quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Trova Ecológica 55 - Prof. Garcia (RN)

A. A. de Assis (Lançamento da Revista Virtual Trovia n. 144 - dezembro de 2011)

Jogos Forais de Porto Alegre – 2011
Flávio Stefani e Maurício Friedrich
Trovadores de Balneário Camboriú


INESQUECÍVEIS

Na conquista de troféus,
um só quero merecer:
chegar às portas dos céus
e a mão de Deus me acolher.
Aurolina de Castro

Gostar de ti, quem não há de?
Inspiras tal simpatia,
que a gente sente saudade
se deixa de ver-te um dia.
Colombina

Meus irmãos, tenham piedade
do infeliz que, sem talento,
na muleta da vaidade
tem seu único sustento.
Ernesto Machado

Miséria de pão maltrata...
Mas quanta gente, Senhor,
sabeis que morre ou se mata
quando há miséria de amor!
Lilinha Fernandes

Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto !...
Luiz Otávio

Senhor, escuta os cicios
dos excluídos, sem teto...
Troca seus ninhos vazios
por ninhos cheios de afeto!
Milton Nunes Loureiro

Parabéns, presidente Luiz Carlos Abritta.
A trova e os trovadores esperam muito de você.

BRINCANTES

Vendia colchões... vendia,
porque em nova “profissão”
ganha mais grana hoje dia
usando o mesmo colchão...
Darly O. Barros – SP

Eu vivo numa sinuca
por causa de uma vizinha:
ela desarma a arapuca
sempre que eu solto a rolinha...
Divenei Boseli – SP

O pobre do pipoqueiro
não escapa da fofoca:
faz pipoca o dia inteiro,
mas, de noite, só... “pipoca”...
Izo Goldman – SP

Ao homem muito ciumento
há um dilema que emperreia:
ou esquece o casamento,
ou casa com mulher feia!
Josa Jásper – RJ

– Preciso falar contigo...
E eu, que o conheço tão bem,
lhe disse: – Prezado amigo,
vamos falar mal de quem?...
José Fabiano – MG

Sobre o colo da visita
pula logo a cadelinha
e a visita, mesmo aflita,
tem que dizer: - Que gracinha!...
Marina Bruna – SP

Enquanto conta lorota
cantando as gatas na rua,
em casa vira chacota,
por não dar conta da sua...
Osvaldo Reis – PR

A pulga e o “pulgo” a brigar...
Foi enorme a confusão!
A pulga deixou o lar
e... foi morar noutro cão!
Renato Alves – RJ

LÍRICAS E FILOSÓFICAS

No meio da multidão,
pode ocorrer-lhe o imprevisto:
alguém, que lhe estenda a mão,
ser de novo Jesus Cristo.
A. A. de Assis – PR

Nossa cultura se entende
nas lições que eu mesmo tive;
o saber a gente aprende,
a cultura a gente vive.
Ademar Macedo – RN

Eu vi crianças brincando
junto de lindas roseiras
como aves cantarolando
nos ninhos todas faceiras
Agostinho Rodrigues – RJ

Este amor que é meu tormento
bate em casa abandonada;
responde, na voz do vento,
somente o eco – mais nada!
Amaryllis Schloenbach – SP

Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
a trova em mim fez pousada,
trazendo a felicidade.
Andréa Motta – PR

Tudo em ti pede carinho,
pela graça que tu és...
– Amo o teu corpo inteirinho,
beijável da testa aos pés!
Bruno Pedina Torres – RJ

No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
se estás longe, ele se arrasta;
se perto, corre demais”
Carolina Ramos – SP

Eu queria ser feliz,
Deus me deu sabedoria;
era simples aprendiz,
virei mestre da alegria.
Carmem Pio – RS

Enganar que sou feliz
é coisa inútil, porque
meu sorriso triste diz
quanto sofro por você!
Conceição de Assis – MG

Um coração que se isola
cava a própria solidão
e não há melhor escola
que o convívio com o irmão.
Dáguima de Oliveira – MG

Tua amizade é tão bela
que confrange o coração.
Por isso me lembro dela
no momento da oração!
Diamantino Ferreira – RJ

Poeta mantém acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
Djalma Motta – RN

Procure espalhar, na vida,
alegria em sua estrada,
que a alegria dividida
é sempre multiplicada!
Domitilla B. Beltrame – SP

A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Eu não preciso de ajuda!
Quem essa frase repisa,
meu amigo, não se iluda,
é o que dela mais precisa...
Élbea Priscila – SP

Abra a porta, deixe a luz
resgatar seu coração.
Vá sem medo, faça jus
a viver nova paixão.
Eliana Jimenez – SC

Feito internauta voraz,
tu clicas minha paixão,
e eu não sou sequer capaz
de deletar a intenção!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Gerador de paz e calma,
que dispensa cerimônia,
o livro é o jantar da alma
nas noites claras de insônia.
Flavio Stefani – RS

Ao longo deste ano distribuímos trovas à mão-cheia.
Ajudamos o mundo a sonhar, pensar, sorrir. Missão cumprida.

Toda tarde o passarinho
bate as asas, quando canta.
Quanto mais longe do ninho,
mais afinada a garganta!
Francisco Garcia – RN

Espremam o coração
deste vate trovador,
e vocês conhecerão
o doce suco do amor!
Francisco Macedo – RN

Os sonhos da mocidade
são diferentes dos meus...
O jovem quer liberdade
e eu quero estar preso a Deus!
Francisco José Pessoa – CE

Um mundo melhor... queria,
para deixar aos meus netos,
onde imperasse a alegria
numa transfusão de afetos!
Gislaine Canales – SC

Nesta terra que volteia
sob ditames divinos,
somos meros grãos de areia,
transitórios inquilinos.
Humberto Del Maestro – ES

A velhice, meu irmão,
não é uma questão de idade.
É quando vai-se a ilusão
e vem chegando a saudade.
Jaime Pina da Silveira – SP

A falsa humildade é feia,
raramente é uma façanha;
geralmente é um grão de areia
se dizendo uma montanha.
J.B. Xavier – SP

Transformou nosso destino
uma pequena criança,
pois junto a Jesus menino
nasceu no mundo a esperança!
Jeanette De Cnop – PR

Grato por sua amizade,
pelo incentivo e carinho;
ter amigo é, na verdade,
jamais caminhar sozinho.
Jessé Nascimento – RJ

Na saliência do seu ventre
quanta promessa...esperança...
Que a luz do amor se concentre
na vida dessa criança!
João B. X. Oliveira – SP

Os meus versos se calaram,
à saudade sucumbi;
minhas lágrimas secaram
de tanto chorar por ti...
João Costa – RJ

Ontem... florestas... encanto...
flores a desabrochar.
Hoje... pinheiros em pranto,
grito parado no ar!
José Feldman – PR

Depois que ela me deixou,
foi pra longe e não mais veio;
a saudade atravessou
meu coração pelo meio!
José Lucas de Barros – RN

Alma serena... e que abriga
velho sonho que vagueia...
parece varanda antiga,
onde a saudade passeia!
José Messias Braz – MG

A idade, a chegar de manso,
respeitando o meu cansaço,
põe cadeiras de balanço
nas tardes por onde eu passo!
José Ouverney – SP

Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós...
A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
José Valdez – SP

Enquanto a chuva, lá fora,
escorre pela vidraça,
choro meu pranto que, embora
passando a chuva, não passa.
Laérson Quaresma – SP

Na pouca pressa que tens
de aliviar minha saudade,
enquanto espero e não vens,
transcorre uma eternidade!
Lucília Decarli – PR

Não foi perto, nem distante
o nosso amor ideal;
nasceu da luz de um instante
e se tornou imortal!
Luiz Carlos Abritta - MG

Um abraço a todos os divulgadores de trovas.
Graças a eles os nossos versos rodam mundo.

A cada dia que passa,
muda minha realidade,
meus sonhos viram fumaça,
amores viram saudade.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Zune o vento – na janela...
Zumbe a abelha – no jardim...
Zarpa a nau – rumo à procela...
- Zomba a saudade... de mim!...
Ma. Madalena Ferreira – RJ

A saudade é um bem guardado
que nos volta, de repente,
num presente do passado,
quando o passado é presente.
Maria Nascimento – RJ

Não há fronteira na vida
que separe um grande amor,
quando a ponte foi erguida
pelas mãos do Criador.
Olga Agulhon – PR

Oferecendo a miragem
de uma vida sem escolta
o vício vende passagem
para a viagem sem volta.
Olympio Coutinho – MG

De que estranho ingrediente
será a saudade composta,
que maltrata tanto a gente
e assim mesmo a gente gosta!
Pedro Ornellas – SP

Dos instantes devotados
a cada luta vencida,
todos estão retratados
no painel da minha vida.
Roberto Acruche – RJ

Embora livre, sozinho,
não conheço liberdade...
– Fui presa do teu carinho,
hoje estou preso à saudade!
Rodolpho Abbud – RJ

Prestigie sempre os novos trovadores.
Deles depende muito a trova para ter futuro.

Minha infância – que linguagem!
Se no céu relampejava,
eu sentia, nessa imagem,
que Deus me fotografava!
Roza de Oliveira – PR

Se a realidade me abate,
jamais me dou por vencida:
vou à luta, entro em combate
e, com fé, enfrento a vida!
Thereza Costa Val – MG

Meu coração não se expande.
Chora sozinho e sem queixa...
Sabe quando o amor é grande
pela saudade que deixa.
Therezinha Brisolla – SP

É tão vazia a paisagem,
e nem um vulto se vê...
Mas, sem ver qualquer imagem,
consigo enxergar você!
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Vence valores, de fato,
quando em meio à discussão,
se revolta de imediato,
mas, na ofensa... dá o perdão!!!
Vânia Ennes – PR

Palavras, rica mistura
que o livro sempre nos traz,
em direção à cultura,
com a leveza da paz.
Vidal Idony Stockler – PR

Somos velhos caminhantes...
a doçura nos invade;
namoricos vão distantes,
fica o flerte da saudade!
Wagner Lopes – MG

Sem outra opção que a rotina
de esperar-te sempre em vão,
minhas noites de neblina
só gotejam solidão...
Wanda Mourthé – MG

Nós, os trovadores, felizes somos, e a todos
queremos ver felizes também. Neste Natal e sempre.

Visite e participe da Trova-Legenda de Eliana Jimenez - http://poesiaemtrovas.blogspot.com

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 411)


Uma Trova Nacional

Com essa boca molhada
e esse aroma de hortelã,
mal disfarças a noitada,
ao beijar-me de manhã...
–LOURDES PAIVA/SP–

Uma Trova Potiguar

A saudade é um trem alado
que transporta, inconsciente,
a bagagem do passado
para o vagão do presente.
–RENATO CALDAS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Rio de Janeiro/RJ
Tema: CONVITE - M/E

O convite amarelado,
que o envelope resguardou,
traz lembranças do passado
que nem o tempo apagou.
–SÔNIA MARIA SOBREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Um sonho que me extasia
e me traz muita esperança,
é ver livros de poesia
nas mãos de toda criança.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Buscando a calma na vida,
nos meus roteiros tristonhos,
achei a calma perdida,
perdido em meus próprios sonhos!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

A Luz da Lua Branca.
–MIFORI/SP–

A luz da lua branca me fascina
espreitando nossos beijos.
Sua chuva de prata me alucina
aumentando meus desejos.
Amor! Quando a luz da Lua
em sua janela bater,
lembre-se de que sou só sua
e sua serei até morrer!

Estrofe do Dia

A poesia está na reta
da estrada, em cima da ponte,
está na luz das auroras
que nascem por trás do monte,
está no calor das fráguas
e no soluço das águas
que se despedem da fonte.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Realidade e Sonho
–CONCEIÇÃO A. C. DE ASSIS/MG–

Sonho contigo e penso em casamento,
pois sou “certinha” para uma aventura
e voa o sonho nesse encantamento
pensando num futuro de ternura.

E ponho endeusamento em tua figura,
querendo ser real meu sentimento,
mas esse meu desejo não perdura
se volto à realidade o pensamento.

