domingo, 24 de junho de 2012

Mara Melinni (Lembrança de uma Caixa de Sapato)


Era o começo de uma tarde tranquila de fim de semana. Não fazia muito sol e as nuvens pareciam combinar um gesto amigo no céu, criando uma sombra agradável no jardim. Eu tinha acabado de almoçar, mas ainda podia ouvir, ao longe, o barulho dos últimos pratos e talheres que eram removidos da mesa, enquanto vozes sussurravam, entre risos, da cozinha.

Eu estava pensativa e fui me sentar debaixo das árvores. Da cadeira de balanço, no embalo do vai e vem, comecei a olhar para os meus pés pequenos, que buscavam apoio no portão da varanda. Uma leve sonolência me envolvia e revivi, naquele momento, algumas cenas e sensações dos meus primeiros anos na escola, que retornaram em uma lembrança encantadora.

E pensar que tudo começava daquele mero olhar de pés...! Partia por uma viagem no tempo... Recordava-me, perfeitamente, das chinelas que usávamos nos primeiros anos da escola. Eram todas iguais, de borracha e couro, na cor azul escuro. Minha mãe sempre comprava um número acima do meu, senão não suportariam o final do ano, já que pé de criança cresce num piscar de olhos.

Mas o auge da minha ansiedade era passar para a antiga primeira série. Deixaria de lado as sandálias azuis, que combinavam com batinhas de algodão, com uma cor para cada ano, feitas com bicos e com o nome bordado no bolso que geralmente ficava na frente, onde todos os alunos costumavam trazer um lenço. Esse era o uniforme e tudo era preparado, com capricho, em casa.

Enfim, eu estava crescendo. Já sabia ler e escrever. Era tempo de assumir novas responsabilidades e de, finalmente, poder usar o tão sonhado objeto dos meus desejos (e de todas as meninas de seis anos de minha época)! Eu nunca me esqueci da primeira vez em que coloquei os meus pés dentro daquele sapato-boneca! Ele era perfeito, preto, com um detalhe que me orgulhava: tinha um salto quadrado, mas, enfim, era um salto!

Foi amor à primeira vista, um sucesso. Eu queria passar o dia inteiro desfilando com eles nos pés, dentro de casa. Mas minha mãe logo veio me explicar que os sapatos deveriam ficar na caixa, esperando pelo primeiro dia de aula. Eu adorava estar de férias, mas a ânsia de sair com eles, pela primeira vez, fazia-me desejar que os dias corressem.

Para completar, havia outra novidade. Eu, enfim, usaria um novo fardamento na escola, composto por camiseta branca, com o símbolo do educandário pintado no peito, e mais: calça! Sim, calça de tecido azul escuro, que geralmente era brim. Tudo isso, com os meus sonhados sapatos, combinados com meias brancas. Parecia um conto de fadas ir para a escola...! 

E eu me sentia tão majestosa naqueles trajes, que não gostava do dia da educação física, quando os sapatos-boneca ficavam repousando em um dia merecido de folga. Pena que só cheguei a usá-los por dois anos, pois a escola resolveu adotar o tênis como o calçado oficial, para a tristeza de outras tantas meninas que aguardavam o momento de usar os seus quase sapatinhos de cristal.

Sinto saudade... A magia daquele singelo par de sapatos devolve-me puras e valiosas sensações. Olho para os meus pés, após um cochilo no tempo, e a lembrança revivida em minúsculos detalhes, leva-me a rir à-toa... E a vida recupera, mais uma vez, todo o encanto que eu guardava dentro daquela caixa de sapatos...!

Fonte:
http://melinni.blogspot.com.br/2012/03/lembranca-de-uma-caixa-de-sapato.html

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