segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Esio Antonio Pezzato (Antologia Poética)


COLCHA DE RETALHO

A minha velha colcha de retalho,
Feita por minha Mãe, na minha infância,
(Tempo este já perdido na distância...)
Hoje, ainda, me serve de agasalho...

Altas noites friorentas, e eu, em ânsia,
Busco-a e me cubro – feito um espantalho –
E a ela coberto lembro-me o trabalho
Que teve minha Mãe em longa estância...

Muito mais que meu corpo, ela me aquece
O coração, que bate como prece
E mais parece guizo de um chocalho...

Não quero, não, uma coberta nova,
Do amor de minha Mãe – é eterna prova,
A minha velha colcha de retalho!
22.09.2001

EXORTAÇÃO

Canta, Poeta, os versos que fabricas
Como as águas correntes, junto ás bicas
Que correm cristalinas, pelo mato;
Canta em versos perfeitos e sonoros
A inspiração que brota de teus poros
Tirando da beleza todo o extrato!

Canta, Poeta, o amor justo e perfeito,
A sinfonia que exacerba o peito
Em alvorada multicolorida;
Canta a Graça, a Ternura, a áurea Esperança,
Canta o Amor, canta a Paz, canta a Bonança,
Canta toda a Beleza que há na vida!

Canta, Poeta, às luzes da alvorada,
O que te deixa de alma apaixonada
Num sorriso fremente, num sorriso
Que contém dentre as armas – mais poderes,
O que traz sonhos a milhões de seres
Que almejam alcançar o paraíso!

Canta, Poeta, em versos benfazejos,
Os soluços de amor dos sertanejos
Dedilhando, na tarde, uma viola;
Canta toadas com a simplicidade
De quem sabe encontrar felicidade
E de quem, entre afagos, se consola!

Canta, Poeta, em qualquer tempo, canta!
Pois tuas rimas servem-nos de manta
Tuas estrofes são nossos escudos;
Enquanto em versos soltas tua Lira,
Em nossos corações acende a pira
E a tua voz – permanecemos mudos!
14.10.1998
SEXTILHAS SOBRE O CORVO

Cada vez mais de Poe, o negro corvo,
Na minha vida anda causando estorvo
A guturar seus versos sepulcrais...
É que seu negro, atro e nefasto grito,
– Eco de sombra a ungir todo o Infinito! –
Em minh’alma crocita:– nunca mais!

Este grito de morte me atordoa,
No mais fundo de mim, lúgubre soa,
Como o verso da morte que me vem
E arrepiam-me peles e cabelos,
Iguais horripilantes pesadelos
Que caminho, na noite, sem ninguém.

A noite fere em luz pingos de estrelas,
Eu – solitariamente andando pelas
Noites de horror que estão dentro de mim,
Avisto em meio aos trôpegos destroços,
Um punhado de brancos, podres ossos,
Das vidas todas que tiveram fim.

Alem, perdida num moirão da estrada,
Eis a ave negra e funeral, pousada
Alertando meus rumos a seguir:
Armadilhas estão em cada canto,
– Fico parado, pálido de espanto,
Talvez pelo final de meu porvir!

Perscruto o olhar de lince... Calmamente
A passos lerdos vou pisando em frente
E o corvo fica a me seguir no olhar.
Está dentro de mim um denso medo!
Mas vou a desvendar este segredo
Embora sinta enorme falta de ar.

Os passos alardeiam-me a presença,
E o corvo negramente, em sua crença,
Repete-me seus ecos guturais.
É noite. Vou perdido no caminho,
E ao desespero deste andar sozinho
É o corvo crocitando:– nunca mais! –

15.11.1997

PESCADOR

(para meu filho Esio, pescador convicto)

O pescador passa as horas
Sentando á beira do rio

O sol corre o espaço aberto
E o pescador distraído
Sentando á beira do rio
Não vê o tempo passar

Tranqüilo calmo em seu mundo
As horas lerdas se arrastam

E dentro de seu silêncio
No lento arrastar das horas
O pescador pensativo
Brinca ao silêncio do tempo

Na água lerda da corrente
Navega a sua ilusão

A brisa mansa e serena
Cheia de sonhos repisa
Momentos e horas passadas
Em cardumes de esperanças

Escamas brilham em lua
Com os braços do pescador

O denso suor escorre
Pelos caminhos vincados
Das faces contemplativas
Tentando a luta vencer

O samburá prende sonhos
Dourados jaús pintados

Mas a vida provisória
Da cadeia de bambu
Prolonga a hora da morte
Para o instante da partida

Silêncio pede silêncio
Quando retesam-se as linhas

Formando um longo trapézio
Entre as mãos os pés e a água
O reflexo mais parece
Um triângulo escaleno