A vida a dois... Amar ... Mas que trabalho!
Fogão e pia; as mãos cheirando a alho...
Camisa limpa, com botões, passada...

Casa arrumada, tudo a tempo e hora...
E a liberdade, nela já não mora...
Melhor sonhar, sonhar não custa nada!

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 16 - Mafalda de Sotti Lopes (Irati/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 15


CORAÇÃO LIVRE

Ao Augusto Rocha

Ah que enfim se rompeu o ergástulo sombrio,
Onde estiveste preso, ó pássaro erradio!

Rompeu-se o espesso véu dessa brutal prisão,
Onde choraste, mas de dor, mas como um cão.

Livre agora, porém, de tudo, sim, de tudo,
A esse cárcere azul, cárcere de veludo,

Mas cárcere cruel, que te fez tanto mal,
Não tornes nunca mais, ó vagabundo ideal.

Não tornes nunca mais, e nunca mais te iludas,
Ao trágico furor dessas cóleras mudas,

A esse nojo, afinal, que tanto ódio te fez,
O incoercível horror banal da fixidez.

Livre. É poder fugir por esse mundo afora...
Quem mais feliz que tu, meu coração, agora?

Livre. O espaço é teu, é teu todo esse ar:
É somente bater as asas e voar...

Segue essa curva azul. É o caminho mais reto,
Ó nômade febril, ó trovador inquieto!

Livre por condição e por índole, tu
Nasceste para ser como um selvagem nu.

Um selvagem, porém, que tem paixão por astros,
Estátuas, capitéis, colunas e alabastros...

Quanto me sinto bem, e como é bom saber
Fugir assim, batendo as asas de prazer!

Ser livre para mim é tudo quanto eu amo:
Não há como poder saltar de ramo em ramo.

Não há gozo melhor, seja lá como for,
Do que esse de voar de uma para outra flor.

Nem orgulho maior e nem glória tamanha
Que o delírio de andar de montanha em montanha!

Olha. Não pares no teu caminho, a não ser
Só para olhar o que for digno de se ver.

O que tiver o dom soberbo de arrancar-te
Numa explosão sincera as lágrimas com arte.

Segue. Na fonte em que beber a ovelha, em paz,
Com as tuas próprias mãos, tu também beberás.

E a árvore sob a qual dormires o teu sono,
Há de dar-te abundante os seus frutos de outono.

E que perfume bom! Que embriaguez assim
Por esse vasto céu, por esse azul sem fim!

O dia é uma canção de luz maravilhosa,
Que se pudesse ouvir cantar por uma rosa...

Segue pois, segue pois, sem saber onde vais...
Nômade, o teu destino é esse e nada mais!

LIED

Ao Júlio Prestes

Num cavalo branco, vales e barrancos,
Caminha p’ras guerras em tempos de paz
Plumas todo verdes, lírios todo brancos...
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro andante (fulgem armaduras!)
Galopa, galopa, sob estrelas más.
Vai correr o Mundo pelas aventuras...
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro fino como um argueiro,
Com espada d’ouro, rico falbalás,
Cabelos ao vento – Palmas! – Cavaleiro!...
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro triste (ceifa a lua nova)
– Que é da sua dama? Que é do seu gilvaz? –
Entra p’los salgueiros caminho da cova...
– Não direi que não vás!
1899

A FOME DE ERISÍCTON

Meu coração é como esse infeliz que um dia
Ceres, p’ra o castigar, deu-lhe fome voraz,
Deu-lhe uma fome tal que quanto mais comia,
Mais queria comer e não ficava em paz.

Era a fome canina, era o horror e a fúria,
De tal maneira que todos os bens vendeu,
E reduzido enfim a uma extrema penúria,
Vendeu o que era seu o que não era seu...

Desesperado até veio a vender a filha
Metra, que era, porém, uma estrela polar,
Tinha a virtude ideal, possuía a maravilha,
O dom de se poder metamorfosear...

Logo, logo que o pai conseguia vendê-la,
Mal se via nas mãos do seu possuidor,
Transformava-se em flor, ou então em cadela,
Em pássaro, em veado, em boi ou em pescador.

Mas a fome cruel daquele esfaimado
Uivava como os cães, os lobos e os chacais,
Nem bem tinha engolido o último bocado,
Sangrando de desejo, ela pedia mais...

Davam-lhe de comer, porém, doentia e louca,
Queria devorar o mundo de uma vez,
O olhar como um demônio, escancarada a boca,
Tomada de um furor bestial de embriaguez.

E tanto desejou, afinal, e tanto ela
Pediu, e soluçou, e ambicionou, e quis,
Que não havendo mais com que satisfazê-la,
Deu em se devorar a si próprio, o infeliz!
Março – 1906

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte II


REDAÇÃO ANULADA

A redação poderá ser anulada, ou receber nota zero, se:

Estiver ilegível.

Fugir do assunto.

For escrita a lápis.

For escrita com rasuras e sem título.

For apresentada sob a forma de verso.

Não obedecer ao espaço e ao número de parágrafos determinados.

Não seguir as instruções relativas ao tema escolhido.

Tiver menos ou mais linhas do que a quantidade preestabelecida.

Contiver cópias das idéias do texto de motivação, quando este for dado.

Contiver elemento que identifique o candidato (como letra de forma ou de imprensa, por exemplo).

APOSTO.

Use o aposto — explicação sobre um termo ou expressão da frase — quando, ao mesmo tempo que caracterizar, você pretender explicar a própria atitude da personagem.

Mariana, enfurecida, arremessou o valioso colar no rio.

A Universidade pública deve ser defendida por todos, ricos ou pobres.

O estudo do Romeno, língua neolatina como o Português, pode ser bastante facilitado com o uso de uma gramática comparativa.

ARGUMENTAR.

Não comece a redação com períodos longos. Exponha logo suas idéias.

Não fundamente seus argumentos com fatos que não sejam de domínio público.

Os argumentos do desenvolvimento da redação devem surpreender o leitor. Suas idéias precisam ser saborosas para atrair sua atenção.

Dê sua opinião, argumentando. Não use expressões como eu acho, eu penso, para mim ou quem sabe, pois denotam imprecisão em suas ponderações. É preciso mostrar conhecimento e domínio sobre o tema que está escrevendo.

ARTIGO, PREPOSIÇÃO: A, À, PARA, PARA A.

A (artigo): Fui a Salvador (fui e voltei logo).

PARA (preposição). Fui para Salvador (fui e vou passar alguns dias ou morar lá).

À (craseado): Fui à fazenda (fui e voltei logo).

PARA A (preposição + artigo): Fui para a fazenda (fui e vou passar alguns dias ou morar lá).

ASPAS.

Vêm entre aspas:

Os estrangeirismos (as palavras estrangeiras): “Pizzaria”, “mobylette”, “show”, “vídeo game”. Observação: Matinê, buate e pingue-pongue, no entanto, não vêm entre aspas, por serem estrangeirismos aportuguesados.

Os apelidos: “Zezinho”, “Juca”, “Nice”.

As citações que não sejam de sua autoria:
Oxalá não se me fechem os olhos sem que o queira Deus”. (Rui Barbosa).

“Se viveres com dignidade, não melhorarás o mundo, mas uma coisa é certa, haverá na terra um canalha a menos” (Confúcio).


Observação: As citações, quando não colocadas entre aspas, constituem plágio, o que é errado e desonesto. Plagiar, segundo o dicionário do Aurélio, é “assinar ou apresentar como seu obra artística ou científica de outrem” (de outro autor).

As gírias. Isto é, as palavras usadas em sentido figurado. A festa foi um “barato” (ótima, “legal”). Não “saquei” (entendi) nada. Aliás, evite usar gírias.

ASPECTO VISUAL.

Qualidade da letra, margem, espaços entre as palavras, legibilidade, limpeza, pontuação, facilidade de leitura, parágrafos (espaços), períodos (se não deixou períodos longos).

ASSÍNDETO.

É a ausência de conjunções coordenativas no período composto.

Cheguei, vi, venci.

O barco veio, chegou, atracou, chegamos.

AVALIAÇÃO.

A autocrítica pode ser essencial quando se deseja melhorar o texto.

Avalie o texto. Verifique se as frases soam bem, se não contêm cacófatos ou rimas. Começou bem a redação e terminou-a melhor ainda?

A avaliação de uma redação segue um critério rigoroso, pois está relacionada à norma culta da língua portuguesa. Além da parte específica de gramática, muitas vezes recorre-se à grafologia para verificar-se o perfil psicológico e pendores vocacionais do candidato à função que pleiteia.

BARBARISMO OU ESTRANGEIRISMO.

É a utilização de palavras ou construções estranhas à língua portuguesa. Evite usá-lo.

Estrangeirismo ... Prefira
Show……......……………espetáculo
Jeans …………......……..calça de brim

BATE-PAPO.

Evite a projeção de bate-papo, ou seja, escrever com estilo coloquial numa redação.

A Guerra do Iraque foi duramente criticada, vai daí que os americanos tiveram abalado seu conceito de democracia.

A expressão “vai daí que” é da fala coloquial, devendo ser substituída por uma construção mais adequada:

A Guerra do Iraque foi duramente criticada e, em função de sua postura, os americanos tiveram abalado seu conceito de democracia.

Ele repetia tudo o que dizia, que nem um papagaio de madame.

A palavra adequada é como; “que nem” desmerece o texto em que está inserido, a não ser que represente a fala popular da personagem.

BILHETE.

É uma forma de comunicação da língua escrita, bastante simples e breve.

BOM SENSO.

Evite construções complexas. Leia o texto várias vezes para ter certeza de que ficou claro e preciso.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Pedro Nogueira (O Trovador em Versos Diversos)


CADA MINUTO DE TODO DIA

Sobre o verde vestido
Eu te falo um outro dia
Vais saber após ter lido
A minha ultima poesia.

Que já estou elaborando
Composta de muita verdade
E todas elas só falando
Sobre essa meiga beldade.

Inclusive o sorriso dela
E os cabelos em desalinho
A cor de neblina fica bem nela
E deixa esse trovador doidinho.

Mas vamos falar outra hora
Qualidades bem detalhadas
De lembranças que vem agora
Daquela fada emcantada.

A regente da singela poesia
Que jorra da minha mente
Cada minuto de todo dia
Visando o eternamente.

ANTES QUE O ASSUNTO TERMINA.

Tomara que ela ouça
Essa vóz tão fraquinha
Do coração que não é de louça
E que acha ela uma gracinha.

Vê se de atenção a ele
Não vais se arrepender
E saiba que o sonho dele
É de bem de pertinho te ver.

Se você achar que deve
Pode lhe perguntar tambem
Pra quem é que ele escreve
E pode ir ainda mais alem.

Encoste ele na parede
Tente tirar dele,mistério
Pergunte sobre o vestido verde
Mas sobre isso fale bem sério.

Com esse coração atrevido
Que faz germinar poesia
De modo ansioso e atrevido
Mas sem nenhuma ironia.

E antes que o assunto acabe
E correndo ele vai embora
Pergunte do sorriso cor de neblina
Por que ele ainda tanto chora

POR ISSO A SAUDADE.

Uma tarde chuvosa
A imaginação voando
Minha alma ansiosa
Noticias esperando.

O corção em brasas
Uma taça de vinho
O pensamento bateu asas
O trovador está sozinho.

As rosas molhadas
Parecem gostando
Sem noite enluarada
Eu acordado sonhando;

Tentando uma trova
Bem diferente agora
Tambem queria uma prova
Que ela lê meu verso que chora.

E ao mesmo tempo sorri
Ao pensar na beldade
Que eu nunca esqueci
Por isso a saudade.

NA MENTE FICOU O RETRATO

Nos campos da minha terra
Eu quero de novo correr
E a chuva branca na serra
Outras vezes eu quero ver.

O cantar de um sabiá
A flor branca da laranjeira
Um perfume que só tem lá
Na terra do Pedro Nogueira.

A DEUS eu sou muito grato
Porque ali foi nascido
O trovador mais pacato
E de coração tão atrevido.

Recordo a bela italianinha
Dela eu gostei de verdade
Belos olhos azuis ela tinha
Até hoje eu tenho saudade.

