terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Maria Zilda da Cruz (Gemido Verde)


Frondosa, a majestosa árvore oferecia mais um verde à natureza. Sua cor pertencia ao matizado de tantos outros verdes, existentes nas grandes árvores, nos pequenos arbustos nas humildes hortaliças e nas plantas quase rasteiras. Não importa o tamanho. A diversidade do verde se espalha ao infinito!

As árvores, juntas, formam o bosque quando muitas engrandecem a terra com uma floresta. A Amazônia enriquece o território brasileiro.

Mas eis que o homem, empobrecido de pensamento, sem coração, mata o verde, tira a nobre mata e deixa pobre o solo. Forma-se um vazio na terra, despida de sua maternidade de tantas dadivosas árvores.

Em cidades hospitaleiras do verde, elas crescem orgulhosas de suas sombras. Ofertam a beleza de flores, às vezes de frutos e sempre acolhem os pássaros e outros bichinhos.

Assim era aquela gigantesca árvore; um dia fora pequenina, plantada por mãos carinhosas. Hoje, ostentava a imponência herdada de séculos de ascendência. Crescia cada vez mais: na altura, desafiando chegar próxima ao céu; na largura, ara aumentar a sombra, em proteção ao sol quente, de algum verão exagerado. Até ajudava a agasalhar a desprevenida pessoa, sem guarda-chuva, de alguma chuva passageira. Em seus galhos fortes, sustentava meninos travessos, brincalhões, sentindo-se heróis em imaginárias cavalgadas, corridas velozes sem sair do lugar, confundidos na exuberante ramagem.

Aquela árvore era a presença duradoura para mais de uma geração. Enfeitava a avenida que, com muitos alargamentos, acabara por deixá-la isolada num canteiro central. Só, ela se destacava ainda mais. Os pássaros sentiam um refúgio seguro para construir seus ninhos. Até faziam o par do amor para depois, surgirem redondos ovinhos. Então, passado o tempo da natureza, novas gerações de aves cantavam a sonoridade da vida.

Olhando ao redor, a árvore se preocupava com tantas mudanças urbanas. Não entendia muito os planos de modificações do lugar. Nem sempre deixavam o local mais bonito: o cimento, o asfalto comia a terra dos canteiros e muito verde desaparecia. Então, ela escutava um nome esquisito, progresso, que lhe causava arrepios.

Um dia, o temor se transformou em medo. Homens com grossas luvas seguravam uma serra bem forte. Com decisão e audácia contra a vida, a mortífera máquina começou a trabalhar. No vai e vem dos dentes impiedosos, a serra logo sentiu o crime de seu ato. A árvore estremecia. Os pássaros voavam pedindo socorro pelos seus ninhos, pelos ovinhos, pelos filhotes indefesos. Os galhos aos poucos caiam! Dezenas de anos, lentamente florescidos, sentiam a morte decretada. Uma imensidão de verde cobria o negro asfalto da nova avenida.

Molhada pela seiva da vida perdida, que escorria em abundância, a serra tremia um pedido de desculpas pelo que fazia. Já pressentia a avalanche de futuros remorsos, fantasmas de um crime sem culpa. Somente uma criança, parada na calçada, sentia a agonia da frondosa árvore e ouvia o gemido de dor de um verde vencido.
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Maria Zilda da Cruz é Mestra e Doutora em Psicologia pela USP. Presidente da Academia Feminina de Ciências, Letras e Artes de Santos e Membro da Diretoria da Academia Santista de Letras.

Fonte:
Texto e imagem obtidas em:
Cláudio de Cápua (editor). Revista Santos: arte e cultura. Ano V, vol. 27. Maio de 2011.

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