sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 9)


CAPICUA
A palavra ou a frase que é lida da mesma forma da esquerda para a direita ou vice-versa tem um lindo nome: palíndromo - do grego palíndromos (que volta sobre seus passos), formada de pálin (em sentido inverso) + drómos (correr; daí hipódromo, autódromo...).
É o caso de palavras como radar, anilina, Natan, Menem e de frases como as seguintes.

Amor a Roma.
- A base do teto desaba.
- A bola da loba.
- A cera causa a sua careca.
- A droga da gorda.
- A grama é amarga.
- Ame o poema.
- Anotaram a data da maratona.
- Laço bacana para panaca boçal.
- Seco de raiva, coloco no colo caviar e doces.
- Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.

Não fique o leitor aí torcendo-me o nariz. A frase palindrômica vale mais pela engenhosidade do autor (não fui eu!) do que pela possibilidade do fato enunciado. Afinal de contas, todo o mundo sabe que lobas não têm bolas (não importa o sentido) e que a medicina jamais recomendou como calmante a aplicação de caviar e doces no colo.
Esse processo da mesma leitura de lá para cá e de cá para lá também acontece com os números (202, 1.441, 172.424.271...). Como palíndromo é só para letras, o número que é lido da mesma forma em qualquer sentido tem um nome especial: capicua. A palavra se formou de capi (do latim caput, cabeça) + cu + a. A palavra também existe no espanhol, capicúa, que veio do catalão, significando literalmente "cabeça e rabo".
A última data que foi capicua: 20/02/2002. Qual será a próxima, prezado leitor?
Capicua também é, no dominó, a pedra que pode acabar o jogo encaixando-se em qualquer das duas pontas.

CESARIANA
Do FRANCÊS CÉSARIENNE.
Na Roma antiga, já se nascia com o destino traçado. O bebê era posto no chão pela parteira e o pai o levantava em manifestação de reconhecimento como filho legítimo. Se o pai não fizesse isso, a criança era deixada na porta da casa ou num monturo público à disposição de qualquer um. Se a mãe quisesse ficar com o filho, já era meio caminho andado: salta um futuro escravo à romana! Os bebês que nasciam deformados eram abandonados ou afogados, sem nenhum ressentimento, sob a chancela da inteligensia local. Veja só o preceito

(i)moral do filósofo Sêneca:
"É preciso separar o que é bom do que não pode servir para nada". Plutarco registrou que os pobres abandonavam os filhos "para não vê-los corrompidos por uma educação medíocre que os torne inaptos à dignidade e à qualidade".

Qualquer argumento servia de desculpa moral para o enjeitamento de um recém-nascido. Logo depois que Nero assassinou sua mamãe, Agripina, um romano abandonou um bebê com um cartaz: "Não te crio com medo de que mates tua mãe", o equivalente romano para "Remember Agripina".

Mas fiquemos com os casos felizes. Ao bem nascer, a menina recebia um nome só, o da sua gens (um grupo de famílias com um antepassado comum): Túlia, Cornélia, Júlia. Já o irmãozinho da Túlia ganhava três nomes: (a) o prenome - de segunda mão, já usado por um antepassado (Marco, por exemplo); (b) o nome - que era o da sua gens (com isso já virava Marco Túlio); (c) o sobrenome - o da sua família (e ficava Marco Túlio Graco). Depois, devido ao acúmulo das homonímias e à ausência do CPF, foi- se agregando um quarto e um quinto nomes.

Quando César, o famoso imperador assassinado, nasceu em 100 a.C., foi batizado assim: Caio Júlio César.

O sobrenome da gens Julia - Caesar-já era usado desde 208 a.C., e sua origem é imprecisa. Para alguns veio de caesaries, cabeleira (longa e abundante); para outros, de caesus, particípio de caedere, cortar, e aí interpretado como "retirado do ventre da mãe por incisão". Como o César que ganhou notoriedade foi o personagem shakespeariano, criou-se a lenda de que a palavra cesariana veio dele, que teria nascido dessa forma. Muito improvável: a mãe, Aurélia, viveu muitos anos após o nascimento do filho. A primeira cesariana documentada (numa mulher viva, é claro) foi realizada em 1610. A mãe? Morreu 25 dias depois.

Caesar virou duas coisas: título de imperador romano e salada. A famosa "Caesar salad" tem o nome do seu criador, Caesar Gardini, dono do restaurante Caesar"s Place, em Tijuana, no México. Mais um caso de criatividade movida pela necessidade. A invenção se deu na década de 1920, numa noite em que Caesar teve de improvisar uma salada quando apareceram mais clientes do que ele imaginava.

CLIPE
Do inglês clip, que é a forma resumida de paper (papel)
clip (juntar). *

A palavra foi aportuguesada, clipe, e tem o plural regular clipes, e não, como alguns pronunciam, clips, que é o plural do inglês clip.

No século XIX, as pessoas usavam um alfinete para manter juntas duas ou mais folhas de papel, muitas vezes involuntariamente adornadas por gotículas de sangue.

Videoclipe foi formado de vídeo + o verbo inglês (to) clip com o sentido de cortar, abreviar.

Em 1899, o norueguês Johan Vaaler, Convicto de que o século não poderia terminar sem um fato impactante para a civilização, inventou o clipe. Ele patenteou sua criação na Alemanha porque, naquela época, não havia legislação sobre patentes na Noruega.

O clipe de Vaaler tinha uma volta a menos que o atual, com a desvantagem de o final do arame ferir o papel. E daí? - questionaram os noruegueses, sem conhecer a versão posterior aprimorada. Era um objeto inventado por um norueguês para a humanidade, um orgulho para o país. Que outra invenção, além do bacalhau, a Noruega teria a ostentar perante o mundo?

O clipe se transformou num símbolo nacional. Na Segunda Guerra Mundial, as forças nazistas ocupantes proibiram que os noruegueses usassem buttons com as iniciais de seu rei Haakon VII, que vivia no exílio. Em substituição, e em sinal de protesto pela ocupação, eles passaram a usar um clipe na lapela. Em Oslo, existe um monumento com uma escultura de um clipe de seis metros de altura, em homenagem a Vaaler.

O clipe ganhou cores, formas, plásticos e um consumo impressionante em todo o planeta. Nos Estados Unidos as vendas chegam hoje a 11 bilhões de unidades por ano. Aí pelo final da década de 1990, Lloyds Bank promoveu uma curiosa pesquisa sobre a utilização dos clipes pelos norte-americanos, que são fascinados por pesquisas bizarras. Qual o destino final de um clipe? Se você pensa que evidentemente é unir folhas de papel, veja o resultado da pesquisa (colhido num site na Internet, acredite se quiser). De cada 100.000 clipes consumidos nos Estados Unidos:

- 19.143 servem como fichas de pôquer;
- 17.200 mantêm peças de roupa juntas;
- 15.556 caem no chão e se perdem;
- 14.163 são distraidamente destruídos em conversas telefônicas;
- 8.504 são usados para limpar unhas ou cachimbos;
- 5.434 viram palitos para cavucar os dentes.

O que dá um total de 80.000 clipes. Os demais 20.000 têm destinos variados. Ah, sim, quantos são usados para juntar folhas de papel? Apenas cinco!

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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