Na beira do manso regato
Eu ia perseguir borboleta
Na mente ficou o retrato
Da estradinha florida e estreita.

MEU SONHAR E MEU MEDO

O lago mansinho
Um espelho da lua
A flor do caminho
Traz saudade tua.

A noite tão calma
Uma taça de vinho
Pra alegrar a alma
De quem está sozinho.

É alta madrugada
Já vai amanhecer
E a saudade da amada
Me obrigando escrever.

O lindo nome dela
Meu tesouro,o segredo
Razão da poesia singela
Meu sonhar e meu medo.

Assim vai seguindo
O cotidiano da vida
E te percebe sorrindo
A minha alma atrevida.

COMPOR POESIA QUE CHORA

O luar do fim de noite
Misturado com lembrança
E o estalo de um açoite
Fé e muita esperança.

Se torna embriagador
Me faz sair fora do sério
Ai eu me vejo trovador
Querendo desvendar mistério.

Escrevo coisa sem nexo
Tentando me encontrar
No emaranhado complexo
Da despedida do luar.

Me sinto um rouxinol
Admirando um pardal
Tentando prender um raio de sol
No topo de um pedestal.

Já que o luar foi embora
É válido um improviso
Compor poesia que chora
Por um amor que eu preciso.

BUSCANDO A PAZ QUE EU TINHA
.
A madrugada está fria
E a saudade judiando
Vai virando poesia
O meu verso sonhando.

Com a beleza dessa mulher
A ternura do meu amor
Que meu coração tanto quer
Pureza e essencia de flor.

Essa caneta que desliza
Parece ter sentimento
E rabiscar ela precisa
Registrando cada momento.

As batidas de um coração
Que ama dioturnamente
Fazendo da vida a emoção
De arrancar versos da mente.

Como petálas,só pra ela
Sentir a presença minha
Em cada poesia singela
Buscando a paz que u tinha.

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=10626&categoria=J

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 14)


SER O LANTERNA
Lanterna veio do latim lanterna, archote, lampião.
Lanterna também é o último colocado numa competição. A palavra ganhou esse sentido na França.
A mais importante corrida de ciclistas em todo o mundo é promovida pelos franceses: a Volta da França, que dura 22 dias e tem um percurso de aproximadamente 3.400km, passando por várias cidades. A prova é disputada desde 1903* e, pelo menos no início, era cheia de trapaças, com os concorrentes pegando trens, sendo rebocados por carros ou dando outros jeitinhos franceses.
Foi nessa competição que os franceses passaram a chamar o último colocado de lanterne rouge, em associação com as luzes vermelhas que brilham no último vagão das composições ferroviárias, avisando ao mundo que ali acaba um trem.
A expressão, com esse sentido de último competidor, foi parar em Portugal assim mesmo, "lanterna vermelha", mas no Brasil se reduziu simplesmente a lanterna ou lanterninha.
* Anualmente, é claro (em julho). Ou você estava imaginando um bando de velhinhos pedalando até hoje?

LERO-LERO
Do Qicongo (grupo de línguas faladas no Congo e em Angola) lelu, boca.
É sinônimo de blablablá, que veio do francês blablabla, uma onomatopéia, provavelmente influenciada pelo verbo blaguer, dizer coisas ridículas. O verbo é derivado de blague, farsa, origem de blague em português. O francês blablabla veio depois do inglês blah, que também se usa repetido (blah-blah-blah), com o mesmo sentido de papo enfadonho. Em espanhol, também existe a palavra blablablá. Como se vê, os chatos têm um som universal.
O lero-lero é uma conversa fiada, em que fiada, enganosa, é o particípio do verbo fiar com o sentido de tramar para iludir. Aliás, fiar e tramar são palavras que passaram do mesmo sentido concreto (associadas a fio) para o mesmo sentido abstrato (engendrar para enganar). Fiar veio do latim filare, formado defilu, fio; tramar é derivado de trama, do latim trama, fio, trama.

LHAMA
O gracioso bichinho ganhou esse nome por engano. Quando os invasores espanhóis viram aquele estranho animal na América do Sul, perguntaram aos índios "eComo se ilama?" (Como se
chama?). Os índios não entenderam nada e ficaram repetindo a última palavra da pergunta: "Liama". Os espanhóis tomaram a perplexidade por resposta e assim batizaram o animal.
Interessante, não? Pois, o prezado leitor acaba de conhecer mais um caso de etimologia fantasiosa que ganhou fama. Infelizmente a verdade é outra, sem a menor graça: o português lhama e o espanhol llama vieram do quíchua (língua indígena dos Andes) ilama, nome dado pelos índios ao animal.
O lhama é uma variante de outra espécie, o guanaco, do espanholguanaco, que veio do quíchuawanáku. O espanhol guanaco também é usado para designar uma pessoa tola, em razão da comovente estupidez do bicho.

FAZER OUVIDOS DE MERCADOR
Mercador veio do latim. mercatore, comerciante. Fazer ouvidos de mercador é fingir que não ouve.
O mercador não escuta nada, só quer mesmo berrar as qualidades e o preço do produto e vender. Uma ligeira variante dessa explicação fala de mercadores agiotas, surdos às súplicas dos devedores.
Há duas outras teorias, pouco prováveis, para a origem da expressão, ambas calcadas em deturpações populares.
A primeira sustenta que mercador seria uma corruptela de "mau credor".
A segunda, mais inventiva, refere-se ao tempo em que os escravos eram marcados a ferro quente, como as reses. O marcador exercia sua função, indiferente aos gemidos da vítima.
Assim, "fazer ouvidos de marcador" teria sido corrompido pelo uso popular para fazer ouvidos de mercador.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – VI – o Vestido Maravilhoso

Enquanto a tragédia de Rabicó se desenrolava no camarote do navio afundado, Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou dos seus armários de madrepérola um vestido cor do mar com todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse de alguma cassinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.

— Que maravilha das maravilhas! — exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.

Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor — e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos — rendas, entremeios, fitas, bordados, plisses ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos — os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços — todos, todos!... Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ouvires que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas da sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que se usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem n’água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.

— É a vertigem da beleza! — exclamou dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.

Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.

— Não bula! — murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.

O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furta-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim... A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.

— Mas quem é que fabrica esta fazenda, dona Aranha? — perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.

— Este tecido é feito pela fada Miragem — respondeu a costureira.

— E com que a senhora o corta?

— Com a tesoura da Imaginação.

— E com que agulha o cose?

— Com a agulha da Fantasia.

— E com que linha?

— Com a linha do Sonho.

— E... por quanto vende o metro?

Narizinho, já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.

— Cale-se, Emília. Os peixinhos podem assustar-se com as suas asneiras e fugir do vestido.

Nesse instante a porta abriu-se assustadamente e o príncipe apareceu, mais assustado ainda.

— Uma grande desgraça! — foi ele dizendo. — Acaba de chegar uma sardinha mensageira com aviso do senhor Pedrinho, comunicando que o marquês de Rabicó está nas garras dum polvo!...

Narizinho empalideceu de susto e exclamou:

— É preciso salvá-lo, custe o que custar, príncipe! Se Rabicó for comido pelo polvo, vovó vai ficar danada!...

— Já mandei em seu socorro o meu melhor batalhão de couraceiros. Só resta que cheguem a tempo...

— Quem são eles?

— Os caranguejos rajados.

— Mas caranguejo anda tão devagar, príncipe! — murmurou a menina com cara de desconsolo.

— Sim, mas partiram montados em velocíssimos peixes elétricos. Tenho esperança de que tudo acabe bem.

— Os anjos digam amém! — suspirou a menina, ainda com o pensamento no pito que poderia levar de dona Benta.

Emília aproveitou a oportunidade para perguntar ao príncipe que tal achava o figurino que escolhera para o seu vestidinho de cauda.

— Muito bonito — respondeu ele maquinalmente, pensando noutra coisa.

— Pois está às suas ordens — disse amavelmente a boneca.

Narizinho chamou-a de parte e cochichou-lhe ao ouvido:

— Não se meta a conversar com o príncipe. Você diz sempre o que não é para dizer.

Emília amarrou um pequeno burrinho, certa de que era de ciúmes que a menina não queria que ela falasse com o príncipe.
––––––––
Continua... Vem vindo o socorro

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Trova Ecológica 54 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 410)


Uma Trova Nacional


Beija a mãe, filho querido,
convocado para a guerra!
Não há adeus mais doído
em toda a face da Terra!...
–HÉLIO DE CASTRO/PR–

Uma Trova Potiguar

No pôr-do-sol comovente,
que de tristeza me invade,
rezo, enternecidamente,
uma oração de saudade.
–REINALDO AGUIAR/RN–

Uma Trova Premiada

1987 - Resende/RJ
Tema: ABANDONO - M/E

Se vejo um roto menino,
desvalido, pela praça,
no abandono, sem destino,
estranha culpa me abraça.
–JOSUÉ VARGAS FERREIRA/SP–

Uma Trova de Ademar

Quem faz da vida um tatame
e da família um penhor,
não tem ninguém por quem chame
nos seus momentos de dor.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Numa calma que revolta,
ele chega, de repente;
e eu aceito a sua volta,
para sofrer novamente...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Simplesmente Poesia

Desejo
–MANOEL RODRIGUES DE LIMA/SP–

Queria muito,
saber tudo sobre as flores.

Saber
sentir seu perfume.

Saber
ver suas cores.

Assim,
saberia qual lhe ofertar.

Estrofe do Dia

Poesia é a minha paz,
meu mundo, meu universo;
um mar de sabedoria
onde eu vivo submerso;
é minha alimentação,
é meu sustento, é meu pão
feito de rima e de verso.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Caminhada do Tempo
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Idade dos noventa. Aqui do alto
Faço um apelo ao sonho, à fantasia:
Não me deixe jamais, eu tornaria,
Ao insignificante e triste asfalto.

Para chegar aqui, de salto em salto,
Medindo passos e horas, noite e dia,
A fé me conduziu e mais, diria,
A vontade de ser hino em contralto.

Não me arrependo do que fiz. Se errei,
É que o destino humano marca a lei
Do certo e errado, alvorada a alvorada.

Resta levar o tempo que me sobra,
Seguindo firme, refazendo a obra
Que produzi durante a caminhada.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Célio Simões de Souza (A Triste Sorte de um Pinto sem Dono)


Moleque do meu tempo, em Óbidos, não dispensava em casa ou na rua uma brincadeira de bola, de pião, jogo de carteira de cigarro, belário, camonha, empinar papagaio ou simplesmente jogar pedra nas frondosas mangueiras que existiam na cidade, que o tempo e o desleixo das administrações foram deixando acabar.

Todo o time da minha faixa etária era por completo integrado nesse fuzuê, cujos mestres perlustravam os bancos das escolas municipais e ali concebiam as brincadeiras, algumas de duvidoso bom gosto, como aquela de jogar bomba de São João, comprada nas barracas dos marreteiros da Praça de Sant’Ana, em cima dos cães vira-latas só para vê-los correr sem rumo, latindo em desespero pelo açoite dos estampidos. Coisa de moleque espora, com certeza...

Vez por outra a adrenalina aumentava. Era quando eu resolvia subir a Serra da Escama para passarinhar lá no alto, inicialmente armado de baladeira e com o passar dos anos, com rifle calibre 22 de repetição e ferrolho na culatra. Perdi a conta das piaçocas abatidas no Lago Pauxis (que me perdoe o IBAMA, na época chamado IBDF), das cobras venenosas ou não que atravessavam o meu caminho e das saborosas “santa cruz”, uma espécie pouco maior que a codorna, que no Nordeste é conhecida como “avoante”, a exemplo daquelas, degustadas nos espetos de improvisadas fogueiras.

Quando não apareciam as minhas imbiaras prediletas, ficava eu sentado em um dos canhões Armstrong lá no alto da serra, desfrutando a bela visão da curva estreita do Rio Amazonas, com os telhados da cidade servindo de pano de fundo ao intenso verde da paisagem, compondo um quadro contraposto, naquilo que os poetas chamam de harmonia dos contrastes, até hoje registrada em minha memória.

