quarta-feira, 25 de abril de 2012

Fernando Paganatto (Livro de Sonetos)

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SÃO AMORES?

São amores estas ondas que trazes
Vindas de continentes tão distantes,
Que descrevo, agora, em versos e frases,
Em eternos e pequenos instantes?

São? Ora, me contas uma quimera!
E são as ondas como são amores,
Este incessante vai-e-vem? Quem dera,
Seria tão mais fácil aos amadores!

Mas não! Mais amor do que as ondas são
Recifes que na praia ao longe avisto
E misturam-se, ao horizonte, ao mar.

Marés altas e baixas passarão
E estas pedras tão imóveis, insisto,
Ficarão para sempre em nosso olhar.

GAVETA

Sonha nos braços da amada
Viver pra sempre o poeta,
Como uma frase olvidada
No fundo de uma gaveta.

Não que não será usada.
A frase, inda que secreta,
Vive n’alma apaixonada
E por esse amor completa.

E existe no seio amado,
De frases uma gaveta
A espera de seu poeta.

Para que na hora correta
Possa recitar ao lado
Do motivo de seu fado.

SONHO SOBRE UM CAMPO DE CENTEIO

Voando passei por prado de centeio
Vereda abriu sob meu ventre voador
Voltava num vasto devaneio
Vôo d’alma livre como dum condor

E os trigos gritavam: Sim, ele veio!
E me olhavam os ares com pudor
A tudo em volta voava eu alheio
De tal modo a sonhar ser sonhador

As estrelas calam a fala ao meio
Escala o sol a terra com ardor
Cola a noite o horizonte ao seio

Do menino a luz nos olhos é dor
Lembrar-se torna, ao travesseiro, anseio
De um futuro, de sonhos, rimador.

DOCE MEL

Doce mel de vívidos canaviais,
É a baba dos deuses pelos manjares.
Tem, portanto, propriedades vitais
Como a cura para certos pesares.

E estes pesares são os passionais,
Que vivem espreitando nossos lares
Afim de levar um coração mais
Para o umbral das almas que não têm pares.

Sim, amigo etílico, você entende
O que um homem pode, algum dia, passar.
O ruim é que teu consolo mal rende:

Os olhos já começam a pesar,
O som já quase não mais se compreende
E tudo que se deseja é acordar.

DA TRISTEZA D’MAR

Triste é o mar que é só mar
E milhas à frente nada,
A não ser o alvo luar
E minha rota ignorada.

Triste, então, é meu pensar
Na breve vida passada,
E dirijo ao mar o olhar,
Ao desejar ser tocada

Minh’alma por belas mãos,
Que acariciam, ao vento,
Em farta imaginação,

O bom de haver sofrimento.
Mas, teus olhos voltarão,
Quando não houver mais tempo.

SONETO DO TEU PARTIR

O que restou, somente, foi teu lenço
Largado, na partida, sobre o cais.
Acompanhando-o está meu silêncio
E essa dor que não se despede mais.

Queria que na brisa do oceano
Eu sentisse de novo teu perfume
E tornassem, com ventos assoprando
As lembranças da razão que nos une.

Só assim poderei virar de costas
Para o mar onde agora tu te encontras
E caminhar com o espírito leve.

E a cada atracar de uma nova frota
Uma esperança em meu coração brota:
A de ler, para sempre, quem escreve.

CORAÇÃO SELETIVO

Ao notar o arriar das velas,
Percebi que breve iria
Deixar lembranças mui belas,
Neste porto da alegria.

Sei que nada fiz por elas.
A mente, conservei fria.
Reparei nas caravelas
Que atracavam na baía,

E de todas me esqueci
Quando, de manhã, parti
Somente vendo uma imagem.

E durante toda a viagem,
Acompanhou-me a miragem,
Que, um dia, pude ter de ti.

SONETO DO ETERNO NAVEGAR

É longínquo o horizonte buscado
Como teu semblante, é cálido e firme,
E quanto mais as ondas eu domine
Fica distante o som do teu pecado.

Mas não pretendo, em falso, redimir-me
Pois sei o que me faz ter navegado
Tantas milhas ao mar, desesperado
A alcançar a imaginação sublime.

Se no horizonte não pude atracar
Em muitos portos fui bem recebido
Mas sempre terminei por navegar.

Posso estar sendo marujo atrevido
Porém, é meu destino sempre o mar
E sei, nunca serei bem sucedido.

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