sexta-feira, 26 de agosto de 2011

José Faria Nunes (Poesias Escolhidas)


DESAMOR

Análoga lâmina
Fina
Frio corte
Silente ação
No profundo do aço.

Navalha
Valha noite
Lâmina ferina
Felina
De sequioso corte

Sangra a alma
Corta o sono
O sonho
Assanha
A sanha de fria lápide
Em profundo talho.

Tangidos cartilagem e osso
Dilacerado universo
Entalhe
Do profundo corte.

Detalhe
Negada premissa.

O certo
Prova-se no contexto
Pretexto.
Arrimado parasito
Antítese do amor.

AUSENTE PRESENÇA

Presença ausente no universo
da saudade. Presença
etérea de alma anônima
mesmo sufocada pela multidão.
Solidão não ausência
do ponderável. É ausência
da alma gêmea.
De repente a solidão
esmaga-me na multidão
e se dilui no imponderável.
Ela esvai-se
de mim no instante
em que, mesmo só,
sacia-me o âmago
da alma na interação
de imaginada presença.
O poeta mesmo só
nunca fica á sós.
Acompanha-se-lhe
sempre a presença
do ente sonhado.
O poeta só está só
se perdido na multidão
do inimaginável.
O poeta só está só
se tiver a alma
vazia de sonhos para sonhar.

TRANSCENDÊNCIA

Qual bisturi a extrair o cisto
arranco minhas angústias
e as deposito, amorfas,
em um tubo de ensaio
como um troféu de batalha.
Agora quero rir da tristeza
e dizer que o amor pode mais
que a mágoa secular
cristalizada no peito.
A partir desta hora
a poesia transcenda os limites
da cibernética
seja esta humanitária
e se dilua etérea sobre seres mal-nascidos.
Mesmo que a vida tenha sido negada
e o futuro um sonho precocemente abortado
não maldigo o poema: com meus sentidos despertos
faço caminho no espaço
enlaço o céu num abraço
arranco os olhos do sol
e faço meu firmamento.

POESIA E LIBERDADE

A caneta do poeta
rebela-se
ante a injustiça
do poder.
E faz-se poder
na liberdade
do ato de pensar.
Quando o poder
em seu império de força
impõe-se
sobre a caneta do poeta
então este carece
de ser mais que poeta:
dele se exige
a engenharia dos deuses
na construção mágica
do amor.

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