Nesse dia não foi diferente. Atravessei a ponte de madeira sobre o Laguinho, inspecionei suas margens atrás de uma que outra piaçoca e, a míngua de pássaros que não pipiras e bem-te-vis, subi a serra pela tortuosa trilha que eu conhecia como a palma da mão. Lá do alto, recuperado o fôlego (ufa!!), fiquei maravilhado com a frondosa mangueira recheada de frutos amarelos, no ponto de serem consumidos. Com a ajuda da faca que sempre portava, deliciei-me com aquela iguaria presenteada pela natureza, o suficiente entretanto para não ser vítima de indigestão.

Tudo parecia estranhamente calmo à minha volta. Aliás, deliciosamente calmo. Um silêncio convidativo me impedia de empreender o caminho de volta, apesar do velho jargão de que “pra baixo todo santo ajuda...”. Demorei-me o que pude, desfrutando daquela paz só encontrável no elevado das montanhas. Quem já esteve nas serras gaúchas, cariocas ou cearenses ou em Campos do Jordão que o diga. Só que tudo tem um limite, a tarde ia se findando - soava a hora do regresso.

Redobrei a cautela por causa das cobras. Já adulto, esse sobrosso levou-me a procurar pelo “mestre” curandeiro Didico Assis, que, após um ritual de iniciação, tornou-me imune a sua peçonha. Isto porque desde criança, sempre tive medo delas. Tanto medo, que quando via uma, preferia matá-la primeiro e depois verificar se era ou não venenosa. Dessa regra não escapavam nem as inofensivas jibóias ou as mal humoradas pepéuas. Cheguei ao sopé do morro sem qualquer atropelo. Bastava agora vencer uma largura de uns duzentos metros, driblando as terríveis touceiras de juquirís e jurubebas, para atingir a cabeceira da ponte. E foi o que fiz, olho pregado no murizal, atento ao menor movimento do capim.

Foi quando ouvi o piado característico e insistente. Apurei o ouvido para vencer o barulho do vento, assim identificando o rumo daquele ruído familiar. A aproximação foi lenta. Ergui com o cano da arma o tufo de capim e para minha surpresa, lá estava um pinto pedrês praticamente saído do ovo, piando de fome ou com saudades da mãe. Fiz uma busca ao redor na tentativa de encontrar a galinha e nada; ele estava mesmo sozinho no meio do mato e com a noite caindo, morreria de fome ou devorado pelas serpentes.

Segurei-o nas mãos colocando-o dentro do bornal que eu trazia atracado no boldrié e assim cheguei em casa com aquela preciosidade, despertando a curiosidade da família, que queria saber onde e como eu conseguira aquele inusitado troféu. Explicações dadas e aceitas, foi o pequeno animal solto em nosso quintal, uma espécie em miniatura de Arca de Noé, onde proliferavam patos, galinhas, galos, porcos e outros bípedes e quadrúpedes, sempre lembrados às vésperas de algum aniversário ou no dia de Natal.

Ocorre que o pinto passou a desfrutar de mordomias. Para início de conversa, comia milho moído na minha mão, pelo menos uma vez ao dia. Eu aparecia no quintal e lá vinha ele atrás de sua porção de comida fosse ou não hora da chepa. Não satisfeito com esse tipo de tratamento diferenciado, deu de andar atrás de mim pela casa e pelo quintal, tal qual um cachorro anda atrás do dono. E de tanto comer na hora ou fora de hora, cresceu precocemente e virou um frangão robusto, enfrentando nosso galo “Argentino” em renhidas disputas pelo escancarado amor das galinhas, que o cortejavam abertamente. Situação complicada essa, que estava a merecer uma solução, que ainda não se poderia vislumbrar qual era.

Nessa época eu tinha uma bicicleta comprada na “Casa Gina”, que ficava bem ao lado da “A Pernambucana” e nela eu fazia miséria nas ladeiras da Cidade Presépio, sempre em alta velocidade. A sucessão de tombos era uma conseqüência natural dessa imprudência; meus braços e pernas viviam permanentemente feridos e quando estavam sarando, outra queda me impunha novas cicatrizes, inclusive no rosto, uma das quais torna até hoje incômoda a prosaica tarefa de fazer a barba. Quando esse fato aconteceu, eu estava me recuperando de uma derrapagem que sofrera na ladeira do mercado, que fez desaparecer a pele do meu joelho direito.

Minha mãe se queixou que uma quantidade exagerada de urubus vivia à espreita em nosso quintal, pousados na cerca de pau-a-pique, esperando a hora de brigar pelos rebotalhos de carne que eram descartados por nossa empregada doméstica, a bondosa Eulália. Um deles, inclusive, de maneira acintosa e precipitada, entrou voando dentro de casa, na tentativa de saciar a fome, quase fazendo minha querida irmã Edna (que tinha medo até dos filmes do Drácula), desmaiar de pavor. Foi a gota d’água! Chegou-me o apelo materno para que eu desse um jeito naquela insustentável situação, de vez que os vizinhos também se queixavam do mesmo abuso da urubusada, mas não tomavam nenhuma iniciativa.

Urubu de Óbidos é igual a urubu do Ver-o-Peso ou de qualquer outra parte. Adora uma bagunça. E com autorização de dona Lady, decidi solucionar aquele aflitivo problema. Combinei com a Eulália que ela me avisaria o dia em que cuidaria da carne, para atrai-los. E assim foi feito. Ela começou seu trabalho como se nada de anormal fosse ocorrer, cantarolando baixinho “Coração de Papel”, música de sua predileção; esgueirei-me por trás de um tambor de água que ficava bem próximo, empunhando o rifle e dali pude enquadrar na alça de mira o urubu mais vistoso e ousado, que vivia aporrinhando a rotina da minha casa.

Não obstante, antes do tiro fatal, senti uma dor lancinante no bendito joelho esfolado, cuja pele eu perdera na ladeira do mercado. Olhei e vi que era o desgraçado do frangão, de quem nem estava lembrando, que pelo vício de andar atrás de mim, dera uma senhora beliscada no ferimento, arrancando parte dele e fazendo o sangue jorrar com abundância, impondo-me uma dor que me fez gritar, para a sorte daquela revoada de corvos que simplesmente bateu asas, sumiu, como que fazendo gozação da minha cara.

A juventude é uma fase de impulsos, por isso julgo dispensável contar os detalhes do final dessa história. O almoço do dia seguinte foi um suculento frango, que eu particularmente comi com um misto de fome e de desforra, porque o ferimento infeccionou (“arruinou”, como diria o mestre Bereco), obrigando-me a recorrer aos inestimáveis serviços da Zuraia, a zelosa enfermeira da Santa Casa de Misericórdia, até sua completa cicatrização.

Jamais senti remorso pelo que fiz, pois o próprio pedrês não soube valorizar as regalias que desfrutou no seu privilegiado espaço. Ademais, faltou-lhe o necessário instinto para assimilar uma lição básica nas regras de sobrevivência no mundo dos animais, isto, sem qualquer eiva de duplo sentido: pinto que trai o dono tem mais é que levar o farelo.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Ialmar Pio Schneider (Soneto após ler Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz)


Uma história de amor que nos surpreende,
libélulo ao celibato imposto,
lança no espírito feroz desgosto
que por maior esforço não se entende.

São os mistérios que jamais se aprende:
uma existência trágica ao sol-posto
penetra o cérebro e no próprio rosto
dá contrações de nervos e se estende.

O mundo estupefato ao Padre Amaro
lançará seu desprezo inconformado,
pois mesmo que procure achar amparo

na vã filosofia de um idílio,
surgirão tão fatal como o pecado
a pobre Amélia morta e morto o filho...

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte I


Muitas vezes se tira nota baixa em REDAÇÃO simplesmente porque se comete uma série de erros gramaticais bobos, tolos, inadmissíveis.

A principal finalidade do MANUAL... será contribuir de forma decisiva para que erros dessa natureza não mais sejam repetidos.

É uma obra que se destina a estudantes que estejam fazendo o último ano do curso pré-escolar, cursando os ensinos fundamental e médio, até aqueles que estão se preparando para concurso ou vestibular.

Servirá, portanto, para qualquer membro da família, inclusive para quem já concluiu o curso universitário e queira aprimorar-se na arte de escrever.

“A propósito de sua obra, no momento em que se destina a estudantes (pré-vestibulandos ou concursistas), é ótima. Parabenizo-o pela iniciativa e pelo interesse em construir algo de útil em prol do ensino da redação.”

O comentário acima, sobre o MANUAL DE TÉCNICAS DE REDAÇÃO, foi feito pela professora Maria Afonsina Ferreira, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia—UESB, lotada no Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários da Faculdade de Formação de Professores de Jequié, BA.

ABAIXO-ASSINADO.

É um documento assinado por várias pessoas, que contém pedido, reivindicação ou manifestação de protesto.

ABREVIAÇÕES.

Escreva as palavras por extenso. As abreviações são consideradas incorretas. Portanto, não use abreviações quando no corpo do texto de sua redação.

ERRADO
P/, c/, tá, pra, qdo
CERTO
Para, com, está, para, quando

ERRADO
Prof., edif., pop
CERTO
Professor, edifício, população

ERRADO
Fone, cine
CERTO
Telefone, cinema

ABSURDO.

Use o raciocínio absurdo, a percepção exagerada dos fatos, para sugerir a visão alterada da personagem.

Embriagado, achou que a mulher estava conversando com o amante e atirou no seu próprio cunhado.

Achava que o cãozinho estava silencioso apenas para ludibriá-lo, que preparava um ataque feroz; talvez até saltasse no seu pescoço em um momento de distração.

AÇÃO.

Quando quiser, em narrações, fazer sentir a atenção dada pela personagem às próprias ações, mostre os pormenores da cena.

Colocou cuidadosamente o cristal sobre a mesa, pegando a taça com a ponta dos dedos, pressionando-a levemente, mas com firmeza. Aproximava-a da mesa muito lentamente, quase sem fazer barulho algum ao tocá-la.

Se desejar mostrar ações sucessivas da personagem, efetuadas sem pressa e valorizadas uma a uma, separe-as em períodos diferentes.

Entrou na sala. Caminhou lentamente em direção ao cofre. Observou se o sistema de segurança estava desativado. Tirou o quadro da parede. Passou a girar lentamente o segredo do cofre, escutando atentamente quando daria o estalo que lhe permitiria abri-lo com segurança.

Para construir na narrativa a idéia de rapidez, use períodos curtos. Se buscar transmitir a sensação de um longo tempo transcorrido, use frases extensas.

Correu até o outro lado da rua. Girou a chave na fechadura. Entrou no prédio. Acenou para o porteiro. Entrou no elevador.

Estacionou o carro na frente do prédio, observando se a esposa já havia descido. Abriu a caixa de discos, escolhendo o que faria a mulher lembrar dos tempos de namoro. Reclinou o banco do automóvel, baixando o volume do rádio; pensou que a mulher estava atrasada; devia estar escolhendo seu melhor vestido ou talvez terminando de fazer a maquiagem com o cuidado que a ocasião merecia.

ACENTUAÇÃO.

Verifique sempre a acentuação dos vocábulos.

Procure conhecer as regras de acentuação sem, contudo, decorá-las como papagaio.

Uma técnica de aprendizagem infalível: Estude o assunto, por exemplo, em mais de dois autores, fazendo, depois, os respectivos exercícios. Proceda da mesma forma com os demais assuntos de gramática, que jamais precisará tomar curso de Português desse capítulo.

ALITERAÇÃO.

É a repetição de fonemas-consoantes, que resulta num resultado sonoro específico.

Velho vento vagabundo...

Chove chuva choverando.

Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando.

AMBIGÜIDADE OU ANFIBOLOGIA

Evite frases ambíguas (confusas) ou de duplo sentido. Ocorrem em conseqüência da má pontuação ou da má colocação das palavras.

A ambigüidade deve ser evitada com a utilização de termos que expressem clara e objetivamente o que se pretende mostrar.

