sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Roberto de Paula (Dispersos Versos Errantes)


GRANDE NOITE

Agora me retraio
A luz me corrompe
As idéias são retalhos
Que diferem a cada dia
Se o meu sonho é pesadelo
Acordo e olho o silêncio
Se a luz está acesa
Procuro a escuridão
Se existem as estrelas
Então eu fecho os olhos
Porque é na noite
Que o calor dos pensamentos
Aquece meus sentidos
Agita meus músculos
E me faz sentir tão forte
E me faz pensar tão lúcido
Nesta errante procura
E quando surge a claridade
Me vejo numa cela
Entre fogos de artifícios
Sendo obrigado a aceitar
Quaisquer regras
Normas e sugestões
Passivo e pacífico
Se tento sair
Sou contido
Pelo brilho dos olhos
Ferozes e acusadores
Pela nobreza dos gestos
Finos e hipócritas
Pela força das palavras
Duras e impostas
A aspereza dos tempos
Afugentou minhas convicções
Dividiu minhas soluções
Criou dúvidas nos meus conceitos
Esta selva me fez fera acuada
Me caçando a todo instante
Alerta nos meus ruídos
Se assim me fizeram
Ou se assim me fiz
Farei meu mandamento
No dia serei sonâmbulo
Na noite acordarei a cidade
Chamando-a para viver

VIVOS E BELOS

Quem nos vê assim tão vivos
Não sabe o que corre além das veias
Quem nos vê assim tão belos
Não sabe o que vai nas cabeças

Quem nos olha não nos vê
Quem nos toca não nos sente
E nas nossas faces sorridentes
O bem e o mal se dão bem

Refletidos diante do espelho
Calamos para não denunciar
Nossos medos e culpas
Ou nossas forças e poderes

Diante desta vida temerosa e atrevida
Vemos passar o nosso filme impróprio
Estampado nas faces e gestos
Destes homens tão vivos e belos

VIVOS E BELOS - (VERSÃO 2)

Quem me vê assim tão vivo
Não sabe o que corre além das veias
Dos músculos, órgãos e massas
Quem me vê assim tão belo e plácido
Não sabe o que está por trás deste sorriso torto
Destes olhos míopes e destas palavras soltas
Quem me olha não me vê
Quem me toca não me sente
Nesta face sorridente
O bem e o mal se dão bem
Para bens, para males
O pensamento é um bicho solto
De possibilidades enormes
A vida é um sorriso torto
Visto por olhos disformes
Em mim tudo vive, nada é morto
Tudo pulsa, nada dorme

ANTEPAROS

Faz do trago
O consolo
No cigarro
Sobe com a fumaça
Faz do choro
O encosto
Para não prosseguir

No sono
Desliga martírios
Libera sonhos
Reprimidos
Faz da rua
A esperança de se perder

Na cabeça
Mora a vontade
De fugir
Sem saber pra onde
Onde não será cobrado
Sem rótulo
Sem marca registrada
Fiel a seu comando

Imperando
Esta fantasia
Está tudo certo
Está tudo bem
É mais um meio
De se esconder

UM PONTO

Parado diante do mundo
Contando horas
Sons que não ouço
Celas que invento
Este sol tão forte
Este lamento

Tempo quente
Não estou neste presente
Passos que não dou
Era e sou um rosto
Um ponto a mais
Ou menos
Entre tantos

Faço uma história
Versos despedaçados
Vou, voo cego
No desencontro
Me entrego

O SOL

Depois
As luzes
Sou só e não me encontro
Sou só um ponto

SAÍDA

A bebida
Antes de descer
Já subiu
À cabeça

Para que se esqueça
O que é imposto
Qualquer gosto
É válido

Tempo árido
Enchendo
Se esvazia
Escapando
Até outro dia

LIBERDADE DOS PÁSSAROS

Não me olhe de frente
Não me cumprimente
Não beba comigo
Não me detenha
Mantenha distância

Estou fechado
Sou meu companheiro
Sou meu prisioneiro

Não pergunte meu nome
Não me telefone
Não pergunte da vida
O que penso ou faço

Meu riso é fel
Envolto em ironias
Meu canto é gemido

Fim de tarde
Pássaros voam
Meu voo é sem asas
Com portas fechadas

Estou comigo
Passos trôpegos
Braços caídos
Penso em liberdade
Liberdade dos pássaros