Equilibra-se na angústia
Do percebido e não visto

A luta submersa trava-se
Com a vontade infinita
De vencer a vida aquática
Com anzóis de aço e de fisgas

Luta – fieira de silêncio
Para a vitória do nada

Mas o pescador bem sabe
Que além da aquática luta
Há o caminho para a casa
E á vida – maior disputa

14.10.1998

BALADA INSPIRADA

Há na minh’alma a inspiração
De oferecer a ti, amada,
Aos sons do amor, uma canção,
Para mostrar que – apaixonada,
Ela anda em plena madrugada
A repetir este refrão:
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

Por isso, em plena comoção,
Dentro da noite enluarada,
Vou aos teus pés – com devoção,
Oferecer-te esta balada.
És minha Musa, és minha Fada,
Hino de vida e de razão.
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

Ardo de amor como o verão
Que deixa a vida incendiada.
E vivo sempre na estação
Que a vida faz iluminada.
Contemplo em luzes a alvorada
Que traz-me o sol com explosão.
– Sem ti, querida, não sou nada
E a vida é apenas ilusão.

OFERTA


És minha fruta açucarada!
Provo-te o sumo em emoção!
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

14.08.2002

CONSIDERAÇÕES

Minha poesia já não traz o encanto
Da passada e esmaecida mocidade.
Hoje é tangida em cordas da saudade
E é sem sonoridade este meu canto.

Poucos anos separam o passado
Deste presente insípido e tristonho.
O porvir não me traz ridente sonho
E fica em pesadelo transformado.

A primavera vai perdendo as flores
E o verão antecipa a cor do outono.
As folhas vão rolando no abandono
E o inverno se transmuda em frias cores.

A exclamação do corpo belo e altivo,
Numa interrogação atroz se tange.
A costa arqueada lembra um frio alfanje,
Das intempéries fica-se cativo.

Tudo é veloz de mais... a loura aurora
Alcança o sol a pino e traz a arde...
O fogo do desejo já não arde
E o que era doce e lindo... vai-se embora...

O entardecer de dúvidas se fere,
O olhar se torna baço e se enevoa...
E a silenciosa sombra sempre soa
Num ritual de triste miserere...
13.11.2000

DESESPERANÇA

Pelas sombras, nas trevas, solitário,
Coração perambula no caminho,
Na tortura de sempre estar sozinho
Lembra Alguém que seguiu atroz calvário.

Como é triste, Senhor, o itinerário
De quem, na vida, já não tem carinho.
Ave que foi expulsa de seu ninho
Já não tem mais encantos de canário...

Mudo e tristonho vou, sem esperanças,
Carregando farrapos de mil sonhos
Pelos ermos perdidos das lembranças...

O outrora céu azul da mocidade
Hoje contém relâmpagos medonhos
E anuncia terrível tempestade...

23.10.2000

CANTO NOTURNO
(1982)

Em pleno dia o Pássaro da Noite
Cortou, felino, a tua trajetória:
E calou tua voz
E levou teu sorriso
Também tua esperança
Longe de todos nós.
– Teus sonhos de criança
Anseios de mulher,
Projetos do futuro
Lembranças do passado;
– Está tudo acabado.

A morte veio e entrou na tua vida
Deixando em todos nós, uma saudade:
Saudade dos teus cantos
E da agressividade
Junto às canções de brasa
Que soubeste cantar:
Ódio, raiva, delírio,
Amor, fogo, paixão,
Desespero inflamado
No ato da louvação
Ao cantar o passado.

Anjos cheirando a cocaína e álcool
Desmoronaram o teu corpo físico,
E a dor da morte paira
No tédio da saudade,
No palco do Teatro,
No pranto de um amigo,
Que agora, a recordas,
Lembra do paraíso
Na voz do teu sorriso
Que era maior que o mar.

Basta de soluções e mil hipóteses
Para sair da Noite a tua morte.
Melhor será lembrar-te
No palco cintilante,
Porque tudo na vida

Brilha a falsa brilhante,
E a transversal do Tempo
Não tem curva ou retorno,
E a história tão-somente
Seguindo a longa estrada,
Jamais e esquecerá.
Basta de conjecturas, pois as tramas,
Ficarão, para sempre, no segredo:
Fatos – serão passados,
Fotos – serão guardadas;
E os cantos, na magia
De tua voz perfeita,
Agradarão ouvidos
Num poema feliz
E todos, ao ouvi-los,
Relembrarão saudosos:
– Esta voz é da Elis!

25.01.1982

Fonte:
Esio Antonio Pezzato. Colcha de Retalhos. 2002.

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