio Carlos Machado
AMOR QUE SE ESCOA LENTO

Que eu durma,
enquanto repousas!

Que a memória permaneça,
enquanto passamos!

Que a dor silencie,
enquanto não partimos!

Que os cães ladrem,
é noite, apenas!

Que a neblina as adormeça,
vagas estrelas testemunhas.

E a lua, o cavalo, o êxtase,
o silêncio solidário?

Antonio Geraldo Ramos Jubé
BURITI

Buriti, buriti da verde várzea.

A saudade é paisagem, água quérula.
O céu, redoma azul sobre a planura,
no espaço claro de manhã de pérola.

Buriti, buriti ancião, decrépita
testemunha de coisas e mudanças.
Que fizeram contigo? Edifícios
te afogaram, em sombras e lembranças.

Foram-se os anos te deixando, apenas,
nos campos invadidos, espectral.
Antes, a água bebida nas raízes,
agora, um pranto podre no canal.

Buriti, buriti da verde várzea,
testemunha calada da mudança.
Ainda estás de pé em meio ao tráfego.
Em volta a fúria, a fúria urbana avança.

Antonio Geraldo Ramos Jubé
AS SEARAS

I

Arrozal, verde vento, verdes chuvas
plantadas nesta água verdemente.
A esperança cavalga aéreas nuvens,
germina nos segredos da semente.

Veranicos dardejam sóis, presente
o dinamismo oculto das saúvas.
Nos cachos do arrozal o dia acende
seu coração de luz sob áureas luvas.

Deus vê crescer a planta: ela precisa
de iguais rações de sol e chuva. E o tempo
amadurece o grão na mão da brisa.

Agora ei-lo saudoso de sua haste
chino cristal de leite simplesmente.
Dando graças à terra em que o plantaste.

II

Em fila o milharal ergue cocares
cor de ouro na manhã de papagaio.
E as folhas lanceoladas de guerreiros
armados para a guerra, perfilados.

O verde milharal sobe da terra
para o espaço de sol, todo lavado.
Em torno gira a festa buliçosa
das jandaias e dos maracanãs.

Rebentam as bonecas promissoras
com seu cabelo ruivo, de entre a palha.
— Doce milho que chega à nossa mesa
envolvido nas palhas da pamonha.

III

Do canavial as verdes lanças
e o verde mel nos colmos acondicionado.
A doçura do caldo a ferver nas tachas,
depois no alambique, elaborando
a cachaça e a rapadura.

De onde vem essa essência doce,
essa seiva nutriz?

Do suor do lavrador no eito?
Da mansidão do boi na canga?
Do carro moroso a gemer no eixo?
Da tortura da engrenagem no engenho
gira-girando no sereno da madrugada?

Esse gosto de mel de moenda...

Fonte:
Antonio Miranda
Imagem = criação por José Feldman

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