MAIS UM OU MENOS UM

Esconderijos
São as avenidas
Sou mais um
Ou menos um

Multidão de rostos
Não me perseguem
Não me percebem

Medos retraídos
Passos firmes
Olhos brilhantes
Irradiação da alma

Levo o corpo
Ou ele me leva
Neons me iluminam
Energia canalizada

Vou sem pressa
Voo sem força
Solidão que se foi
E a avenida a percorrer

RELEMBRANÇAS

Um resto de luz
Tinge a vidraça
E timidamente clareia
O minúsculo quarto

O corpo cansado
Cigarro já no filtro
Fumaça se espalhando
Espalhando lembranças

Nos delírios carnais
Ela está presente
Forte e ditadora
Bela e inalcançável

Nervos e músculos
Se contorcem
A mente rabisca
Algo real

É impossível
Para cada razão
Há muitas razões
Para sonhar

Mistura de tédio
E solidão
Claro mistério
Entre quatro paredes

Este filete de luz
Insistindo em alertar
Que lá fora
A vida continua

Agora vem o silêncio
O infinito silêncio
Comprimindo a cabeça
Derramando lágrimas

Gemidos
Tremores
Outro cigarro
Outras lembranças

FREQUÊNCIA MOTIVADA


Os temores nas nossas faces
As vozes abafadas
Saindo das gargantas roucas
Tremendo de medo
Trancamos as portas
E nos escondemos
Nos nossos lençóis
Outra noite invariavelmente
Silenciosa e massacrante

No dia vamos tilintar copos
Enchendo nossa mesa
Quando o milagre do álcool
Completará nossas cabeças
Na conversa revigorante
Giraremos ao nosso redor
Até podermos conhecer
Ou inventar nossa fortaleza

Nossos pavores unidos
E nosso terror sob controle
Hão de nos confortar
Somaremos os tristes sentimentos
Para poder de novo continuar

ÁRIDOS TEMPOS

Áridos tempos
Tragicômicas faces
Mortes asfálticas
Jornais de papel
Ou eletrônicos
Borbulhando sangue

Fé ambulante
Vendida pelos salvadores
Estéreis campos
Fechados para produção
Férteis mulheres
Fabricando famintos

Sentimentos abortados
Desencontradas ligações
Mentiras nos púlpitos
Nas tribunas e altares
Manchetes criando o caos
E o homem a dizer amém

Nebulosos e tensos dias
Arrastando as horas
Procissão de males
Na avenida do tédio
Nesses áridos tempos

SÓ UM SONHO

Meu sonho sai do quarto
E voa pela cidade
Se detém nas amarguras
Mas logo segue em frente
O voo continua

Meu sonho se entrega aos desejos
Se embriaga nas paisagens
Mas segue em frente
A fantasia continua

Contrastes e uniformidades
Crianças e flores
Velhos e jardins
Casas e lares
Sol e neon
Verdes e celestes
Rubros e nebulosos
Bares e escritórios
Casos fatais
Assuntos banais

Meu sonho se distrai
Segue em frente
E nada mais

EU

Nada do que sei é certeza
Viajei sem sair do lugar
Nada do que vi me satisfez
Distribui amores sem nada levar

Saí buscando razões
Me perdi em evasivas
Aumentaram as interrogações
Acabaram minhas teses conclusivas

Sou corpo, alma e coração
Risos, lágrimas, abraços e adeus
Um a mais buscando explicação
Um ser, uma voz, uma vida, eu.

O TEMPO E O CORAÇÃO


Minha boca
Já não beija tanto
Meu abraço
Já não é tão forte
Mãos nervosas
Passos inseguros
Solidão agora
Chega ligeira
Fica num canto
Parceira
Sorriso pálido
Olhar sem brilho
O tempo
É um relógio preguiçoso
Muitas badaladas de dor
Poucas de gozo
O coração maquinal
Nem bem
Nem mal
No vai-e-vem
Da cadeira de balanço
Olho o céu e a terra
Descanso

Fonte:
http://www.dispersosversoserrantes.blogspot.com/

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