FRASES AMBÍGUAS
Alice saiu com sua irmã.
CORRIJA PARA
a irmã dela
OU
a irmã de uma amiga

FRASES AMBÍGUAS
Vi José beijando sua namorada.
CORRIJA PARA
a namorada dele
OU
a namorada de um amigo

FRASES AMBÍGUAS
Um ladrão foi preso em sua casa.
CORRIJA PARA
na casa dele
OU
na casa da vítima

FRASES AMBÍGUAS
João ficou com Mariana em sua casa.
CORRIJA PARA
na casa dela
OU
na casa dele

FRASES AMBÍGUAS
Pintaram o quarto da casa em que durmo.
CORRIJA PARA
no qual durmo
OU
na qual durmo

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Paraná em Trovas Collection - 15 - Lúcio da Costa Borges (Morretes/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 14


A CIGARRA E A ESTRELA

Ao Figueiredo Pimentel

No bosque uma pobre cigarra vivia,
Cantando, a coitada, de noite e de dia.

Cantava tão cheia de um vivo prazer,
Que feliz não sendo, parecia ser.

Cantava tão leve, tão sonoramente,
Que até parecia mais feliz que a gente.

Cantava cantigas do bosque e d’além,
Que um dia aprendera sem saber com quem...

Mas, em certa noite, por desgraça dela,
Tamanha brilhara no céu uma estrela,

Tão grande, tão viva pérola d’Ormuz,
De tamanho brilho, de tamanha luz,

Que tudo que amava, tudo quanto d’antes
Fulgira-lhe aos olhos, como diamantes,

Tudo quanto vira e dera-lhe prazer,
Hoje não olhava, nem queria ver...

Nem aqueles campos onde o olhar se perde,
Nem aquelas folhas, nem aquele verde.

Nem mesmo esses vales, nem os alcantis
Onde a pobre fora d’antes tão feliz.

Foi como um delírio de paixão primeira,
Foi uma loucura, foi uma cegueira...

Dentro desse inseto rude dos pauis,
Houve como um sonho de amplidões azuis...

Foi como se dessa região suprema
Lhe descesse um áureo, régio diadema...

Foi como se um manto de uma maciez
De plumas descesse sobre a sua nudez...

Ficou deslumbrada, ficou de tal jeito
Que mais parecia com um doido perfeito.

Teve tal delírio cego, que apesar
De viver alegre, vivia a chorar.

Ela que era pobre como uma cigarra,
Tocando de noite e de dia a fanfarra,

Ela que não tinha de seu um real,
Que passava fome, que vestia mal,

Daria orgulhosa, para ser querida,
Tudo quanto tinha, coração e vida.

Aqueles castelos, com brasões reais
De orgulhos antigos, que não morrem mais.

E durante a noite pálida, estrelada,
Ambas conversavam, sem dizerem nada.

Conversavam juntas e unidas, assim,
Ambas debruçadas sobre um varandim...

Como se a existência fosse um cisne doce,
E o universo um lago murmurante fosse...

Nem tudo na vida são rosas, porém:
Se há rosas, decerto, logo espinhos vêm...

No meio dos sonhos e da primavera,
O inverno chega, ruge e dilacera...

Aparece o inverno, bem como um leão,
Entre as ovelhinhas brancas da ilusão.

Assim, muitas vezes, tal desesperança
Feria a cigarra com espada e lança,

Que ela até pensava, triste de uma vez,
Fazer o que Safo certo dia fez...

Que suspiros flébeis! Que profunda mágoa!
Os seus grandes olhos enchiam-se d’água.

A ilusão morria triste, sem um ai,
Como a glória morre, como a folha cai.

Realmente, como donde a gente brilha,
Sobre tanta coisa, tanta maravilha,

Poderia um astro ver um fanfarrão,
Que só tinha penas de imaginação?

Quem era esse inseto triste e sem valor
Para ser amado, para ter amor?

Tão cheio que fosse da sua cantiga,
Valia o coitado menos que a formiga,

Porque ao menos esta não tem fome, nem
Frio, nem sede, como aquele tem...

Porém a cigarra, como a alma do povo,
Se chorava agora, ria-se de novo.

Ria-se de tudo, de tudo que não
Fossem as loucuras do seu coração.

Pois sempre lá dentro d’alma de quem sofre,
Guardados no fundo dourado de um cofre,

Há eflúvios tão vagos, horas tão sutis,
Que por mais que a pobre fosse uma infeliz,

Logo que se via como que possuída
Dessa onda nervosa de gozo e de vida,

Tamanha doçura sentia e embriaguez,
Que esquecia tudo, doida de uma vez.

E o estrídulo canto tinha o colorido
De um amor que sabe que é correspondido...

Assim, que importava que essa brisa em vão,
Em vão suspirasse que era uma ilusão?

Que importava a ela que, triste ou risonho,
Tudo quanto via fosse apenas sonho?

No meio das ondas furiosas do mar,
Felizes aqueles que andam a sonhar!

Esse aroma doce, que a deixava langue,
Custava-lhe a vida, custava-lhe o sangue,

Custava-lhe tudo que tinha afinal;
Mas que sonho lindo, que paixão ideal!

Bem compreendia que, passando o outono,
Dormiria logo seu último sono;

Mas que bom ao menos de poder dormir
No meio de puras pérolas d’Ofir...

Via-se torcida dentro de uma grade,
A prisão de ferro chamada ansiedade;

Via-se encerrada dentro do pesar
Como numa torre, sem poder voar;

Porém que loucura mais rara e mais bela
Do que esse delírio de amar uma estrela?
Novembro – 1907

FELICIDADE

Ao Gonzaga Duque

Quem me dera que uma vez, em meu caminho,
Eu enlevado a visse pelo luar,
E tal como se fora um passarinho
Verde, nos verdes ramos a cantar...

Eu deixaria o meu sossego, tudo,
Sairia como um cervo, mais veloz,
Para seguir seus passos de veludo,
Seu rastro, seu perfume, sua voz...

E seguiria, cada vez mais bela,
Por onde quer que fosse, e onde quer,
Cada vez mais enamorado dela,
No encalço dessa flor, dessa mulher...

Embora fossem duros os caminhos,
Com que transporte, com que doce amor,
Eu pensaria que eram só arminhos,
Que eram veludos, que eram como flor...

E que esperança doce, e que esperança,
Nunca teve o mundo encanto igual:
Eu a correr atrás, como criança,
Dessa que corre e foge, por meu mal!

E tal o meu ardor, a minha vida,
Tal o delírio vão, tal o prazer,
Que se mais longa fosse essa corrida,
Mais desejos tivera de correr...

Tão enlevado, pois, tão enlevado,
Que quando desse acordo um dia em mim,
Quando eu olhasse, já tivesse dado
A volta ao mundo, embriagado assim...

Seria uma cidade que eu não vira,
Com tantas torres brancas para o ar,
Cidade d’ouro antiga, de safira
Batida pelos ventos, pelo mar...

Seria um sonho de cair de joelhos,
A soluçar, a soluçar em vão,
Por seus cabelos lindos, por seus olhos,
Por seu perfume, pela sua mão...

Seria um sonho ardente, um sonho lindo,
Nunca mais, nunca mais teria fim
Eu a chamá-la: vem! e ela fugindo,
Eu, doido, doido, ela a chamar por mim...

Eu nunca saberia d’onde ela vinha,
Nem quem era também jamais, e nem
Se era uma pastora ou uma rainha,
Se era uma rosa, um sonho, uma cecém...

Ela seria um astro, a realeza,
A encarnação de tudo que aspirei,
O pão da minha fome de beleza,
O meu orgulho, a púrpura d’um rei...

Tal a beleza, o êxtase, o abandono,
Que tivesse desejos, mas cruéis,
De dar-lhe um reino, pô-la sobre um trono,
E eu assim, desesp’rado, sob seus pés...

Haviam de passar anos e anos,
E sempre, sempre ela a me seduzir,
A embriagar-me sempre com os enganos,
A música de pérolas d’Ofir...

A minha vida toda pouco amena,
Antes fanada como folha vã,
Floresceria mais que uma açucena,
Mais que uma rosa verde da manhã...

No encalço dessa flor, dessa donzela,
O lírio e o vale e o serro e o mar e eu,
Fugiríamos todos atrás dela,
Envolvidos na túnica d’Orfeu.

E que doçura única, que doçura
Feita de manto e púrpuras reais,
E essa paixão, crescendo, e essa loucura
Os braços a estender cada vez mais...

E que delírio vão! e que delírio
De eu a querer, de ansiar por sua nudez,
Como se aquele corpo fosse um lírio,
Que se beijasse todo d’uma vez...

Oh que sorriso leve! que ansiedade!
Todo um furor banal de ser feliz,
De me abraçar contigo, F’licidade,
De te beijar, mulher que me não quis.

Oh que sorriso mágico! que enleio!
Que bom! que bem! nunca pensei, cruel,
Que houvesse assim no mundo tanto anseio,
Reinos tão lindos, doces como mel...

E que florido céu! que ânsia! que vago
Som mavioso! que luar! que flor!
Eu dormiria ao fundo desse lago,
Abraçado contigo, meu amor...

Tudo feneceria, como a estrela,
À luz forte, hiperbólica do sol,
Como fenece uma rainha bela,
Um sonho bom, um lírio, um rouxinol.

Tudo adormeceria o mesmo sono,
Tudo por terra havia de rolar,
Como um fino crepúsculo d’outono,
Como uma torre gótica do luar.

Flores, flores do mal, uma por uma,
E cavaleiro, e dama, e olhos fatais,
Mãos divinas, mãos leves como pluma,
E gestos lindos, gestos imperiais,

Tudo se acabaria, ó luz tranquila,
Ó ilusão dulcíssima! ó ilusão!
E eu sempre com a esperança de possuí-la,
Mas sem tocá-la nem sequer com a mão...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

José de Alencar (Lucíola)


Análise

Lucíola é o quinto romance de Alencar e o primeiro da trilogia que ele denominou de "perfis de mulheres" (Lucíola, Diva e Senhora). Situa-se entre seus romances urbanos que representam um levantamento da nossa vida burguesa do século passado. A obra, publicada em 1862, é um romance de amor bem ao sabor do Romantismo, muito embora uma ou outra manifestação do estilo Realista aí se faça presente. Trata-se de um romance de "primeira pessoa", ou seja, o narrador da história é um personagem importante da mesma, Paulo Silva. E ele a narra em cartas dirigidas a uma senhora, G. M. (pseudônimo de Alencar), que as publica em livro com o título de Lucíola. Fixam o Rio de Janeiro da época, com a sua fisionomia burguesa e tradicional, com uma sociedade endinheirada que freqüentava o Teatro Lírico, passeava à tarde na Rua do Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava no Flamengo, em Botafogo ou Santa Teresa e era protagonista de dramas de amor que iam do simples namoro à paixão desvairada.

Em todos os romance urbanos, Alencar aborda o amor como tema central. Ou, para ser mais exato, "aborda a situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor". Mas o amor como o entendia a mentalidade romântica da época, um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força acrisoladora de sua intensidade e de sua paixão.

Subjetivismo - O mundo do romântico gira em torno de seu "eu": do que ele sente, do que ele pensa, do que ele quer. Por isso o poeta e o personagem na ficção romântica estão em contínua desarmonia com os valores e imposições da sociedade e/ou da família.

Em Lucíola encontram-se pelo menos duas grande manifestações desse subjetivismo romântico.

A primeira grande manifestação de subjetivismo está na própria estrutura narrativa do romance. Trata-se de um romance de "primeira pessoa", em que a história é narrada do ponto de vista de uma só pessoa. No caso, Paulo. Tudo gira em torno do que ele viu, pensou, sentiu junto a Lúcia. Tudo, portanto, muito individual. Já no capítulo I, Paulo esclarece que escreveu essas páginas para se justificar perante uma senhora que estranhou "a minha (dele) excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagância." Para isso , "escrevi as páginas que lhe envio, as quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um "perfil de mulher" apenas esboçado."

A segunda considerável manifestação de subjetivismo está na oposição indivíduo x sociedade. No romance, Paulo e Lúcia ora se insurgem contra as convenções sociais: "Que me importa o que pensam a meu respeito?", ora satisfazem essas mesmas convenções, embora sempre reafirmando o próprio "eu" e fazendo a sua personalidade.

