terça-feira, 22 de novembro de 2011

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 8


ESPECTRO

Chego, fecho-me aqui no quarto. Lá por fora
Ruge o vento de dor. Bate desesperada
A chuva nos vitrais. Eu estou só. Agora
Completamente só. E a noite é gelada.

Sofro. Quero iludir a minha dor que chora.
Folheio este volume e não compreendo nada.
Tento escrever, em vão. Mais, eis que sem demora
Noto que a porta foi como que descerrada...

É alguém, alguém talvez... Meu coração se pasma,
Todo o meu ser enfim trêmulo se retrai:
Vejo pé ante pé chegar esse fantasma...

Entra. Senta-se aqui. Olha-me bem de frente,
Melancolicamente e dolorosamente,
E sem dizer palavra, em seguida, ele sai!

NOX

Escureceu. Silenciosa,
A Noite faz a toilette:
Na cabeleira tenebrosa
Engasta a Lua um alfinete.

Depois, o corpo sempre moço,
O corpo em flor de Sulamita,
Num banho imerge até o pescoço,
Banho de estrelas que palpita.

E enfim de todo quase nua,
Somente envolta em véus ideais,
No carro d’ébano flutua,
Pelos espaços siderais.

Vendo-a passar, dos rendilhados
Palácios de ouro e de cristal,
Como se fossem namorados,
Os astros fazem-lhe um sinal.

E cada vez mais se reclina
Sobre esses coxins de veludo,
Sorrindo como Messalina
Para todos e para tudo...

MORS

Nesse risonho lar,
A dor caiu neste momento,
Como se fosse a chuva, o vento,
O raio, e bate sem cessar…
Bate e estala,
Como uma louca,
De boca em boca,
De sala em sala…

Somente tu, flor delicada,
Como quem veio
Fatigada
De um passeio,
Tombaste ali, silenciosa,
Sobre o sofá,
No abandono,
Pálida rosa,
De um longo sono,
De que ninguém te acordará!

FLORA

Ao Gilberto Beltrão

Ontem, eu me encontrei contigo, ó primavera,
Os lábios a sorrir, como uma flor vermelha,
Tu trazias na mão a clássica corbelha,
E na fronte ideal uma coroa d’hera.

Em derredor de ti, loucamente, passava
Um turbilhão febril de raparigas, quase
Nuas, veladas só por um sendal de gaze,
Mais leve do que o som que Zéfiro soprava...

ODE À SOLIDÃO

À Exma. Sra. Baronesa do Serro Azul

Vamos, é tempo de se abrir a mão de tudo
E fugir de uma vez,
Desses caminhos de sândalos e veludo,
Dourada embriaguez...

É tempo de dizer a tudo quanto passa
O meu adeus final,
Às rosas e aos rosais, à mocidade e à graça,
Tudo que me fez mal.

Quanto me sinto bem, ó minha doce amiga,
Eu, pálido ermitão,
Aqui dentro de ti, da tua paz antiga,
Eterna solidão!

No meio do silêncio imenso que me cobre,
Assim como um capuz,
Como é bom de escutar o mar quebrando sobre
Esses rochedos nus...

É a mesma coisa que se habitasse um castelo,
E é o único lugar
Onde eu me sinto grande, onde eu me sinto belo
Em face deste mar...

Que essências ideais eu respiro! Nenhuma
Outra região assim
Tem esse cheiro bom. A solidão perfuma
Como um jasmim...

És o retiro, a paz, o sonho, e esse caminho
Que eu sempre quis,
O caminho ideal, por onde eu vou, sozinho
E triste, mas feliz.

Ah! para mim tu és o egrégio cofre aonde,
Por suas próprias mãos,
A minha alma recolhe as lágrimas, e esconde
Os meus soluços vãos...

Bendito seja pois esse silêncio obscuro,
Bendita sejas tu,
E esse teu ventre liso, e esse teu seio puro,
Esse teu seio nu,

Onde ao cair enfim de uma tarde de outono
Desejo adormecer,
Calmo, porém, assim como quem dorme um sono
Num seio de mulher...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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