quinta-feira, 31 de maio de 2012

Flávio Carneiro (Aprendizagem)


Ilustração: Eva Uviedo


- Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer? 

 - Hã?  - Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo? 

 - Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha. 

 A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas. 

 - Todo dia, mãe? 

 - É, só que a gente não repara. 

 - Por quê? 

 - Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha? 

 A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder. 

 - Você é muito ocupada, não é, mãe? 

 - Hã? 

 - Nada, não. 

 A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário. 

 Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto. 

 "Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana! 

 Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis. 

 - Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer? 

 - Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura? 

 Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder. 

 A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda. 

 - Mãe! 

 - O que foi? 

 - É que eu estava aqui pensando. 

 - Pensando o quê? 

 Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas. 

 - Vai, fala logo. 

 - Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu? 

 - Não, não entendi. 

 Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar: 

 - Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo? 

 - Ai, meu Deus! 

 Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca. 

 Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela: 

 - Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu? 

 E com um carinho: 

 - Foi minha mãe que me ensinou.

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