- "... Há certas vidas que não se pertencem, mas à sociedade onde existem. Tu és um celebridade pela beleza. O público, em troca do favor e admiração e que cerca os sue ídolos, pede-lhes conta de todas as sua ações. Quer saber por que agora andas tão retirada."

- "Ah! esquecia que uma mulher como eu não se pertence; é uma coisa pública, um carro de praça que não pode recusar quem chega..."

Exaltação do amor - Em Lucíola, a temática central está exatamente na exaltação do amor como força purificadora, capaz de transformar uma prostituta numa amante sincera e fiel.

"- o amor purifica e dá sempre um novo encanto ao prazer. Há' mulheres que amam toda a vida; e o seu coração, em vez de gastar-se e envelhecer, remoça como natureza quando volta a primavera."

"Tive força para sacrificar-lhes outrora o meu corpo virgem; hoje depois de cinco anos de infâmia, sinto que não teria a coragem de profanar a castidade de minha alma. Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora., disse Lúcia após sentir a afeição de Paulo."

E o romance termina com esta patética exaltação do amor, balbuciada por uma prostituta regenerada por esse mesmo amor, momentos antes de sua morte: "Eu te amei desde o momento em que te vi! Eu te amei por séculos nestes poucos dias que passamos juntos na terra. Agora que a minha vida se conta por instantes, amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com todas as afeições que se pode ter neste mundo. Vou te amar enfim por toda a eternidade."

Amor e morte - O romance é impregnado da idéia de morte pois Lúcia está continuamente a se queixar de uma doença misteriosa que Paulo não compreende nem aceita, supondo-se tratar-se de refinada desculpa para não se entregar a ele sexualmente. Lúcia não acredita nem admite que uma mulher como ela possa usufruir das alegrias e gozos do amor conjugal, dando ao esposo "o mesmo corpo que tantos outros tiveram". Seria uma profanação do verdadeiro amor. "O amor!... o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe! Mas o verdadeiro amor d'alma."

Diante, portanto, da impossibilidade de realização de um amor puro, só resta a Lúcia, como personagem de um romance genuinamente romântico, uma saída: a morte. Nem mesmo um filho ela merece, pois seria o fruto de um amor vilipendiado. "Um filho, se Deus mo desse, seria o perdão da minha culpa! Mas sinto que ele não poderia viver no meu seio!" E, numa atitude típica de heroína romântica, Lúcia anseia morrer nos braços do homem amado: "Ainda quando soubesse que morreria nos seus braços... Que morte mais doce podia eu desejar!" "... desejava que fosse possível morrermos assim um no outro... uma só vida extinguindo-se num só corpo!". E assim se fez. Morreu ao lado do ser amado, dizendo-lhe: "vou te amar enfim por toda a eternidade. (...) Recebe-me... Paulo!"

Sentimentalismo melancólico - Em Lucíola um mínimo contratempo é o suficiente para lançar Lúcia ou Paulo na mais profunda tristeza. Numerosas passagens do romance colocam o leitor diante de quadros profundamente melancólicos. Como esta:

"Foi terrível. Meu pai, minha mãe, meus manos, todos caíram doentes: só havia em pé minha tia e eu. Uma vizinha que viera acudir-nos, adoecera à noite e não amanheceu. Ninguém mais se animou a fazer-nos companhia. Estávamos na penúria; algum dinheiro que nos tinham emprestado mal chegara para a botica. O médico, que nos fazia a esmola de tratar, dera uma queda de cavalo e estava mal. Para cúmulo de desespero, minha tia uma manhã não se pôde erguer da cama; estava também com a febre. Fiquei só! Uma menina de 14 anos para tratar de seis doentes graves, e achar recursos onde os não havia. Não sei como não enlouqueci."

E esta outra, onde Lúcia se fez passar por uma amiga morta para aliviar o sofrimento dos pais: "Lúcia morreu tísica; quando veio o médico passar o atestado, troquei os nosso nomes., Meu pai leu no jornal o óbito de sua filha; e muitas vezes o encontrei junto dessa sepultura onde ele ia rezar por mim, e eu pela única amiga que tive neste mundo. Morri pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída."

Muitas das atitudes tomadas por Paulo ou Lúcia são próprias de pessoas que se deixam guiar pelo sentimento. Esta, por exemplo, esquisita e inexplicável de Lúcia "- Iremos juntos!... murmurou descaindo inerte sobre as almofadas do leito. Sua mãe lhe servirá de túmulo."

Enfim, o romance todo, do início ao fim, está impregnado de uma atmosfera melancólico-sentimental.

Ilogismo - Os paradoxos, o comportamento ora excêntrico ora dúbio de Lúcia, ora virtuoso, ora pecaminoso que vai lançando Paulo numa dúvida angustiante: a própria duplicidade comportamental de Paulo, generoso e mesquinho, compreensivo e intransigente, correto e pilantra; tudo isso dá à intriga do romance um atrativo todo especial que, por sua vez, ora atrai ora aborrece o leitor.

Há ainda outras manifestações de Romantismo no romance, tais como, imaginação e fantasia, culto da natureza, senso do mistério, exagero. Mas são de importância secundária.

Lirismo - Há um lirismo bem bucólico nesta passagem de Lucíola: "Sentamo-nos sobre a relva coberta d flores e à borda de um pequeno tanque natural, cujas águas límpidas espelhavam a doce serenidade do céu azul. Lúcia tirou do bolso seu crochê e o novelo de torçal, e continuou uma gravata que estava fazendo para mim. Enquanto ela trabalhava, eu arrancava as flores silvestres para enfeitar-lhe os cabelos; ou arrastava-me pela relva para beijar-lhe a ponta da botina que aparecia sob a orla do vestido."

E nesta outra há graça, ternura, sentimento: "Toquei com os lábios a raiz daqueles cabelos sedosos que ondulavam com o sopro de minha respiração. Ana teve um estremecimento íntimo; e banhou-se na onda de púrpura que descendo-lhe da fronte, derramou-se pelas espáduas roseando a branca escumilha."

Gosto pela descrição - Em Lucíola, de quando em quando aparece a natureza como a aliviar o leitor das tensões dos dramas humanos.

Quanto à descrição dos personagens, Alencar parece se preocupar antes com o aspecto externo para depois chegar ao temperamento. Antes mesmo de o leitor saber quem era ela, já Alencar lhe mostrou o retrato de Lúcia no capítulo II: "Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido que o moldava era cinzento com orlas de veludo castanho e dava esquisito realce a um desses rostos suaves, puros e diáfanos, que parecem vão desfazer-se ao menor sopro, como os tênues vapores da alvorada. Ressumbrava na sua muda contemplação doce melancolia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno na mimosa aparição." Na passagem seguinte Alencar como que nos conduz do exterior ao interior de Lúcia: "O rosto suave e harmonioso, o colo e as espáduas nuas, nadavam como cisnes naquele mar de leite, que ondeava sobre formas divinas. A expressão angélica de sua fisionomia naquele instante, a atitude modesta e quase íntima, e a singeleza das vestes níveas e transparentes, davam-lhe frescor e viço de infância, que devia influir pensamentos calmos, senão puros."

No que concerne ao vestuário feminino é inegável a influência que Balzac exerceu em Alencar: "Lúcia fitou-se por muito tempo, e chegou-se ao espelho para dar os últimos toques ao seu traje, que se compunha de um vestido escarlate com largos folhos de renda preta, bastante decotado para deixar ver suas belas espáduas, de um filó alvo e transparente que flutuava-lhe pelo seio cingindo o colo, e de uma profusão de brilhantes magníficos capaz de tentar Eva, se ela tivesse resistido ao fruto proibido. Uma grinalda de espigas de trigo, cingia-lhe a fronte e caía sobre os ombros com a vasta madeixa de cabelos, misturando os louros cachos aos negros anéis que brincavam."

Comparações - As comparações de Alencar, geralmente, referem-se aos personagens, ora em seus detalhes físicos, ora em seus estados de alma, ora em seus atributos morais. O segundo termo da comparação é colhido, na esmagadora maioria das vezes, de elementos da natureza: reino vegetal, animal ou mineral. Uma confirmação do que se disse está neste pequeno trecho: "Como as aves de arribação, que tornando ao ninho abandonado, trazem ainda nas asas o aroma das árvores exóticas em que pousaram nas remotas regiões, Lúcia conservava do mundo a elegância e a distinção que se tinham por assim dizer impresso e gravado na sua pessoa."

Desarmonias - Em Lucíola, a luxúria do velho Couto, e mais tarde a prática do vício, torcem a personalidade de Lúcia. A forma refinada desse sentimento da discordância é certa preocupação com o desvio do equilíbrio fisiológico ou psíquico. Relembre-se a depravação com que Lúcia se estimula e castiga ao mesmo tempo, e cujo momento culminante é a orgia promovida por Sá - orgia espetacular, com tapetes de pelúcia escarlate, quadros vivos obscenos, flores e meia luz, ultrapassando o realismo qualquer outra cena em nossa literatura séria.

Dentre muitos exemplos que se poderiam dar de "desarmonia" de situações, está o contraste entre Maria da Glória e Lúcia: aquela, pobre, simples, escondida; esta, rica, caprichosa, pública. Mas isso já é um conflito entre o passado e o presente.. Porém, os contrastes mais importantes na técnica narrativa do livro são aqueles relacionados com pessoas e sentimentos. De Paulo e Lúcia, naturalmente.

A mesma Lúcia que compôs recatadamente o roupão ante os olhos ávidos e voluptosos de Paulo que vislumbravam o simples contorno de um seio foi capaz de desfilar nua na ceia em casa do Sá. Ela é assim: contraditória. Ama e odeia. Atira-se ao vício e tende para a virtude, segundo suas próprias palavras: "Eis a minha vida... deixara-me arrastar ao mais profundo abismo da depravação; contudo, quando entrava em mim, na solidão de minha vida íntima, sentia que eu não era uma cortesã como aquelas que me cercavam. Ficaram gravados no meu coração certos germes de virtudes..."

Também Paulo apresenta um comportamento paradoxal. Ora ele deseja violentamente Lúcia ora promete respeitá-la. Ofende-a e pede-lhe perdão; dá-lhe liberdade e a quer só para si; despreza-a e sente dela pungente ciúme; vê nela uma prostituta refinada e uma menina de quinze anos, pura e cândida. Também Paulo é contraditório: vil e magnânimo, como todo bípede implume e social chamado homem.

Técnica narrativa - Lucíola é um romance de primeira pessoa, ou seja, quem narra a história não é Alencar diretamente. Ele o faz por meio de um personagem que viveu os episódios. No caso, esse personagem narrador é Paulo, que em cartas dirigidas a uma senhora (por quem o autor se faz passar) conta uma história de amor acontecida há seis anos entre ele e Lúcia. A senhora reuniu as cartas e delas fez o livro. "Eis o destino que lhes dou; quanto ao título, não me foi difícil achar. O nome da moça, cujo perfil o senhor me desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto. "Lucíola" é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d'alma?"

No capítulo I, o narrador explica a razão das cartas: "A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias".

Na estrutura narrativa de Lucíola, portanto, pode-se observar o seguinte:

1. há um autor real, José de Alencar;

2. um autor fictício, a senhora G. M., destinatária das cartas de Paulo.

3. Um narrador, Paulo, com a incumbência e o privilégio de ordenar os fatos, comentá-los e tirar-lhes conclusões.

À medida que transmite os fatos, vai fornecendo ao leitor elementos para a análise de Lúcia e dele mesmo.No romance os fatos são apresentados sob dois pontos de vista, dois ângulos diferentes: o de Paulo/personagem que transmite ao leitor as sensações vividas com Lúcia e o de Paulo/narrador que, por vezes, interrompe a narrativa fazendo reflexões ou dirigindo-se à destinatária de suas cartas.

O enredo abrange um período de aproximadamente seis meses. Foi o que durou o namoro do par romântico. Às vezes, o autor avança a narrativa com soluções bem simples: "Essa vida calma e tranqüila, remanso de uma existência tão agitada, durava cerca de um mês." Em outras, retarda-a: dedicou três capítulos para a ceia em casa de Sá (capítulos VI, VII e VIII).

