sábado, 28 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 12a. Parte


" REVOLVER "

Tu me tomas-te, encantada,
em tuas mãos,
(como um menino a um revolver de brinquedo)
com uma alegre ingenuidade...
..........................................................................
Só que ainda não te apercebeste
que é um revolver de verdade…

"RIO-ME"

Rio-me, e entretanto, eu sei que estou doente
que um cansaço de tudo às vezes a alma invade,
e de repente, sou como um mendigo ao fim do dia
sem ter para onde ir, à hora em que todos voltam...

Rio-me, e entretanto, eu sei que às vezes choro
sem lágrimas, sem pranto, só por dentro, e sinto
que a vida de repente é uma coisa sem nada
que lhe possa explicar um segundo que seja!

Rio-me, e entretanto, a vontade que tenho
é de às vezes deitar-me na rua, e esperar
que um vento sopre a luz dos meus olhos, mais forte,

e acabe de uma vez com o que nunca devera
um dia começar, se o fim que se anuncia
ninguém sabe seu nome: é vida, sonho, ou morte?

" SABEDORIA "

Não te percas em vã filosofia....
O negócio é viver..... Vive primeiro!
O pouco que alcançaste é o verdadeiro,
e o resto, sonho só, - tudo utopia.

Deixa passar o que não pode ser!
A esperança do vão, é doentia...
Ergue a mão ao que a mão pode colher
e ao que está longe, esquece e renuncia......

Se tiver que chegar o inesperado
colhe-o, que essa é a atitude de quem vence:
saber colher o bem predestinado.....

A Vida é o mais efêmero dos bens
nela em verdade, nada te pertence,
nem sabes aonde vais...... nem de onde vens....…

" SEM QUERER... "

Tu nada dizias...

Mas eu precisava saber
para aplacar minha dor...

Foi então que toquei tuas mãos
sem querer...

Tuas mãos, tão frias...
- Obrigado, meu amor...

" SILÊNCIO "

E porque tudo
queremos dizer...

Nunca temos tempo
de dizer nada…

" SINAL ERRADO... "

Teus olhos verdes,
traiçoeiros,
indicavam passagem livre...

Segui...

Era o abismo…

" SÓ "

Lá fora há um luar triste
molhando tudo...

Será o luar
ou serão os meus olhos ?

" SOLILÓQUIO AMARGO "

As vezes (e estamos em nossas vidas, naturalmente,
vivendo dias e noites, dias e noites
há tanto tempo . . . )

- e, de repente, um pensamento amargo e insólito
toma conta de mim.

Um dia - e ele chegará - um de nós terá
que partir,
e o outro, vai ficar.

Eu? Você? Quem terá que se despedir
sem dizer para onde? Quem terá que ficar
sem dizer para que?

Imagino esse dia, - e um estranho pavor me paralisa
por alguns momentos.
Não concebo minha vida sem Você,
e, - desculpe-me - tenho mais pena de Você
se for eu que tiver que ir embora.

Ha tantos anos vimos trazendo nossas vidas como uma vida só,
e de tal modo as juntamos que o dia em que tivermos que separá-las
a que ficar, será um simples destroço, um pedaço mutilado de vida
incapaz de sobreviver.

Para que, meu Deus? a gente construir com duas vidas
um destino só,
fazer esse trabalho dias e noites, de tantas pequeninas coisas
aparentemente insignificantes,
de momentos de puro prazer, de horas de lenta agonia,
construí-to lentamente, como quem estivesse fazendo uma
obra para sempre,
e, subitamente - sem o menor aviso, sem a menor razão,
depois de tanta coisa juntada, e sonhada, e sofrida,
uma força maior - como uma faca - corta tudo ao meio
e uma metade se enterra, e a outra metade, de pé, se desmorona
como um auto-mausoléu de areia?
.....................................................................................................
Eu te agradeço, Senhor, que este pensamento
só raramente me venha, e logo o sopres além...

Que seria de mim, afinal, se ele pousasse por mais tempo
em minha vida?

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

Nenhum comentário: