segunda-feira, 28 de maio de 2012

Graciliano Ramos (Caetés)


 Primeiro romance de Graciliano Ramos, Caetés dá a impressão, quanto ao estilo e análise, de deliberado preâmbulo; um exercício de técnica literária mediante o qual pôde aparelhar-se para os grandes livros posteriores. Publicado em pleno surto nordestino (1933), contrasta com os livros talentosos e apressados de então pelo cuidado da escrita e o equilíbrio do plano. Dá idéia de temporão, de livro nascido aos dez meses, espiritualmente vinculado ao galho já cedido do pós-naturalismo, cujo medíocre fastígio foi depois de Machado de Assis e antes de 1930. Nele, vemos aplicadas as melhores receitas da ficção realista tradicional, quer na estrutura literária, quer na concepção da vida.

 Graciliano foi mais regionalista - ou provincianista - neste romance.

 O título do livro, Caetés, é a aproximação que faz o Autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha (1602-1656)) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério "devorando" Adrião, o rival.

 Neste romance, é forçosa a aproximação entre Graciliano Ramos e Eça de Queiros, nas notações irônicas sobre o meio provinciano de Palmeiras dos Índios, cidade alagoana da qual Graciliano foi prefeito.

Foco narrativo

 Narrado em primeira pessoa, por João Valério. 

Ação / Espaço

 A ação desenvolve-se em Palmeira dos Índios.

Temática

Caetés tem uma riqueza temática que poucos romances brasileiros de seu tempo têm. Note-se, nesse sentido, que a figura de João Valério representa a problematização, em alto grau de complexidade, do ambíguo papel do intelectual naquele momento em que o país passava por fortes transformações. Alguns críticos viram um sinal de grandeza de caráter nas inclinações intelectuais desse medíocre guarda-livros que colabora no jornal editado pelo padre da cidade e que durante cinco anos luta para concluir um romance sobre os índios caetés sem nunca conseguir sair do segundo capítulo.

Enredo

 João Valério, o personagem principal, introvertido e fantasioso, apaixona-se por Luisa, mulher de Adrião, dono da firma comercial, onde trabalha. O caso amoroso é denunciado por uma carta anônima, levando o marido traido ao suicídio. Arrependido, e arrefecidos os sentimentos, João Valério afasta-se de Luisa, continuando, porém como sócio da firma. O título do livro, Caetés, é a aproximação que faz o autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha (1602-1656) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério "devorando" Adrião, o rival. João Valério, é ao mesmo tempo, homem e selvagem: "Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. É eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha com algumas diferenças."

 A atmosfera geral do livro se liga também à lição pós-naturalista, onde encontramos a celebração dos aspectos mais banais e intencionalmente anti- heróicos do quotidiano. A intenção do autor parece ter sido horizontalizar ao máximo a vida dos personagens, as relações que mantém uns com os outros. Exceto o narrador, João Valério, os demais são delineados por meio de aspectos exteriores, em que se vão progressivamente revelando. O autor não apenas procura conhecê-los através do comportamento, como se revela amador pitoresco da morfologia corporal, definindo-lhe o modo de ser em ligação estreita às características somáticas: fisionomia, tiques, mãos, papada de um olho esbugalhado de outro, barbicha de um terceiro. Apresenta-os por esta edição de pequenos sinais externos, completando-os aos poucos no decorrer do livro, não sem alguma confusão, que requer esforço do leitor para identificar os nomes chamados à baila. E assim vemos de que modo a minúcia descritiva do naturalismo colide neste livro com uma qualidade que se tornará clara nas obras posteriores: a discrição e a tendência à elipse psicológica, cujo correlativo formal é a contenção e a síntese do estilo. "Com a pena irresoluta, muito tempo contemplei destroços flutuantes. Eu tinha confiado naquele naufrágio, idealizara um grande naufrágio cheio de adjetivos enérgicos, e por fim me aparecia um pequenino naufrágio inexpressivo, um naufrágio reles. E outro: dezoito linhas de letra espichada, com emendas." A vocação para a brevidade e o essencial aparece aqui na busca do efeito máximo por meio dos recursos mínimos, que terá em São Bernardo a expressão mais alta. E se Caetés ainda não tem a sua prosa áspera, já possui sem dúvida a parcimônia de vocábulos, a brevidade dos períodos, devidos à busca do necessário, ao desencanto seco e humor algo cortante, que se reúnem para definir o perfil literário do autor.

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