domingo, 27 de novembro de 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 11)


FAVELA
A epopéia de Canudos, comunidade religiosa fundada em 1893, no interior da Bahia, pelo pregador Antônio Conselheiro, foi extraordinariamente narrada por Euclides da Cunha, em Os Sertões.
Logo após os combates em que derrotaram os conselheiristas, as tropas governistas se instalaram num morro da região, chamado Favela, porque lá havia em abundância um tipo de arbusto grande, com o mesmo nome (formado de fava + -ela).
Quando esses soldados retornaram ao Rio de Janeiro, solicitaram ao Ministério da Guerra permissão para fixar residência no alto do morro da Providência, situado na Gamboa, no centro da cidade. Foram eles mesmos que, como lembrança ou por semelhança, passaram a chamar esse conjunto de habitações de morro da Favela. A partir daí, o nome se propagou para designar o conjunto de habitações populares.
Antes da chegada dos soldados, esse morro já era esparsamente habitado por pessoas despejadas de uma enorme estalagem que em 1893 o prefeito Barata Ribeiro mandou demolir, em nome da higiene pública. O cortiço, que chegou a ter perto de quatro mil moradores de toda laia, ficava na Rua Barão de São Félix, perto da Estação de Ferro Central do Brasil, e era conhecido como "Cabeça de Porco", porque sua entrada era um grande portal em arcada, enfeitado com a estátua da cabeça de um porco. A expressão ganhou hifens (cabeça-de-porco) e virou sinônima de casa de habitação coletiva para gente pobre.

FILHO PRÓDIGO
Pródigo, do latim prodigu, é esbanjador, perdulário. A expressão filho pródigo, com o sentido de filho que volta para casa arrependido, se origina de uma parábola do Novo Testamento (S. Lucas, XV). Os personagens não têm nome, o enredo é que conta.
Um homem tinha dois filhos (a mãe, coitada, só entra na história como coadjuvante genética presumida).
Um dia o mais jovem pede ao pai o adiantamento de sua parte na herança, porque todo filho acha que, por educação, só deve morrer depois do pai. E aí, diz Lucas, "o pai dividiu os bens entre eles" - o que faz presumir que ou se tratava de um viúvo, ou passaram a perna na velha.
O filho jovem parte para longe e gasta sua herança todinha "numa vida devassa". Passa fome, sofre privações e, então, arrependido, resolve voltar para casa. Ao se aproximar do seu lar, passa por um novilho cevado, que, quando vê o jovem, começa a chorar copiosamente sem o jovem entender por quê. O pai acolhe o filho entusiasmado, "cobrindo-o de beijos", e ordena aos seus servos:
- "Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!"
E assim trouxeram túnica, anel, sandálias e novilho cevado cozido. No meio da festança, aparece o filho mais velho, o filho fiel, que não havia abandonado o pai - momento de tensão, a música da festa pára, cai um silêncio arrepiante. Informado do motivo da festa, o filho, revoltado, vocifera ao pai, com voz de Barry White:
- "Há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas,* e para ele matas o novilho cevado!"

(O leitor pode concluir que está diante de uma revolta de ordem mais gastronômica que emocional. Não, leitor, não é isso, os animais são uma metáfora econômico-filial.)
* Como é que ele sabia das prostitutas? Havia um jornal da região com coluna social?

Ao que o pai responde:
- "Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.* Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!" * *

A parábola acaba aqui, e Lucas discretamente omite a reação do filho mais velho. Asas à imaginação, leitor!

* Aqui o pai comete uma demagógica inversão de proprietários; já que o velho havia repartido toda a sua herança entre os dois filhos, o enunciado correto seria "tudo o que é teu é meu".
** Parece que originalidade não era o forte do homem. Repare que é o mesmo trecho final de sua fala aos servos.

FISCO
Do latim fiscu, que era um cesto de vime usado para espremer uvas e azeitonas. Depois ganhou o sentido de cesto para guardar dinheiro e, finalmente, o de parcela do rendimento público destinada a sustentar o chefe do estado, o tesouro público.
No português, fisco ficou apenas com o último sentido; esqueceram-se as uvas e as azeitonas e passou-se diretamente à espremeção dos contribuintes.
No latim fiscu originou fiscale e confiscare, origem de fiscal e confiscar, com os mesmos significados.

GALERA
Do catalão galera, que veio do grego bizantinogaléa, toninha (um peixe semelhante ao golfinho; toninha tem a mesma origem de atum: o latim thunnus, atum).
Uma antiga embarcação de guerra, comprida e estreita, movida principalmente por grandes remos e acessoriamente por duas velas, acabou recebendo esse mesmo nome por analogia com a movimentação veloz e ágil do peixe.
Antes que atirem pedras: calma, pessoal, é ironia crítica do autor.
Em vários idiomas, a palavra teve seu sentido ampliado. No francês, galère passou a significar uma atividade, uma condição muito penosa (une vie degalère); no inglês (galère) e no português (galera), prevaleceu a imagem dos remadores numa empreitada comum e a palavra ganhou o sentido de grupo de pessoas da mesma espécie ou classe. No Brasil, galera é popularmente sinônimo de turma, torcida.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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