domingo, 21 de agosto de 2011

Sá de Freitas (Livro de Sonetos)


CAVALGADA NOTURNA

Talvez tu possas ver passar garboso,
(Em calma noite, cálida, enluarada),
Um cavaleiro à sós, pela envernada,
A dominar o seu corcel fogoso...

Talvez, ao som de um violão plangente,
Ouças alguém romântico cantando
Uma canção de amor ou declamando,
Um poema ou um verso simplesmente.

Não temas e nem fujas nessa hora,
Nem rezes pra que chegue logo a aurora,
E tudo passe, então, com a claridade.

Pois quem está ali fazendo flerte,
Sou eu que lá do Espaço vim pra ver-te,
Para curar a dor de uma saudade.

AQUELE HOMEM

Aquele homem ali, roupa rasgada,
Barbudo, de chapéu, ao nada olhando,
A estender a mão suja e cansada
À caridade dos que vão passando,

Já foi uma pessoa destacada
Na alta sociedade, mas julgando
Que os pobres nunca mereciam nada,
A prática do bem foi ignorando.

Vivia à sós sem ter nenhum parente
E fortunas gastava inutilmente,
Mas tudo, um dia, desapareceu.

Passou o tempo e agora abandonado,
Por ironia fica ali sentado,
Rente à porta do prédio que foi seu.

NAO ME DIGAS: «TE AMO»

Não me digas: «Te amo loucamente!»
Porque a palavra é apenas ressonância,
Que se perde, com o tempo, na distância,
E cai no esquecimento facilmente.

Prefiro um abraço sem nem um ruído;
Um beijo sem sussurros de promessa;
O teu olhar que quase sempre expressa,
O desejo que trazes escondido.

Não fales que me adora e que me almejas,
Entregas-te em meus braços simplesmente,
E me demonstres o quanto me desejas.

Se me disseres qualquer coisa agravas
O nosso idílio... E tenhas sempre em mente,
Que um suspirar diz mais que mil palavras.

O PODER DA CARIDADE

Se procura suprir, ao ver sem nada,
A mesa do idoso ou da criança;
Se traz consolo à alma já prostrada,
Sem fé e desnudada de esperança.

Se vai, tal como pode, na jornada,
A dar auxílio a todos sem cobrança;
Mesmo que certa ingratidão o invada,
Pela estrada do bem sem mágoa avança.

Se mantiver sua boca sempre muda,
Para não propagar sua bondade,
Humilhando a quem teve a sua ajuda...

Ah! Meu amigo ou minha amiga, a cruz
Que faz sangrar seus ombros sem piedade,
Vai ficar leve ao lado de Jesus.

SOFREMOS MUITO?

A cruz que arrastas pela vida afora,
Tal qual a minha, às vezes pesa tanto,
Que nos provoca o mais copioso pranto
E a esperança nossa se evapora.

Mas se olharmos com atenção lá fora,
Veremos com piedade e com espanto,
Que há cruz maior que a nossa, em cada canto;
Que há gente que soluça, grita e implora.

Se os pés ferimos, há os que não os tem;
Se a nossa vista é fraca, há os que não veem;
Enquanto andamos, há os que escalam serras...

Lembremos-nos: Há enfermos condenados;
Há nas ruas farrapos esfomeados;
Há milhares de vítimas das guerras.

QUANDO EU NASCI PRA SER POETA

Quando eu nasci pra ser poeta um dia,
A inspiração e o sonho festejaram,
Mas num canto escondidos, com ironia,
O pranto e a dor, sem pejo, gargalharam.

Mas hoje, mergulhado na poesia,
A dor e o pranto, que de mim zombaram,
Não podem retirar minha alegria,
Porque nunca... jamais... me escravizaram.

Eu sou poeta e igual a toda gente,
Sofro em meus dias, quando estão nublados,
Embora de maneira diferente.

É porque nos momentos adversos,
Enquanto muitos sofrem a dor, calados,
Eu desabafo a dor fazendo versos.

AO SOM DA LIRA

Ao som da lira eu fico embevecido,
Meio perdido até... se o amor decanto,
Porque o pranto flui-me tão sentido,
Quando envolvido estou por esse encanto.

Mas da lira não ouço o som doído,
Nem o gemido do meu peito, enquanto
Fujo de pronto, do meu tempo ido
E tão sofrido por desgosto tanto.

E as dores?... Busco eu sempre esquecê-las,
Pois prefiro ficar olhando estrelas
E nelas encontrar os versos meus.

Enquanto estrelas olho... a dor esqueço;
Quando esqueço da dor eu agradeço
E enquanto agradeço... eu sinto Deus.

SEM AMOR A VIDA FINDA

As ilusões se vão...vão de repente...
E, de repente, surge a realidade,
Que faz-me compreender que não é tarde,
Para sonhar de modo diferente.

Mais consciente agora e realista,
Meus castelos possuem outra estrutura...
Não alço vôo em demasiada altura...
Somente luto certo da conquista.

As ilusões da mocidade ida,
Serviram-me de ponto de partida,
À longas lutas que empreendo ainda.

Pois sem ter sonho o ideal fenece,
Sem ideal o amor desaparece
E sem amor, por certo, a vida finda.

Fonte:
http://www.raizonline.org/sadefreitas.htm
Imagem = montagem por José Feldman

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