Ação - Gira em torno de uma história entre Paulo e Lúcia, com todos os ingredientes de um romance romântico: heróis e vilões, heroínas incompreendidas, virgens pálidas e meigas e cortesãs depravadas, a morte como única saída para um amor verdadeiro porém impossível, etc.

Em Lucíola, o núcleo central da narrativa se concentra em Paulo e Lúcia, ora como duas individualidades com passado e presente próprios, ora como o "par romântico". E se concentra com tal intensidade, (afinal o narrador é exatamente Paulo - o herói, o mocinho - que ama a Lúcia - a heroína) que os episódios envolvendo os demais personagens ficam totalmente ofuscados.

Tempo -1855 - "A primeira vez que vim ao Rio de Janeiro foi em 1855". Numa leitura atenta, o leitor percebe no livro o Rio de Janeiro da época de D. Pedro II, com seus salões, sua burguesia, suas vitrinas chiques na Rua do Ouvidor com mercadorias elegantes vindas de Paris ou Londres, seus tílburis, seu vestuário, etc.

Como tempo narrativo, ele é eminentemente "cronológico". Ou seja, em Lucíola os acontecimentos se sucedem numa ordem quase normal, com uma seqüência natural de horas, dias, meses, anos. Só há um momento em que o fluxo narrativo retroage: quando Lúcia narra a Paulo seu passado. (Cap. XVIII e XIX). E em dois momentos ele avança: o capítulo I e o finalzinho do último revelam o estado de alma de Paulo seis anos após a morte de sua querida Lúcia: "Terminei ontem este manuscrito, que lhe envio ainda úmido de minhas lágrimas. (...) Hás seis anos que ela me deixou; mas eu recebi a sua alma, que me acompanhará eternamente."

Lugar - O cenário onde se desenrola a ação é o Rio de Janeiro. Há referências de seus bairros (Santa Teresa), ruas (das Mangueiras), população, festas (a da Glória), teatros, lojas elegantes, etc.

É curiosa a relação entre os locais e o comportamento amoroso-sexual de Paulo e Lúcia, agindo aqueles no sentido de aproximação ou afastamento, de maior ou menor realização do casal. O quarto de Lúcia é um local de luxúria: "... e fazendo correr com um movimento brusco a cortina de seda, desvendou de repente uma alcova elegante e primorosamente ornada." Das várias vezes que eles se uniram sexualmente neste luxuoso aposento, nenhuma, parece, satisfez de fato o casal. A primeira delas terminou assim: "Ao delírio sucedera prostração absoluta, orgasmo da constituição violentamente abalada. Vendo então este corpo inerte e pasmo, com os olhos vítreos e as mãos crispadas, tive dó."

O segundo encontro já foi totalmente diferente, em local e desfecho. Foi nos jardins da casa do Dr. Sá, onde Lúcia desfilara nua perante os convidados. O cenário é bem ao gosto do romantismo: a natureza. O leito é bucólico: "Fomos através das árvores até um berço de relva coberto por espesso dossel de jasmineiros em flor. Lúcia está vibrando: "- Sim! Esqueça tudo, e nem se lembre que já me visse! Seja agora a primeira vez!... Os beijos que lhe guardei, ninguém os teve nunca! Esse , acredite, são puros!" E o clímax foi aquele que só um par enamorado consegue haurir do sexo: "Não fui eu que possuí essa mulher; e sim ela que me possuiu todo, e tanto, que não me resta daquela noite mais do que uma longa sensação de imenso deleite, na qual me sentia afogar num mar de volúpia."

Quando Lúcia passou a morar numa casa pequena e pobre, em Santa Teresa, em companhia de sua irmã Ana, menina inocente, não mais houve união carnal entre eles. É que os dois já estavam unidos por um amor espiritual. Uma afeição muito pura unia aquelas duas almas. E tanto a simplicidade do local que "lembra o espaço feliz de sua infância em São Domingos" quanto a inocência da menina não comportava mais a depravação do sexo. O seu beijo quase de irmã apenas de longe em longe bafejava-me a fronte."

Personagens - Em Lucíola uma personagem apresenta grande complexidade psicológica, a par do idealismo romântico com que foi concebida:

Lúcia - Sua principal característica é a contradição. Como cortesã era a mais depravada. Basta que se lembre da orgia romana em casa de Sá. No entanto, a prostituição era-lhe um tormento constante, já que não se entregava totalmente a ela. E os atos libidinosos constituíam para ela verdadeira autopunição aliada à angustiante sentimento de culpa. Coexistem nela duas pessoas: Maria da Glória, a menina inocente e simples, e Lúcia, a cortesã sedutora e caprichosa. No livro, sobressai a Lúcia, Lúcifer, onde aparece 348 vezes contra 10 vezes como Maria da Glória, anjo. Tal disparidade realça o motivo do romance: à proporção que Lúcia vai amando e sendo amada por Paulo, ela vai assumindo a Maria da Glória, sua verdadeira personalidade. E reencontra assim, através dele, a dignidade e inocência perdidas. Pode-se expressar essa duplicidade da seguinte maneira:
Lúcia, mulher, depravação, luxúria, sentimento de culpa, prostituição, caprichosa, excêntrica, rejeita o amor, demônio.

Maria da Graça, menina, pureza, ingenuidade, dignidade, inocência, simples, meiga, tende para o amor, anjo. Perdida a virgindade física, Lúcia, por meio da compreensão e amor de Paulo, tende para a virgindade do espírito. "Elas não sabem, como tu, que eu tenho outra virgindade, a virgindade do coração!" Para isso renuncia a qualquer amor sensual. Mesmo ao de Paulo, de quem fora amante e a quem passou a negar um simples beijo. Depois que ela o conheceu, não se entregou a nenhum outro homem. É por isso que não cria no amor de Margarida, de A Dama das Camélias, porque ela não negou ao seu amado Armando o corpo que tantos já haviam comprado.

E Lúcia recupera aos 19 anos a Maria da Glória que perdera aos 14. "Nada perturbava a serenidade de Lúcia. Parecia realmente que sua alma cândida, muito tempo adormecida na crisálida, acordara por fim, e continuara a mocidade interrompida por um longo e profundo letargo. (...) Ninguém diria que essa moça vivera algum tempo numa sociedade livre."

Mas essa transformação completa custou-lhe penosos sacrifícios e sobretudo muita incompreensão inicial por parte de Paulo. "Incompreensível mulher! (...) Compreendo hoje as rápidas transições que se operavam nessa mulher; mas naquela ocasião, como podia adivinhar a causa ignota que transfigurava de repente a cortesã depravada na menina ingênua, ou na amante apaixonada!"

Seus traços físicos: cabelos e olhos pretos, a pele pálida. Sua expressão, contudo, lembra ao leitor sua dualidade de caráter: o olhar ora é "eloqüente, raio voluptuoso", ora é límpido, raio de luz de sua alma". É bem o ideal de beleza romântica, "com sua virgindade de alma tão pura e tão absoluta, que a não tisnaram os pecados do corpo. Por isso, mesmo nas horas em que mais lhe esplende a glória de cortesã, o romancista a veste simbolicamente de branco."

Se algum leitor não entender bem a complexidade da personagem Lúcia, como o fez Paulo no início do romance, não é de se estranhar, pois afinal ela mesma se auto-definiu: "É difícil conhecer-me; mais difícil do que pensa. Eu mesma, sei o que às vezes se passa em mim? Não repare nestas esquisitices!"

Paulo - É um provinciano de Pernambuco, 25 anos, que veio tentar se estabelecer no Rio de Janeiro. O romance não esclarece se ele é ou não formado. Sugere apenas. É o narrador da história e como tal faz desviar a atenção do leitor para Lúcia e outros aspectos, não revelando certas informações suas. Os detalhes físico, por exemplo. Coisa, aliás, rara em José de Alencar, tratando-se de personagem central.

Traçando o perfil de Lúcia, ele acaba por revelar também os eu: espírito observador e sensível, foi o único a compreender o estranho caráter de Lúcia. Seu temperamento é reservado sem ser tímido: "... é hábito meu, desde que entrei no mundo, não admitir os estranhos à intimidade de minha vida, ainda mesmo quando se trata de objetos sem conseqüência. Só dispo a minha alma entre amigos". E como ele não possui reais amigos no Rio, nuances de sua personalidade conhecem-se por deduções .

Suas reações psicológicas são expressas em suas reflexões: "Que miserável animalidade havia em mim naquela noite! Quando essa pobre mulher atingia o sublime do heroísmo e da abnegação, eu descia até a estupidez e à brutalidade!" Ou nessa: "Não conheço mais estúpido animal do que seja o bípede implume e social, que chamam homem civilizado."

A sua caminhada em direção ao amor pela heroína foi lenta. No início, o que o impelia para ela era atração sexual. Paulo, então, não a entende e transmite ao leitor suas incertezas e desconfianças. "Se eu amasse essa mulher... mas tinha apenas sede de prazer; fazia dessa moça uma idéia talvez falsa... " Tais desconfianças, por vezes, eram-lhe inoculadas pela sociedade através de alguns representantes - Dr. Sá, Sr. Couto, Cunha. "Cunha tinha razão, pensei eu; a cupidez e a avareza são as molas ocultas que movem este belo autômato de carne." E chega mesmo a ser violento e sádico com ela. Isto se deduz de várias passagens, como: "Esta noite a senhora não se pertence: é um objeto, um bem do homem que a vestiu, que a enfeitou e cobriu de jóias, para mostrar ao público a sua riqueza e generosidade." Outras vezes, sentiu foi dó: "Sentia profunda compaixão por essa mulher. O seu pranto me enterneceu; chorei com ela." Houve um período em que a afeição de ambos se arrefeceu. Paulo já a admira e dedica-lhe grande respeito e amizade: "Entramos então numa nova fase de nossa mútua existência, fase original e curiosa que me faria rir quinze dias antes. Com efeito, quem poderia julgar possível uma amizade fraternal e pura entre duas criaturas que meses antes trocavam as mais ardentes expansões da sensualidade?" Para no final devotar-lhe sincero amor a ponto de vibrar com um possível filho de ambos: " -Um filho! Mas é um novo laço e mais forte que nos prende um ao outro. Serás mãe, minha querida Maria?"

É um ingênuo personagem romântico. Apesar de se declarar pobre e até se vexar por isso, vive byronicamente, de sonhos, de amor.

Os demais personagens são secundários face aos dois protagonistas.

Dr. Sá e Cunha - Amigos de Paulo, sendo aquele desde a infância. Encarnam a moral burguesa e suas máscaras: austera com os outros, benigna consigo. Não possuem personalidade bem delineada no livro. Ambos vêem em Lúcia apenas a prostituta.

Couto e Rochina - O primeiro é um velho dado a jovem galante. Encarna a obsessão sexual e a velhice. Representa a sociedade que explora e corrompe. Foi quem aproveitou a necessidade e inocência de Lúcia. O segundo é um jovem de 17 anos, tez amarrotada, profundas olheiras, velho prematuro. Libertino precoce. Eles aparecem assim no romance: "O contraste do vício que apresentavam aqueles dois indivíduos: o velho galanteador, fazendo-se criança com receio de que o supusessem caduco; e o moço devasso, esforçando-se por parecer decrépito, para que não o tratassem de menino; essa antítese vivia devia oferece ao espectador cenas grotescas."

Laura e Nina - São meretrizes, como Lúcia, mas sem sua duplicidade de caráter. Não são capazes de "descer tão baixo" porém, não possuem a "nobreza e altivez" da protagonista.

Jesuína e Jacinto - Aquela, é mulher de 50 anos, seca e já encarquilhada. Foi quem recolheu Lúcia quando seu pai a expulsou de casa e a iniciou na prostituição. Este, é um homem de 45 anos, e "vive da prostituição das mulheres pobres e da devassidão dos homens ricos". Por seu intermédio Lúcia vendia as jóias ricas que ganhava e enviava o dinheiro à família pobre. É quem mantém a ligação misteriosa no livro, entre Lúcia e Ana. Enfim, é quem cuida dos negócios dela.

Ana - É a irmã de Lúcia, que a fez educar num colégio até os doze anos como se fosse sua filha. "Era o retrato de Lúcia, com a única diferença de ter uns longos e de louro cinzento nos cabelos anelados. Ana já conhecia a irmã e a amava ignorando os laços de sangue que existiam entre ambas." Lúcia tenta casá-la com Paulo para ser uma espécie de perpetuação e concretização de seu amor por ele: "Ana te darias os castos prazeres que não posso dar-te; e recebendo-os dela, ainda os receberias de mim. Que podia eu mais desejar neste mundo?"

Problemática apresentada - Paulo quer Lúcia, mas ele possui impedimento de aproximação; Lúcia quer Paulo, mas também possui impedimentos. É fácil, agora, entender como se arma o conflito do romance:
Paulo x Lúcia - Há motivos de aproximação e de afastamento entre ambos. E do jogo aproximação-afastamento. Chegamos a uma composição final. A composição é desejada por ambos, mas é preciso que antes muitas arestas sejam aparadas. Não é graciosamente que o ser humano se completa a se acha, mas através de muita luta e muito erro (penitência para superação dos defeitos).

Esta colocação do foco narrativo do romance vem confirmar idéias anteriores, onde se mostrou que a história de Paulo e Lúcia está vazada de situações desarmônicas. Tais situações podem ser melhor entendidas quando sintetizadas em algumas oposições que parecem predominar na obra como idéias centrais. Tais como:

O desnível da situação social - Em Lucíola os conflitos das personagens e entre personagens são determinados pelo confronto do indivíduo com essa sociedade.Há um desnível enorme entre a situação social de Paulo e Lúcia. Esta é prostituta e como tal é vista e rejeitada por todos, inclusive por Paulo, no início. Trata-se de um impedimento sério na aproximação de ambos. Tão sério que acaba por impedir a concretização social (casamento, geração de filhos) do amor do casal. Lúcia errou e deve pagar por isso perante a sociedade. As convenções da moralidade burguesa e da Escola Romântica assim o exigem. O casamento com final feliz do romance romântico não se realiza. Lúcia deve morrer.

Uma das problemáticas centrais levantadas no livro, parece, portanto, esta: a imposição das convenções sociais, criando obstáculos ao par amoroso, sacrificando-lhe a realização de um amor que não se adequava aos seus padrões rigorosos, se bem que por vezes hipocritamente condescendentes.

O conflito entre o bem e o mal - Das muitas oposições enfocadas no livro, esta é a mais importante, agindo como base do enredo e do foco narrativo. Trata-se de um tendência própria do Romantismo que se traduz na "desarmonia" de situações e sentimentos.

Há uma dualidade no caráter de Lúcia: de um lado a mulher, meretriz, depravada, desprezada pela sociedade, encarnacão do MAL; de outro, a menina inocente que ainda teima em substituir nela por mais terríveis que tenham sido os imperativos do vício naquela alma. É a permanência do BEM. "Havia no meu coração certos germes de virtude que eu não podia arrancar, e que ainda nos excessos do vício não me deixavam cometer uma ação vil." E durante todo o tempo, pretende o autor convencer o leitor da "criatura angélica" que habita o corpo da pecadora, da "mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d'alma". E é essa Lúcia de "coração virgem", purificada, que renasce nos últimos capítulos graças ao amor de Paulo.

A vitória do amor - E chega-se, afinal, à temática básica de Lucíola. A intriga é calcada em assunto romântico: A situação social da mulher em face do amor. Do "amor" como o concebe o Romantismo: sublimado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos, que está acima dos fatores sócio-econômicos, que triunfa apesar das convenções sociais.

Em Lucíola, o triunfo do amor não foi na linha do final feliz. Lúcia passará por um processo de transformação, ou renascimento, que fará desabrochar a adolescente pura e ingênua que fora um dia, ao mesmo tempo que irá eliminando a cortesã impudica. E a protagonista alcança, portanto, a purificação através do amor espiritual, que não pode ser contaminado e profanado pela mais leve sombra de desejo físico. É a vitória do amor, numa outra perspectiva. É a temática central do romance: o amor como força regeneradora.

O romance, na sua intriga e temática, bem como no posicionamento das personagens, pode ser visualizado graficamente assim: na busca mútua de Lúcia e Paulo, há personagens que se posicionam como obstáculos, no sentido de impedir o surgimento do amor dos dois: Couto, Sá, Cunha, Rochinha. Outros são basicamente neutros: Jesuína, Jacinto, Laura e Nina. E há uma, Ana, que se coloca no sentido de aproximar o par romântico, a tal ponto de, conforme o desejo de Lúcia, ser um símbolo de perpetuação, na terra, do amor do casal.

Enredo

Paulo Silva, o personagem-narrador, é um rapaz de 25 anos, pernambucano, recém-chegado ao Rio de Janeiro, em 1855, com a intenção de aí se estabelecer.

No dia mesmo de sua chegada à corte (Rio de Janeiro), após o jantar, sai em companhia de um amigo para conhecer a cidade. Na rua das Mangueiras vê passar em um carro uma jovem muito bela. Um imprevisto faz parar o carro, dando a Paulo a oportunidade de repará-la melhor. Dia após, em companhia de outro amigo, o Dr. Sá, Paulo participa da festa de N. Senhora da Glória, quando lhe aparece a linda moça. Informando-se do amigo, fica sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais bela, requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona com a "expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelam a cortesã franca e impudente."

Mais ou menos um mês após sua chegada, Paulo vai à procura de Lúcia, levado, é claro pelo desejo de possuir aquela linda mulher. Após longa e agradável conversa, acaba se surpreendendo com o "casto e ingênuo perfume que respirava de toda a sua pessoa". A um mínimo lance de seus seios, "ela se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão" discretamente. E ele, que fora quente de desejos, agora, na rua, se acha ridículo por não haver ousado mais. Além do que, o Dr. Sá lhe confirmara que "Lúcia é a mais alegre companheira que pode haver para uma noite, ou mesmo alguns dias de extravagância."

No dia seguinte Paulo está de volta à casa da heroína. Ao seu primeiro ataque, Lúcia se opõe com duas lágrima nos olhos. Supondo ser fingimento, mostra-se aborrecido e ela reage atirando-se completamente nua em seus braços, já que era isso que Paulo queria. Mas no auge do prazer do sexo, Paulo percebe algo diferente nas carícias de Lúcia: mesmo no clímax do gozo, parece que ela sofria. Sente, na hora, um imenso dó, ao que ela corresponde cinicamente: "- Que importa? Contanto que tenha gozado de minha mocidade! De que serve a velhice às mulheres como eu?" Ele quer pagar-lhe, ela rejeita com um meigo aperto de mão. E ele retira-se realmente confuso com "a singularidade daquela cortesã, que ora levava a impudência até o cinismo, ora esquecia-se do seu papel no simples e modesto recato de uma senhora".

E as informações que lhe chegam a seu respeito são as piores. O Cunha diz que ela é "a mais bonita mulher do Rio e também a mais caprichosa e excêntrica. Ninguém a compreende. "Nunca fica muito tempo com o mesmo amante, "pois não admite que ninguém adquira direitos sobre ela." Além do mais, é avarenta. Vende tudo o que ganha. Até roupas. Para Paulo, no entanto, ela parece ser ao contrário de tudo isso. Afinal, ela finge para ele ou já o ama? Paulo fica em dúvida atroz.

Por aqueles dias, numa ceia em casa do Sá, com pessoas (Lúcia, Paulo, Sr. Couto, Laura, Nina, Rochinha, etc...) maldosamente convidadas para transformar a ceia em bacanal, Lúcia desfila toda nua, imitando as poses lascivas dos quadros que estavam nas paredes, ante os olhares voluptuosos dos presentes. Depois, em lágrimas, nos jardins da casa, ela se explica a Paulo. Fez aquilo por desespero, pois ele havia zombado dela momentos antes: "se o Senhor não zombasse de mim, não o teria feito por coisa alguma deste mundo..."E depois porque teria sido uma decepção total, afinal o que Sá pretendia era mostrar a seu amigo Paulo quem era Lúcia. "Não foi para isso que se deu essa ceia?! - explicou Lúcia. E os dois se amaram profundamente, lá mesmo no jardim, á luz da lua, até de madrugada.

Decorridos alguns dias, Paulo de certo modo passa a morar com Lúcia, e, apesar das prevenções e restrições, mais e mais se liga a ela por afeto. Lúcia, por sua vez, já ama Paulo e se entrega e ele como a um dono e senhor. Há momentos de atritos entre ambos. Passageiros, e todos causados pelo egoísmo e incompreensão de Paulo que não entende as profundas transformações que o seu afeto operou nela. E a tal ponto , que ela não suportaria mais a idéia de se lhe entregar na cama, pois sente por ele um amor muito puro e profundo. E ele, levado mais por desejo que por afeto, não consegue aceitar esse comportamento sublime.

As más línguas já comentam que Paulo, além de viver à custa de Lúcia, ainda a proíbe de freqüentar a sociedade. Lúcia que já então procurava viver mais retraída dispõe-se a voltar à vida mundana apenas para salvar-lhe a reputação. Mas Paulo - complicado, sádico, estúpido e chato - não compreende.

Lúcia já não vibra como outrora. Mesmo quando excitada por Paulo. É a doença que já se faz sentir. Paulo não entende essa frieza e por vezes se exaspera. Ela sofre calada pois reconhece que "o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe!". O grande sentimento que os unia, arrefece, dando lugar a uma amizade simplesmente.

O comportamento de Lúcia é cada vez mais sublime e heróico. Já não existe mais nada da antiga cortesã. E Paulo, por fim, entende essa nobreza de caráter e compreende o porquê das suas recusas. Ela lhe recusava o corpo porque o amava em espírito. E também porque já está doente. Paulo promete respeitá-la de ora em diante.

Lúcia um dia lhe revela todo o seu passado. Chamava-se Maria da Glória. Era uma menina feliz de 14 anos e morava com os pais, quando, em 1850, sobreveio a terrível febre amarela. Seus pais, os três irmãos, uma tia caíram de cama, Ela ficou só. No auge do desespero, resolveu pedir ajuda a um vizinho rico, Sr. Couto, que em troca de algumas moedas de ouro tirou-lhe a inocência. "o dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança." Seu pai, porém, sabendo da origem do dinheiro, e supondo ter a filha um amante, a expulsou de casa. Sozinha, sem ter aonde ir, foi acolhida por uma mulher, Jesuína, que, quinze dias depois, à conduziu à prostituição, estipulando pela beleza de seu corpo um alto preço. O dinheiro, ela o usava para cuidar do que restava da família: "e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã".

Uma colega de infortúnio foi morar com ela. Chamava-se Lúcia. Tornaram-se amigas. Lúcia morreu pouco depois. No atestado de óbito, a heroína fez constar que a falecida se chamava Maria da Glória, adotando para si o nome da amiga morta. "Morri pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída." E todo dinheiro que ganhava, destinava-o à preparação de um dote para sua irmã, Ana, a qual passou a manter num colégio interno depois da morte dos pais.

Agora Paulo compreende ainda melhor as atitudes misteriosas e contraditórias que Lúcia tomava como cortesã. É que esse gênero de vida lhe parecia sórdido e abjeto. Ela suportava como a um martírio, uma autopunição, uma maneira de reparar o seu pecado. Conhecido se passado heróico, ele passa a sentir por Lúcia uma grande ternura e um amor sincero.

Seguem-se dias tranqüilos. Lúcia muda-se para uma casinha modesta e Ana mora com ela. "isto não pode durar muito! É impossível!" É o pressentimento da morte. Lúcia tenta convencer Paulo a se casar com Ana, que já o ama também. Seria uma maneira de perpetuar o amor de ambos, já que ela se julga indigna do puro amor conjugal. Paulo rejeita com veemência em nome do amor que não sente por Ana.

Lúcia aborta o filho que esperava de Paulo. Ela se recusa a tomar remédio para expelir o feto morto, dizendo "Sua mãe lhe servirá de túmulo". E já no leito de morte, recebe o juramento de Paulo prometendo-lhe cuidar de Ana como sua filha. E morre docemente nos braços de seu amado, indo amá-lo por toda a eternidade.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/l/luciola